Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Princípios do moderno inquérito policial

Exibindo página 2 de 3
Agenda 28/02/2009 às 00:00

4. PRINCÍPIOS QUE REGEM O INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial é o procedimento administrativo destinado à apuração de infrações penais, consistindo na formalização escrita de todos os atos de investigação técnico-científicos realizados pela Polícia Judiciária, sob a presidência do Delegado de Polícia, para a comprovação da materialidade do crime e a identificação dos responsáveis pela sua prática, de modo a conferir justa causa à instauração da ação penal correspondente.

Por se tratar de procedimento administrativo, deve submeter-se aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal.

Da mesma forma, por estar ligado à proteção da sociedade e da paz social e envolver diretamente liberdades individuais, sobretudo as dos investigados, é regido pelos princípios insertos na Constituição Federal na parte relativa aos direitos e garantias individuais (art. 5º).

Ainda em virtude da sua natureza administrativa, mas, principalmente, por se tratar de procedimento regulado no Código de Processo Penal, que visa dar suporte fático-probatório a uma ação penal voltada para a repressão penal, e sem embargo da opinião contrária de alguns doutrinadores [07], deve observar os princípios que, em virtude da política processual penal adotada pela República Federativa do Brasil, encontram-se inseridos no Código de Processo Penal e no restante da legislação infraconstitucional, sob pena de, eventualmente, vir a causar prejuízos à ação penal que visa instruir e servir de base.

Destarte, podemos identificar como princípios constitucionais aplicáveis ao inquérito policial os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, da celeridade e do controle.

Os princípios infraconstitucionais que regem o inquérito policial são o princípio da economia processual, da oficialidade, do impulso oficial, da indisponibilidade, da verdade real, da não-contraditoriedade e da imparcialidade.

4.1 Princípios constitucionais

4.1.1 Princípio da legalidade

Previsto expressamente no art. 5º, II, da Constituição Federal e referido no caput do art. 37 da Carta Magna como aplicável a toda Administração Pública, constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais, na medida que impõe os limites da atuação administrativa, possibilitando à Administração Pública somente fazer o que a lei permite. [08]

Manifesta-se no inquérito policial de duas formas: a) impondo ao Delegado de Polícia a prática de determinados atos vinculados, decorrentes da obrigatoriedade de instauração do procedimento e da necessidade de apuração da materialidade e da autoria do crime; e b) facultando à autoridade policial a prática de atos discricionários necessários às investigações, limitando-se, contudo, o poder investigatório, na medida em que, ao órgão investigador, somente é possível tomar as medidas de restrição às liberdades individuais conforme as disposições da lei.

Na primeira vertente, por imposição do princípio da legalidade, é dever da autoridade policial a prática de determinados atos vinculados, tais como: a instauração do inquérito policial, a sua instrução com a produção de determinado tipo de prova, como, por exemplo, o exame de corpo de delito, a condução das investigações até a apuração da verdade real ou até o esgotamento das diligências possíveis e a comunicação do resultado das investigações ao Judiciário.

Na segunda vertente, o princípio da legalidade faculta ao Delegado de Polícia, durante as investigações, a realização de atos discricionários necessários à apuração da verdade real, atos estes que variam conforme as peculiaridades do crime que se está apurando (v.g. oitiva de testemunhas, acareação, requisição de documentos, vigilância de suspeitos, etc).

Contudo, são impostos limites a esses mesmos atos quando eles possam vir a afetar as liberdades individuais do investigado, exigindo-se prévia autorização judicial para a sua prática, nestes casos. É o que ocorre, por exemplo, quando da realização de busca e apreensão em situação não flagrancial, do afastamento de sigilo bancário e de sigilo telefônico, da decretação de prisão temporária ou preventiva, dentre outras hipóteses.

4.1.2 Princípio da impessoalidade

Encontra previsão no caput do art. 37 da Constituição Federal, bem como no art. 2º, parágrafo único, III, da Lei nº 9.784/99.

No inquérito policial, pode ser visto sob dois aspectos: a)observado em relação ao(s) investigado(s); e b) relativamente à própria Polícia Judiciária. [09]

No primeiro sentido, implica que o inquérito policial não pode ser utilizado com vistas a prejudicar ou beneficiar determinadas pessoas, mas, tão somente, para apurar a verdade real sobre o fato criminoso, com vistas à sua repressão e à prevenção de novos crimes.

Isto não quer dizer que não possa haver interesse público ou particular na atividade do inquérito. Pelo contrário, em qualquer crime existe o interesse público na apuração do fato criminoso e na descoberta da autoria daquele fato, motivado pelo objetivo de pacificação social decorrente do exercício da atividade de persecução criminal. Da mesma forma, existe um interesse particular da vítima do crime no sucesso da investigação criminal, pois ela, além de ver a repressão da prática criminosa, com o sucesso do inquérito policial e o posterior exercício da ação penal culminando em um provimento condenatório, poderá obter, posteriormente, a declaração da obrigação do autor do crime de reparar o dano causado.

O que não se permite é que exista interesse público ou particular de descoberta da autoria do fato diante de um indivíduo determinado.

No segundo sentido, previsto expressamente no art. 2º, parágrafo único, III, da Lei nº 9.784/99, estabelece-se que o inquérito policial é realização da Polícia Judiciária e não dos policiais que o conduzem em nome do órgão policial, razão pela qual não pode ele ser utilizado para a promoção pessoal dos agentes ou autoridades envolvidos na investigação nele realizada.

De se observar, ainda, que, por extensão, tal princípio deve ser observado pelos demais servidores públicos que tiverem acesso ao inquérito policial durante a sua instrução, como os integrantes e membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

4.1.3 Princípio da moralidade

Encontra previsão expressa no caput do art. 37 da Constituição Federal e no art. 2º, parágrafo único, IV, da Lei nº 9.784/99, que o traduz como a "atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé".

Pelo princípio da moralidade, é trazido para dentro do ordenamento jurídico todo o ordenamento moral, de forma que a conduta do servidor público/administrador, ainda que formalmente legal, se for imoral, será também ilegal. Em outras palavras, não basta conformidade com o ordenamento jurídico, o ato administrativo também precisa estar conforme a moral vigente, para que seja legal na acepção ampla da palavra.

Como forma de aferir essa moralidade na Administração Pública, foi desenvolvido o conceito de probidade administrativa, que se traduz na soma do comportamento legal com o moralmente adequado. [10]

No que tange ao inquérito policial, por se tratar de procedimento administrativo regulado por norma processual penal, diretamente ligado a uma posterior ação penal à qual visa instruir, a maior parte das leis processuais penais já traz implícita em seu texto forte carga moral, como forma de garantir ao máximo as liberdades individuais dos cidadãos e coibir eventuais abusos no exercício do poder punitivo estatal.

Destarte, pode-se afirmar que o conceito de probidade administrativa, em se tratando do inquérito policial, fica quase restrito à análise da legalidade stricto sensu, de vez que, na maioria das situações, o que é moralmente adequado já foi positivado como uma garantia penal ou processual penal.

A título de exemplo, veja-se a proibição do uso de provas ilícitas, bem como as destas derivadas, norma tipicamente mais afeta ao campo da moralidade (cujo mandamento moral seria: "os fins não justificam os meios"), do que ao campo da legalidade propriamente dito, que, no entanto, encontra assento no próprio texto constitucional [11].

Idêntico é o caso da presunção de inocência, também assegurada constitucionalmente a todo investigado pela prática de infração penal [12].

4.1.4 Princípio da publicidade

O princípio da publicidade aplica-se à Administração Pública, por força do que dispõe o caput do art. 37 da Constituição Federal.

No que tange ao inquérito policial, por disposição expressa do caput art. 20 do Código de Processo Penal, há que se falar em uma publicidade relativa, que, por determinação legal, deve ser restringida quando a elucidação do fato ou o interesse da sociedade assim o exigirem [13].

Como o inquérito policial é procedimento administrativo, de natureza pública, portanto, há uma aparente contradição nessa restrição de publicidade.

Há que se observar, todavia, que o inquérito policial, além de procedimento administrativo, é inquisitorial, sendo essa sua característica inquisitorial que demanda o sigilo, impedindo a ampla divulgação dos atos investigatórios praticados pela polícia judiciária, previamente à sua realização ou, até mesmo, posteriormente, sob pena de não apuração integral do fato criminoso.

O sigilo no inquérito policial, segundo MIRABETE:

é qualidade necessária a que possa a autoridade policial providenciar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato sem que se lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas, influência sobre testemunhas, etc. [14]

Destarte, sendo o inquérito policial procedimento escrito, a publicidade dos atos nele praticados se dá pelo exame dos autos, após a realização das diligências pela Polícia Judiciária, pelas partes da relação de direito penal que o ensejou, ou seja, pela vítima e pelo investigado e também pelo órgão acusador, que são as pessoas com legítimo interesse nas investigações promovidas no inquérito policial.

4.1.5 Princípio da eficiência

Encontra previsão no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como no caput do art. 2º da Lei nº 9.784/99.

Aplicado ao inquérito policial, impõe aos servidores públicos envolvidos na sua condução o melhor desempenho possível das suas atribuições, para a apuração da verdade real sobre o fato criminoso investigado.

Assim, pode servir de limitação ao princípio da legalidade no que diz respeito à prática, no inquérito policial, de determinados atos vinculados. Isto porque, se a prática do ato, apesar de conveniente e oportuna, por força de lei, não for eficiente no caso concreto, não estará a autoridade policial obrigada a praticá-lo.

Com efeito, a título de exemplo, uma vez colhidas provas suficientes sobre a prática de determinado crime, não há justificativa para que a autoridade policial aguarde por meses a conclusão de determinado exame pericial que apenas iria corroborar tais provas para, só então, relatar o inquérito, atrasando, dessa forma, a propositura da ação penal. Neste caso, conquanto haja a determinação da realização do exame pericial, poderá o mesmo ser concluído após o término do inquérito policial, remetendo-se o laudo, posteriormente, ao Juízo respectivo.

Da mesma forma, se na mesma investigação, já devidamente apurada, constatar-se que seis foram as testemunhas do crime, tendo sido inquiridas apenas duas, estando a autoridade policial com dificuldades em localizar as outras quatro testemunhas, que se tratam de estrangeiros que estavam em trânsito no local do crime, não estará a autoridade policial obrigada a proceder à oitiva das quatro testemunhas faltantes, devendo apenas mencionar, no seu relatório, a existência dessas testemunhas, bem como a qualificação completa delas, para posterior oitiva eventualmente necessária na fase judicial. Isto porque a realização das oitivas faltantes, conquanto seja conveniente e oportuna para a instrução do inquérito policial, não se revela eficiente, de vez que poderá causar prejuízos à ação penal que vier a ser instaurada (v.g. prescrição da pretensão punitiva), prejuízos estes decorrentes da demora na localização e oitiva de tais pessoas.

4.1.6 Princípio da celeridade

Inserido no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal [15] por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, referido princípio determina que o inquérito policial seja concluído no menor tempo possível.

Permitem-se, contudo, justificadas prorrogações de prazo e tramitação superior ao prazo estabelecido no Código de Processo Penal ou legislação especial, desde que proporcionais às dificuldades impostas pela própria natureza ou condições em que foi praticado o crime investigado.

Referido princípio encerra tanto uma garantia para o investigado, no sentido de não permanecer nesta condição mais tempo do que o necessário para o esclarecimento do fato e apuração da sua participação no crime, quanto em uma garantia para a própria sociedade de que o fato criminoso por ela repudiado será apurado de forma eficiente, possibilitando a repressão da sua prática no menor prazo possível.

4.1.7 Princípio do controle

Por força desse princípio, é feita a fiscalização das atividades exercidas pela Polícia Judiciária, com o objetivo de garantir a observância de suas finalidades institucionais e coibir eventuais abusos ou desvios de finalidade que possam ocorrer durante a investigação do fato criminoso.

O controle das atividades de polícia judiciária é feito tanto internamente (autotutela), pelas Corregedorias de Polícia, quanto externamente, pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelas partes de direito material (investigado/vítima) envolvidas no inquérito policial (tutela).

O controle feito pelo Poder Judiciário decorre do que estabelece o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal [16], bem como das disposições constantes dos artigos 4º a 23 do Código de Processo Penal, que determinam que o inquérito policial seja sempre fiscalizado pelo Juízo competente para processar e julgar a futura ação penal que visa instruir.

O controle ministerial, por sua vez, encontra previsão expressa na Constituição Federal, no art. 129, VIII [17], e é regulamentado nos artigos 9º e 10 da Lei Complementar nº 75/93.

Quanto ao controle externo da atividade policial feito pelas partes de direito material envolvidas no inquérito policial, o investigado e a vítima, ele se justifica porque, existindo interesse de ambos na conclusão das investigações, têm eles, por força do princípio constitucional da publicidade, aqui já estudado, direito de acesso aos autos do inquérito policial e aos documentos deles constantes, permitindo-se, destarte, que, ao tomarem conhecimento das investigações realizadas, manifestem-se ou comuniquem aos órgãos aqui mencionados qualquer irregularidade que tenham constatado no trabalho policial, bem como que requeiram à autoridade policial a realização de diligências que entendam pertinentes à apuração do fato investigado.

4.2 Princípios infraconstitucionais

4.2.1 Princípio da economia processual

O princípio da economia processual é essencial para assegurar a observância dos princípios constitucionais da eficiência e da celeridade.

No inquérito policial, tal princípio obriga a autoridade policial a utilizar os meios mais racionais na busca de provas e indícios durante a instrução do inquérito policial, condenando a adoção de linhas investigativas ou de diligências que possam resultar em conclusões às quais se poderia chegar mais rapidamente com a adoção de outras medidas mais céleres.

Justifica-se, desta forma, a produção, no inquérito policial, de "prova emprestada", sobretudo a testemunhal e a documental decorrentes de procedimento administrativo de apuração realizado por outros órgãos públicos (CGU, TCU, etc) quando estas, por si sós, servirem para a instrução do inquérito policial ou muito contribuírem para tal finalidade.

Da mesma forma, impõe a realização de diligência por agente policial ou perito criminal em cartórios, por exemplo, para a localização e obtenção mais célere de documentos que, por requisição, via ofício, certamente demorariam mais tempo para serem remetidos à autoridade policial.

4.2.2 Princípio da oficialidade

Como já se afirmou, o exercício do jus puniendi é função essencial do Estado, razão pela qual devem ser instituídos órgãos que assumam a persecução penal.

Em sendo o inquérito policial atividade de persecução exercida, via de regra, pelas Polícias Judiciárias, ele é uma atividade oficial de Estado.

Por força desse princípio, salvo as exceções expressamente previstas em lei, a atividade de investigação realizada tipicamente no inquérito policial, como a realização de oitivas, requisição de exames periciais, etc, somente pode ser desenvolvida por Delegados de Polícia, ou sob a supervisão destes, por seus agentes [18].

Deste modo, tirante as exceções legais expressamente previstas, outros servidores públicos não poderão exercer funções investigativas típicas de Polícia Judiciária.

Não se exclui, todavia, a possibilidade de terceiros, sobretudo a vítima, obterem informações e, até mesmo, provas da prática criminosa, desde que esses atos ditos investigativos não adentrem na esfera de atribuições afetas ao órgão policial judiciário.

4.2.3 Princípio do impulso oficial

Por força deste princípio, a autoridade policial, em regra, independe de provocação para iniciar o inquérito policial.

Tão logo tome conhecimento de determinada prática criminosa cuja ação penal for pública, tem o Delegado de Polícia o dever de instaurar o inquérito policial e prosseguir na sua apuração até exaurir as diligências possíveis e úteis à investigação.

Excepcionam-se apenas os crimes cuja ação penal depender de ato de vontade da vítima, ocasião em que o inquérito policial dependerá de provocação dessa vítima. Isto porque não teria sentido exigir-se representação ou queixa-crime da vítima para a ação penal e não se exigir essa manifestação de vontade para a instauração de inquérito policial.

Todavia, neste último caso, de apuração de crime de ação penal privada ou pública condicionada, uma vez feita a representação pela vítima e iniciado o inquérito policial, a autoridade policial tem o dever de prosseguir até o final da investigação, não podendo dispor do inquérito policial.

4.2.4 Princípio da indisponibilidade

Previsto expressamente no art. 17 do Código de Processo Penal [19], traduz o mandamento de que, uma vez iniciado o inquérito policial, ele deve obrigatoriamente prosseguir até a sua conclusão, não se permitindo à autoridade policial dispor do inquérito policial instaurado.

Da mesma forma, garante que, uma vez instaurado um inquérito policial, ele será remetido ao juízo competente, relatando-se todas as diligências realizadas e que somente poderá ser arquivado por decisão judicial, após manifestação do Ministério Público nesse sentido.

4.2.5 Princípio da verdade real

O inquérito policial, por se tratar de procedimento que dá suporte ao exercício da ação penal, deve buscar colher elementos que garantam que o jus puniendi será exercido contra aquele que praticou a infração penal, detalhando a sua participação e a sua conduta (se dolosa ou culposa, motivação, etc), não encontrando limites na forma ou na iniciativa das partes. [20]

No inquérito policial, deve-se dar à investigação a maior amplitude e a maior profundidade possíveis, não se contentando com uma verdade formal, limitada, criada por presunções ou ficções, mas buscando-se identificar a verdadeira forma como os fatos investigados ocorreram. [21]

Impõe-se à autoridade policial, portanto, a busca da verdade real, ainda que a vontade das partes de direito material envolvidas no inquérito policial não corresponda a essa determinação legal.

4.2.6 Princípio da não-contraditoriedade

Diversamente do processo penal ao qual visa instruir, o inquérito policial é regido pelo princípio da não-contraditoriedade.

Dois são os principais motivos da existência desse princípio: a) o fato de, no inquérito policial, não existir pluralidade de partes antagônicas; e b) a sua característica inquisitorial, culminando na existência, naquele procedimento, apenas de atos desempenhados pela Polícia Judiciária na busca da verdade real, sem imposição de sanção penal no procedimento investigatório, não demandando, portanto, a observância do contraditório.

Ademais, se no inquérito policial existisse contraditório, ele seria processo, de modo que teríamos uma situação anômala, onde o processo administrativo antecederia necessariamente o processo judicial.

4.2.7 Princípio da imparcialidade

O inquérito policial, procedimento administrativo que busca a apuração da verdade real relativamente à prática de determinado crime, deve ser desenvolvido de forma imparcial, tanto pela autoridade policial que o preside, quanto pelos demais servidores que o auxiliam (Escrivães, Agentes, Peritos, Papiloscopistas, etc).

É comum entre os doutrinadores a afirmação de que a atividade investigatória realizada no inquérito policial é parcial, vez que voltada à produção de provas para que o órgão de acusação promova a ação penal.

Tais afirmações dizem respeito à finalidade buscada no inquérito policial, de apuração da autoria e da materialidade do crime, que pode realmente ser vista como parcial, levando-se em conta que é tendente a "municiar" uma das partes do processo penal, no caso, a acusação.

Todavia, não se deve confundir esta finalidade do inquérito com a conduta dos profissionais envolvidos na investigação, que deve ser imparcial no sentido de não se limitar à busca pela produção de provas contra ou a favor de determinada pessoa investigada, parte da relação de direito material que ensejou a instauração do inquérito policial, mas de buscar a verdadeira forma como o ato criminoso ocorreu e o verdadeiro responsável pela sua prática.

Isto, aliás, permite ao Delegado de Polícia, após as investigações, concluir expressamente pela não-participação de determinado investigado num crime, ou, até mesmo, pela própria inexistência do crime, o que não seria admissível, caso a sua conduta fosse parcial, hipótese em que necessariamente teria que agrupar provas ou indícios para incriminar determinada pessoa.

Não foi por outro motivo, senão o de evidenciar a imparcialidade da conduta dos profissionais de polícia judiciária, que o legislador dispôs na parte final do art. 107 do Código de Processo Penal que as autoridades policiais deverão declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal. [22]

Destarte, atuando de forma parcial na condução do inquérito policial, a autoridade policial e os demais profissionais que o auxiliam poderão estar praticando, além de infrações disciplinares, crimes como prevaricação, advocacia administrativa ou abuso de autoridade.

Constata-se, portanto, que a imparcialidade dos investigadores está diretamente ligada aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade e ao princípio da verdade real.

Sobre o autor
Elster Lamoia de Moraes

Delegado de Polícia Federal em Belo Horizonte (MG). Especialista em Direito Público. Especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Elster Lamoia. Princípios do moderno inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2068, 28 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12390. Acesso em: 5 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!