V - Considerações Finais
Uma reconstrução histórica, como a que acabamos de realizar, revela-se importante porque nos permite visualizar como o direito surge no dia a dia, não sendo somente uma abstração criada pela mente humana, mas sim se constitui de seleções contingenciais de expectativas que se tornam normativas se resistem aos fatos, isto é, se permanecem inalteradas apesar das frustrações. O fato de nunca conseguirmos nos livrar dessas prováveis desilusões explica porque nos angustia o risco das escolhas que realizamos.
Nessa linha, podemos afirmar que se o desrespeito à norma caracteriza uma situação de normalidade, a sua consideração como medida de aferição da crise constitucional leva-nos necessariamente a entender essa instabilidade como inafastável. Dessa forma, com Menelick de Carvalho Netto, acreditamos estar a sociedade moderna, uma sociedade complexa em virtude das múltiplas possibilidades de agir, em permanente crise. Por outro lado, a nossa história ainda nos revela que a crítica também nunca cessa, basta vermos os vários movimentos de contestação que existiram desde nossa independência política, constatação esta que desmascara o preconceito de que somos um povo pacífico e cordial.
Estamos assim inseridos em um árduo processo de aprendizagem, lutando sempre por liberdade e igualdade, o que implica aceitarmos que tradições podem ser revistas, que nosso passado não é magistra vitae, isto é, que não precisamos imitá-lo, pois "aprendemos de nuestras tradiciones, nos movemos durante toda la vida en diálogos con textos y con cabezas que a través de largas distancias históricas siguen siendo nuestros contemporáneos" (HABERMAS, 1998b:48). É importante assim reconstruírmos nosso passado, revelando novos fatos, colocando em evidência os até então considerados marginais, ou entendendo os relatados sob uma nova perspectiva, para que possamos compreender nosso presente, já que partimos do pressuposto de que apesar das rupturas, uma linha de continuidade sempre subsiste.
Sabedores então que fazemos parte de nossa história, de que não somos passivos diante da mesma na medida em que até uma ausência de reflexão sobre nossas tradições apresenta-se como uma tomada de posição, precisamos repensar uma de nossas heranças, qual seja, a crença nos textos legais, pois somente iluminando, tematizando e pretendendo negar esse preconceito, esse entendimento naturalizado sobre nosso papel no projeto constituinte, um papel que se revela marcado por uma suposta indiferença diante do fenômeno jurídico-constitucional, é que conseguiremos visualizar que respostas plausíveis para a crise constitucional, entendida aqui como ausência de efetividade, como anomia, passa necessariamente pela assunção da condição de cidadão, isto é, pelo não transferência de nossas responsabilidades no trato com a Constituição que é de todos, que é uma res publica.
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