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A indevida exação da alíquota majorada da CPMF posta pela Emenda Constitucional nº 42/2003 e a sua iminente prescrição

Agenda 07/03/2009 às 00:00

O intuito que temos com o presente trabalho é buscar demonstrar, dentro do sistema constitucional vigente, a indevida exação, até 17 de março de 2004, da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF com a alíquota majorada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003.

O trabalho aqui exposto, para nós, é um assunto de alto interesse e que gera inúmeros efeitos nas relações jurídicas, merecendo uma análise mais acuidade. Esperamos que este possa trazer a todos um melhor entendimento do tributo objeto deste estudo.


I – A indevida exação da alíquota majorada da CPMF segundo a EC 42/03

As contribuições sociais inserem em seu bojo a hoje extinta CPMF, que é um tipo da espécie tributária contribuições sociais. Passaremos por um breve histórico desta contribuição social.

Em face da iminente prescrição da ação de repetição de indébito desta exação indevida, que, segundo o artigo 174 do Código Tributário Nacional, consuma-se em 5 (cinco) anos, cresce o interesse pelo exercício deste direito. Por isso, pedimos vênia para tecer algumas linhas sobre o assunto.

1.1 – Breve Histórico da CPMF

Esta contribuição foi criada pela primeira vez em nosso ordenamento jurídico em 1993 e passou a vigorar no ano seguinte com o nome de IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira). Sua alíquota, que era de 0,25%, durou até dezembro de 1994, quando foi extinta, conforme sua previsão.

Após dois anos, a Emenda Constitucional nº 12, de 15.08.96, incluiu o art. 74 no ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, fixando a mesma anteriormente extinta alíquota de 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento). Foi determinado ainda que a CPMF ficaria regulada pelo princípio da noventena (§6º do art. 195 da CF), ou seja, princípio próprio das contribuições sociais. Ficou determinado ainda que teria como limite máximo de vigência 2 (dois) anos.

Contra sua criação pela referida emenda constitucional, foi proposta a ADIn 1.497-8, julgada, em 09.10.96, pelo Pleno do STF, tendo como relator o Ministro Marco Aurélio, que restou vencido, e como relator para o acórdão o Ministro Carlos Velloso. Foi indeferida a cautelar, sendo mantida essa contribuição no sistema tributário pátrio.

A CPMF foi então instituída pela Lei 9.311, de 24.10.96, que determinou que, após a noventena e decorridos mais 13 (treze) meses, passaria a vigorar – portanto, de 23 de janeiro de 1997 até 23 de fevereiro de 1998. No entanto, foi editada a Lei 9.539, de 12.12.97, que dispunha sobre a incidência dos fatos geradores da lei anterior, no período de 24 meses a partir de 23.01.97. Essa nova lei foi publicada em 15.12.97 e portanto só poderia ser aplicada aos fatos ocorridos a partir de 15.03.98 (90 dias), o que deixou uma lacuna na cobrança da referida contribuição, qual seja, o prazo de 24.02.98 até 15.03.98.

Posteriormente, foi editada a Emenda Constitucional nº 21, de 18.03.99, que prorrogou por 36 (trinta e seis) meses a CPMF e prorrogando ainda as referidas leis. A mesma norma constitucional derivada majorou a alíquota da referida contribuição para 0,38% (trinta e oito centésimos por cento), observado o período da noventena.

Como a CPMF deixara de integrar o ordenamento jurídico desde 23.01.99, a expressão "prorrogada", da EC 21/99, estava equivocada. No entanto, o judiciário observando a mens legis, pôde entender como "renovada" ou "reinstituída", o que ocorreu no julgamento da ADIn 2.103-DF, Pleno do STF, relator Ministro Octávio Galloti, julgado em 29.09.99, quando a medida cautelar foi deferida em parte.

Portanto, afastou-se a mera interpretação gramatical literal para proteger o sentido da lei. No entanto, foi repisado nesse julgado a necessidade de observância da norma da noventena em relação à alteração e ou à majoração das contribuições sociais. É com base nesse contexto que vimos afirmar o a seguir exposto.

1.2 – A indevida exação da alíquota majorada da CPMF – propriamente dita

A emenda constitucional nº 42, de 31 de dezembro de 2003, à semelhança da EC nº 21/99, prorrogou a cobrança da CPMF até 31 de dezembro de 2007 e majorou a alíquota de 0,08% para 0,38%, que havia sido reduzida por força da lei.

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A CPMF já estava prevista para ser cobrada em 2004, com uma alíquota de 0,08% (oito centésimos por cento). No entanto, a EC nº 42, de 19 de dezembro de 2003, majorou a alíquota da CPMF para o percentual de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento).

Ocorre que a alíquota majorada passou a ser exigida a partir de 1º de janeiro de 2004. Porém, como já verificamos, as contribuições sociais são reguladas pelo princípio da anterioridade especial ou nonagesimal, insculpida no § 6º do artigo 195 da Constituição Federal, como segue abaixo:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado [01], não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

(...)"

A CPMF é uma espécie de contribuição social e, portanto, está regulada pelo princípio da anterioridade nonagesimal – ou seja, a contribuição somente pode ser exigida (quando instituída ou majorada) após 90 dias da publicação da lei que previu tal situação. Como se isso não bastasse, o artigo 1º da EC 42/2003 incluiu o princípio da anterioridade nonagesimal na alínea C do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal, estendendo-o a todas as espécies de tributo, como fica demonstrado abaixo:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - cobrar tributos:

(...)

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

(...)"

Pelo acima exposto, fica hialino o direito do contribuinte de ver a referida contribuição social cobrada somente depois de decorridos noventa dias da majoração da alíquota, ou seja, a CPMF majorada somente poderia ser cobrada na alíquota de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento) a partir de 30 de março de 2004; antes disso, incidiria tão somente a alíquota de 0,08% (oito centésimos por cento), conforme previsão anterior.

A Suprema Corte vem reconhecendo que este princípio constitucional se trata de uma cláusula pétrea, por ser um direito e garantia do contribuinte, não podendo ser abolido sequer por Emenda Constitucional, na forma do inciso IV do parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição Federal.

Este entendimento foi reforçado pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.666, na qual restou declarada a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 37, de 2002, que, de mesma forma, tratou da CPMF. A ilustre Ministra Ellen Gracie versou ser aplicável à esta contribuição o princípio da noventena quando ocorrer a majoração ou modificação da referida contribuição.

Este vem sendo o entendimento de nosso Tribunal, senão vejamos:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO VIA PROCESSUAL ELEITA. CPMF. ALTERAÇÕES DA EC 42/2003. VIOLAÇÃO AOS ART. 150, III, b, E 195, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO.

Mandado de segurança que objetiva o reconhecimento do direito à compensação tributária, bem como evitar eventual atuação do fisco, revela feição iminentemente preventiva, uma vez que não se volta contra lesão de direito concretizada, razão pela qual não se aplica o prazo decadencial de 120 dias previsto no art. 18, da Lei nº 1.533/51.

A cobrança da CPMF pela alíquota majorada de 0,08% (estabelecida para o exercício financeiro de 2004 na EC 32/02) para 0,38% (estabelecida pela EC 42/03), depende do decurso do prazo de noventa dias a contar da publicação da EC 42/03, em observância à anterioridade nonagesimal mínima do art. 195, § 6º, da CF, que constitui garantia de conhecimento antecipado quanto ao agravamento da carga tributária em matéria de contribuições de seguridade social. Só é devido o tributo, na alíquota majorada, portanto, a partir de 18 de março de 2004 [02].

Não se aplicam ao caso os precedentes do STF que disseram da não submissão das prorrogações da CPFM à anterioridade, enfocando emendas constitucionais anteriores. Neste caso, não se está discutindo a prorrogação da CPMF, até porque a EC 32/02 já previa sua cobrança no exercício financeiro de 2004. Discute-se, aqui, diferentemente, o aumento de alíquota de 0,08% para 0,38%. (AMS nº 2005.70.00.024169-6/PR, Rel. Juiz Leandro Paulsen, unânime, DE 13/12/06.)

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CPMF. EC 42/03. ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. APLICABILIDADE.

1. A EC 42/03 modificou a situação jurídica dos contribuintes no ano de 2004, determinando a majoração da CPMF. Não havendo dispositivo na referida emenda que tenha determinado a exigência imediata da majoração, incide, então, a regra do § 6º do art. 195 da Constituição, à qual sujeitam-se também as emendas constitucionais que modifiquem tributos. 2. Portanto, publicada a emenda constitucional em 31/12/03, a alíquota majorada somente passou a ser exigível em 31/03/04. 3. Suprimida pela eficácia da revogação do inciso II do § 3º do art. 84 do ADCT, a alíquota de 0,08%, prevista para o ano de 2004, vigorou de 01/01/04 até 30/03/04. 4. Condenação da União à restituição do tributo pago indevidamente, resultante da diferença entre a alíquota exigível na noventena (0,08%) e a extemporaneamente exigida (0,38%), e admitida a compensação [03]. (MAS nº 2006.70.00.010444-2/PR, Rel. Juíza Luciane Amaral Corrêa Münch, unânime, DE 27/06/2007)

Podemos concluir que a majoração da contribuição aqui exposta é uma exação inconstitucional, na medida em que a alíquota devida no período de 1º de janeiro de 2004 a 17 de março de 2004 era de 0,08% (oito centésimos por cento). Houve, portanto, um acréscimo indevido no valor de 0,30% (trinta centésimos por cento) sobre o valor efetivamente pago a título de CPMF no período já citado e, portanto, a violação do texto constitucional.


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Advogado atuando em Porto Alegre – RS, Especialista em direito tributário com Pós-graduação pela UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Notas

  1. Grifos nossos.
  2. Grifos nossos.
  3. Grifos nossos.
Sobre o autor
Guilherme Casulo Velho

Advogado especialista em direito tributário com pós-graduação pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELHO, Guilherme Casulo. A indevida exação da alíquota majorada da CPMF posta pela Emenda Constitucional nº 42/2003 e a sua iminente prescrição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2075, 7 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12434. Acesso em: 23 dez. 2024.

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