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Suprimento de fundos e cartão de pagamento do governo federal.

Aspectos das respectivas disciplinas

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Agenda 26/01/2009 às 00:00

8 Aspectos positivos do uso do cartão de pagamento

Conforme se pode depreender da disciplina emprestada ao cartão de pagamento ao longo do tempo, certo é que, como já tratado, começou ele a ser utilizado com finalidade restrita, ou seja, especificamente para a compra de passagens aéreas. Porém, com o passar do tempo, foi ela sendo paulatinamente alargada, para também alcançar o pagamento de despesas com aquisição de bens e serviços, além das diárias, mesmo que apenas por algum tempo. Ademais, expressivo também é o fato do legislador o erigir atualmente como o único mecanismo de pagamento de suprimentos, já que o tradicional – a conta bancária Tipo "B" –, com o qual o cartão de pagamento coexistiu algum tempo, restou recentemente abandonado.

Decididamente, em vista da generalizada constatação do seu uso como eficiente instrumento para o pagamento de despesas públicas, restou ele amplamente aprovado por seus usuários e demais integrantes da Administração Pública. Com certeza, essa situação bastante favorável derivou do fato desse tipo de cartão constituir efetivamente um meio mais moderno de pagamento, cujos atributos, somados à tecnologia que lhe cerca, favorecem o seu mais eficaz controle.

Além do mais, trata-se de tendência também observada no dia-a-dia da população em geral, assim como do meio empresarial, visto que ambos, já há algum tempo, têm preferido o cartão de débito e ou crédito ao tradicional talão de cheques.

Ressalte-se, por oportuno, que um dos fatores determinantes do sucesso desse mecanismo no setor público reside exatamente na maior transparência da utilização dos recursos financeiros que ele propicia, fato esse assaz relevante num regime republicano, no qual o trato com a coisa pública deve ser extremamente transparente. Assim se afirma porque o controle da execução dos recursos públicos fica extremamente facilitado com o concurso dos sistemas bancários de gerenciamento pelos quais é possível o acompanhamento total da realização das despesas pelo tomador do suprimento de fundos, ou seja, pelo portador do cartão. Esse acompanhamento, por si só, já é extremamente importante.

Não obstante, a mencionada transparência dos gastos públicos promovida com a utilização do cartão em apreço é ainda mais prestigiada por meio de um outro formidável mecanismo. Trata-se, pois, do "Portal da Transparência", um sistema informatizado criado em 2004 pela Controladoria-Geral da União com o objetivo de dar transparência à Administração Pública, permitindo que qualquer pessoa possa acompanhar a execução dos programas e das ações do Governo Federal. Por meio desse portal existente na Internet, qualquer cidadão pode ingressar no respectivo sítio – www.portaldatransparencia.gov.br – e acompanhar a execução financeira dos programas governamentais do âmbito federal. Dentre outras possibilidades, importa destacar que o interessado poderá conhecer os gastos diretos realizados pelo Governo em compras ou contratação de obras e serviços, incluindo os gastos de cada órgão com diárias, material de expediente, aquisição de equipamentos e obras e serviços, entre outros, bem como, vale ressaltar, os gastos realizados por meio de Cartões de Pagamentos do Governo Federal - CPGF.

Conseqüentemente, resta intergiversável que muitas são as vantagens que o cartão de pagamento pode direta ou indiretamente oferecer, razão pela qual o seu uso no setor público tende a ser ampliado no que se apresentar viável.

Com certeza, decorre desse bastante favorável contexto a também adoção do cartão corporativo governamental por outras administrações públicas, como é o caso da Paulista.


9 Utilização inadequada do CPGF e suas repercussões

A despeito dessa ampla aprovação do cartão em referência como um eficaz meio de satisfação de pagamentos na Administração Pública, certo é que, com o passar do tempo, alguns problemas com a sua utilização acabaram aflorando. Na verdade, no início dos anos 2000, já haviam sido detectadas algumas irregularidades no uso do CPGF, as quais, aparentemente, restaram apuradas e resolvidas, uma vez que rapidamente delas se deixava de referir. No início de 2008, entretanto, foram largamente noticiados vários "escândalos" com o uso inadequado do cartão de pagamento, envolvendo diversas autoridades federais, inclusive ministros de Estado.

Assim se afirma, uma vez que a imprensa, naquela oportunidade, divulgou incansavelmente que os cartões estavam sendo utilizados para pagar, entre outras, despesas em free shops, lojas de bebidas e delicatessens, churrascarias caríssimas, hotéis para parentes e babas etc. Não bastasse esse uso irregular dos cartões, cogitava-se ainda que, das dezenas de milhões de reais com eles gastos no âmbito do Governo Federal, mais da metade acontecia por saques em dinheiro. Mais ainda: existiam gastos feitos sem divulgação, com invocação da segurança nacional, por se destinarem aos familiares do Chefe do Executivo, além de outros tantos.

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Realmente, a situação se evidenciava então deveras preocupante, pois a prática generalizada de saques aliada à não-comprovação, ou mesmo divulgação, efetivamente sugeria o uso inadequado do dinheiro público, com claro contraste com os princípios constitucionais da publicidade e da moralidade administrativa (LAUBÉ, 2008a, p. 2).

Ora, dito cenário causou profunda perplexidade à população, que assistia às notícias que se sucediam estarrecida, porquanto a proporção das supostas irregularidades sugeria a "banalização de um mecanismo instituído com o bom propósito de agilizar pequenas despesas", mas que, na oportunidade, parecia ter o seu uso desvirtuado, beirando a mais uma reprovável farra (Id., 2008b).

9.2 A CPMI dos Cartões Corporativos

Em vista desse lamentável contexto, restou aprovada no Congresso Nacional, em fevereiro de 2008, a constituição de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - CPMI, com a finalidade de investigar o uso do cartão de pagamento do Governo Federal - CPGF, também conhecidos por cartões corporativos, por integrantes da Administração Federal, denominados ecônomos (pessoas incumbidas da administração de contas). Após quatro meses de bastante trabalho, com a produção de inúmeras reuniões e audiências, bem como a obtenção de um sem-número de documentos, foi pelo relator designado elaborado o conseqüente relatório (2008, p. 967-77), no qual se concluiu pela formulação de dezenas de providências. Dentre elas, vale referir as seguintes recomendações:

a) restrição total aos saques;

b) padronização na prestação de contas e investimento no controle interno;

c) preferência pela licitação por tomada de preços e outros meios de compra mais vantajosos;

d) fixação de limites para gastos com diárias de hospedagem;

e) admissão de despesas de hospedagem e alimentação em viagem apenas fora da sede do órgão do titular do cartão;

f) impedimento do uso do cartão em determinados tipos de estabelecimentos (motéis, choperias, casas de entretenimento, casas de massagem, termas, salão de beleza, free shops e academias de ginástica);

g) limite diário para despesas;

h) identificação própria do CPGF, diferenciando-o dos demais cartões do gênero;

i) detalhamento de informações no SIAFI;

j) consolidação da legislação sobre suprimento de fundos;

l) licitação para escolha do agente financeiro do CPGF;

m) proposta de devolução em dobro dos valores glosados pelo Tribunal de Contas, além de outras penas administrativas; e

n) estabelecimento de critérios e condições para concessão de CPGF e limitação a único cartão por titular.

Demais disso, sobejou recomendado o encaminhamento de cópia do relatório final da CPMI à Polícia Federal, ao Tribunal de Contas da União, à Comissão de Ética Pública e ao Ministério Público Federal, com vistas ao aprofundamento das investigações efetuadas, assim como indicada a responsabilização de dezenas de ecônomos, seus respectivos ordenadores de despesa e autoridades beneficiadas.

Além dessas conclusões, foi divulgado pela imprensa que o relatório em questão, elaborado e aprovado pela maioria governista, concluiu que "as denúncias de irregularidades não eram procedentes e, em sua maioria, foram originadas em erros da imprensa" (JORNAL DO SENADO, 2008, p. 4). Independentemente disso, a minoria oposicionista, inconformada com a derrota, houve por bem encaminhar o seu relatório paralelo ao Ministério Público.

Abstraindo-se do embate político que gravitou em torno dessa CPMI, seus resultados, de uma forma geral, foram positivos, uma vez que deixaram às claras a disciplina e as práticas referentes ao cartão corporativo governamental, desnudando o instituto, de sorte a escancarar suas virtudes e seus defeitos. Isso fica indiscutivelmente evidente ao se considerar o conteúdo do rol de conclusões alcançadas pela CPMI acima sintetizadas.

Cite-se à título de exemplo, nesse sentido, como um dos aspectos positivos dessa CPMI, que a sua só notícia de criação em decorrência das irregularidades em profusão noticiadas pela imprensa, no início de 2008, a extremamente célere edição pelo Governo Federal do Decreto nº 6.370, de 1º de fevereiro de 2008, que impôs várias medidas dificultando o uso inadequado dos cartões em questão, conforme já objeto de anterior análise empreendida neste estudo.

Outro exemplo, vale anotar, consiste em mais recente medita adotada pela Casa Civil da Presidência da República, uma vez que, em novembro de 2008, baixou uma portaria limitando os saques com cartão corporativo a 10% das despesas anuais, percentual esse bem inferior àquele previsto em norma própria, como anteriormente já cogitado (REPÓRTER DIÁRIO, 2008).

9.3 As despesas feitas com o cartão de forma sigilosa

Apenas a guisa de esclarecimento, convém tecer algumas poucas considerações em relação aos acima cogitados pagamentos realizados com o cartão de pagamento por ecônomos da Presidência da República e outros altaneiros órgãos do Governo Federal, como a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN e representações diplomáticas no exterior, realizadas sob sigilo e, por isso mesmo, sem a adequada prestação de contas.

Realmente, quando das notícias das irregularidades com a utilização dos CPGF, muito se cogitou acerca do expressivo uso deles com gastos de monta envolvendo o Presidente da República e seus familiares, além de outros órgãos, como os exemplificativamente acima citados, os quais, todavia, sob o alegado manto da segurança da sociedade e do Estado, não eram providos das correspondentes prestações de contas na forma usual. Por conseqüência, dito procedimento incomum, já que reservado, impedia uma perfeita atuação dos respectivos órgãos de controle interno, assim como do Tribunal de Contas da União - TCU. Isso porque, essas "despesas de caráter sigiloso" tinham a sua comprovação realizada por documentos vagos.

Exatamente por isso é que, com propriedade, Fátima Lúcia da Silva (2005, p. 5327) obtemperou que:

A despesa de caráter sigiloso é um exemplo dessa dificuldade de controle, até mesmo parte dos tribunais de contas, pois a sua comprovação, geralmente, é efetuada apenas por meio de recibos, dos correspondentes canhotos e extratos bancários, sem a especificação do objeto.

Nesse sentido, igualmente já se pronunciava Jacoby Fernandes, citado por Fátima Lúcia da Silva (op. cit., p. 5328), quando emitia manifestação em relação ao teor de um processo do Tribunal de Contas do Distrito Federal:

É imperioso reafirmar que o exame destes autos sob o enfoque prático, revela-se em constrangedor paradoxo. Julgando as contas, o Tribunal afirma a regularidade de despesas cuja forma de apresentação, em verdade, não conhece. A praxe criou a prestação de contas tão sigilosa que o mérito nem ao Tribunal é revelado.

Evidentes se revelam, em vista dessas esclarecedoras manifestações, mormente a última, as dificuldades enfrentadas pelos órgãos de controle interno e externo respeitantemente às ditas despesas de caráter secreto. Como mencionado com absoluta precisão, trata-se de circunstância que remete a uma situação verdadeiramente paradoxal.

Sem embargo dessa dificuldade quanto à respectiva prestação de contas, que aparenta merecer revisão dos pertinentes comandos legais, com o respectivo aperfeiçoamento para tal situação melhor disciplinar, já que a regra é, inquestionavelmente, a transparência dos atos administrativos, claro se apresenta que, à primeira vista, dito comportamento marcado pelo sigilo não se afigura compatível com os princípios que regem a matéria, sugerindo em razão disso mesmo uma conduta irregular e imoral.

Todavia, após melhor se refletir sobre o tema, impossível é de não se concluir que determinadas situações acabam se afigurando efetivamente singulares e, por isso, merecedoras de tratamento diferenciado. Aliás, não é sem propósito que a própria legislação, de alguma forma, prestigia casos especiais como os ora mencionados, conforme se pode verificar em alguns diplomas legais, alguns já citados nesta sede. A título de exemplo, cite-se o teor da Lei federal nº 11.111, de 5 de maio de 2005, cujo escopo é o de regulamentar o acesso a documentos públicos sigilosos em razão do comando inserido no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que reconhece a existência de documentos "cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Ora, assim se argumenta porque a simples exposição de despesas categorizadas como sigilosas poderia revelar circunstâncias que realmente poderiam por em risco a sociedade e o Estado, aí também se inserindo a pessoa do mais alto dignitário da nação. Trata-se, reflexamente, de uma forma de preservar essas instituições, inclusive a pessoa do Presidente da República e de seus familiares. Nesse sentido, portanto, é que ganha consistência o argumento de que tal não divulgação de informações constitui questão atinente à já mencionada segurança da sociedade e do Estado.

Logo, vale repetir, ditas despesas extremamente excepcionais, por suas referidas notadas peculiaridades, devem ser providas com um regime de prestação de contas bastante particular, provido, porém, do mínimo de transparência possível de sorte a não se vulnerar as instituições que se pretende resguardar, pois, importa repisar, o princípio que há de imperar é o da transparência dos atos administrativos e não o do seu sigilo. Ideal seria, vale aludir, que se estipulasse um tempo minimamente necessário para que se franqueasse o acesso a tais despesas reservadas.

Sobre o autor
Vitor Rolf Laubé

procurador do Município de São Bernardo do Campo e pós-graduado em Direito pela PUC-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAUBÉ, Vitor Rolf. Suprimento de fundos e cartão de pagamento do governo federal.: Aspectos das respectivas disciplinas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2035, 26 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12252. Acesso em: 30 abr. 2024.

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