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Prescrição e reincidência no processo disciplinar.

Artigo 130 da Lei nº 8.112/90

Agenda 07/02/2009 às 00:00

Introdução

        01.Realizando análises para julgamento de processos disciplinares, deparamo-nos com algumas situações práticas envolvendo o instituto da reincidência.

        02.Em alguns casos, a penalidade de advertência reincidida encontra-se prescrita e em outros era a penalidade reincidenda que se encontrava prescrita.

        03.Nos dois casos, o entendimento anterior era no sentido de que existia a possibilidade de aplicação da penalidade de suspensão por força do artigo 130 da Lei 8.112/90, uma vez que se passava a considerar os prazos prescricionais da penalidade de suspensão e não de advertência, e essa não estaria prescrita, pois possui um prazo prescricional mais dilatado em relação ao da advertência. Ou seja, não se importava com os prazos prescricionais de advertência e sim com os de suspensão, uma vez que a penalidade sugerida e efetivamente aplicada, por força do dispositivo em comento, seria de suspensão e não de advertência.

        04.Discordando deste entendimento, e após discussões, acordou-se que quando a penalidade reincidida estivesse prescrita, não se aplicaria a penalidade de suspensão, o mesmo não ocorrendo quando a penalidade de advertência reincidenda estivesse prescrita, uma vez que se passaria a contar o prazo prescricional da suspensão e não da advertência.

        05.Inconformado com esse entendimento, quanto à segunda hipótese, delineamos nosso entendimento acerca das duas hipóteses de prescrição aludidas, no sentido de que as duas hipóteses impediriam a aplicação da penalidade de suspensão, seja quando a penalidade reincidida estivesse prescrita ou quando a prescrição afetasse a penalidade reincidenda.

        06.Diante desse posicionamento, e tendo em vista que a Controladoria-Geral da União em seu Manual de Processo Administrativo Disciplinar não se manifestou acerca da segunda hipótese (ou não foi suficientemente clara), optamos por trazer á baila a discussão sobre o assunto.


Considerações iniciais

        07.Trata-se de Discussão acerca da reincidência no âmbito do Direito Disciplinar, mais precisamente no que concerne a reincidência da penalidade de advertência, prevista no artigo 130 da Lei 8.112/90. A discussão permeia a à possibilidade da incidência do instituto da prescrição, como possível óbice à existência da reincidência.

        08.Nesse diapasão, consideraremos as duas hipóteses de prescrição da aplicação da penalidade de advertência, que em tese, obstaculizariam a aplicação da penalidade de suspensão, prevista no dispositivo em tela.

        09.Para que tenhamos parâmetros mais objetivos, consideraremos que a conduta do agente infrator só admitiria prima facie a aplicação da penalidade de advertência, já observados todos os requisitos previstos no artigo 128 da Lei 8.112/90, e a suspensão só incidiria sobre a segunda transgressão, pela razão única da reincidência, considerada aqui de forma genérica, ou seja, bastando para tanto que tenha cometido anteriormente uma outra infração punível com advertência.


Das hipóteses de Prescrição estudadas:

        10.Definidos estes parâmetros, delineamos as duas hipóteses de prescrição possíveis:

        a) quando não foi aplicada penalidade na primeira transgressão em razão da prescrição, tendo sido o fato anotado nos assentamentos funcionais do transgressor, por força do artigo 170 da Lei 8.112/90;

        b) quando a segunda transgressão, após analisados os requisitos do artigo 128 da Lei 8.112/90, seria passível de aplicação da penalidade de advertência (prescrita), sendo majorada para suspensão por força do artigo 130 do mesmo dispositivo legal.


Da prescrição da penalidade reincidida:

        11.Em consideração à primeira hipótese, em que a penalidade sequer foi aplicada em razão da prescrição, o entendimento mais admitido é de que a suspensão não pode ser aplicada, uma vez que penalidade prescrita não pode ser utilizada para efeito de reincidência. A Controladoria-Geral da União (CGU) vem acompanhado este entendimento, conforme se vê em seu Manual de Processo Administrativo Disciplinar, disponível em via eletrônica para consulta em seu site, no endereço http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/index.asp, vejamos:

        4.10.2.4.2 - Reincidência, Cancelamento do Registro e Gradação

        Além disso, aplica-se a suspensão na reincidência das faltas puníveis com advertência. A Lei não especificou se considera como reincidência o cometimento de uma segunda falta qualquer punível com advertência (reincidência genérica), ou se considera apenas o segundo cometimento da mesma falta (reincidência específica). Mas, trazendo à tona o conceito penal de reincidência, prevalece a interpretação mais ampla, pois naquela sede, não só para consideração do reincidente em contravenção penal, mas até mesmo para o crime, a lei trata do cometimento de nova infração de forma genérica, não se importando com a natureza da infração antecedente.

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        CP - Reincidência

        Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/07/84)

        Decreto-Lei nº 3.688, de 03/10/41 - Lei das Contravenções Penais - Reincidência

        Art. 7º Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.

        Ou seja, configura-se a reincidência quando, do cometimento de uma segunda irregularidade, qualquer que seja, punível com advertência, já tenham sido a primeira infração definitivamente julgada na esfera administrativa e a advertência aplicada, podendo-se valorar contrariamente ao acusado, com maior número de dias de suspensão, especificamente quando a reincidência é da mesma infração pela qual o servidor já foi punido. Sendo requisito essencial que a primeira pena já tenha sido aplicada, a ocorrência de prescrição, por exemplo, impede que se cogite de reincidência (nesse caso, configura apenas o mau antecedente de ter o fato apurado registrado nos assentamentos).

        "Reincidência é a prática reiterada da infração, da mesma natureza ou de outra, pela qual o funcionário já tenha sido punido.

        A reincidência pode ser específica ou genérica, conforme se verifique a repetição do ato infracional, com a mesma ou com outra modalidade de atuação." Francisco Xavier da Silva Guimarães, "Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União", pg. 58, Editora Forense, 2ª edição, 2006

        Extraído do sítio http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/index.asp, em 03/02/2008.

        12.Portanto, em relação à primeira hipótese, descrita na letra "a", entende-se por não ser possível a aplicação da penalidade de suspensão pelo instituto da reincidência, quando a primeira penalidade não pôde ser aplicada por incidência da prescrição, tendo somente os fatos anotados nos assentamentos funcionais do servidor infrator, por força do artigo 170 da Lei 8.112/90

        13.Observa-se que, para aceitação deste entendimento, necessário se faz considerar que a reincidência é genérica, pois, caso contrário, em se considerando a reincidência da conduta punível e não punida, incidiria a reincidência e, portanto, caberia a aplicação da penalidade de suspensão nas duas hipóteses.


Da prescrição da penalidade reincidenda

        14.Consideremos agora a segunda hipótese, e, nesta, necessitaremos de uma análise um pouco mais complexa, referente ao caso em que no momento da aplicação da segunda penalidade de advertência, reincidenda, esta estaria eivada de prescrição.

        15.Mais uma vez alertamos, que consideramos hipóteses em que a única motivação para aplicação da penalidade de suspensão seria a reincidência, uma vez que a falta disciplinar foi considerada de natureza leve, não incorrendo em outros motivos que levassem à aplicação da penalidade de suspensão, tais como gravidade da conduta, etc.

        16.Nesta hipótese, o servidor cometeu falta anterior, pela qual efetivamente foi punido com a penalidade de advertência, estando esta dentro do prazo de 03 (três) anos previstos no artigo 131 da Lei 8.112/90, quando cometera outra falta punível com advertência.

        17.Se considerarmos os fundamentos utilizados para a não incidência da prescrição na hipótese prevista na letra "a", no nosso entendimento, caso o julgamento não fosse realizado dentro do prazo prescricional de aplicação da segunda penalidade de advertência, não poderia o julgador determinar a aplicação da penalidade de suspensão, pelo mesmo fundamento de que penalidade prescrita não pode ser utilizada para efeito de prescrição.

        18.Observe que a penalidade a ser aplicada, prima facie, seria da advertência e não de suspensão e esta só incidiria em razão da reincidência.

        19.Esse entendimento se faz necessário, uma vez que, ao considerarmos a reincidência como genérica, necessária se faz uma análise de todo o contexto indicador da penalidade previsto no artigo 128 da Lei 8.112/90, que culminaria com a aplicação da penalidade de advertência, não se importando para essa reincidência a conduta em si do servidor no momento da transgressão.


Anti-tese, suposição ad absurdum da não ocorrência da prescrição da penalidade quando a penalidade reincidenda de advertência estiver prescrita.

        20.Suponha, por absurdo, que fosse possível a aplicação da penalidade de suspensão quando a penalidade de advertência reincidenda estivesse prescrita. Desta forma estaríamos considerando, para efeito da efetivação da reincidência, o momento do cometimento do fato, pois naquele instante não haveria que se falar em prescrição alguma.

        21.Assim considerando, no momento em que praticou a segunda conduta infracional, estaria o servidor ciente dos deveres e obrigações de seu cargo e ainda que havia em tempo pretérito cometido fato cuja responsabilização importaria em advertência, que só não foi aplicada pela incidência da prescrição. Porém como reincidiu na conduta, esta seria majorada e no momento do cometimento, já caberia, prima facie, a aplicação da penalidade de suspensão, uma vez que reincidiu a responsabilização por cometimento de transgressão de natureza leve.

        22.Para que possamos melhor ilustrar este entendimento, consideremos que um Policial Rodoviário Federal tenha preenchido incorretamente um Boletim de Ocorrência de Trânsito, e em decorrência de tal transgressão fora punido com a penalidade de advertência. Passado algum tempo, novamente incorre em transgressão que merecesse similar punição, como deixar de tratar com urbanidade um usuário da rodovia.

        23.No momento em que não tratou com urbanidade o usuário, já estaria este servidor passível da aplicação da penalidade de suspensão, uma vez que não fora comedido e não se manteve atento aos seus deveres e obrigações, mais uma vez, reincidindo em transgressão de natureza leve, não poderia ser apenado simplesmente com advertência.


Impossibilidade de ocorrência da anti-tese, implica na afirmação da tese

        24.Porém, veja-se que esse entendimento traria uma contradição com o admitido na primeira hipótese, uma vez que ao contrário, poder-se-ia aplicar a penalidade de suspensão mesmo quando a primeira penalidade tenha deixado de ser aplicada, uma vez que para que isso ocorresse se consideraria para efeito (parâmetro) a reincidência na transgressão e não na penalidade efetivamente aplicada. Ou seja, qual seria a diferença entre ter ou não aplicado a primeira penalidade, se o que se mediu para efeito da reincidência foi a duplicidade de transgressão e não de apenamento?

        25.Nesse sentido, e desconsiderando-se a possibilidade de aplicação da penalidade de suspensão na hipótese da letra "a" pelos argumentos já exarados e firmados pelo entendimento da própria CGU, admite-se como requisito para a reincidência a aplicação da penalidade e não a transgressão e a responsabilização em si.

        26.Em se considerando esta premissa, há a necessidade de que a segunda penalidade possa ser aplicada para que esta reincida sobre a primeira, configurando-se assim, a hipótese prevista no artigo 130 da Lei 8.112/90, sendo aplicado a este servidor a penalidade de suspensão, por reincidência.


Exemplo didático

        27.Mutatio mutandes, apenas a título ilustrativo, de forma mais didática, seria considerar que um árbitro, numa partida de futebol, pudesse expulsar um jogador por reincidência de falta punida com cartão amarelo, sem aplicar-lhe o segundo cartão amarelo.

        28.Veja-se que seria sim possível a apresentação do cartão vermelho diretamente já na segunda falta, desde que tivesse cometido falta punível com expulsão, caso contrário, se punível com cartão amarelo, este deve ser apresentado antes da apresentação do cartão vermelho. Porém, se a falta fosse passível de punição com o cartão amarelo, este deveria ser apresentado pela segunda vez e só em seguida haveria a apresentação do cartão vermelho.


Conclusão

        29.Nesse sentido, voltando à hipótese delineada na letra "b", só se poderia aplicar a penalidade de suspensão pela reincidência da penalidade de advertência se essa fosse passível de aplicação por si só, ou seja, não estivesse eivada do instituto da prescrição.

        30.Neste contexto, a penalidade de suspensão, com fulcro na reincidência prevista no artigo 130 da Lei 8.112/90, só seria possível se as penalidades de advertência reincidida e reincidenda não estivessem prescritas.

Sobre o autor
Fernando César Pereira Ferreira

Policial Rodoviário Federal - Corregedoria-Geral do DPRF Cedido - INSS - A

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Fernando César Pereira. Prescrição e reincidência no processo disciplinar.: Artigo 130 da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2047, 7 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12312. Acesso em: 19 dez. 2024.

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