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A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho e o direito brasileiro

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Agenda 23/03/2009 às 00:00

A Convenção condiciona a validade da dispensa do empregado à existência de um motivo juridicamente relevante. A denúncia da Convenção foi impugnada através de ação direta de inconstitucionalidade.

SUMÁRIO: 1. Aprovação e ratificação. 2. Conteúdo da Convenção n. 158. 3. A Constituição Federal de 1988: art. 7º, inciso I. 4. A hierarquia constitucional da Convenção n. 158 da OIT. 5. A argüição da inconstitucionalidade da Convenção n. 158 perante o Supremo Tribunal Federal. 6. A invalidade da denúncia da Convenção n. 158 da OIT. 7. Os tratados internacionais de direitos humanos e a Emenda Constitucional n. 45/ 2004. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas.


1.Aprovação e ratificação

Em 22 de junho de 1982, a Conferência Internacional do Trabalho, assim denominada a Assembléia-Geral da OIT, reunida em sua 68ª Sessão, na cidade de Genebra, aprovou a Convenção n. 158, relativa ao "Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador". [01] O referido tratado [02] entrou em vigor, no plano internacional, em 23 de junho de 1985, doze meses após o registro de sua ratificação, junto ao Diretor-Geral da OIT, por dois países-membros, em obediência ao parágrafo segundo de seu art. 16.

O Brasil, país integrante da OIT, com fundamento no art. 49, I, da Constituição Federal de 1988, submeteu a referida Convenção à apreciação do Congresso Nacional, que a aprovou por meio do Decreto Legislativo n. 68, de 16 de setembro de 1992. A Carta de Ratificação foi depositada junto ao Diretor-Geral da OIT em 05 de janeiro de 1995, passando a Convenção, por força de seu art. 16, a viger, no plano interno, doze meses após essa data, isto é, em 05 de janeiro de 1996. Em 10 de abril desse ano, veio à luz o Decreto n. 1.855, que cuidou de promulgar a Convenção, dando a ela publicidade no território nacional.


2.Conteúdo da Convenção n. 158

Cuidaremos, nesse tópico, da análise dos principais dispositivos da Convenção n. 158, vez que não é possível de ser feita, na sede restrita desse artigo, um maior detalhamento de seu conteúdo.

Conforme expresso em seu próprio título, a Convenção versa sobre o "Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador". A referência a "empregador" limita a menção anterior à "relação de trabalho", esclarecendo que o tratado abrange as relações advindas de um contrato de emprego, o que é reafirmado por seu art. 2º.

Por outro lado, a alusão à "iniciativa do empregador", reiterada em seu art. 3º, revela que a Convenção exclui de sua abrangência hipóteses outras de cessação da relação empregatícia, tais como a demissão, a força maior, o factum principis e o distrato. Há situações, entretanto, que, não obstante a extinção do vínculo empregatício seja feita, formalmente, pelo obreiro, em verdade ela resulta de uma infração empresarial. É a hipótese da denominada "rescisão indireta" ou "justa causa empresarial", prevista no art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por motivo de eqüidade, deve-se considerá-la abrangida pelo tratado em comento [03].

A Convenção, nos termos de seu art. 2º, aplica-se aos empregados de entidades que exerçam atividade econômica. Sendo esta referente à produção de bens e serviços voltada ao mercado, alguns autores defendem restar excluído da incidência de suas normas o empregado doméstico [04], cujos serviços não podem ser utilizados por seu patrão com essa finalidade, consoante dispõe o art.1º da Lei n. 5.859/72. Por outro lado, são abrangidos os empregados de associações, mesmo que beneficentes, vez que essas visam à obtenção de lucro, mas com o objetivo de reinvesti-lo na consecução de seu objeto, não sendo ele apropriado pelos associados.

O país-membro, com vistas a melhor adaptar a Convenção à realidade nacional, pode excluir de sua regulamentação, total ou parcialmente, algumas situações e espécies de empregados (art. 2º). São mencionadas expressamente as hipóteses de pactuação a prazo determinado, como é o caso daquelas previstas no art. 443 da CLT, dentre as quais encontra-se o contrato de experiência, também referido pela Convenção. Mas esta cuida de afirmar que esse tipo contratual (a prazo determinado) deve restringir-se a situações excepcionais, como forma de impedir que se elida a proteção por ela assegurada.

Permite-se também a exclusão de categorias de obreiros que gozem de uma proteção equivalente ou superior à prevista na Convenção, por força de normas especiais a eles aplicáveis. Seria o caso, por exemplo, dos empregados públicos da Administração direta, autárquica ou fundacional, que, consoante entendimento firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais, têm direito à estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal de 1988 [05].

Outra possibilidade de exclusão refere-se à natureza e à dimensão da empresa empregadora e às condições de emprego particulares de determinados trabalhadores, como os ocupantes de cargo ou função de confiança e os obreiros que já possuem os requisitos para se aposentar.

O cerne da Convenção, no entanto, encontra-se em seu art.4º, cujo enunciado segue transcrito:

"Artigo 4. Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço."

Condiciona-se, portanto, a validade da dispensa do empregado à existência de um motivo juridicamente relevante. Este pode estar relacionado à capacidade do trabalhador, isto é, à sua aptidão, habilidade ou qualificação técnica necessárias ao exercício de sua função. Pode também se referir ao seu comportamento, o que nos remete ao conceito de justa causa, isto é, às condutas obreiras, culposas ou dolosas, tipificadas em lei, que autorizam a resolução do contrato de trabalho pelo empregador [06]. Os motivos relacionados às necessidades empresariais são referenciados pelos arts. 13 e 14 da Convenção e serão melhor explicitados abaixo.

Em sendo o motivo da dispensa relacionado ao comportamento ou ao desempenho do trabalhador, o empregador deve conceder-lhe o direito de se defender previamente, conforme determinado pelo art. 7º da Convenção. A garantia do direito de defesa, assegurada pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LV), somente poderá ser recusada se houver motivo razoável (e.g., cometimento de uma falta grave, como a agressão física ao patrão). A forma como será concretizado o exercício esse direito, na ausência de regulamentação legal a respeito, pode ser determinada pelo regulamento empresarial ou por instrumento normativo advindo da negociação coletiva.

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O trabalhador que considere a sua dispensa injustificada, mesmo após ter se defendido perante o patrão, poderá questioná-la perante um organismo neutro, como um tribunal (art. 8º). Esse direito encontra-se assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Carta Magna, que prevê a garantia do acesso ao Poder Judiciário. Tratando-se de controvérsia advinda de uma relação de emprego, a competência para dirimi-la é da Justiça do Trabalho (art. 114, caput, CF/88).

Poderá ser atribuído ao empregador o ônus de provar, perante o órgão julgador, a existência de um dos motivos inscritos no art.4º, como forma de legitimar a dispensa por ele efetuada, conforme preceitua o art. 9º. Esse dispositivo prevê ainda a possibilidade de a legislação nacional estabelecer a competência dos órgãos julgadores para analisar a suficiência dos motivos alegados pelo empregador para efetuar a dispensa em razão das necessidades de funcionamento da empresa. A existência desses motivos e o seu nexo causal com a despedida do trabalhador podem, obviamente, serem averiguados por tais órgãos. Mas é que, mesmo que existentes tais problemas, podem eles, eventualmente, ser solucionados de outra forma, não sendo necessário, para tanto, que se proceda às dispensas. É exatamente essa análise que o dispositivo faculta que seja atribuída aos órgãos julgadores.

São previstas providências a serem tomadas na hipótese de tais órgãos concluírem que a dispensa do trabalhador foi injustificada (art. 10). Assim, se a legislação nacional não permitir que seja invalidado o término e ordenada a reintegração do trabalhador, ou se esta, face às circunstâncias do caso concreto, não for aconselhável, será determinado o pagamento de uma indenização ou outra forma de reparação que seja adequada.

Os motivos que podem legitimar a dispensa do empregado, relacionados às necessidades da empresa, são, nos termos do art. 13 da Convenção, aqueles de ordem econômica, tecnológica, estrutural ou análoga. Em tais hipóteses, o empregado é dispensado não por ser ineficiente ou por ter praticado uma infração, mas porque o seu posto de trabalho foi extinto, por causas ligadas à própria empresa, à sua estrutura e funcionamento [07]. Exemplos desses motivos, de ordem econômica, seriam a recessão, a inflação, a limitação de crédito, a diminuição brusca da demanda, a perda de domínio do mercado, a limitação da produção, problemas de venda, distribuição, liquidez, a restrição de acesso à matéria prima. Os motivos tecnológicos estão geralmente relacionados à informatização e à robótica, enquanto que os estruturais, como o próprio nome revela, têm caráter mais abrangente, implicando uma transformação em segmentos significativos da empresa, em sua parte orgânica, finalística e relacional [08].

São previstos determinados procedimentos, que deverão ser adotados pelo empregador antes de proceder às despedidas fundadas nos motivos em comento. Menciona-se a consulta aos representantes dos trabalhadores, acompanhada de informações relativas às causas das dispensas que se pretende efetuar, bem como ao número e às categorias de trabalhadores envolvidos. Nessa oportunidade, poderão esses representantes negociar com a empresa medidas que possam evitar ou limitar as dispensas, e, caso sejam essas realmente necessárias, formas de se atenuar os males advindos aos obreiros despedidos.

Além da consulta supra mencionada, é prevista uma notificação escrita, feita pelo empregador à autoridade competente (v.g, um órgão do Governo), comunicando-a acerca das informações acima aludidas (motivos dos términos, trabalhadores envolvidos). O objetivo dessa notificação pode ser o de proporcionar que a autoridade em tela tente uma possível conciliação ou que tome medidas para ajudar os obreiros afetados. É ela de grande importância pelo fato de essas dispensas envolverem, em geral, vários trabalhadores, causando, assim, problemas econômicos e sociais à própria comunidade, além de aumentarem os gastos públicos, como os relativos ao seguro-desemprego.

A Convenção prevê que os procedimentos acima referidos poderão ser limitados às dispensas de, no mínimo, um certo número fixo de trabalhadores ou de um percentual em relação à totalidade de obreiros da empresa. Nada impede, entretanto, que sejam adotados em qualquer hipótese, mesmo se tratando da dispensa um único obreiro, como ocorre em alguns países [09]. Os demais aspectos pertinentes a tais procedimentos, como prazos, ordem em que são realizados, objetivos por eles pretendidos, bem como os critérios definidores de quais trabalhadores serão alvos da dispensa, poderão ser estabelecidos em lei ou mesmo através de instrumentos advindos da negociação coletiva.


3.A Constituição Federal de 1988: art. 7º, inciso I

Em 5 de outubro de 1988, é promulgada uma nova Constituição no Brasil, símbolo da restauração da ordem democrática no País, após três décadas de vigência do regime ditatorial militar. Logo em seu preâmbulo, anuncia os objetivos a serem alcançados pelo Estado Democrático de Direito por ela consagrado, dentre os quais o exercício dos direitos sociais e individuais, o bem-estar, o desenvolvimento, a justiça, a harmonia social e a construção de uma sociedade fraterna. Por outro lado, em seu art. 3º, a Carta Magna afirma constituírem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais, a promoção do bem de todos. Aponta, portanto, para a necessidade de se buscar uma harmonização, um equilíbrio entre os interesses dos cidadãos, de modo a garantir que todos possam exercer os direitos constitucionalmente assegurados.

Ao elencar os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º), menciona a dignidade da pessoa humana e, em um mesmo inciso, lado a lado, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Assegura, em seu art. 5º, o direito de propriedade, mas condiciona a sua proteção ao atendimento de uma função social (incisos XXII e XXIII).

Ao tratar da ordem econômica (art. 170), afirma que esta se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, na busca da justiça social. Ao enunciar os seus princípios, menciona a propriedade privada, a livre concorrência, a livre iniciativa, ao lado da função social da propriedade, da redução das desigualdades sociais e da busca do pleno emprego. Afirma também ser o primado do trabalho a base da ordem social, que tem por objetivos o bem-estar e a justiça sociais (art. 193).

A análise dos dispositivos constitucionais acima aludidos induz a conclusões importantes. Não resta dúvida que a Carta da República acolheu o modo de produção capitalista, pois garante a propriedade privada dos meios de produção e a livre iniciativa. Todavia, não ignora o fato de que, em uma economia capitalista, a grande maioria dos indivíduos não detém o domínio dos meios de produção, de forma que o trabalho constitui a sua fonte de subsistência. Assim sendo, a Carta Magna protege a atividade empresarial, assegura a ela a livre iniciativa, a propriedade privada, mas, por meio dela, deve-se propiciar que os indivíduos possam trabalhar, de forma a obter os recursos necessários à sua sobrevivência em condições dignas, pois que somente dessa forma poderá realizar-se a justiça social. É essa a harmonização buscada pela Constituição Federal, que explica a enunciação conjunta de princípios e objetivos aparentemente contraditórios. Pretende-se, portanto, a conciliação dos interesses dos trabalhadores e das empresas, do capital e do trabalho, em verdadeira síntese dessa relação dialética, de constante oposição [10]. Pois, como ensinava Aristóteles, a virtude está no equilíbrio.

É dentro desse contexto que se pode compreender a norma expressa no art, 7º, I, da Constituição Federal, que prevê, dentre os direitos assegurados aos trabalhadores, "a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos." Desse modo, é imperativo que haja um motivo juridicamente relevante, socialmente aceitável, para que seja válida a dispensa do trabalhador.

Percebe-se que a Convenção n. 158 da OIT e a Carta Magna de 1988 apontam no mesmo sentido: a proteção da relação de emprego contra a dispensa imotivada. Buscam, do mesmo modo, a conciliação entre o capital e o trabalho, o equilíbrio entre os interesses da empresa e os direitos do trabalhador, o desenvolvimento econômico e a justiça social [11]. Resta evidente, portanto, que Convenção em tela encontra-se em perfeita consonância com a Carta da República.

Importa destacar que o direito à proteção contra a dispensa imotivada é previsto pelas ordens jurídicas de vários países, como a Itália [12], a França [13] e a Alemanha [14]. É assegurado também pelo Tratado Constitucional Europeu, aprovado em Roma, no dia 29 de outubro de 2004, na parte relativa à "Carta dos Direitos Fundamentais", "in verbis":

"Artigo II-90 - Proteção em caso de dispensa injustificada

Todo trabalhador tem o direito à proteção contra toda dispensa injustificada, em conformidade ao direito da União e às legislações e práticas nacionais." [15]


4.A hierarquia constitucional da Convenção n. 158 da OIT

A Constituição Federal de 1988, ao elencar os princípios que devem reger a República Federativa do Brasil, em suas relações internacionais, afirma a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, III). Esse princípio relaciona-se intrinsecamente com a proteção da dignidade da pessoa humana, que constitui um dos fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º, III). Essas normas revelam o compromisso da Lei Maior com o estabelecimento de regras internacionais de proteção aos direitos da pessoa humana, imprescindíveis à sua dignidade. Tal comprometimento revela-se, de modo bastante claro, no art. 5º, §2º, da Carta Magna, in verbis:

"Art.5º.(...)

§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." (sem grifos no original)

O preceito acima transcrito, consoante nos revela Siqueira Júnior, vem expresso em nossos textos constitucionais desde a Carta Magna de 1891, mas a menção aos tratados internacionais é uma inovação implementada pela Constituição Federal de 1988 [16]. Esse grande avanço ético-jurídico partiu da proposta apresentada à Assembléia Nacional Constituinte por Antônio Augusto Cançado Trindade, ilustre Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos [17]. Esse dispositivo, em conjunto com outros preceitos da Carta Política (v.g, o Preâmbulo e os arts. 1º, II e III, 3º, I a IV, 4º, II), formam um verdadeiro sistema constitucional de proteção dos direitos humanos [18].

Esses direitos são caracterizados pela sua universalidade e indivisibilidade. São universais porque o único requisito exigido à sua titularidade é a condição de pessoa humana [19]. São indivisíveis porque interdependentes e inter-relacionados, de modo que o pleno gozo de um desses direitos pressupõe, necessariamente, o exercício dos demais. Como observado por Flávia Piovesan, "os direitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos e culturais, já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade." [20].

Sendo, portanto, direitos inerentes a toda e qualquer pessoa, assumem uma dimensão internacional, na medida em que a sua tutela passa a ser de interesse não apenas de cada Estado em particular, mas de toda a comunidade internacional, o que se traduz na formulação de regras internacionais de proteção a esses direitos [21]. O Texto Constitucional de 1988 veio, portanto, acolher a moderna concepção da internacionalização da proteção dos direitos humanos, expressa, de modo evidente, em seu art. 5º, §2º.

Sendo atributos essenciais à pessoa humana, esses direitos devem ser interpretados da forma mais abrangente possível, abrindo-se também um espaço à sua constante ampliação, sobretudo em razão da velocidade, cada vez maior, das mudanças verificadas no mundo contemporâneo. Consciente disso, o legislador constituinte, ao traçar, no Texto Constitucional, o elenco dos direitos fundamentais, cuidou de fazê-lo de forma não taxativa ("numerus apertus"), de modo a permitir que aos expressamente consignados se reunissem outros, igualmente dignos de proteção. Logrou-se esse intento através do dispositivo em tela - art. 5º, §2º- conhecido como princípio da não identificação ou da cláusula aberta [22].

Desse modo, a partir do disposto nesse preceito constitucional, é possível reconhecer-se três grupos de direitos e garantias fundamentais: os direitos e garantias expressos na Constituição, que são aqueles explicitamente enunciados pela Carta Magna; os direitos implícitos, que se encontram subentendidos nas regras de garantias ou são decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Lei Maior; e os direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte [23]. Esse mesmo entendimento é adotado por ilustres juristas como José Afonso da Silva e Manoel Gonçalves Ferreira Filho [24].

Dessa forma, os direitos humanos expressos nos tratados internacionais celebrados pelo Estado brasileiro são reconhecidos pela Constituição Federal como integrantes do elenco de direitos fundamentais por ela protegidos. E não poderia ser diferente, pois que o reconhecimento e a proteção desses direitos é matéria eminentemente constitucional, formando, ao lado das normas que regulam a estrutura e a organização do Estado, a constituição em seu sentido material [25]. Não há possibilidade, portanto, de se atribuir um outro status que não o constitucional às normas definidoras de direitos ou garantias fundamentais. Com efeito, não é sequer possível traçar uma hierarquia entre esses direitos, de modo a se afirmar que alguns deles sobrepõem-se aos outros, até mesmo porque, consoante já se afirmou, guardam entre si uma relação de interdependência.

Destarte, por força do mandamento contido no art. 5º, §2º, da Carta Magna, os tratados internacionais que veiculem normas protetivas dos direitos humanos são recepcionados, na ordem jurídica interna, com o status de normas constitucionais [26]. De fato, não há como conceber a existência de normas definidoras de direitos fundamentais situadas abaixo da Carta da República, no mesmo plano da legislação infraconstitucional. Caso assim se entendesse, admitir-se-ia a livre revogação dessas normas pelo legislador ordinário, o que é inaceitável. Esse entendimento é acolhido por Antônio Augusto Cançado Trindade que, consoante acima mencionado, foi o autor da redação do art. 5º, §2º, em proposta dirigida à Assembléia Nacional Constituinte [27].

Isto posto, importa analisar o conteúdo da Convenção nº 158 da OIT, de modo a precisar a sua hierarquia na ordem jurídica interna. Consoante acima mencionado, esse instrumento normativo versa sobre a proteção da relação de emprego, que se encontra prevista expressamente no art. 7º, inciso I, da Carta Magna. Por garantir o direito ao trabalho, bem como por conferir eficácia aos demais direitos trabalhistas, essa proteção insere-se nos direitos do homem-trabalhador, os quais se situam entre os direitos sociais, previstos no Capítulo II ("Dos direitos sociais") da Constituição Federal de 1988. Esses direitos, por sua vez, ao lado dos direitos individuais, coletivos, à nacionalidade e políticos, formam o Título II da Carta Magna, intitulado "Dos direitos e garantias fundamentais". Dessa forma, resta solar que a Convenção n. 158 é um tratado internacional que contém normas de proteção a direitos fundamentais [28]. Assim sendo, foi incorporada na ordem jurídica interna com o status constitucional, tornando-se parte integrante da Constituição Federal de 1988, por força de seu art. 5º, §2o [29].

Há que se observar que o art.5º, §2º, da Lei Maior, faz menção a "direitos" e "garantias", de modo a abranger todas as normas da Convenção n. 158 da OIT. Com efeito, as normas que tratam, por exemplo, da análise, pelo órgão julgador, da existência ou não de uma justificativa para a dispensa, encerram uma garantia, pois que são um meio destinado a assegurar o exercício e gozo de um direito, qual seja, o direito do trabalhador de não ser dispensado imotivadamente.

Desse modo, pelas razões acima expostas, pode-se afirmar que as normas da Convenção n. 158 têm status constitucional, sendo parte integrante da Constituição Federal de 1988.

Sobre a autora
Lorena Vasconcelos Porto

Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Lorena Vasconcelos. A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho e o direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2091, 23 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12501. Acesso em: 22 nov. 2024.

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