O controle de constitucionalidade é um meio indireto de aplicação da Constituição, uma vez que esta serve de referência na atribuição de sentido a norma ou de parâmetro para a sua validade.
Ensina Alexandre de Morais (2008, p. 701), que o controle de constitucionalidade consiste numa verificação da adequação ou compatibilidade de uma lei ou ato normativo, no tocante aos seus requisitos formais e materiais, em face da Constituição. Paulo Bonavides (2008, p. 297) diz que este se "assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos", característica das Constituições rígidas, em que a necessidade de um processo especial de revisão estabelece uma hierarquia jurídica entre normas.
O modelo adotado no Brasil é misto, podendo ser exercido através de controle político ou jurisdicional (MORAES, 2008, p. 706). Assim, a constitucionalidade pode ser aferida preventivamente pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo mediante as comissões de constituição e justiça e o veto jurídico. Podendo ainda ser efetuado de modo repressivo, em regra jurídico e realizado pelo Poder Judiciário. Como exceção, à exclusividade do controle repressivo pelo Judiciário, há a possibilidade deste ser realizado pelo Legislativo, podendo este "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa" (MORAES, 2008, p. 707). Outra exceção é a prevista no art. 52, inciso X da Constituição Federal, que prevê competência ao Senado Federal para a suspensão da execução do ato declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo.
O controle de constitucionalidade brasileiro pode ser exercido de duas formas: pela via da ação (controle concentrado) ou pela via da exceção (controle difuso). Pela via da ação esse controle é exercido pelo manejo da ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) ou da argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Tratando-se de controle concentrado, quando a ofensa é à Constituição compete ao Supremo Tribunal Federal o controle da constitucionalidade, nos termos do art. 102, I da CF/1988.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
No âmbito do Estado de Sergipe esse controle cabe ao Tribunal de Justiça como prescreve o art. 106, I, "c" do texto constitucional sergipano.
Art. 106. Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar originariamente:
[...]
c) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual, e de lei ou de ato normativo municipal em face da Constituição Federal ou da Estadual;
h) as ações de inconstitucionalidade contra ato ou omissão que atente contra a Constituição do Estado;
O processo constitucional sergipano contempla, além da ADIn, que analisa a ação do ente federado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 108, §2º, da CE/89), não existindo, porém, previsão de Ação Declaratória de Constitucionalidade.
No tocante ao controle difuso, de forma simétrica à prevista na Constituição Federal, prevê a Carta Estadual que, cabe à Assembléia Legislativa, nos termos do art. 47, XXXI, "suspender, no todo ou em parte, a execução de lei ou decreto estadual ou municipal declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Tribunal de Justiça, quando a decisão de inconstitucionalidade for limitada ao texto da Constituição do Estado".
A legitimação para a ADIn estadual vem prevista no art. 108, em rol taxativo. Assim, podem propô-la: o Governador do Estado; a Mesa da Assembléia Legislativa; o Procurador Geral de Justiça; o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados; partido político com representação na Assembléia Legislativa ou na Câmara de Vereadores; o Prefeito Municipal e a Mesa da Câmara de Vereadores; além das federações sindicais ou entidades de classe de âmbito estadual.
No processamento da ADIn ouve-se, previamente, o Procurador Geral de Justiça, a quem cabe defender o ato ou texto impugnado. A declaração de inconstitucionalidade só podendo ser feita pela maioria absoluta dos membros do Tribunal de Justiça do Estado.
Ao analisar os dispositivos aqui colacionados percebemos que a ofensa à Constituição Federal por lei ou ato normativo municipal não podem ser objetos de ADIn e da ADC perante o STF, sendo, no entanto, previsto o seu manejo junto ao TJ/SE. Tal previsão, numa análise preliminar, por certo conduziria a se enxergar no texto constitucional sergipano o exercício de uma competência residual.
Ocorre, porém, que o Supremo em reiterados julgados tem decidido que aos Tribunais de Justiça não compete a análise em tese de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Como visto, cabe ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF/88). Nesse sentido trago excerto do acórdão que julgou o RE 421.256/SP:
I - Os Tribunais de Justiça dos Estados, ao realizarem o controle abstrato de constitucionalidade, somente podem usar como parâmetro, a constituição do Estado;
II – Em ação direta de inconstitucionalidade, aos Tribunais de Justiça e até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, é defeso analisar leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. (grifos nossos)
Assim, o art. 106, I, "c" do texto constitucional sergipano porta patente inconstitucionalidade, de modo que a sua aplicação configura usurpação de competência constitucional expressa, ou seja, ofensa direta à Constituição Federal.
No que tange ao posicionamento do Supremo uma ressalva deve ser feita, pois, o STF permite o manejo da ADIn em face de lei ou ato normativo municipal junto aos Tribunais de Justiça se a norma da Constituição Federal que esteja sendo ofendida seja norma de repetição, ou seja, norma de reprodução obrigatória pelo Estado-membro como decorrência do princípio da simetria.
Por tudo dito fica um questionamento: Há meio de se aferir em tese a ofensa de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal?
A este questionamento respondemos que sim.
Por meio da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF, regulamentada pela Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, em complementação ao art. 102, §1º, da Constituição Federal, o controle da lei ou ato normativo municipal pode ser realizado:
Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;
Destarte é a ADPF uma ação de caráter subsidiário, ou seja, só pode ser manejada quando não houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. A ADPF destina-se a proteger os preceitos fundamentais, decorrentes da Constituição Federal. Na lição de José Afonso da Silva (2005, p. 559) considera-se que:
[...] preceitos fundamentais não é expressão sinônima de princípios fundamentais. É mais ampla, abrange a estas e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais
Assim, com a promulgação da Lei n. 9.882/99 criou-se uma possibilidade de se manejar perante o Supremo Tribunal Federal o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, desde que venham a descumprir preceito fundamental e for relevante o fundamento da controvérsia constitucional envolvida. Não trataremos aqui da alegação de inconstitucionalidade dessa previsão, haja vista que se criou por meio de uma lei ordinária nova competência para Supremo Tribunal Federal, o que por certo poderá ser objeto de outras linhas.
CONCLUSÃO
O controle de constitucionalidade estadual reproduz de forma simétrica o modelo previsto na Constituição Federal, não existindo, porém, previsão para o manejo da ADC e da ADPF. Como o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade não previa o controle abstrato de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal, o constituinte sergipano atribuiu ao Tribunal de Justiça Estadual esta competência. No entanto, como este controle seria efetuado em face da Constituição Federal, o legislador sergipano adentrou em terreno proibido, uma vez que esta competência é privativa do STF, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição. Os Tribunais de Justiça só podem efetuar este controle se o ato ou lei municipal ofender norma constitucional de repetição obrigatória pelo Estado-membro. Assim, até a edição da Lei nº 9.882/99, as leis e atos normativos municipais que ofendessem a Carta Magna, desde que estas não versassem sobre norma de repetição obrigatória pela Carta Estadual, estavam imunes a um controle concentrado de constitucionalidade pelo STF ou pelos TJ’s. Com a regulamentação do §1º do art. 102, da Constituição Federal pela Lei nº 9.882/99 esta lacuna foi preenchida, podendo o Supremo, mediante Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, proclamar-lhe a inconstitucionalidade.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRASIL. Lei n. 9.868. In: Vade Mecum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 421.256/SP. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. 2006. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 03/12/2008.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.