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Acesso a cargos e carreiras via estabilidade excepcional.

Inconstitucionalidade

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Agenda 20/01/2009 às 00:00

Qual a razão jurídica para que servidores contratados antes de 1983, excepcionalmente estabilizados, sejam também enquadrados em cargos e carreiras sem aprovação em concurso público?

        SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Fundamentação Teórica. 2.1. Agentes Públicos. 2.2. Servidores Públicos. 2.2.1. Cargo Público. 2.3. Estabilidade no Serviço Público. 2.4. Estabilidade Excepcional. 2.4.1. Natureza Jurídica do Vínculo. 2.4.2. Efeitos Funcionais da Estabilidade Excepcional. 3. Considerações Finais. 4. Referências Bibliográficas.


1. I

        O Legislador Constituinte de 1988 concedeu aos servidores não-concursados e, por conseqüência, não estáveis, que integravam há mais de cinco anos a Administração Pública, excetuadas as empresas públicas e sociedades de economia mista, o benefício de serem estabilizados no serviço público.

        Tal favor constitucional está disposto no art. 19, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), que assim prescreve:

        "Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público."

        Nesse sentido, deveria, então, o constituinte de 1988, ter definido qual a posição que esses funcionários, doravante, servidores estáveis, se enquadrariam, isto é, qual seria a natureza jurídica do seu vínculo jurídico.

        Dessa forma, pela ausência de norma constitucional expressa, esses servidores foram, em sua grande maioria, enquadrados em cargos e, por conseqüência, agora muitos pertencem a uma carreira e, por vezes, ocupam uma função diversa daquela que desempenhavam em 05 de outubro de 1988, data da promulgação da CRFB/88.

        Com isso, inevitavelmente, surge o seguinte questionamento: se a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração), na forma do disposto no art. 37, II, da CRFB/88, então, qual a razão jurídica para que os servidores que se beneficiaram dos beneplácitos do constituinte de 1988, possam, outra vez, ser excepcionalmente contemplados em detrimento de todos os outros cidadãos, uma vez que, além de serem estabilizados, sejam também enquadrados em cargos e carreiras sem a devida aprovação em concurso público?

        Essa indagação, embora abordada por alguns poucos juristas, não teve, à época da promulgação da CRFB/88, nem ao longo desses mais de 18 anos de sua vigência, o devido enfretamento pelos doutrinadores de Direito Administrativo e Constitucional.

        Assim, observando tal lacuna doutrinária, é que se propõe esta pesquisa para, com isso, tentar encontrar uma solução jurídica quanto a essa omissão do constituinte originário para que, além de aclarar o dispositivo constitucional, possa, também, indicar o melhor caminho técnico-jurídico a ser seguido pela Administração Pública na resolução dos litígios e conflitos surgidos em face do art. 19, do ADCT/88.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

        Para falar sobre qualquer assunto ou tema de Direito Administrativo, imperioso é que se tenha a precisa noção do que seja Administração Pública. Assim, não há caminho melhor que o de começar por conceituá-la, definindo seus contornos e entendendo sua extensão e limites.

        Numa análise etimológica, Diógenes Gasparini [01], diz que o vocábulo administração, está, por um lado, ligado ao manus, mandare, cuja raiz é man, que carrega consigo "a idéia natural de comando, orientação, direção e chefia"; e por outro lado os termos minor, minus, cuja raiz é min, dá a "noção de subordinação, obediência e servidão".

        Concluindo, o mencionado doutrinador registra que "de qualquer modo, a palavra encerra a idéia geral de relação hierárquica e de um comportamento eminentemente dinâmico".

        Hely Lopes Meirelles [02] define a Administração Pública levando em consideração os seus vários sentidos, ou seja:

        "Administração Pública – Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto de funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus objetivos, visando a satisfação das necessidades coletivas." (grifos nossos)

        Maria Sylvia Zanella Di Pietro [03] assinala dois sentidos utilizados para a expressão Administração Pública, definindo-a da seguinte forma:

        "a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem as atividades administrativas; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;

        b) em sentido objetivo, material e funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido a Administração pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, o Poder Executivo."

        Assim, a Administração Pública é esse conjunto de órgãos e funções que têm como escopo a satisfação das necessidades e de distribuição do bem-estar da coletividade. Para isso, então, são necessárias pessoas humanas, agentes capacitados, que ocupam os cargos, os empregos e as funções públicas.

        Por fim, para que não haja confusão, é salutar enfatizar que a Administração Pública diferencia-se do Governo pelo fato deste se identificar por sua "expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e da manutenção da ordem jurídica vigente" [04].

        2.1. AGENTES PÚBLICOS

        A Administração Pública, seja direta ou indireta, necessita de um corpo de operários, lato sensu, para desempenhar suas atividades. Dessa necessidade, surge a figura dos agentes públicos, que são classificados em diversos grupos e por diversos referenciais, sendo, na visão de Hely Lopes Meirelles [05], "toda e qualquer pessoa física incumbida, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal".

        Didaticamente, será adotado neste trabalho a classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello [06], pela qual os agentes públicos são os "agentes políticos, os servidores estatais (servidores públicos) e os particulares em colaboração com o Poder Público".

        Os agentes políticos, para Hely Lopes Meirelles [07], são "os componentes do governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou missões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício das funções constitucionais".

        Por outro lado, e de forma mais restritiva, Celso Antônio Bandeira de Mello [08] conceitua os agentes políticos como sendo "os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é de formadores de vontade superior do Estado".

        Os servidores públicos ou servidores estatais, na ampla definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [09], são "as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos".

        De outra banda, Hely Lopes Meirelles [10], embora denominando os servidores públicos ou estatais de forma diferenciada, vez que os chama de agentes administrativos, dá conceituação semelhante à apresentada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, afiançando que:

        "são todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico único da entidade estatal a que servem".

        Já Celso Antonio Bandeira de Mello [11] conceitua servidores públicos da seguinte forma:

        "ao lado dos agentes políticos, o segundo grande grupo de agentes estatais é o dos servidores públicos. Compreendem-se debaixo desta denominação todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, de natureza profissional e caráter não eventual, sob vínculo de dependência. É, pois, na condição de profissionais que comparecem para se relacionarem com o Poder Público. O que os caracteriza é a conjunção dos seguintes traços: a) profissionalidade; b) relação de dependência, típica dos que prestam serviços".

        Assim, conclui o doutrinador que são "servidores públicos todos que prestam serviços, nas condições assinaladas, às entidades estatais, sejam elas de administração direta ou indireta" [12].

        Por fim, embora não sejam objetos do estudo proposto, é mister, ao menos, esclarecer o que vem a ser agentes públicos denominados particulares em colaboração com o Poder Público. Essa classe de agentes é aquela composta pelos:

        "sujeitos que, sem perderem sua qualidade de particulares – portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho estatal (exceção única dos recrutados para o serviço militar) –, exercem função pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódico" [13].

        2.2. SERVIDORES PÚBLICOS

        Dentro da classe de agentes, estatais ou administrativos, é que se encontram os mais comuns dos agentes da administração e que constitui a grande massa dos seus prestadores de serviços à coletividade, os chamados servidores públicos (em sentido estrito).

        Esta classe de servidores se subdivide, ainda, em duas categorias, quais sejam, os ocupantes de cargo público e os que ocupam emprego público. Assim, para que se compreenda tais categorias, seria necessário discorrer sobre cada uma delas de per si, porém, fixaremos nossos olhares apenas para os ocupantes de cargo público, isto é, cargo de provimento efetivo, o único capaz de assegurar aos seus ocupantes a possibilidade de adquirirem estabilidade no serviço público.

        2.2.1. CARGO PÚBLICO

        Cargo público, conceitualmente, é o "menor centro hierarquizado de competência da Administração direta, autárquica e fundacional pública, criado por lei ou resolução, com denominação própria e número certo" [14]. Não se pode olvidar que existe Administração direta em quaisquer dos poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), incluindo-se os Tribunais e Conselhos de Contas.

        Muitas são as classificações para cargos públicos dadas pela doutrina, todavia, tomaremos a liberdade de estudar apenas duas, as quais, data maxima venia, têm mais relevância. Assim, podem os cargos públicos ser distinguidos sob os critérios da segurança do servidor na titularização do cargo e da posição do cargo no quadro funcional da Administração Pública.

        Quanto à segurança do servidor na titularização do cargo, os cargos podem ser de provimento em comissão, efetivo e vitalício.

        O cargo em comissão é o que menos segurança dá ao seu titular, vez que é ocupado, de forma transitória, por alguém que não tem o direito de nele permanecer indefinidamente. São os cargos denominados pela CRFB/88 (art. 37, II) como sendo de livre nomeação e exoneração.

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        O cargo efetivo confere ao seu titular segurança de permanência, ou seja, é o cargo ocupado por alguém sem transitoriedade ou adequado a uma ocupação permanente. Diferentemente dos cargos de provimento em comissão, o ocupante de um cargo efetivo, passado o estágio probatório, terá declarada a sua estabilidade no serviço público. Assim, estará indefinidamente ligado à Administração Pública, somente perdendo esse vínculo em virtude de processo judicial ou administrativo.

        Já o provimento vitalício dá ao ocupante do cargo, basicamente, a mesma segurança que tem a pessoa que ocupa um cargo de provimento efetivo, porém, se difere quanto à oportunidade de se verem alijados do serviço público. Eis, então, que o cidadão provido num cargo vitalício somente perderá seu vínculo com a Administração Pública mediante processo judicial.

        No que diz respeito à posição do cargo no quadro funcional da Administração Pública, os cargos ou são isolados ou pertencem a uma carreira.

        Destarte, tem-se por isolados os cargos que não pertencem a nenhuma carreira, porém, foram criados por lei ou resolução e concedem aos seus titulares os mesmo direitos e deveres dos ocupantes de cargos inseridos em uma carreira qualquer da Administração Pública. Portanto, o que os define e distingue é fato de estarem isolados dentro do quadro de pessoal.

        Prosseguindo, antes de falar dos cargos de carreira, imperioso se faz a prévia noção do que venha a ser classe e carreira. Assim, na concisa definição do Diógenes Gasparini [15], "classe é um agrupamento de cargos da mesma profissão ou atividade e de igual padrão de vencimento" e "carreira é o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade com denominação própria".

        Desta maneira, pode-se definir cargo de carreira como aquele "pertencente a um conjunto de cargos da mesma denominação, distribuída por classes escalonadas em função da complexidade de atribuições e nível de responsabilidade" [16]. Assim, os titulares de tais cargos públicos "submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes" [17].

        Esta é, de modo sucinto, a conceituação e a classificação básica para cargo público, contudo, não se pode esquecer o fato de que, exceto o cargo em comissão, os demais cargos (efetivos e vitalícios) exigem, em regra, para seu provimento, que o cidadão se submeta a um concurso público, nos termos do art. 37, II, da CRFB/88.

        2.3. ESTABILIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO

        A estabilidade é o instituto que garante e concretiza a imparcialidade do servidor público, vez que, mesmo sofrendo pressões dos interesses particulares ou quando for alvo destas forças privadas, terá ele a certeza de que não passará por retaliações ou ameaças de ser despojado de seu vínculo com a Administração Pública.

        Desta forma, nota-se que, sem a estabilidade de seus agentes, a Administração Pública não realizaria seus propósitos e finalidades, pois, certamente estaria fadada à histeria dos desmandos de maus gestores e às perseguições dos servidores públicos.

        Não se pode esquecer, por exemplo, da época em que cada vez que se iniciava a gestão de um novo Presidente da República, Governador ou Prefeito, estes, ao entrarem em exercício, tomavam como primeira medida a demissão em massa dos servidores da gestão sucedida e a imediata nomeação de seus aliados políticos.

        Esta prática não se restringia ao Poder Executivo, sendo que se manifestava, em certa medida, também no Legislativo e Judiciário.

        Visando à indispensável neutralidade e imparcialidade no exercício das funções públicas, a Constituição da República de 1988 estabeleceu, para os servidores públicos, duas formas de aquisição de estabilidade, uma regulada pelo seu art. 41, que é a estabilidade ordinária, e a outra prevista no art. 19, do ADCT/88, que é a chamada estabilidade excepcional ou constitucional. Vejamos, então, ambos os dispositivos constitucionais, ressaltando, contudo, que o art. 41, da CRFB [18], será grafado tal como foi publicado em 1988, sem a alteração trazida pela Emenda Constitucional n° 19, de 04.06.1998:

        "Art. 41. São estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público."

        "Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público."

        Em que pese o valor do instituto disposto no art. 41, da CRFB/88, que trata da estabilidade ordinária, prenderemo-nos a analisar a estabilidade excepcional, até porque este é o instituto objeto do presente trabalho.

        Todavia, não se poderia furtar de observar a diferença havida entre a estabilidade excepcional (art. 19, do ADCT/88) e a estabilidade ordinária (art. 41, da CRFB/88), que consiste no fato desta ser concedida a servidores investidos em cargos e a aquela não exige investidura em cargo, nem, tampouco, garante cargo aos que dela se beneficiam.

        2.4. ESTABILIDADE EXCEPCIONAL

        Perpetuando a praxis das constituições brasileiras, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu a estabilidade excepcional, garantindo a determinados servidores (ocupantes de funções, apenas) o direito de permanência no serviço público, ainda que não tenham sido aprovados em concurso público.

        Assim, o art. 19, do ADCT/88, assegurou estabilidade aos servidores "não concursados" e, por conseqüência, não estáveis, que integravam a Administração Pública há mais de cinco anos, excetuadas as empresas públicas e sociedades de economia mista, como a seguir:

        "Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

        § 1º O tempo de serviço dos servidores referido neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

        § 2º O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que lei declare de livre exoneração, cujo tempo não será computado para fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de servidor.

        § 3º O disposto neste artigo não se aplica aos servidores de nível superior, nos termos da lei."

        A redação do mencionado artigo e respectivos parágrafos, notadamente a do parágrafo primeiro, foram e têm sido interpretados, pela Administração Pública de vários entes federados, inclusive pela própria União, à revelia de toda e qualquer regramento técnico, gerando absurdos jurídicos e irreparáveis prejuízos ao erário, uma vez que os estabilizados estão sendo tratados como se concursados fossem.

        Em outras palavras, o art. 19, do ADCT/88, foi tido como espécie de investidura em cargo efetivo e de inclusão em carreiras, passando a ser uma forma anômala de provimento originário de cargo efetivo, o que se traduz numa funesta e explícita ofensa ao texto constitucional e aos princípios jurídicos norteadores do exercício da Administração Pública.

        2.4.1. NATUREZA JURÍDICA DO VÍNCULO

        O art. 19, do ADCT/88, assegura aos servidores, que atendem aos requisitos exigidos, "estabilidade no serviço público", estando aqui, data venia, um dos pontos centrais do dispositivo constitucional e que é mais mal interpretado pela Administração Pública de qualquer esfera dos Poderes.

        Serviço público, na conceituação de Celso Antonio Bandeira de Mello [19], é:

        "toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível pelos administrados, prestado pelo Estado ou quem lhe faça as vezes, sob um regime jurídico de Direito Público, instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo".

        Nesse sentido, falar de serviço público é falar de uma das funções do Estado, funções estas que são exercidas por servidores públicos, sejam eles concursados ou estabilizados.

        Por outro lado, tratar de funções públicas não significa discorrer sobre cargos públicos, embora, não existam cargos públicos sem função.

        Assim, quando o constituinte concedeu estabilidade no serviço público, estava ele dispondo que aqueles servidores enquadrados no art. 19, do ADCT/88, permaneceriam exercendo as funções públicas que desempenhavam.

        Portanto, o benefício concedido foi a estabilidade na função pública exercida e não o direito ao acesso a algum cargo público, o que depende de aprovação prévia em concurso público. Vejamos o que dispõe o § 1º, do art. 19, do ADCT/88:

        "Art. 19. .. omissis...

        § 1º O tempo de serviço dos servidores referido neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei."

        Vê-se, então, que o § 1º, do art. 19, do ADCT/88, com muita clareza, impõe a necessidade de aprovação em concurso público como conditio sine qua non para o estabilizado adquirir efetivação em algum cargo público, ou seja, para que possa ser investido em cargo público ou inserido em alguma carreira.

        Nesse diapasão, Celso Antônio Bandeira de Mello [20] preleciona que o art. 19, do ADCT/88 não autorizou mudanças no regime jurídico, nem permitiu transposição para cargos públicos, veja:

        "O art. 19 e § 1º, do ADCT conferiu estabilidade aos servidores não-concursados que contassem com mais de cinco anos de exercício contínuos à data da promulgação da Constituição, mas não autorizou mudanças em seu regime jurídico e muito menos permitiu sua preposição em cargos públicos, pois – pelo contrário – estabeleceu que sua efetivação dependeria de concurso. É que dita efetivação seria natural consectário da integração em cargo público, pois, já estando estabilizados em decorrência do ‘caput’ do artigo, ao ingressarem em cargo ficariam ‘ipso facto’ efetivados."

        Diógenes Gasparini [21], é firme no sentido de que a estabilidade excepcional apenas garante a permanência do beneficiado no serviço público e não acesso a cargo ou carreira. Assim, vejamos:

        "A Constituição Federal nada assegurou ao servidor estabilizado, nos termos desse dispositivo [ADCT, art. 19 e parágrafos], no que respeita à efetividade (estabilidade no cargo), à integração em uma carreira ou desfrute dos benefícios decorrentes dessa integração. Também não promoveu qualquer alteração no vínculo. A natureza do vínculo pelo qual se ligava à Administração Pública direta, autárquica ou fundacional pública continuou a mesma. Apenas outorgou-se a esses servidores estabilidade no serviço público da entidade a que nessa oportunidade se ligava. Não fosse assim, não teria como compreender o disposto no § 1º desse artigo (art. 19 do ADCT da CF), que manda contar o tempo de serviço como título quando seus destinatários se submeterem a concurso para fim de efetivação. Se não se submeterem a concurso público, condição para serem havidos como estatutários, é natural que se entenda que não se ligavam à Administração Pública direta, autárquica ou fundacional pública por um liame de natureza institucional, o único que admite o cargo efetivo."

        Pelo mesmo caminho segue Maria Sylvia Zanella Di Pietro [22], concluindo que o art. 19, do ADCT/88 não garante efetivação aos servidores ora estabilizados, não podendo eles, portanto, ser investidos em cargos ou enquadrados em carreiras. Veja:

        "O reconhecimento de estabilidade a esses servidores não implicou em ‘efetividade’, porque esta só existe com relação a ‘cargos’ de provimento por concurso; a conclusão se confirma pela norma do § 1º do mesmo dispositivo [art. 19, do ADCT/88], que permite a contagem de serviço prstado pelos servidores que adquiriram essa estabilidade excepcional, ‘como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei’."

        Por essa forma, fica clarividente qual é a posição ocupada pelos servidores estabilizados excepcionalmente, qual seja, após estabilizados, eles continuam possuindo apenas aquela função dantes exercida, devendo, para integração em carreiras ou cargos públicos, participarem de concurso público. Pois, somente a partir da aprovação é que passam a ser efetivos e, por conseqüência, passam a integrar uma carreira ou cargo público e a desfrutar das vantagens decorrentes dessa integração.

        Para falar em efetivação, temos que nos reportar ao art. 37, II, da CRFB/88, o qual em sua redação original dispunha que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

        Passados quase 10 (dez) anos da promulgação da CRFB/88, foi editada a Emenda Constitucional n° 19, de 04.06.1998, que alterou o texto constitucional, acrescentando-lhe a exigência de que seja observado a "natureza e a complexidade do cargo ou emprego", veja o dispositivo:

        "Art. 37. ..omissis...

        I -. ..omissis...

        II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma da lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;"

        A forma registrada no art. 37, II, da CRFB/88, é a única maneira de investidura em cargo de provimento efetivo havida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo, conseqüentemente, inconstitucionais todas as demais formas que se valeram as Administrações Públicas, lato sensu, para admitir servidores ou de investi-los em cargos ou carreiras, inclusive, a investidura em cargo ou a inserção em carreira daqueles servidores estabilizados ex vi art. 19, do ADCT/88, o que caracteriza uma "pseudo-efetivação" e infração às cláusulas constitucionais, notadamente o princípio do concurso público.

        Até mesmo porque, se a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não se ocupou de garantir em transposição de cargo ou de regime jurídico àqueles aos quais concedeu estabilidade no serviço público, eis qualquer alargamento desse direito configura lesão do texto constitucional, devendo ser eliminado do mundo jurídico.

        Para fechar o entendimento sobre a diferença entre estabilidade e efetivação, busquemos, então, os ensinamentos de José Afonso da Silva [23]:

        "A ‘efetividade’ é um atributo do cargo, concernente à forma de seu provimento. Refere-se à titularidade do cargo definido em lei como de provimento efetivo. ‘Efetividade’ dá-se no cargo. É o vínculo do funcionário no cargo, e não constitui pressuposto da estabilidade, pois, pelo visto, só o servidor efetivo pode adquiri-la. A ‘estabilidade’ não se dá no cargo, mas no serviço público. É garantia do servidor, não atributo do cargo. A ‘estabilidade’ é, assim, um direito que a Constituição garante ao servidor público."

        Várias foram as leis (lato sensu), que afrontaram o art. 37, II, da CRFB/88 c/c o art. 19, § 1º, do ADCT/88, mormente a Lei Federal n° 8.112, de 11.12.1990, através da qual, nas valorosas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello [24]:

        "todos os empregados da Administração direta, das autarquias e fundações de Direito Público que estava sob o regime de emprego foram inconstitucional e escandalosamente incluídos cargos públicos sem concurso algum e, até mesmo, sem que se fizesse acepção entre estabilizados e não-estabilizados, pelo art. 19 aludidas Disposições Transitórias."

        Didaticamente é necessário que olhemos o dispositivo legal impugnado pelo indigitado administrativista:

        "Art. 243.  Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 - Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.

        § 1o  Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação" (negrito nosso)

        As Constituições de alguns dos Estados Federados também se arvoraram no intento de desobedecer ao preceito constitucional da prévia aprovação em concurso público para investidura em cargos públicos (art. 37, II, da CRFB/88). Vejamos o exemplo da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que no art. 5º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, assim dispõe:

        "Art. 5º - É assegurada aos servidores públicos civis estabilizados nos termos do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal a organização em quadro especial em extinção, respeitado o regime jurídico de trabalho, com plano de carreira e com vantagens e deveres dos servidores públicos estatutários, na forma da lei.

        Parágrafo único - No prazo de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, será editada a lei complementar que disporá sobre o estabelecido neste artigo." (negrito nosso)

        Todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF), obstinado guardião das disposições constitucionais, tem se manifestado com severidade e veemência, tendo declarado a inconstitucionalidade ou suspendido a eficácia de todo e qualquer dispositivo atentatórios aos artigos 37, II, da CRFB/88 e 19, § 1º, do ADCT/88, sejam eles disposições de leis ou das cartas políticas dos entes federados. Assim sendo, vejamos alguns julgados:

        "CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. Artigo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul que assegura aos servidores públicos civis estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT/CF, a organização em quadro especial em extinção. Equiparação de vantagens dos servidores públicos estatuários aos então celetistas que adquiriram estabilidade for força da CF. Ofensa ao art. 37, II, da CF. Ação julgada procedente." (STF, ADI 180 / RS, Tribunal Pleno, Relator Min. Nelson Jobim, j. 03/04/2003) (negrito nosso).

        "RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. ARTIGO 19 DO ADCT. A estabilidade prevista no artigo 19 do ADCT não garante ao servidor a permanência em cargo diverso daquele em que ingressou no serviço público, tampouco lhe assegura a efetivação, sem aprovação em concurso. Recurso extraordinário conhecido e provido." (STF, RE 157214 / PA, Segunda Turma, Relator Min. Francisco Rezek, j. 23/04/1996) (negrito nosso).

        Na esteira do Pretório Excelso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os Tribunais Regionais Federais (TRF), entendem configurar violação aos dispositivos constitucionais a manobra efetuada no afã de se efetivar os servidores ora estabilizados excepcionalmente, vêm julgando a matéria e rejeitando os pedidos eivados de antijuridicidade, vejam:

        "RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LEI MUNICIPAL INCONSTITUCIONAL. EFETIVAÇÃO. CARGO TRANSFORMADO. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ADIN 231/RJ. 1. Não há direito líquido e certo a ser preservado se a efetivação em cargo público transformado foi baseada em dispositivo de lei considerado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. 2. O art. 19 do ADCT versa sobre estabilidade no serviço público e não de efetivação, que apenas é possível por concurso público. 3. Recurso Improvido." (STJ, RMS 7805/RJ, Sexta Turma, Relator Min. Fernando Gonçalves, j. 24.11.1997) (negrito nosso).

        "ADMINISTRATIVO-TRABALHISTA. REGIME JURÍDICO DAS RELAÇÕES DE CONSELHOS PROFISSIONAIS COM SEUS SERVIDORES - CLT. (...) II - O art. 19 do ADCT, a despeito de haver assegurado estabilidade àqueles com mais de cinco anos de serviço, não assegurou vínculo estatutário, face ao disposto no §1º, no sentido de que "o tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei"; (...)" (TRF2, AMS 1997.51.01.012125-8, Primeira Turma, Relator NEY FONSECA, j. 17/03/2003) (negrito nosso).

        "ADMINISTRATIVO. EMPREGADO. TRANSPOSIÇÃO PARA O REGIME ESTATUTÁRIO. PRELIMINAR - SENTENÇA ULTRA PETITA. AFASTAMENTO. ART. 243, LEI Nº 8.112/90. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA (...) 3 - O art. 19 do ADCT concedeu "estabilidade" aqueles que, não admitidos por concurso público, estavam há pelo menos cinco anos no serviço público. A "estabilidade" proíbe a perda do cargo do servidor, a não ser nas hipóteses previstas no art. 41, § 1º, CF, e não se confunde com a "efetividade", relativa ao cargo. Na verdade, o dispositivo constitucional trouxe uma exceção, pois conferiu "estabilidade" aos servidores e empregados públicos que estabeleceram seu vínculo com a Administração sem a aprovação em concurso público. 4 - A "efetividade", por outro lado, exige, sempre, a investidura por meio de concurso público, uma vez que não há qualquer exceção constitucional a essa regra. Ao contrário, o § 1º do art. 19 do ADCT confirma tal entendimento quando fala em submissão "a concurso para fins de efetivação. (...)" (TRF4, AC 2003.72.00.018589-5, Terceira Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, publicado em 03/05/2006) (negrito nosso).

        "ADMINISTRATIVO. ENQUADRAMENTO DE SERVIDOR NO CARGO DE ASSISTENTE JURÍDICO. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. (ART. 37, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO). O art. 19 do ADCT assegurou, apenas, estabilidade aos servidores públicos, com mais de cinco anos de exercício, não garantindo o acesso a cargo técnico, para cuja investidura exige-se o concurso. O parágrafo 1º, da disposição em comento, determina a contagem do tempo como título, quando se submeterem a concurso, para fins de efetivação. Recurso improvido." (TRF5, AC 2000.05.00.057804-8, Segunda Turma, Relator Lazaro Guimarães, j. 12/03/2002) (negrito nosso).

        Posto o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, é inevitável a conclusão de que a estabilidade excepcional não garante ao seu beneficiário o direito de ser investido em cargo de provimento efetivo, seja ele isolado ou pertencente a uma carreira.

        Desse modo, por raciocínio lógico, verifica-se que o vínculo tido entre o servidor estabilizado excepcionalmente e a respectiva Administração Pública somente pode ser aquele que mantinha antes da estabilização, qual seja, o regime jurídico do vínculo é o regido pela legislação trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

        É juridicamente possível a existência de servidor público estabilizado excepcionalmente com vínculo celetista, mormente se tomarmos como paradigma os empregados públicos, os quais, ressalvadas as condições impostas para admissão e dispensa, regem-se integralmente pelos regramentos insertos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Senão, vejamos os ensinamentos de Diógenes Gasparini [25], quanto ao vínculo dos empregados públicos:

        "Os servidores da empresa pública, ou seja, o seu pessoal, a ela se vinculam, por força do que dispõe o art. 173, § 1º, da Constituição, Por um liame celetista. Estão, seus empregados, submetidos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Ingressam nos quadros da entidade via concurso público de provas ou de provas e títulos. Para esse fim é irrelevante saber se são prestadoras de serviço público ou interventoras na atividade econômica. Observe-se que o concurso, não obstante sua necessidade para legitimar o ingresso do servidor nessas empresas, em princípio, não atribui ao admitido qualquer direito que não esteja previsto no regime celetista."

        A natureza jurídica do vínculo havido entre o servidor estabilizado por força art. 19, do ADCT/88 e a Administração Pública (lato sensu), não pode, de modo algum, ser de índole estatutária, pois, este regime apenas é possível quando da obediência dos ditames instituídos pelo art. 37, II, da CRFB/88, uma vez que somente será regido por estatuto aquele servidor investido em cargo de provimento efetivo ou vitalício, mediante prévia aprovação em concurso público.

        Completando, é cediço que as regras do art. 37, II, da CRFB/88, não admitem exceções no que tange ao instituto da efetivação do servidor, tornando impossível a transposição do estabilizado excepcionalmente para o regime estatutário.

        Conseqüentemente, o servidor apadrinhado pela estabilidade excepcional tem a sua ligação com a Administração Pública (lato sensu), rezada pelo regime de emprego posto e organizado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Logo, ao invés de estatutário, são servidores celetistas, ressalvada a forma de dispensa. Assim, vejamos a lição de Diógenes Gasparini [26]:

        "Ademais, a citada disposição transitória [art. 19, do ADCT/88] não altera o regime jurídico dos servidores por ela prestigiados, que continuam sob a égide desse regime [celetista]."

        2.4.2. EFEITOS FUNCIONAIS DA ESTABILIDADE EXCEPCIONAL

        Sendo o vínculo do servidor estabilizado excepcionalmente de natureza celetista, eis que o primeiro e principal efeito do favor constitucional é a garantia de permanência no serviço público, uma vez que não poderá ser dispensado das suas funções, senão, depois de cumpridas as determinações do art. 41, § 1º, da CRFB/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 04.06.1998, in fine:

        "Art. 41 - São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

        § 1º - O servidor público estável só perderá o cargo:

        I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

        II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

        III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa."

        Dessa maneira, mesmo não ocupando cargo de provimento efetivo, passou a ser considerado estável e, assim, não poderá ele ser dispensados de suas funções a bel-prazer do Administrador Público, sendo necessário observar as exigências constitucionais.

        A observância de requisitos específicos, justifica-se no fato de ser a Constituição um sistema, no qual todos os conceitos devem se adequar uns aos outros. Assim, caso o servidor estabilizado excepcionalmente pudesse ser retirado das suas funções e arrancado do seio da Administração Pública sem observância, ao menos, de um processo administrativo, diversas garantias individuais e princípios constitucionais restariam gravemente afrontados, notadamente, o princípio do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.

        Nesse sentido, Paulo Bonavides [27] reafirma que a interpretação da Constituição, dado o caráter político que a reveste, pressupõe um conceito de sistema, sendo esta metodologia que possibilita a fixação do sentido e alcance jurídico esperado, trazendo em seu bojo a idéia de unidade, totalidade e complexidade norma constitucional, veja:

        "Vinculada ao conceito de sistema, cada Constituição adquire, por conseguinte, um certo perfil ou caráter individual, traço peculiar que interprete não pode menosprezar, do contrário jamais logrará penetrar o verdadeiro ‘espírito da Constituição’, cujo reconhecimento é indispensável para que ele possa inferir o sentido essencial das normas fundamentais."

        Todavia, as restrições e formas instituídas para a operacionalização da despedida do estabilizado excepcionalmente não lhe retira o caráter de servidor celetista. Certo é que isso significaria em transmudação de regime, o que lhe resultaria, ainda que de forma oblíqua, na aquisição da tão desejada efetivação.

        É plausível que os servidores excepcionalmente estabilizados tenham uma classificação distinta dos servidores ocupantes de cargos, tendo, inclusive, distinção no que respeita a remuneração e atribuições.

        Há, então, duas categorias de servidores estáveis, quais sejam, aqueles que possuem apenas função (art. 19, do ADCT/88) e aqueles que tanto possuem cargo, quanto função (art. 41, da CRFB/88).

        Logo, tais categorias de servidores devem ser tratados de modo distinto, tendo os respectivos integrantes acesso aos direitos e vantagens próprios de cada classe, posto que, do contrário, mitigar-se-á o princípio da isonomia. Relativamente a esse preceito constitucional, emprestemos o ensinamento de Hely Lopes Meirelles [28]:

        "O ‘princípio da isonomia’ vem sendo freqüentemente invocado para a equiparação de servidores não contemplados nas leis majoradoras de vencimentos ou concessivas de vantagens. Tal princípio decorre do disposto no § 1º do art. 39 da CF. Mas há que ser entendido e aplicado nos justos limites do mandamento igualitário.

        O que a Constituição assegura é a ‘igualdade jurídica’, ou seja, tratamento igual, aos especificamente iguais perante a lei. A igualdade genérica dos servidores públicos não os equipara em direitos e deveres e, por isso mesmo, não os iguala em vencimentos e vantagens. Genericamente, todos os servidores são iguais, mas pode haver diferenças específicas de função, de tempo de serviço, de condições de trabalho, de habilitação profissional e outras mais, que desigualem os genericamente iguais. Se não fosse assim, ficaria a Administração obrigada a dar os mesmos vencimentos e vantagens aos portadores de iguais títulos de habilitação, aos que desempenham o mesmo ofício, aos que realizam o mesmo serviço embora em cargos diferentes ou em circunstâncias diversas. Todavia, não é assim, porque cada servidor ou classe de servidores pode exercer as mesmas funções em condições funcionais ou pessoais distintas, fazendo jus a retribuições diferentes, sem ofensa ao princípio isonômico."

        Deste modo, integrar o excepcionalmente estabilizado em carreira ou investi-lo em cargo efetivo, sem prévia aprovação em concurso público, é ferir o princípio da isonomia, uma vez que não são isonomicamente iguais aos que adentraram na Administração Pública obedecendo as disposições normativas do art. 37, II, da CRFB/88.

        O segundo efeito da estabilização "gratuita" conferida pelo constituinte originário de 1988, é o direito de contagem do tempo de serviço como título, quando da prestação de concurso público pelo estabilizado para fins de efetivação.

        Paralelamente, o estabilizado, em função do favor constitucional, passou ter a forma específica para ser dispensado do serviço público, o que não poderá fugir das cercas normativas impostas pelo art. 41, § 1º, da CRFB/88.

        Por fim, eis que nada mais a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garantiu aos estabilizados excepcionalmente, até porque ela já fora benévola em demasia!

        Assim, os beneficiários do art. 19, do ADCT/88 figuram nos quadros de pessoal da Administração Pública como servidores estáveis, desprovidos de cargo, detentores apenas de função, sendo a relação profissional havida de natureza celetista.

Sobre o autor
Pabllo Vinícius Félix de Araújo

Advogado, Diretor Jurídico Substituto e Coordenador de Contratos e Fundos da Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Pabllo Vinícius Félix. Acesso a cargos e carreiras via estabilidade excepcional.: Inconstitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2029, 20 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12218. Acesso em: 23 nov. 2024.

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