Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Atos jurídicos imperfeitos. Praticados por menores absolutamente incapazes. Validade

Exibindo página 4 de 6
Agenda 02/03/2009 às 00:00

CAPITULO IV

SUMÁRIO. 4.1. Noções gerais. 4.2. Ato jurídico anulável. 4.3. Vício da vontade. 4.4. Erro. 4.5. Dolo. 4.6. Coação. 4.7. Simulação. 4.8. Fraude contra credores. 4.9. Lesão e estado de perigo. 4.10. Ato jurídico inexistente. 4.11. Ato jurídico nulo. 4.12. Ato de objeto ilícito ou impossível. 4.13. Ato jurídico que não reveste a forma legal. 4.14. Preterição de formalidade legal. 4.15. Ato que a lei declara nulo ou nega efeito. 4.16. Atos praticados pelos absolutamente incapazes. 4.17. Atos praticados pelo menor de dezesseis anos.

4.1 Noções gerais

O artigo 145 do Código Civil (artigo 166 do Novo Estatuto) é taxativo no sentido de que é nulo o ato jurídico: "I) quando praticado por pessoa incapaz. II) quando for ilícito ou impossível o seu objeto; III) quando não revestir a forma prescrita em lei; IV) quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; V) quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito".

O artigo 147 (171 do Código Civil a entrar em vigor) do Código expressa que é anulável o ato: "I) por incapacidade relativa do agente; II) por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude".

Far-se-ão alguns comentários quanto ao ato anulável e ao inexistente, superficiais, até porque o trabalho se refere ao ato nulo, especificamente aquele praticado pelo menor absolutamente incapaz, pois o objetivo é demonstrar que a ação emanada por determinados menores absolutamente incapazes é revestida do elemento vontade pela presença do querer e do discernimento.

4.2 Ato jurídico anulável

Segundo Carvalho Santos, ato anulável é aquele que apresenta os elementos essenciais à sua constituição, mas na realidade vem contaminado de vícios que afetam a proteção dos interesses individuais, distingüindo-se, nesse ponto, do ato nulo, porquanto neste há, em regra, ofensa aos princípios básicos da ordem pública, enquanto naquele existe, somente, um vício de vontade do sujeito. (CARVALHO SANTOS, J.M. Op. cit.p.258)

Anote-se que os negócios jurídicos anuláveis produzem efeitos até o momento do decreto da nulidade. Todavia, se a parte prejudicada não solicitar a declaração dessa invalidade, obviamente, efeitos se produzirão como se válido fosse. Por isso, no dizer de Washington de Barros Monteiro, a nulidade relativa é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada, ou de grupo de pessoas, podendo essa nulidade ser suprida judicialmente, a pedido das partes interessadas, ou de seus representantes legais, ou ex officio. Serão, sempre conhecidas por intermédio de ação judicial e são prescritíveis. (MONTEIRO, Washington de Barros, Op. cit. p.265)

Por outro lado, se o negócio é anulado ele se equipara a um negócio nulo, advindo, então, a lição de Albaladejo, segundo o qual, desfeito judicialmente o negócio anulável, a equivalência é a de um negócio nulo. (ALBALADEJO, Manuel. El Negócio Jurídico. Barcelona; Libreria Bosch, 1958. p.415. "En conclusión, el negócio anulable, mientras no se impugna és un negócio valido, una vez impugnado eficazmente, equivale al negócio nulo".

4.3 Vícios da vontade

A vontade, sabe-se, é elemento essencial na formação do negócio jurídico. Porém, algumas vezes ela não se manifesta plenamente, acarretando, por isso, vícios que afetarão os resultados.

Assim, poderá a declaração apresentar-se viciada porque intencionalmente diversa da vontade verdadeira, como ocorre na reserva mental e na anulação. Poderá ocorrer, ainda, uma declaração eivada de vícios não queridos, como sói acontecer na ocorrência do erro, ou de dolo ou má fé de outrem. Na coação as falhas são denominadas de vícios do consentimento, porque o agir da pessoa está em descordo com o seu conhecimento.

Quando ocorre desacordo entre a vontade interna e a vontade objetivada, necessária se faz a interpretação teleológica, para ficar esclarecido qual das duas deverá prevalecer. Cada uma tem o seu valor, mas deve-se convir que em cada caso terão de ser pesquisadas as duas faces: a vontade íntima do sujeito e a objetivada.

Como já se acentuou, o artigo 85 do Código Civil (artigo 112 do novo Código) é expresso no sentido de que prevalecerá a intenção sobre a vontade dinamizada. Embora a lei objetiva ordene a busca da intenção do declarante, é certo que se atenda também, embora menos, às palavras com que foi ela elaborada. Por isso o Código ficou nomeio-termo entre as duas situações, sendo certo que ambas merecem análise. (CARVALHO SANTOS, J.M. Op. cit. p.285)

Advertem os cultores da declaração que os homens não dispõem de meios e nem disputam do poder de investigar o que se passa no íntimo de cada um e, se assim não fosse, propiciaria pretexto à parte contrária para apontar a inexecução de suas obrigações, sob fundamento de que a declaração não corresponde à verdadeira vontade.

4.4 Erro

Como um dos vícios do consentimento, apto a levar à anulabilidade do ato jurídico, o erro se caracteriza pelo estado psíquico decorrente da falsa percepção dos fatos e, por isso, o agente declara sua vontade em desacordo com a realidade. Essa declaração é produzida com defeito, devido à percepção falsa do declarante. O autor do negócio desconhece a realidade e expõe sua vontade apoiada em vícios, acreditando estar agindo corretamente. Difere esta situação daquela que ocorre na coação, pois nesta temo autor pleno conhecimento de que está agindo em desacordo com sua vontade, e obedecendo a imposição do coator.

O erro que anula o negócio jurídico é aquele que alcança a substância do ato e não pontos acidentais, como está determinado pelo artigo 86 do Código Civil (artigo 138 do Novo Estatuto); é chamado de erro substancial ou essencial. Está refletido na natureza do ato, ao seu objeto principal. É escusável ou inevitável, pois não poderia ser captado pelo homo medius, e, por isso, atingindo a essência do negócio e não se tornando perceptível pela média dos homens, é causa de anulabilidade.

Erro e ignorância não se confundem pois enquanto o primeiro é o falso conhecimento a respeito de determinada situação, a segunda importa no seu desconhecimento, pelo que, pode-se afirmar que o erro poderá ser invocado em relação à lei, mas a ignorância não: ignorantia legem nemo scusat.

4.5 Dolo

Dolo é a forma comum e mais grave do elemento subjetivo da culpabilidade e, por isso, se compõe de dois requisitos: um cognitivo, ou seja, o conhecimento do fato e outro volitivo, que é a vontade de realizar a conduta. Portanto, é a intenção de praticar a ação, sabendo que está agindo contra a lei, ou, a vontade consciente dirigida à execução de um resultado que a lei considera ilícito.

Desse modo, como vontade e representação, o dolo é, resumidamente, a representação e vontade de produzir o resultado ilegal, conhecendo o autor sua ilicitude ou, embora não querendo diretamente o evento, assume o risco de produzí-lo. Daí a afirmação de que ele não se limita somente no querer o resultado danoso, mas também na anuência da vontade ao resultado, assumindo o risco. É o dolo eventual, como subdivisão do indireto. O agente não quer diretamente o resultado, mas a ele anui com sua vontade.

A conduta dolosa poderá ocorrer por ação ou por omissão. Tanto procederá com dolo aquele que dirige uma mentira em relação a determinado negócio, para locupletar-se indevidamente, como aquele que se cala, omitindo-se à verdade do fato, no afã de levar outrem a erro.

Importa saber, porém, se o dolo é causa determinante do ato, porque, como ensina Clóvis Bevilaqua, somente o dolo principal, o que for causa do ato, denominado pelos romanos de dolus causam dans é que tem o condão de tornar o ato anulável, pois a característica do dolo é a intenção de prejudicar. (BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro; Editora Rio, 1975, p.341).

Convinhável fazer anotado que, se ambas as partes no negócio, entretanto, agirem com dolo, não desfrutarão do amparo legal para a anulação do ato, porque a lei procura alicerçar a boa fé e, nesse caso, não haverá boa fé a ser defendida. Ademais, ninguém pode tirar vantagem através do próprio dolo, pelo que, nesse caso, o dolo não é causa de anulação do negócio jurídico.

4.6 Coação

O sujeito que pratica um negócio jurídico poderá ser forçado à efetivação de determinado resultado por duas maneiras: a vis absoluta, ou pela vis compulsiva. A primeira diz respeito à força física, a qual é causa de exclusão da vontade do pseudo-agente. A segunda, também denominada de força moral, ou violência moral, atua sobre a parte psíquica do coato, forçando-o a uma declaração viciada da vontade.

Quando o sujeito é forçado a praticar um evento mediante força física, inexistente é a ação porque o coato se transforma em simples autômato nas mãos do coator. Dessa maneira, qualquer ação por ele perpetrada não produzirá efeito algum, face à inexistência do mínimo de vontade à formação do ato negocial.

Porém, se o sujeito age sob força moral, ou vis compulsiva, emite ele uma declaração de vontade, embora viciada, a qual não lhe tira o consentimento, posto que imperfeito pelo vício que o inquina. Essa ação, entretanto, produz efeitos até o decreto que reconhece o vício do procedimento, por tratar-se de causa de anulabilidade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Assim considerado, a violência física produz ato nulo ou inexistente, ao passo que a coação moral faz originar ato anulável. Diante dessa vis compulsiva, notamos que o sujeito declara uma vontade que, na realidade, não é aquela que habita o seu íntimo. Po isso que a declaração deverá ser analisada, pesquisando-se a vontade do declarante. O artigo 85 do Código Civil (artigo 112 do Novo Diploma) prescreve, assim que, nas declarações de vontade, o intérprete terá de analisar mais a intenção do sujeito do que, propriamente, o sentido literal da linguagem.

Para levar à anulabilidade do ato, a ameaça deverá ser séria e injusta, a respeito de um mal atual ou futuro, a ponto de impor na pessoa ameaçada um temor. Daí inferir-se que o ponto de partida para a pesquisa da ameaça é o metus sofrido ela vítima. Se esta, por acaso, não sentir medo da imposição feita pelo adversário, é certo que não ocorreu a ameaça, devido à falta de resultado para sua consumação.

Na apreciação da existência da coação leva-se em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento, da pessoa ofendida, bem como outras circunstâncias idôneas à pesquisa sobre a gravidade ou não do procedimento do autor. Na realidade, evidentemente, o temor da vítima mais se agravará diante de certas anormalidades, sejam físicas ou mentais do paciente.

Sabe-se também que não se considera como coação a ameaça de exercício de um direito e nem o temor reverencial, definindo-se este como receio de desgostar o pai, a mãe, ou a outras pessoas a quem se deve obediência.

Por fim, é necessário consignar que, mesmo exercida por terceiro, a coação vicia o ato. Se conhecida da parte, responderá esta solidariamente, mas, se não chegar o seu conhecimento, somente o coator responderá pelo dano.

4.7 Simulação

Primeiro dos vícios chamados sociais pela doutrina, a simulação não traduz um vício do consentimento mas produz um defeito no negócio. O negócio realizado sob simulação tem aparência normal, mas não se objetiva ao efeito que deveria produzir. Ela difere do dolo porque na simulação não são usados ardis ou artifícios maliciosos para enganar a parte contrária, porque a ofensa é dirigida a terceiros. É declaração enganosa, com objetivo de produzir efeito diverso do indicado, ou seja, do ordenado pela lei.

A simulação é absoluta quando a declaração de vontade visa a não produção do resultado. O agente demonstra um querer, quando, na realidade, ele não quer. É relativa, também denominada por dissimulação, quando o procedimento tem por finalidade aparentar outro de natureza diferente, como acontece com a compra e venda dissimulando uma doação, ou quando a venda é feita a um terceiro, a fim de que este transmita o bem a descendente do alienante.

A simulação pode ser maliciosa ou inocente. A primeira tem por regra a violação da lei ou a conduta enganosa a terceiros, ao passo que na inocente a declaração não causa prejuízos a ninguém e, por isso, não causa a anulabilidade do ato, por não produzir dano.

A reserva mental ou reticência que se assemelha à simulação, desta difere. Naquela, a vontade do agente não é causa do negócio jurídico, mas nesta última, a vontade declarada se objetiva a um determinado proveito, o qual, entretanto, é ocultado pelo declarante ou declarantes. Na reserva mental a vontade não é requisito do negócio.

Nada mais é - a reserva mental - do que o desacordo entre a vontade interna do sujeito e aquela por ele declarada, porém ignorada pela outra parte. Isto é óbvio porque caso a outra parte interessada tomasse conhecimento da mencionada vontade não declarada não haveria, então, a referida reserva. É o que ocorre com as promessas em geral, as evasivas, quando a parte esconde o que declara. Enfim, seria a omissão dolosa de determinada situação, a qual, entretanto, não chegando ao conhecimento da outra parte, constitui uma reserva volitiva do sujeito.

A simulação, de outro lado, é conhecida pela outra parte, sendo ignorada somente por terceiros. Enquanto no dolo, por exemplo, uma das partes é enganada pela outra, na simulação ambas têm conhecimento do vício e só terceiros o ignoram.

Tal vício social, não raramente, ocorre em casos de doação que homem casado faz à concubina sob forma de compra e venda simulada, em violação ao artigo 1177 do Código Civil (artigo 550 do novo Código).

4.8 Fraude contra credores

Segundo e derradeiro dos vícios doutrinariamente chamados de sociais, a fraude contra credores se compõe de dois elementos: um objetivo, definido pelo dano causado ao credor e outro subjetivo, que se traduz pela má-fé, isto é, a intenção de enganar.

A fraude, no âmbito subjetivo, ou seja, na consilium fraudis não dá importância ao propósito de prejudicar credores. Não interessa, pois, a intenção, isto é, o animus nocendi, bastando a consciência do devedor de que desse ato advirão os prejuízos respectivos. Da mesma forma, ao co-autor do fraudador não é exigida a intenção de causar prejuízos, mas basta que tenha conhecimento da insolvência do devedor e dos possíveis danos aos credores.

De acordo com o Direito romano, para que pudesse existir e ser bem sucedida a ação pauliana, exigia-se a prova da intenção de prejudicar, aliada ao dano. Mas, nosso direito contenta-se com o resultado danoso, a fim de que possa ser concedida a revocatória.

Apenas os credores quirografários podem propor a pauliana, pois aqueles que possuem garantia real não desfrutam desse direito.

Por outro lado, têm direito à anulação do negócio jurídico praticado em fraude contra credores só aqueles que já o eram ao tempo anterior ao nascimento do estado de insolvência, porque, se seus créditos forma constituídos posteriormente falta-lhes o direito.

Todavia, quanto aos contratos onerosos, dispõe o artigo 107, do Código Civil (artigo 159 do novo Código Civil) que deverá a insolvência ser notória ou der motivo para ser conhecida da outra parte. Será notória quando conhecida por todos, ou por grande quantidade de pessoas, devido a protestos, publicações de cobranças e presumida quando o adquirente tinha motivos para saber do estado do alienante.

Difere a fraude contra credores da fraude à execução, pois enquanto nesta última o ato é nulo, disciplinada pelo direito público, naquela o ato praticado é apenas anulável. A fraude à execução é incidente do processo, pressupondo demanda e mandamento e aproveita tão somente ao exequente, ao passo que a fraude contra credores aproveita a todos estes e se define como defeito dos atos jurídicos, pertencendo ao campo do direito privado.

4.9 Lesão e estado de perigo

De origem romana, o conceito de lesão foi acolhido pelo direito canônico. Segundo Aderbal da Cunha Gonçalves havia diferença entre os dois sistemas, pois, enquanto o romano via na lesão efeitos políticos e econômicos, entendia o canônico que o fundamento do instituto vigorava em função da ordem moral, pois a desproporção das prestações contraria os princípios morais e, evidentemente, a justiça. Entretanto, em ambos os sistemas a lesão era vista pelo prisma objetivo. (CUNHA GONÇALVES, Aderbal da. O Instituto da Lesão. Salvador; Artes Gráficas, 1949, p.31).

A lesão, agasalhada pelo Novo Código Civil Brasileiro (de 2002), no artigo 157, é o desequilíbrio entre as prestações reciprocamente estipuladas e assumidas, com prejuízo a um dos contratantes.

Segundo os elementos formadores da lesão é fácil notar que ela se origina de negócio jurídico comutativo, porque impossível será dar-lhe guarida existencial em contratos aleatórios.

A lesão não se confunde com a imprevisão. É que, na lesão o ato se apresenta eivado de defeito no momento de sua formação, enquanto na imprevisão apesar de perfeito o contrato, posteriormente ocorre a lesão que era, até então, imprevista. Daí a origem do termo imprevisão, a marcar essa característica.

No direito moderno, porém, a lesão passou a ser pesquisada dentro dos ditames da subjetividade e, ao lado do requisito objetivo, aparece a aferição subjetiva, pois a lesão decorre da exploração do estado de necessidade da parte lesada. A desproporção entre as prestações passa a ser efeito, produzido pela causa que nada mais é do que o domínio sobre a fragilidade econômica do outro contratante.

Não obstante a teoria alemã visse na lesão um vício de ordem subjetivo, o certo é que não foi o instituto analisado como efeito advindo da pessoa do lesado, mas como decorrência da maneira levada a efeito pelo beneficiado, o qual se torna autor de ato ilícito, violador dos bons costumes. De maneira que, pela forma visada pela escola alemã, a lesão seria, obviamente, autêntico ato nulo, por atentar contra os bons costumes.

No direito moderno o elemento subjetivo da lesão é conhecido como dolo de aproveitamento, advindo a nomenclatura do fato de uma das partes aproveitar-se da inexperiência ou fraqueza econômica do outro contratante. Não há necessidade de indução à prática do negócio, bastando o aproveitamento por um dos contratantes, auferindo lucro anormal.

Afirma Caio Mário, ao analisar o instituto da lesão que esta não importa em nulidade do negócio, devendo ser conferido ao lesado um direito de ação sob forma de faculdade alternativa: desfazimento do negócio, ou pedido de complementação da diferença das prestações, com o restabelecimento do equilíbrio. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições. Op. cit. p.350).

Paralelamente ao dolo de aproveitamento (elemento subjetivo da lesão), pode-se apontar o estado de perigo, também definido pelo Código Civil de 2002, a entrar em vigor em 2003, artigo 156, que nada mais é do que o momento em que o agente emite declaração de vontade para salvar-se de perigo de dano grave, conhecido da outra parte e assim, assumindo obrigação excessivamente onerosa. Essa situação se define quando o declarante tenta salvar-se, ou procura salvar seu descendente, ascendente, ou cônjuge e está expressa no novo Código Civil, a entrar em vigor em 2003, no artigo 156.

Outrossim anote-se que, o novo Código Civil (de 2002 a entrar em vigor em 2003), incluiu a lesão entre os defeitos dos negócios jurídicos, no artigo 157.

Sem dúvida que a preocupação, na lesão, é a desigualdade das prestações em determinado negócio jurídico, constante de contrato comutativo. poderá ser invocada, até mesmo, em partilha de bens, conforme preleciona Hélio Borghi, posto embora não se trate, o partilhamento, de negócio jurídico e sim de ato jurídico em sentido estrito, o certo é que a lesão foi, originariamente, concebida pelas Constituições de Diocleciano e de Maximiano, previsto o instituto para os casos de venda e compra, com exclusão dos contratos aleatórios e gratuitos.

Prossegue o autor dizendo que o percentual aferido por lei, a fim de que se caracterize a lesão começou como, por exemplo, em menos da metade do justo valor, percentagem essa ainda vigente no Direito italiano; ou até sete dozeavos, como ocorre no Direito francês; ou, por fim, em um quinto do valor corrente ou justo como está expresso na Lei de Proteção à Economia Popular brasileira. É preciso frisar ainda que a parte que se houve com aproveitamento tenha se valido da inexperiência, da leviandade ou da premente necessidade da outra na conclusão do negócio. Assim, traçados estão os elementos objetivos e subjetivos como hoje é vista a lesão. (BORGHI, Hélio. A Lesão no Direito Civil. São Paulo; LEUD, 1988, p.5).

4.10 Ato jurídico inexistente

No direito brasileiro a lei substantiva não faz referência ao ato jurídico inexistente, pois o equipara ao ato nulo. É que, segundo a opinião unânime dos autores brasileiros e estrangeiros, o ato inexistente é o nada, motivo pelo qual não há necessidade de definí-lo ou de apresentação de comentários a respeito de seus efeitos, porque esses efeitos não existem. Se o ato não existe, não é passível de nulidade. Não se anula aquilo que não existe. Ele não chega a formar-se por faltar-lhe elemento essencial à sua constituição e, assim, não é realidade, porque inexiste.

O Código Civil não alude a essa categoria de ineficácia do negócio jurídico, a qual integrava o Projeto Bevilaqua. Mas, a doutrina cogita do ato inexistente e a jurisprudência, por vezes, tem acolhido a teoria.

Há, até mesmo, entendimento no sentido de que a distinção entre ato nulo e inexistente é bizantina e que a expressão ato inexistente não passa de contraditio in adjectio, porquanto, no mesmo instante em que se trata de algo existente, impõe-se sua negação pela inexistência.

Inclusive, os que opinam contrariamente ao acolhimento da doutrina sobre atos inexistentes atestam que a teoria da nulidade oferece toda a matéria necessária ao estudo, tanto dos atos nulos, como dos inexistentes.

Carvalho Santos, colecionando lições de Windscheid, ensina que o negócio jurídico nulo não existe em direito, mas existe de fato. Um corpo sem alma, mas não deixa de ser um corpo. Entretanto, se há falta de elemento essencial à formação desse corpo, o ato não chega a se formar no mundo do direito, por inexistência do material necessário à constituição do fato. (CARVALHO SANTOS, J.M. Op.cit.p.328).

As questões relacionadas à inexistência do ato são de ordem fática, enquanto as alusivas às nulidades são pesquisadas no campo jurídico. Daí a divisão entre as quaestio facti e as quaestio iuris. As primeiras se referem à análise da inexistência do ato e as segundas dizem respeito à perquirição dos vícios que integram esses atos.

Portanto, os elementos constitutivos do negócio jurídico são aqueles referentes à vontade e ao objeto. Daí a conclusão a que se chega no sentido de que, quando houver existências de vontade e do objeto, embora conturbada aquela, o ato se exterioriza. Mas, se essa vontade não se forma por falta de seu elemento psíquico - querer - como ocorre nos casos de coação irresistível originada pela vis absoluta, inexistente é o ato. Por outro lado, quando a coação é levada a efeito através da grave ameaça, denominada vis compulsiva, embora viciada a vontade, o ato produzido pelo agente coagido existe, embora lastreado em vício.

Por toda essa colocação é certo que o casamento realizado mediante coação moral é anulável, mas é inexistente aquele em que o coagido se presta, apenas, como autômato nas mãos do coator, este autor da força física e desencadeador do resultado.

Nulo, por exemplo, sob outra ótica, é o casamento contraído perante autoridade incompetente, mas inexistente é o matrimônio se a pessoa que presidiu o ato nem mesmo era autoridade. No primeiro caso se pesquisa a quaestio iuris, porém no segundo o alvo da análise é a quaestio facti.

Por isso que Caio Mário da Silva Pereira adverte que, quando o objeto é ilícito ou impossível, o negócio é nulo, entretanto se falta elemento essencial à sua formação, definir-se-o-á como inexistente. A incapacidade de consentir induz à nulidade do negócio, mas na falta de consentimento ele inexiste. (PEREIRA, Caio Mario da Silva, Op. cit. v. I, 1989, p.445).

Portanto, os negócios jurídicos anuláveis e nulos dependem de sentença para o decreto da nulidade, operando o decisum para os efeitos ex nun e ex tunc, respectivamente, não sendo necessária todavia, qualquer decisão judicial para declarar a invalidade do ato inexistente, pois este é o nada.

4.11 Ato jurídico nulo

Houve época em que o ato jurídico somente era considerado nulo quando nele se constatasse alguma lesão. Assim, no código de Napoleão, os artigos 1305 e 1306 mantiveram esse princípio, dispondo que a lesão simples dá direto à rescisão em favor do menor não emancipado contra qualquer convenção.

Todavia, com o decorrer do tempo o princípio das nulidades integrou, como regra autônoma, a parte geral do Direito Civil, independentemente da existência ou não de constatação de lesão. O Código Civil enumera as nulidades no artigo 145 (artigo 166 do Código Civil a entrar em vigor) e dispõe no artigo 146 que as nulidades previstas naquele poderão ser alegadas pelo interessado e pelo Ministério Público quando a este couber intervir, impondo ao juiz o dever de declará-las e a proibição de supri-las, ainda que a pedido das partes.

Por isso Albaladejo define o negócio jurídico nulo como aquele que, devido a um defeito não é apto para produzir seus efeitos próprios. (ALBALADEJO, Manuel. op. cit. p.400).

No direito positivo brasileiro o Código Civil dividiu as nulidades em relação à personalidade, ao objeto, à forma, à solenidade legal e, finalmente, à tipicidade da norma. De maneira que o negócio poderá ser declarado nulo: ou porque o agente não dispunha de vontade válida para praticá-lo; ou porque não foi adequada a formalidade usada; ou porque foi preterida alguma solenidade imposta pela lei; ou, finalmente, porque a ação voluntária se tipificou em determinado texto legal, de imposição da nulidade. De qualquer maneira, a ação perpetrada contra um desses dispositivos mencionados será nula de pleno direito. A dificuldade maior a respeito da pesquisa do negócio jurídico nulo se prende à incapacidade do sujeito, nos termos do item I, do artigo 145, especificamente no tratamento alusivo aos menores, por isso que procuramos dar uma posição a respeito desses incapazes, quanto aos negócios jurídicos por eles praticados.

Dessa forma, o ponto primordial do trabalho versará sobre o ato nulo perpetrado por (certos) menores absolutamente incapazes e, evidentemente, a validade ou não desse procedimento em relação à sociedade de um modo geral e principalmente aos terceiros de boa fé. Antes, porém, teceremos alguns comentários sobre as demais nulidades.

A nulidade pode ser plena ou parcial. É plena quando abrange a totalidade do ato e parcial quando ofende somente parte dele, limitando-se a determinadas partes ou a certas cláusulas, caso em que, a parte válida não será atingida pelo vício.

4.12 Atos de objeto ilícito ou impossível

Diz-se que o ilícito é o antijurídico, mas o termo não restringe o negócio à norma tão somente, pois abrange toda a ação que atenta contra os bons costumes, a moral e a ordem pública. É necessário seja aferida, na prática do negócio, a moralidade do motivo, a fim de que não surjam ações que levem ao absurdo; que ofendam princípios básicos da vida social. Quando há ofensa ao senso ético ou comum, à consciência pública, à honestidade, ao pudor, o negócio não poderá produzir efeitos. Às vezes, o negócio jurídico é levado a efeito em fraude à lei, porém com aparência de conformidade com o direito. Mas se o fim colimado for fútil ou torpe, evidentemente, não será reconhecido pelo direito. Acontecem, freqüentemente, casos de contrato para a vida conjugal por tempo determinado, os quais, além de ilícitos, ainda ferem os bons costumes.

4.13 Atos jurídicos que não revestem forma legal.

Para a prática de determinados atos jurídicos certas formalidades são exigidas pelo direito. Dessa maneira, depende de forma especial, dentre outros, o casamento, o contrato de compra e venda de imóveis, o testamento, a venda judicial de bens de menores e interditos etc. Para segurança das partes contratantes a lei impõe a nulidade aos atos praticados sem desobediência à formalidade legal. Contudo, como já visto, em certos casos a nulidade de determinadas cláusulas não obriga a nulidade do negócio.

Outrossim não poderá o comprador de um imóvel pretender fazer valer seu direito à propriedade, objeto a transação, se não efetuou o negócio através de escritura pública devidamente registrada no cartório competente, tendo sido tal imóvel vendido a terceiro, na forma legal e levado por este ao registro respectivo. Terá o primeiro contratante, apenas, ação de indenização por perdas e danos contra o alienante mas, para efeito de compra e venda, na forma legal, seu documento é nulo.

Igualmente nula é a venda de bens de menores em desobediência às formalidades legais. Nulo é o casamento se não foram obedecidas as formalidades impostas pela lei, pois a preterição de formalidade retira do ato perfeito um dos requisitos à sua formação legal.

4.14 Preterição de solenidade legal.

Muitas vezes acontece que um negócio jurídico é constituído com as formalidades legais, mas carente de algum dos elementos extrínsecos ou solenes que a lei reputa necessários à sua validade. É o que ocorre, por exemplo, com a compra e venda de bens de menores sem a devida autorização judicial, ou quando o casamento é celebrado sem a devida publicação dos editais, ou quando o titular que lavrou a escritura de venda e compra de imóvel não estava em exercício de seu cargo ou quando a sentença foi proferida por juiz sem exercício. Portanto acontece o ato, com as formalidades legais, mas despido de determinadas solenidades que a lei reputa imprescindíveis à sua formação.

Da mesma forma os tribunais têm tornado nulos certos exames periciais elaborados por peritos não compromissados.

E esse rigor formal não se justifica somente ad probationem, ou seja, como simples meio de prova, porém o que se tem em conta, logicamente, é a garantia das partes envolvidas no negócio e, até mesmo, terceiros de boa fé. Po isso, o rigor ad solenitatem, como requisito elementar do ato é meio garantidor às partes no negócio.

4.15 Ato que a lei declara nulo ou nega efeito

Determinadas leis trazem em si a sanção da nulidade aos atos praticados contra seus dispositivos. Elas se protegem, impondo a nulidade do negócio jurídico que atenta contra seus enunciados. Dessarte, são vários os textos que assim estão redigidos (artigos 207, 208, 1125, todos do Código Civil).

Analisando o artigo 207 (artigo 1.548 do Novo Estatuto), Clóvis Bevilaqua assevera que, sendo a nulidade de ordem pública, pode ser pedida por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público e, por defeito de redação do Código isso não foi dito claramente.

O artigo 208 é taxativo no sentido de que a nulidade ali prevista ficará sanada se o vício não for alegado dentro de dois anos. Essa ressalva demonstra que o ato nulo, aqui, se equipara ao anulável, pois se distancia da técnica da nulidade absoluta, para se transformar em nulidade híbrida.

4.16 Atos praticados pelos absolutamente incapazes

O artigo 5º, do Código Civil (artigo 3º do Código Civil de 2002), define os incapazes nos ítens I a IV. Interessa-nos porém o estudo dos atos dos menores absolutamente incapazes. Mas ainda que resumidamente mencionaremos sobre os atos praticados pelos demais incapazes.

4.17 Atos praticados pelo menor de dezesseis anos

Com relação ao menor de dezesseis anos, é certo que a sua falta de discernimento quase sempre é uma fictio legis, pois não raramente ele tem inteligência desenvolvida. Essa idade é o limite entre a incapacidade absoluta e a relativa, em face do suposto desenvolvimento mental do menor e de sua reduzida aptidão.

A incapacidade do menor, no direito antigo, era aferida em razão da puberdade, então sendo denominados impúberes e púberes, respectivamente, os absolutamente e relativamente incapazes.

Na Alemanha a capacidade começa aos sete anos de idade. O ato do menor de sete anos é nulo, não admitindo prova em contrário, juris et de jure, não podendo nem mesmo receber liberalidade.

Nos Estados Unidos da América do Norte, como na Inglaterra, a maioridade começa aos vinte e um anos. Ela é progressiva, pois o sujeito a atinge gradativamente à medida que se aproxima dos vinte e um anos, nos termos do artigo 301 do Código Civil. O menor de dezesseis anos pode alistar-se na armada, desde que obtenha consentimento de seu representante legal. O homem de catorze anos e a mulher de dezesseis podem dispor, por última vontade, de sua propriedade. Os contratos nocivos, entretanto, são nulos e os vantajosos são válidos.

A nulidade, pelos motivos expostos, fica sujeita à constatação de prejuízos ao incapaz. (ESPÍNOLA, Eduardo, Manual do Código Civil Brasileiro, Rio de Janeiro; Jacintho Ribeiro dos Santos, 1932, p.301).

No Japão a maioridade começa aos vinte e um anos. O menor deve ter consentimento do representante legal para os atos da vida civil, exceto quando o procedimento não lhe causar prejuízo. (ESPÍNOLA, Eduardo, Op. cit. p.30).

No Código Civil brasileiro está prevista a maioridade aos vinte e um anos (a qual passará para os 18 anos no Novo Estatuto Civil a entrar em vigor no ano de 2003, artigo 4º, inciso I), cessando, todavia, a incapacidade do menor se, aos dezoito anos (dezesseis pelo artigo 5º § único, I do novo Código) for emancipado, contrair matrimônio, exercer emprego público efetivo, colar grau científico em curso de ensino superior ou montar estabelecimento civil ou comercial com economia própria, nos termos do artigo 9º.

Dessarte, os atos praticados pelo menor de dezesseis anos são nulos e anuláveis aqueles concluídos entre dezesseis e os vinte e um anos.

Entretanto, como já se afirmou, é muito comum apresentar o menor de dezesseis anos a inteligência e capacidade aptas para discernir a respeito de situações ligadas à gerência de sua pessoa e de seus bens.

O mesmo ocorre, indubitavelmente, com certos menores mesmo abaixo dos dezesseis anos, como aqueles que se auto gerem em diversos ato de sua vida civil, com absoluta regularidade, mesmo tendo idade de doze, treze, quatorze ou quinze anos, como quer demonstrar o presente trabalho.

No entanto, como a imposição deve ser respeitada é óbvio que tais menores somente poderão praticar determinados atos se representado devidamente, mesmo para se beneficiarem, como ocorre com as ações de investigação de paternidade por eles requeridas.

Sobre o autor
Reinaldo Lucas de Melo

promotor de Justiça titular em Ribeirão Preto, professor de Direito Civil da UNIP – Ribeirão Preto, especialista "lato sensu" em Direito Público pela UNIP – Ribeirão Preto, mestrando em Constituição e Processo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Reinaldo Lucas. Atos jurídicos imperfeitos. Praticados por menores absolutamente incapazes. Validade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2070, 2 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12362. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!