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O estado de posse de filho.

Aspectos constitucionais

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Agenda 25/12/2008 às 00:00

No Brasil, ao contrário do que ocorre no exterior, a paternidade sócio-afetiva não é utilizada como fator determinante no tocante à filiação para a maioria da doutrina.

Sumário: Introdução; 1. Mudanças sociais da família e seus aspectos jurídicos; 2. Filiação e posse do estado de filho; 3. A posse do estado de filho perante os tribunais; Conclusão; Referência bibliográfica.


INTRODUÇÃO

No Brasil, ao contrário do que ocorre no exterior, a paternidade sócio-afetiva não é reconhecida pelo Direito de forma expressa, sendo que o estado de posse de filho não é utilizado como fator determinante no tocante à filiação para a maioria dos aplicadores da lei, bem como para a própria doutrina.

Ressalte-se que a Carta Magna de 1988 deu um grande passo no que diz respeito ao novo conceito de família, valorizando os laços afetivos, igualando, desta forma, a filiação e proibindo discriminações de qualquer tipo, englobando, destarte, a filiação sócio-afetiva.

Dever-se-á levar em consideração, quando falar em estado de posse de filho, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana explícito na Carta Magna e o Princípio da Prevalência do Interesse do Menor, estampado no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Todos os filhos, independentemente de sua origem, têm os mesmos direitos, e, baseando-se nesse preceito, há de ser considerado o estado de posse de filho sob todos os termos que a lei confere àqueles que o são.

Este artigo nos remete à noção do estado de posse do filho para a utilização no nosso ordenamento jurídico, principalmente no que diz respeito aos conflitos de paternidade, que são constantes na sociedade contemporânea.


1. MUDANÇAS SOCIAIS DA FAMÍLIA E SEUS ASPECTOS JURIDICOS

A sociedade sofre mudanças constantemente e não é diferente no que diz respeito à família, que é a instituição que mais se transforma. Antes, hierarquizada e patriarcal, era fundada exclusivamente no casamento, ato celebrado de acordo com as normas estabelecidas pelo Estado que, por muito tempo, sofreu influência da Igreja Católica. Somente os filhos oriundos deste eram reconhecidos como filho pelo ordenamento jurídico.

A proteção da família é interesse do Estado, que traz na própria carta magna o reconhecimento de que a família é considerada como base da sociedade organizada, e, para esta proteção traça normas especiais.

Além das normas contidas na Constituição Federal de 1988, possuímos normas destinadas especificamente ao direito de família encontradas, por exemplo, no Livro IV do Código Civil de 2002.

Antes do advento da Constituição Federal de 1988, a única forma familiar reconhecida pelo direito e que, portanto, merecia proteção do Estado, era aquela realizada por intermédio da existência de um casamento, feito de acordo com as normas estabelecidas pelo próprio Estado.

Atualmente, se evidencia no mundo jurídico a diversidade de composições familiares, reconhecendo nessas uniões um modelo plural de família a ser protegido pelo Direito, como também o presente eleva o direito de viver juntos à condição de direitos fundamentais, orientados pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

A diversidade de composições familiares se justifica pela leitura do art. 226. da Constituição Federal de 1988.

É preciso lembrar, ainda, que no que diz respeito à família, a jurisprudência tem dado imensa colaboração e é uma fonte do direito de muita utilização, empregando, principalmente, aos julgados os princípios constitucionais como fonte de interpretação.

Apesar de a jurisprudência oscilar na evolução dos direitos garantidos aos filhos, a mesma aponta para a igualdade que, estando na Constituição, não pode ser afrontada por nenhuma outra norma.

Destarte, em matéria de família, o julgador tem papel fundamental, pois, por ações ou omissões, os pronunciamentos do Judiciário acabam edificando, a seu modo, um conceito de família que, na maioria das vezes é bem mais abrangente do que aquele contido na Constituição Federal (Art. 226. e seguintes). Com certeza, o lado emocional integra uma perspectiva ineliminável do conflito jurídico das famílias. Essa subjetividade não pode ser dissociada do fenômeno, uma vez que compõe as crises familiares.

A ampliação moderna do conceito de família adotado pela Constituição Federal de 1988, bem como, pela Lei do Concubinato e pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) amplia os horizontes do conceito de paternidade e faz fulgurar a noção da filiação afetiva, conforme veremos a seguir.

O art. 227. da Carta Magna estabelece um modelo segundo o qual se pode basear uma organização familiar ideal, onde se encontra uma relação afetiva saudável que merece proteção específica do Estado.

As normas vêm direcionando para o reconhecimento da inegável realidade de que a família é um núcleo fundado no afeto e não pura e simplesmente na consangüinidade. Vejamos o entendimento de Maria Berenice Dias (2001, p. 50):

"A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode deixar de conferir o status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal, no inciso III do art. 1º, consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana".

A Jurisprudência tem aderido à idéia de filiação afetiva independente da biológica, indo inversamente à base estritamente patriarcal estabelecida anteriormente e no laço consangüíneo.

Ações negatórias de paternidade, ou seja, aquela que visa negar a paternidade em relação ao filho já registrado tem sido improvidas quando se detecta a existência de um vínculo afetivo de filiação em vista de uma convivência duradoura entre pai e filho, o que se percebe através da larga fonte jurisprudencial.

Imaginemos os transtornos psíquicos de um filho, independente da natureza da filiação, que, de uma hora para a outra, se veja despido de uma realidade que nutriu durante toda sua vida no que diz respeito às suas origens. Sua personalidade sofreria efeitos desastrosos o que não é a atitude mais justa.

Destarte, o conceito jurídico de filiação tende a se expandir, partindo da percepção já consagrada na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente de que os laços afetivos desenvolvidos na vida em família se sobrepõem às questões genéticas e patrimoniais.

O direito está se tornando cada vez mais humanista, dando mais importância ao patrimônio espiritual e psicológico do indivíduo. É possível afirmar que o direito vem consagrando a reparabilidade do dano moral, a igualdade das filiações, a proteção à mulher, à criança e ao adolescente etc.

A filiação reconhecida pela sociedade e pelo próprio direito cada vez mais deixa de ser algo que se herda geneticamente para ser algo que se constrói diariamente ao longo da vida, com a participação plena do grupo familiar.

Ao que parece a questão da paternidade deve ser vista, também e, sobretudo, sob o ponto de vista afetivo, visto ser este um dos mais nobres valores presentes na construção dos relacionamentos.

A realidade atual é o reflexo da mudança dos paradigmas no que se refere aos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos, como por exemplo, a posse do estado de filho. Destarte, o Direito ampliou o conceito de paternidade, que passou a compreender os parentescos psicológicos, que prevalece sobre a verdade biológica e a realidade legal.

Nas sábias palavras de José Bernardo Ramos Boeira (1999; p.54):

(...) A posse do estado de filho revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe, não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de elementos que somente estão presentes, frutos de uma convivência afetiva.

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Desta forma a verdade real é que goza o filho da posse de estado, a prova mais exuberante e convincente do vínculo parental, conforme enfatiza Zeno Veloso (1997; p.28), que questiona:

Se o genitor, além de um comportamento notório e contínuo, confessa, reiteradamente, que é o pai daquela criança, propaga este fato no meio em que vive, qual a razão moral e jurídica para impedir que esse filho, não tendo sido registrado como tal, reivindique, judicialmente, a determinação de seu estado?

As transformações dos valores e conceitos que ocorrem na sociedade ao longo do tempo devem ser acompanhadas de perto pelo Direito para que este consiga solucionar os conflitos que lhe são apresentados, e o estado de posse de filho é uma realidade vivenciada em diversas famílias.


2. FILIAÇÃO E POSSE DO ESTADO DE FILHO

Atualmente é vedada a classificação da filiação, feita no antigo Código Civil (de 1916), por ser discriminatória e, destarte, inconstitucional.

Hoje, com a possibilidade científica de cessão de útero, criopreservação, implante e doação de gametas, e, despontando o domínio da técnica de clonagem humana, o princípio mater semper certa est encontra-se fortemente abalado, isto porque, nem mesmo a mãe é mais sempre certa.

Destarte, ao passo que o sistema jurídico redefine os conceitos de família, a questão da paternidade sobreleva-se como uma mera concepção jurídica, e, adotado este diapasão, torna-se possível o reconhecimento do vínculo afetivo como caracterizador, por si, da filiação.

O artigo 1.596 do Código Civil de 2002 repete, na íntegra, o disposto no artigo 227, §6º da Constituição Federal, que, em preservação da dignidade da pessoa humana, veda as desigualdades entre os filhos, coroando uma longa e árdua evolução da sociedade e do direito, já que, durante muito tempo, filhos havidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos dos oriundos do matrimônio civil, sendo excluídos da "cidadania jurídica", em favor de uma falsa harmonia nas relações matrimoniais.

O princípio jurídico da afetividade tem fundamento constitucional. No que diz respeito aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou à progressiva superação dos fatos da discriminação entre eles. Surgiu então, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade, tendo em vista que consagra a família como unidade de relações de afeto, após o desaparecimento da família patriarcal.

A Carta Magna abriga princípios implícitos que decorrem naturalmente de seu sistema, incluindo-se no controle da constitucionalidade das leis. Desta forma, encontram-se na Constituição Federal brasileira algumas referências, cuja interpretação sistemática conduz ao princípio da afetividade, constitutivo dessa aguda evolução social a família. No art. 227, § 6º vemos que todos os filhos são iguais, independente de sua origem. Quando nos remetemos ao art. 227, §§ 5 e 6º observamos que a adoção, como escolha afetiva, alcançou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos. Note-se que, no art. 226, §§ 3º e 4º podemos concluir que a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, independente de consangüinidade, e a união estável têm a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida.

O Código Civil não poderá se sobrepor às normas constitucionais, como por exemplo, ao art. 227, §6º da Carta Magna, que revogou qualquer tipo de norma discriminatória entre cônjuges e filhos, excluindo-as definitivamente do mundo jurídico.

Destarte, se todos os filhos são iguais, independente de sua origem, é porque a Constituição afastou qualquer interesse de valor que não seja o da comunhão de amor ou do interesse afetivo como fundamento da relação entre pai e filho.

Não havendo mais que se ater aos conceitos formulados por doutrinadores consagrados, como por exemplo, pelo ilustre e renomado civilista Caio Mário da Silva Pereira (2002, p. 16) que afirma que "(...) em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum." A família como visto, não pode ser mais baseada, pura e simplesmente, com base na questão biológica, mas sim, também, com base na afetividade.


3. A POSSE DO ESTADO DE FILHO PERANTE OS TRIBUNAIS

Com a presunção pater is est trazida pelo Código Civil de 1916, a jurisprudência não permitia que o filho adulterino ou um terceiro ajuizassem ação de investigação de paternidade, que era feita com base no liame jurídico, como e percebe na seguinte decisão:

(...)Investigação de Paternidade – Presunção de legitimidade da filiação, se o autor nasceu na constância do casamento. CC, art. 340. Cabe privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher. CC, art. 344. De acordo com o art. 343, do CC, não basta, sequer, o adultério da mulher, com quem o marido vivia sob o mesmo teto, para ilidir a presunção legal de legitimidade da prole. Não é suficiente, outrossim, a confissão materna para excluir a paternidade (CC, art. 346). Hipótese em que os pais do autor, casados, viviam sob o mesmo teto, não havendo, por parte do marido, até a morte, contestação da legitimidade do filho, que registrou, logo após o nascimento, na forma da lei. Não há como desprezar a paternidade legítima, não contestada, existente convivência conjugal e não comprovada a situação prevista no art. 340, I, do CC, para reconhecer paternidade legítima, contestada na ação pelos herdeiros do investigado, sem comprovação, também, de concubinato. Não é possível emprestar, assim, à prova produzida, na ação de investigação de paternidade, aptidão a afastar a presunção legal da paternidade legítima. Alegação improcedente de negativa de vigência do art. 1º, da L. 883/49, e do art. 363, III, do CC. O acórdão não afirmou que escrito do investigado não possa servir de base à ação investigatória de paternidade ilegítima. Ao não reconhecer a procedência da ação, o aresto não vulnerou o art. 363, III, do CC, mas teve em consideração, com preferência, as regras dos arts. 337, 340, 344 e 347, todos do CC 01. (grifo nosso)

Importante citar também uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, onde o relator foi o Ministro Néri da Silveira, por ocasião do julgamento de Recurso Especial nº. 102.732-1/GO, ocorrido no dia 05/08/1986, com a desconsideração dos tribunais quanto à noção de estado de posse de filho, o qual transcreve:

Investigação de Paternidade – CC, art. 363. Segundo o acórdão, os fundamentos da procedência da ação foram a "posse de estado" e a "confissão não escrita", não a prova do concubinato ou de relações sexuais à época da concepção. Divergência entre as testemunhas, cujas declarações se transcrevem no acórdão, quanto ao pai da autora. Não há prova documental. Não reconhecida expressamente no acórdão a ocorrência de qualquer das hipóteses do art. 363. do CC brasileiro, deu-se pela procedência da demanda afirmando que a condição de filha ilegítima por parte da autora era de considerar-se a partir da posse de estado. Não se compreende no âmbito da Súmula 279 a discussão referente à possibilidade de tão-só com base na posse de estado julgar a procedência da ação de investigação de paternidade, à vista do art. 363. do CC brasileiro. Cuida-se, aí, de quaestio juris federal, vinculada à compreensão do art. 363. do CC brasileiro. Não é invocável a Súmula 279. Não configurando os fatos, assim como acolhidos pelo acórdão, qualquer das hipóteses do art. 363. do CC brasileiro, a procedência da ação, com base nesse dispositivo, importa aplicá-lo inadequadamente à espécie, o que constitui negativa de sua vigência. RE conhecido e provido para julgar improcedente a ação 02. (grifo nosso)

Ambas as decisões citadas anteriormente foram tomadas antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, onde, é notória a prevalência da verdade jurídica sobre a verdade biológica da filiação.

Porém, após a promulgação da Carta Magna de 1988, a jurisprudência acabou por enfraquecer a presunção pater is est, sobrepondo a paternidade biológica sobre a jurídica, como demonstra a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº. 215.247, que teve como Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julgado em 06.12.1999:

Investigação de Paternidade – Prova Testemunhal Precária – Prova Genética – DNA – Natureza Da Demanda – Ação de Estado – Busca da Verdade Real – Instrução Probatória – Preclusão – Inocorrência Para o Juiz – Processo Civil Contemporâneo – Cerceamento de Defesa – Caracterização – Precedentes – Recurso Provido – I – Além das questões concernentes às condições da ação e aos pressupostos processuais, a cujo respeito há expressa previsão legal (CPC, art. 267, § 3º), a preclusão não alcança o juiz em se cuidando de instrução probatória. II – Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes. III – Diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. IV – Na fase atual de evolução do Direito de Família, não se justifica, sobretudo quando custeada pela parte interessada, desprezar a produção da prova genética do DNA, que a ciência tem proclamado idônea e eficaz. V – No campo probatório, a grande evolução jurídica continua sendo, em termos processuais, a busca da verdade real 03. (grifo nosso)

Em muitas destas decisões, são observados os laços de afeto, como a decisão que se segue, proferida numa ação de investigação de paternidade, onde até mesmo a prova testemunhal é admitida para o reconhecimento da filiação:

Direito de Família. Filiação Adulterina. Investigação de Paternidade – Possibilidade Jurídica – 1 – A nova ordem jurídica, instituída com a Carta de 1988, recepcionou, parcialmente, o art. 363, do Código Civil, apenas no que houver compatibilidade com o art. 227, § 6º, da Lei Fundamental, derrogando qualquer expressão ou exegese discriminatória em matéria de filiação. 2. – Para os fins do art. 363, I, do Código Civil, concubinato "é a união sexual estável, mais ou menos prolongada, do homem e da mulher não unidos pelo matrimônio, ainda que não haja coabitação ou convivência more uxório." 3 – "Em matéria de concubinato, a prova é ampla. O Código Civil, à semelhança da lei francesa, não fez restrição alguma, admitiu todos os meios de prova, inclusive a testemunhal, pois dificilmente se conseguirá uma prova documental. Os mestres ensinam que a filiação, por isso que resulta de um fato oculto, por sua natureza secreta, pode ser provada por todos os meios, indícios, presunções, conjecturas próprias a convencer o julgamento, como a amizade e trato freqüente com a mãe ao tempo da concepção." (Recurso Extraordinário no 2.004, julgado pelo STF, em Sessão Plenária, e Relatado pelo Min EDMUNDO LINS. Revista de Direito, 109:165)." 4 – Se os autores provaram, satisfatoriamente, a existência de concubinato extra domus, com a prolongada união sexual dos pais e a fidelidade da mãe ao tempo da concepção, a demanda de investigação de paternidade deve julgada procedente. 5. – Se o exame hematológico é necessário para a negativa de paternidade, cumpre ao Réu o ônus de ceder o sangue exigido, sob pena de a recusa ser interpretada em seu desfavor 04. (grifo nosso)

Note-se que, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da 8ª Câmara Cível, Acórdão nº. 595.163.114, onde tinha como Relator o Desembargador Sérgio Pereira, aceitou também que a paternidade biológica deve ter preferência sobre a paternidade jurídica, no que refere à paternidade sócio-afetiva:

Ação Negatória de Paternidade – Filiação – Decadência – As regras do Código Civil precisam ser adaptadas ao novo sistema jurídico brasileiro de direito de família, implantado pela Constituição Federal de 1.988 e diplomas legais posteriores. Isto implica em revogação ou não recepção de vários dispositivos daquele Código, como, por exemplo, os arts. 340, 344 e 364, em matéria de filiação. Tornou-se ampla e irrestrita a possibilidade investigatória da verdadeira paternidade biológica, que prevalece sobre a verdade jurídica (três estágios na filiação: verdade jurídica – verdade biológica – verdade sócio-afetiva). Destarte, não há que opor obstáculos legais superados à demanda negatória de paternidade proposta pelo pai contra o filho matrimonial. Da mesma forma, não pode persistir os prazos exíguos de decadência contemplados no art. 178, §§ 3º e 4º, inc. I, do Código Civil 05. (grifo nosso)

Outrossim, fica claro que os Tribunais brasileiros ainda utilizam a posse do estado de filho como prova subsidiária para o estabelecimento da filiação, não a utilizando, portanto, como prova autônoma e suficiente para determinar a paternidade:

Ação investigatória de paternidade procedente – Provado o relacionamento sexual exclusivo da mãe da investigante com o investigado durante o período da concepção, pouco importa tenha ela se relacionado com outro ou com outros homens antes ou depois daquele período. Rejeição da exceptio plurium concubentium. Influência da cor da pele na determinação da paternidade – Indícios resultantes da posse de estado e da conduta do investigado. Efeitos da coisa julgada que afastou a paternidade de terceiro sobre a investigante, em processo anterior, desconstituindo o respectivo registro. O direito aos frutos se conta a partir da intimação da sentença de procedência e não da citação – Naquela data é que termina à posse de boa-fé do herdeiro aparente – Aplicação do art. 510. do Código Civil 06. (grifo nosso)

Desta decisão, vale ressaltar um trecho do voto do Relator Desembargador Galeno Lacerda, no qual se observa a presença dos dois principais elementos da noção de posse de estado de filho considerados por grande parte da doutrina, quais sejam, o trato e a fama:

Além da festa do casamento, o investigado, no nível fora da família e da alta sociedade, sempre atribuiu à autora status de filha: deu-lhe educação, pagou-lhe pensão para estudar, vestuário, presenteou-a com imóvel valioso, e não ocultou o fato a inúmeras pessoas, inclusive a A.M.L., Diretor do Patronato, que declara que a paternidade de X em relação à autora era fato notório (fls. 165v). Aliás, dado que impressiona parecença entre ambos, como se evidencia da foto de fls. 29, quando a conduzia ao altar. Foi, além disto, padrinho da filha da autora, junto com Y, como verdadeiros avós, (fl. 9), e a A., na verdade, sempre o tratou como pai, tomando-lhe a benção, como depõem as testemunhas.

Existem decisões recentes em nossos Tribunais que revelam um novo tratamento para a filiação, valorizando a verdade sócio-afetiva até mais do que a verdade biológica, como na Apelação Cível n° 70002016038, da 8ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que teve como Relator o Desembargador Rui Portanova. Julgado em 08/03/2001:

Ação para Anular Registro de Nascimento. Legitimidade ativa. Verdade formal, verdade material e verdade sócio-Afetiva. Gratuidade judiciária e execução da sucumbência. O filho do de cujus tem legitimidade para anular registro de nascimento feito por seu pai, o qual entende falso. O de cujus teve muito tempo para renegar a sua paternidade. Tinha muitos meios de prova que não era pai. Contudo, preferiu viver como verdadeiro pai. Assumiu e se responsabilizou, sem ligar para o que a ciência genética poderia dizer. Um registro de nascimento deve atentar mais para a verdade sócio-afetiva do que para a verdade biológica. A execução da sucumbência, havendo o benefício da gratuidade judiciária, deve ficar suspensa. Rejeitadas as preliminares, deram provimento ao apelo 07. (grifo nosso).

Nesta decisão o filho ajuizou uma ação de anulação de registro civil, mas, entendendo os julgadores que, em vida, o pai que o registrou sempre o tratou como filho mesmo sabendo da verdade biológica, fizeram prevalecer no registro de nascimento a verdade sócio-afetiva sobre a verdade biológica.

Para reforçar, vale ressaltar o Agravo de Instrumento nº. 599296654, da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que teve como Relator o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 18/08/99:

Filiação. Filho adulterino "a matre" registrado pelo marido da mãe. Possibilidade de terceiro vindicar a condição de pai. Paternidade jurídica. Paternidade Biológica. Paternidade sócio-afetiva. 1. A Lei nº 8560/92, ao remover qualquer restrição para o reconhecimento de filhos extramatrimoniais pelos respectivos pais, assegura-lhes o interesse jurídico para eventual demanda que tenha essa finalidade. Em decorrência, tanto o pai quanto a mãe tem legitimidade para postular em nome próprio, em ação que visa à vindicação de paternidade ou maternidade. 2. A despeito da ausência de regulamentação em nosso direito quanto a paternidade sociológica, a partir dos princípios constitucionais de proteção a criança (art. 227, CF), assim como da doutrina da integral proteção consagrada na Lei nº 8069/90 (especialmente nos arts. 4º e 6º), é possível extrair os fundamentos que, em nosso direito, conduzem ao reconhecimento da paternidade sócio-afetiva, revelada pela "posse do estado de filho", como geradora de efeitos jurídicos capazes de definir a filiação. 3. Entretanto, o pedido formulado na ação não tem esse conteúdo, mas visa, modo exclusivo, desconstituir o registro de nascimento da menor, sem atribuição de paternidade ao autor/agravado. Assim, dada a forma equivocada como foi posta a pretensão, não ostenta o autor legitimo interesse para a demanda. A desconstituição do registro seria mera decorrência da atribuição da paternidade ao autor/agravado. Porem, como esta não consta do pedido - e não poderia a sentença ir alem do postulado - resta o autor órfão de interesse legitimo para propor a demanda nos termos em que foi formulada, a qual, se procedente, traria como conseqüência, simplesmente, a circunstância de que a menor ficaria sem qualquer paternidade reconhecida, o que não pode ser admitido, ate em consideração aos superiores interesses da criança. Deram provimento 08. (grifo nosso).

Nesta decisão, o julgador utilizou-se dos fundamentos extraídos do estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como da Constituição da República que levam ao reconhecimento da paternidade sócio-afetiva.

Destacamos também uma decisão recente, datada de 13 de Setembro de 2006, expedida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo como Relatora a Desembargadora Maria Berenice Dias, onde fica claramente demonstrado que o vínculo afetivo se sobrepõe ao vínculo biológico:

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. CARCTERIZAÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. Se comprovada a filiação socioafetiva, a despeito da inexistência do vínculo biológico, prevalece a primeira em relação à segunda. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável, e a anulação do registro depende da plena demonstração de algum vício do ato jurídico, inexistente no caso concreto. REJEITADA A PRELIMINAR, E NEGADO PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME 09.

De acordo com estas noções que nossos Tribunais vem assumindo, o estado de posse de filho, advindo da filiação sócio-afetiva, deve ganhar um novo status em nosso ordenamento jurídico, pois, o Direito de Família vem tendo um novo caminho no que diz respeito à filiação e à paternidade, onde a verdade sócio-afetiva, como citado anteriormente, vem se sobrepor à verdade biológica.

Sobre o autor
Frederico Pataro

CEO Pataro e Lanucy Advogados Palestrante sobre Advocacia Previdenciária de Sucesso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PATARO, Frederico. O estado de posse de filho.: Aspectos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 2003, 25 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12102. Acesso em: 27 dez. 2024.

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