DIVERGÊNCIAS:
Quanto ao controle abstrato das normas distritais, todavia, existe um corrente de juristas que entendem que basta uma Emenda à Lei Orgânica do Distrito Federal para que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios realize, regularmente, o controle abstrato das normas distritais em face da Lei Orgânica distrital, mediante ações diretas de inconstitucionalidade. Humildemente compreendo que somente o legislador federal (constituinte ou ordinário) pode dispor sobre o assunto, pois o Poder Judiciário do Distrito Federal é organizado, mantido e regulado pela União e não pelo Distrito Federal. O Distrito Federal não pode legislar sobre a matéria (Direito Processual), que é da competência privativa da União, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. A Câmara Legislativa do Distrito Federal não pode dispor sobre órgãos judiciários que não lhe pertencem, muito menos sobre o controle direto de constitucionalidade das normas distritais perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. O Legislativo distrital não pode dispor sobre órgãos que não estão subordinados ao Distrito Federal. Este, como os municípios, só possui Poder Executivo e Legislativo, e não pode estabelecer normas sobre a competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios e seus juízes e atividades. Ao Poder Legislativo distrital carece competência legislativa para dispor sobre a jurisdição e as atribuições dos órgãos judiciários situados no Distrito Federal.
Contudo, a Câmara Legislativa do Distrito Federal pode prever, como já fez (art. 60, inciso XIX, da Lei Orgânica distrital), a suspensão, no todo ou em parte, da execução de lei ou ato normativo distrital declarado ilegal ou inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, nas suas respectivas áreas de competência, em decisões transitadas em julgado. Esta suspensão é instrumento do controle difuso. A suspensão pelo Parlamento estende a todos (com eficácia geral, erga omnes) os efeitos da decisão judicial proferida no caso concreto.
Assim, o controle direto (abstrato ou concentrado) de constitucionalidade de leis e atos normativos do Distrito Federal, em face da Lei Orgânica Distrital é objeto de grande divergência e confusão entre os juristas brasileiros, especialmente entre os que lidam com o Direito do Distrito Federal. Atualmente a Lei Orgânica não é parâmetro para o controle abstrato nem perante o STF, visto que este é o Guardião da Constituição Federal (art. 102, CF/88).
O legislador federal poderia consagrar o controle abstrato das normas distritais e territoriais, consagrando expressamente ações judiciais de competência originária do TJDFT (Conselho Especial). Neste caso, as normas distritais devem ter como parâmetro de controle a Lei Orgânica Distrital(5); como legitimados ativos, o Governador do Distrito Federal, o Procurador-Geral do Distrito Federal, o Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a Mesa da Câmara Legislativa, o Diretório Distrital dos Partidos Políticos, os sindicatos, associações e entidades locais, a Seccional da OAB, os Deputados Distritais e até os cidadãos.
Atualmente, já está em tramitação no Congresso Nacional um Projeto de Lei, de nº 2.960/97, de iniciativa do Poder Executivo, que dispõe sobre o assunto. A Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados já aprovou o Projeto de Lei. Esta proposta legislativa acrescenta ao art. 8º, da Lei nº 8.185, de 14 de maio de 1991 (Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios) o controle abstrato de normas do Distrito Federal, de competência originária do Conselho Especial do TJDFT. Na Exposição de Motivo nº 189, de 7 de abril de 1997(6), o Ministro de Estado da Justiça esclarece:
"Finalmente, o anteprojeto propõe que se altere a Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal para admitir, expressamente, o controle abstrato de normas e o controle abstrato da omissão no âmbito do Distrito Federal. Trata-se de providência que vem colmatar de normas, uma vez que o texto constitucional não cuidou diretamente do tema. A solução proposta parece inteiramente compatível com o ordenamento constitucional brasileiro, que não só reconhece o controle abstrato de normas como instrumento regular de controle de constitucionalidade, no âmbito federal e estadual, como também atribui à União a competência para legislar sobre a organização judiciária do Distrito Federal (cf., a propósito, a Lei 8.185, de 14.05.1991)."
Vejamos o texto da proposição legislativa:
"Art. 30. Acrescentam-se ao art. 8º da Lei nº 8.185, de 14 de maio de 1991, as seguintes disposições:
Art. 8º ...............
I - ....................
n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica;
........................
§ 3º São partes legítimas apra propor a ação direta de inconstitucionaldade:
a) o Governador do Distrito Federal;
b) a Mesa da Câmara Legislativa;
c) o Procurador-Geral de Justiça;
d) a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Distrito Federal;
e) as entidades sindicais ou de classe, de atuação no Distrito Federal, demonstrando que a pretensão por elas deduzidas guarda relação de pertinência direta com os seus objetivos institucionais;
f) os partidos políticos com representação na Câmara Legislativa.
§ 4º Aplicam-se ao processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios as seguintes disposições:
a) o Procurador-Geral de Justiça será sempre ouvido nas ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade;
b) declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma da Lei Orgânica do Distrito Federal, a decisão será comunicada ao Poder competente para adoção das providências necessárias, e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias;
c) somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou de seu órgão especial, poderá o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Distrito Federal ou de suspender a sua vigência em decisão de medida cautelar.
§ 5º Aplicam-se, no que couber, ao processo de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica as normas sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal."
Merece aplauso o legislador federal, pela iniciativa de regular o assunto, especialmente pelo fato de prever o caráter dúplice do controle de constitucionalidade, o controle da inconstitucionalidade por omissão, por consagrar a Lei Orgânica distrital como parâmetro de controle e por não restringir o controle apenas às normas distritais de âmbito estadual. O legislador federal poderia ter consagrado outros avanços, tais como a preferência de julgamento destas ações, bem como a legitimidade dos cidadãos.
A divergência jurídica (inclusive no Conselho Especial do TJDFT) se estende ao controle direto, abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos distritais, de caráter estadual (regional) ou municipal (local), em face da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Constituição Federal. Alguns juristas e desembargadores entendem que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios é incompetente para realizar o controle concentrado, frente a inexistência de previsão expressa de controle abstrato (interpretação restritiva, a qual me filio), pois tal procedimento fere a autonomia do Distrito Federal e os princípios constitucionais do devido processo legal, da legalidade, do pacto federativo, visto que o TJDFT é um órgão judiciário da União, situado no Distrito Federal, sendo inconstitucional e ilegal o processamento e julgamento de ADIn´s, sem previsão jurídica.
A outra corrente entende que o TJDFT é competente, tanto para o controle concentrado, independentemente de previsão legal expressa, quanto para o controle difuso, sob pena de não existir o controle direto de constitucionalidade, tendo como parâmetro a Lei Orgânica Distrital. Trata-se de uma interpretação extensiva do art. 125, § 2.°, CR/88. Para estes juristas, a previsão constitucional (destinada aos Tribunais de Justiça dos Estados) se estendem ao TJDFT.
Conforme salientado anteriormente, entendo que o controle concentrado, abstrato, em tese, de normas distritais em face da Lei Orgânica do Distrito Federal e perante o TJDFT, atualmente, é juridicamente impossível, por falta de disposição constitucional e infraconstitucional, bem como pelo fato de que o meio utilizado (Argüição de Inconstitucionalidade) faz parte do controle difuso ou incidente., ferindo o princípio do devido processo legal, ou seja, trata-se de "ação imprópria".
CONCLUSÃO:
O controle difuso das normas do Distrito Federal pode ser realizado regularmente pelos juízes e tribunais judiciários situados ou não na Capital Federal. Somente o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça dos Estados têm competência para o controle concentrado, por expressa previsão constitucional. O legislador federal já está regulando o controle abstrato de normas distritais em face da Lei Orgânica do Distrito Federal, destinando a competência ao Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
Assim, é preciso parar, analisar, refletir e corrigir os equívocos que estão sendo realizados pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, via Procuradoria-Geral de Justiça, e pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, via Conselho Especial, que já estão realizando o controle abstrato de normas do Distrito Federal em face da Lei Orgânica distrital, sem previsão legal expressa, sob pena de desvirtuamento do direito positivo e do sistema de controle de constitucionalidade de normas vigentes.
NOTAS
1. Com redação dada pela Emenda Regimental nº 14, de 27 de agosto de 1998. Publicada no Diário da Justiça, Seção 2, dia 11.09.98, ps. 182/196.
2. Publicado no Diário da Justiça, Seção 3, dia 08.04.97.
3. Publicada no Diário da Justiça, Seção 3, dia 15.09.98, p. 141.
4. Ver artigo de minha autoria, publicado na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal nº 135, Ano 34, ps. 137/140.
5. Na ADIn nº 980-0, Rel. Min. Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei Orgânica do Distrito Federal constitui instrumento normativo primário destinado a regular, de modo subordinante e com inegável primazia sobre o ordenamento positivo distrital a vida jurídico-administrativa e político-institucional dessa entidade integrante da Federação brasileira. Com base no escólio de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a Corte Suprema enfatizou que a Lei Orgânica equivale, em força, autoridade e eficácia jurídicas, a um verdadeiro estatuto constitucional, essencialmente equiparável às Constituições promulgadas pelos Estados-membros (RTJ 156/781).
6. Publicada na Revista Arquivos do Ministério da Justiça, Ano 49, nº 187, jan./jun. 1996, p. 230.