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A tutela ambiental da posse de camponeses sitiantes

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Agenda 25/03/2009 às 00:00

IV – DA TUTELA AMBIENTAL DE PROTEÇÃO DOS SÍTIOS

No que se refere à impossibilidade de destruição dos sítios cultivados pelos trabalhadores rurais na zona da mata canavieira de Pernambuco, a partir de uma perspectiva ambiental, observa-se que o provimento dos pedidos das reintegrações de posse ou mesmo as ações violentas em despejar esses camponeses, sem que qualquer indenização lhe seja assegurada, revela também a ocorrência de um dano ao meio ambiente e a toda coletividade.

Para que se dimensionar o alto grau de destruição ambiental nessa região em decorrência da exploração do setor sucro-alcooleiro há mais de 400 anos, registra-se, de acordo com levantamentos oficiais do IBAMA, restarem apenas 3% de Mata Atlântica, vegetação nativa da região, um dos cinco biomas mais diversos e ameaçados do planeta, onde se localizam sete das nove maiores bacias hidrográficas do País.

IV.1 – ADEQUAÇÃO DOS SÍTIOS À RESERVA LEGAL

Nesse contexto os sítios dos trabalhadores rurais além do papel essencial de manutenção e subsistência das famílias de camponeses, são um dos poucos locais onde ainda é possível ser encontradas formações arbóreas típicas da Mata Atlântica e uma grande variedade de árvores frutíferas.

Portanto, esses sítios se enquadram na finalidade do instituto da reserva florestal legal, pois como bem lembra Paulo Affonso Leme Machado, essa área de reserva destina-se a ter "cobertura arbórea", posto ser a intenção do legislador brasileiro a manutenção e/ou reintrodução de árvores no País, independente do valor botânico e/ou ecológico das mesmas, não abolindo sequer as espécies exóticas do manejo florestal, apesar das nativas terem preferência. [14]

Assim, além da viabilidade técnica dos sítios se enquadrarem dentro das pretensões do legislador para reserva florestal legal, de acordo com o disposto no §3º do art. 16, da Lei 4.771/65, esses sítios, pelo fato de serem apenas posses rurais familiares, sem título de propriedade, embora muitos tenham sido usucapido, podem ser computados como áreas de reserva com suas formações arbóreas frutíferas, o que é extremamente relevante em uma região de aguda pobreza e raras árvores:

"Lei 4.771/65 - Art. 16.[...] - § 3º  Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em pequena propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas."

IV.2 – QUANTO À AVERBAÇÃO DOS SÍTIOS EM CARTÓRIO OU NO ÓRGÃO AMBIENTAL

De acordo com o art. 217 da lei 6.015/73, que dispõe sobre registros públicos, a averbação da reserva florestal legal pode ser provocada por qualquer pessoa, uma vez que as florestas são bens de interesse comum a todos os habitantes do país (art.1° da lei 4.771/65) e que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 CF) :

"(6.015/73) Art. 217 - O registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as despesas respectivas."

"(4.771/65) Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem."

"CF - Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."

Portanto, qualquer pessoa pode dirigir-se diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis para informar-se sobre a existência da averbação da Reserva Florestal, independente de ser ou não proprietário da propriedade rural. Sendo igualmente possível que qualquer do povo, o Ministério Público ou as associações podem promover o registro e a averbação de áreas para reserva legal [15].

Há, contudo, um detalhe no que se refere à posse, como é o caso dos sitiantes, não sendo necessária a averbação em Cartório de Registro de Imóveis, apesar de possível, mas basta apenas a realização de Termo de Ajustamento de Conduta a ser firmado entre os trabalhadores rurais, possuidores dos sítios, e o órgão ambiental, como expressa previsão do §10, do art. 16 do Código Florestal:

"Lei 4.771/65 – Art. 16 [...] - § 10.  Na posse, a reserva legal é assegurada por Termo de Ajustamento de Conduta, firmado pelo possuidor com o órgão ambiental estadual ou federal competente, com força de título executivo e contendo, no mínimo, a localização da reserva legal, as suas características ecológicas básicas e a proibição de supressão de sua vegetação, aplicando-se, no que couber, as mesmas disposições previstas neste Código para a propriedade rural."

IV.3 – DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO

Embora a legislação ambiental seja explícita na tutela dos sítios possuídos pelos camponeses, é relevante ainda que estes casos sejam observados levando-se em consideração o princípio da prevenção do dano ambiental, cujo direcionamento fundamental consiste na atuação de comportamentos efetuados com o intuito de afastar o risco ambiental, prevenindo agressões ao meio ambiente.

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O princípio da prevenção é regra constitucional, encontra-se previsto no artigo 225, caput, da Constituição Federal, quando se atribui ao Poder Público e à coletividade o dever de proteger e preservar o meio ambiente às presentes e futuras gerações.

De acordo com Marcelo Abelha Rodrigues a importância desse princípio está diretamente relacionada aos danos ambientais de difícil reparação ou irreparáveis como a extinção de uma espécie. O autor registra que uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam [16].

Nesse sentido, Celso Antonio Pacheco Fiorillo anota que "não se quer com isso inviabilizar a atividade econômica, mas tão-somente excluir do mercado o poluidor que ainda não constatou que os recursos ambientais são escassos, que não pertencem a uma ou algumas pessoas e que sua utilização encontra-se limitada na utilização do próximo, porquanto o bem ambiental é um bem de uso comum do povo" [17].

Portanto, o Estado brasileiro, através de seus poderes, ao aplicar políticas, criar normas ou aplicar o direito, deve se nortear pelo princípio da prevenção, para que os danos ambientais não ocorram sem controle como tem acontecido. No caso específico dos sitiantes, ao Poder Judiciário cabe aplicar a tutela jurisdicional na defesa desses sítios, prevenindo danos ainda maiores ao meio ambiente.


V – CONCLUSÃO

Com efeito, a conclusão a que se chega é que possui também uma dimensão ambiental, que vinha sendo ignorada, os conflitos agrários travados entre camponeses e suas comunidades de possuidores, há muitas décadas, de sítios rurais na zona da mata de Pernambuco, com empresas do setor sucro-alcooleiro que buscam ampliar ainda mais sua produção em virtude no incentivo de políticas governamentais.

Não se trata apenas de litígios relativos a direitos possessórios e de usucapião, mas de uma lide que diz respeito a toda coletividade, urbana e rural, titular do direito coletivo ao meio ambiente equilibrado e que convive com o deserto da monocultura canavieira, onde rareiam vegetações arbóreas.

Portanto, proteger os sítios e manter os trabalhadores rurais em suas posses é garantir a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


VI – REFERÊNCIAS

ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 6ª Ed.- Recife: Editora Universitária da UFPE, 1998. pp.87-88

ANTUNES, Luciana Rodrigues. A averbação da reserva legal e da servidão florestal . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 714, 19 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6766>. Acesso em: 07 fev. 2008.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 40

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., rev.,atual.e amp., São Paulo: Malheiros, 2003, pp.717-718

MANTOVANI, Mário e BECHARA, Érika. Reserva legal à luz da medida provisória 1.736. Revista de Direito Ambiental 16, p. 148.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

PARECER/CPALNP/CONJUR/MDA/Nº11/2004-VAF

PINTO JÚNIOR, Joaquim Modesto, FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental:Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 203.

SIGAUD, Lygia. Ir à Justiça: Os Direitos dos Trabalhadores Rurais. Regina Novaes (Org.) Direitos Humanos: temas e perspectivas. Rio de Janeiro : Mauad, 2001. p.76.


Notas

  1. ANDRADE, Manuel Correia de. A Terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 6ª Ed.- Recife: Editora Universitária da UFPE, 1998. pp.87-88
  2. SIGAUD, Lygia. Ir à Justiça: Os Direitos dos Trabalhadores Rurais. Regina Novaes (Org.) Direitos Humanos: temas e perspectivas. Rio de Janeiro : Mauad, 2001. p.76.
  3. ANDRADE, Manuel Correia de. Op Cit. p. 96-97
  4. Idem. Ibidem. pp. 113-114.
  5. SIGAUD, Lygia. Op. Cit. p.76.
  6. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., rev.,atual.e amp., São Paulo: Malheiros, 2003, pp.717-718
  7. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1997.
  8. ANTUNES, Luciana Rodrigues. A averbação da reserva legal e da servidão florestal . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 714, 19 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6766>. Acesso em: 07 fev. 2008.
  9. Precedentes do STJ:RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003.
  10. Reserva legal à luz da medida provisória 1.736. MANTOVANI, Mário e BECHARA, Érika. Revista de Direito Ambiental 16, p. 148.
  11. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., rev.,atual.e amp., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 326-327.
  12. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., rev.,atual.e amp., São Paulo: Malheiros, 2003, pp.717-718
  13. Cf. PARECER/CPALNP/CONJUR/MDA/Nº11/2004-VAF e PINTO JÚNIOR, Joaquim Modesto, FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.
  14. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., rev.,atual.e amp., São Paulo: Malheiros, 2003, p.719
  15. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., rev.,atual.e amp., São Paulo: Malheiros, 2003, p.722
  16. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental:Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 203.
  17. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 40
Sobre o autor
Daniel Pinheiro Viegas

Assessor Jurídico da Comissão Pastoral da Terra, de Camponeses e Quilombolas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Daniel Pinheiro. A tutela ambiental da posse de camponeses sitiantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2093, 25 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12527. Acesso em: 22 nov. 2024.

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