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A tutela ambiental da posse de camponeses sitiantes

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25/03/2009 às 00:00
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SUMÁRIO: I – INTRODUÇÃO; II – A ORIGEM DOS SÍTIOS; III - A RESERVA FLORESTAL LEGAL; III.1- Natureza Jurídica; III.2 - Da Averbação da Reserva Florestal Legal; III.3 - Quanto aos imóveis já desmatados; III.4 – Competência para Fiscalizar e Conseqüências do Descumprimento da Reserva Legal Florestal; IV – DA TUTELA AMBIENTAL DE PROTEÇÃO DOS SÍTIOS; IV.1 – Adequação dos Sítios à Reserva Legal; IV.2 – Da Possibilidade de Averbação dos Sítios em Cartório; IV.3 – Da aplicação do Princípio da Prevenção; V – CONCLUSÃO; VI – REFERÊNCIAS


I - INTRODUÇÃO

Apesar da grande redução, ainda é possível encontrar na zona da mata de Pernambuco pequenos posseiros em meio a imensos canaviais, conhecidos como "sitiantes", que na realidade são possuidores de pequenas glebas de terra, adquiridas por herança familiar, formando aglomerados que constituem verdadeiras comunidades rurais, muitas das quais com registros de mais de cem anos de presença nesses locais.

Nesses sítios, os camponeses além de cultivarem a terra no modelo de agricultura familiar, produzindo alimentos que são comercializados nas feiras dos municípios vizinhos, são um dos poucos locais onde ainda se encontram vestígios de mata atlântica, com formações arbóreas nativas e muitas fruteiras.

Todavia, ao longo da história da exploração canavieira, observa-se que na medida em que o açúcar e o álcool adquirem melhores preços de mercado, as Usinas da região movimentavam-se no sentido de ampliarem a concentração fundiária, adquirindo terras de pequenos fornecedores de cana e expulsando, na maioria das vezes sem decisão judicial, essas comunidades rurais de sitiantes.

Recentemente, verifica-se novamente a atuação das empresas para retirar os camponeses de seus sítios, tudo decorrente do estímulo do Governo brasileiro ao setor sucro-alcooleiro, não apenas em virtude do aumento estrutural da demanda de álcool em decorrência dos automóveis com motores bi-combustível, mas principalmente pela possibilidade iminente e concreta de abertura do mercado internacional de açúcar, proporcionada pela decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) em favor do Brasil, Austrália e Tailândia contra os subsídios europeus ao açúcar de beterraba.

A Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura de Pernambuco (FETAPE) estima que nos últimos 15 anos mais de 45 mil sítios foram destruídos e camponeses, detentores das respectivas posses, expulsos do campo para engrossar as chamadas "pontas de rua", como são conhecidas as favelas nas pequenas cidades da zona da mata pernambucana.

A destruição desses sítios e a expulsão desses camponeses revelam não apenas um desrespeito aos direitos humanos e ao direito de propriedade, este adquirido pelos trabalhadores rurais com a usucapião desses imóveis de ocupação anteriores a das indústrias sucro-alcooleiras, mas também, graves danos ambientais, principalmente diante desse prenúncio de uma ampliação das lavouras canavieiras, sobretudo porque reproduz o modelo da experiência secular nordestina, que deixou toda uma região marcada pela concentração fundiária e de renda, pela excessiva exploração da mão-de-obra, pelo empobrecimento dos camponeses e pela contaminação dos recursos hídricos e devastação dos seus biomas.

Diante dessas considerações, este artigo pretende abordar a necessidade da tutela do direito desses camponeses sitiantes sobre seus bens pela perspectiva do direito ambiental, não mais apenas dos direitos reais, levando-se em conta a presença em seus imóveis de vegetação típica da região de mata atlântica e de outras formações arbóreas, havendo a necessidade de proteção ambiental dessas áreas diante do não cumprimento do mínimo de 20% dos imóveis a ser destinado à reserva florestal legal pelos proprietários das Usinas.


II – A ORIGEM DOS SÍTIOS

Até fins do século XIX, a mão de obra usada na agricultura canavieira era de escravos, os quais tinham tratamento cruel por parte dos Senhores de Engenho, sendo obrigados a trabalhar durante todo o ano na cultura, na limpa e na colheita da cana, assim como na fabricação de açúcar. Um dia por semana, em geral, era dedicado à cultura da lavoura de subsistência, para evitar maiores gastos com sua precária alimentação. Qualquer reclamação era punida com castigos corporais [01].

Após a abolição da escravatura, o trabalho passou a ser realizado por descendentes de escravos, que ali moravam. Esses trabalhadores viviam imobilizados dentro dos engenhos, como são localmente denominadas as unidades de produção. As relações com os patrões eram reguladas por normas costumeiras que não contavam com a garantia do Estado para que fossem cumpridas. Esta situação perdurou até mais ou menos meados do século XX. [02]

Eram freqüentes nessa região os senhores de engenho, por não poderem adquirir escravos devido ao alto custo, para suprir a necessidade de mão-de-obra, facilitar o estabelecimento de moradores em suas terras, com a obrigação de trabalharem para a fazenda. Esses trabalhadores tinham a permissão para derrubar trechos de matas, levantar choupanas de barro ou de palha, fazer pequeno roçado e dar dois ou três dias de trabalho semanal por baixo preço, ou gratuito, ao senhor de engenho, ou seja, os trabalhadores trocavam seu trabalho por uma remuneração pelo serviço feito, pela casa para morar e pelo acesso à terra para plantar lavoura de subsistência. [03]

Com o imperativo econômico internacional de modernizar a produção açucareira, apenas baseada no açúcar dos engenhos bangüê, que eram de inferior qualidade, surgem as Usinas, que consistiam na instalação de moderna fábrica de açúcar. As duas últimas décadas do século XIX foram períodos em que a usina sofreu o seu impulso inicial em Pernambuco, Estado líder da produção açucareira no Nordeste, uma vez que surgiram, entre 1885 e 1900, 49 usinas e então esse sistema, com a presença dessa pequena tolerância à sobrevivência dos trabalhadores, começa a desmoronar.

Durante a I Guerra Mundial há uma retração da demanda do açúcar nacional, o que provoca uma grave crise no setor, e fez com que muitos proprietários encerrassem suas atividades industriais, ou arrendassem suas terras ou incentivassem a figura dos fornecedores de cana e dos sitiantes, estes eram famílias que viviam em áreas mais distantes dos engenhos, cultivando lavouras de subsistência.

Mas com a conclusão da Guerra em 1945, houve uma valorização do açúcar, que passou a ter boa colocação no mercado externo; as usinas, modernizadas, trataram de expandir suas áreas de influência e muitos senhores de engenho, que viviam dos arrendamentos na cidade, resolveram voltar à atividade agrícola ou encontraram melhores ofertas de renda para as suas propriedades por parte das usinas. Trataram então de expulsar os "sitiantes", às vezes indenizando as benfeitorias e outras sem lhe dar indenização alguma, apenas alguns meses para colherem as lavouras temporárias. Também ocorreu o caso das usinas permitirem que os sitiantes permanecessem nas suas posses, com a condição que destruíssem os pomares, colhessem as lavouras e se tornassem plantadores de cana. [04]

Então, graças a novas oportunidades para o açúcar brasileiro no mercado internacional, os proprietários começam a mudar as regras do jogo na sua relação com os trabalhadores visando aumentar a produção e a produtividade. Assim, começaram a tomar as terras onde os trabalhadores plantavam.

Destarte, em um destes momentos de valorização do açúcar, em meados dos anos 50, criaram-se condições favoráveis para a eclosão de um movimento social na zona da mata pernambucana. É quando surgem, então, as Ligas Camponesas, que de início visavam apenas recuperar vantagens de posseiros que haviam sido suprimidas pelos usineiros. [05]

Esta inflexão no comportamento dos latifundiários canavieiros é observada em todo transcorrer da história açucareira em Pernambuco, repetindo-se inclusive nos dias de hoje. Por essa lógica, a dinâmica da terra no Estado está diretamente relacionada com a demanda do açúcar no mercado interno e internacional, variando assim a tolerância ao cultivo de lavouras de subsistência pelos agricultores.

Todavia, esses sítios representam não apenas a resistência dessas comunidades rurais para permanecerem no campo, como também os locais onde remanescem os resquícios de mata atlântica, vegetação típica da região, cultivada pelos sitiantes e pela presença de árvores frutíferas, em meio a imensas propriedades rurais cultivadas de cana em toda a sua extensão, não havendo qualquer cuidado na manutenção dos 20% de reserva legal previsto no Código Florestal (Lei 4.771/65).


III – A RESERVA FLORESTAL LEGAL

A reserva legal tem o objetivo de assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, incumbindo ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, os espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei. [06]

Por se tratar de instituto jurídico esquecido por muito tempo e agora ressurgido a partir de Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público e do debate mundial em torno do aquecimento global, é relevante compreender a sua natureza jurídica, seu regime jurídico e os efeitos do seu descumprimento, para em seguida demonstrar a sua importância para toda a sociedade, e sua relação com a resistência das comunidades rurais de sitiantes.

III.1 – NATUREZA JURÍDICA

A doutrina diverge quanto à natureza jurídica da reserva florestal legal, havendo grande interesse em distingui-la entre limitação administrativa à propriedade ou servidão administrativa, posto que a primeira não obriga o Poder Público à indenizar o proprietário pela afetação sofrida em seu imóvel.

Bastante elucidativa do debate travado pelos teóricos é a lição de Renato Alessi, citada por Celso Antônio Bandeira de Melo, ao realizar a distinção entre limitações administrativas à propriedade e servidão administrativa, a qual é reproduzida a seguir:

"a) nas primeiras (limitações) alcança-se toda uma categoria abstrata de bens, ou, pelo menos, todos os que se encontrem em uma situação ou condição abstratamente determinada, enquanto nas segundas (servidões) atingem-se bens concreta e especificamente determinados;

b) nas servidões administrativas há um ônus real – ao contrário das limitações -, de tal modo que o bem gravado fica em um estado de especial sujeição à utilidade pública, proporcionando um desfrute direto, parcial, do próprio bem (singularmente fruível pela Administração ou pela coletividade em geral);

c) nas servidões há um pati, isto é, uma obrigação de suportar, enquanto nas limitações há um non facere, isto é, uma obrigação de não fazer;

d) outrossim, se tanto limitações administrativas quanto servidões podem se originar diretamente da lei, toda vez que uma propriedade sofrer restrições em decorrência de ato concreto da Administração, isto é, injunção decorrente de seu jus imperii, estar-se-á diante de uma servidão."

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Por conseguinte, a partir desses elementos citado por Celso Antonio, conclui-se que as limitações à propriedade sempre irão afetar ao bem a partir de uma disposição legal genérica e abstrata, enquanto as servidões administrativas, mesmo fundadas em lei, podem ou não ser genéricas e abstratas, o discrímen será, no caso da limitação, a imposição apenas de um dever de abstenção, enquanto na servidão haverá uma obrigação de suportar pelo proprietário.

Para Hely Lopes Meirelles define limitação administrativa como sendo, toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social, devendo corresponder às justas exigências do poder público que as motiva sem produzir um total aniquilamento da propriedade ou das atividades reguladas. [07]

Portanto, a reserva florestal legal, apesar de representar razoável medida de condicionamento do uso da propriedade, em benefício do bem-estar social (CF, art. 170, III), caracteriza-se por limitação administrativa à propriedade e não servidão administrativa, por não impedir a utilização da coisa segundo sua destinação natural, impondo a partir de disposições genéricas e abstratas do Código Florestal um dever negativo a todos os proprietários rurais de se absterem de utilizar, impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação em percentual de 20 a 50% do imóvel.

III.2 – DA AVERBAÇÃO DA RESERVA FLORESTAL LEGAL

Relevante observar que o art.16, caput, do Código Florestal (lei 4.771/65), dispõe que as florestas e outras formas de vegetação nativas, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que seja mantido o percentual mínimo a título de reserva legal.

Mais adiante, no §8º do mesmo art.16, o Código determina que "a área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código."

Assim, conclui-se que a reserva florestal legal, como limitação administrativa à propriedade, independe de averbação no Registro de Imóveis, uma vez que a sua publicidade é conferida por lei federal, incidindo de forma geral, gratuita, unilateral, condicionando e limitando o uso de parte certa e localizada de toda propriedade rural.

Contudo, como se depreende do art.16, §8º, há a necessidade da averbação da reserva florestal legal no Cartório de Registro Imobiliário quando existe a pretensão do proprietário em explorar o imóvel, suprimindo vegetação nativa ou florestas existentes.

Portanto a finalidade da averbação da reserva florestal legal na matrícula do imóvel é de dar publicidade, para que futuros adquirentes saibam sua localização, seus limites e confrontações, uma vez que podem ser demarcadas em qualquer lugar da propriedade, porém, nos termos do caput do art.16, uma vez demarcada, é vedada a alteração de sua destinação, inclusive nos casos de transmissão, a qualquer título, nos casos de desmembramento ou de retificação de área.

Assim, a averbação da reserva florestal não é pré-requisito para o ingresso de qualquer título inter vivos ou causa mortis no Registro Imobiliário, nem o seu conseqüente lançamento em forma de registro ou averbação nas respectivas matrículas dos imóveis, podendo ser praticados os atos previstos no artigo 167 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Registros Públicos), independentemente de nas matrículas dos imóveis constar a averbação da Reserva Legal [08], contudo a averbação da reserva florestal legal é pré-requisito para a exploração da Floresta ou outra forma de vegetação nativa existentes no imóvel rural.

III.3 – QUANTO AOS IMÓVEIS JÁ DESMATADOS

Questão bastante controvertida e que tem colecionado grandes debates no judiciário brasileiro, diz respeito à responsabilidade do proprietário que já adquire o imóvel explorado em toda sua extensão, sem qualquer respeito à preservação de parte do terreno para constituição de reserva florestal legal. A jurisprudência por muito tempo dissentiu a respeito, havendo inclusive decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que o novo proprietário de imóvel rural não teria legitimidade para figurar no pólo passivo de ação civil pública por dano ao meio ambiente, pois a ele não se pode impor o ônus do reflorestamento, se não foi o agente do dano, há a ausência de nexo de causalidade (RESP 218781 PR, DJ: 24/06/2002).

Todavia, em recente incidente de uniformização de jurisprudência no RESP 745363/PR (DJ 18.10.2007 p. 270), o STJ, registrando vários precedentes [09], entendeu que a responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa.

Essa conclusão decorre da premissa de que a obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, ou seja, acompanha a coisa independente de quem seja seu titular e independente do fato desse titular ter contraído, ele próprio, a obrigação, [10] conforme disposição da Lei 8.171/91, que deu maior exeqüibilidade ao Código Florestal (Lei 4.771/65), que impõe a todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, a limitação administrativa às propriedades rurais de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo.

O Superior Tribunal de Justiça segue a orientação doutrinária de Paulo Affonso Leme Machado, segundo o qual "a responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: "Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. "É a responsabilidade pelo risco da atividade." Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações." [11]

O próprio STJ reconhece no julgamento do RESP 745363/PR que a limitação administrativa imposta à propriedade rural pela reserva florestal legal insere-se dentro do princípio constitucional da função social da propriedade (art.186 da CF), quando exige como requisito do direito dominial a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

III.4 – COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAR E CONSEQÜÊNCIAS DO DESCUMPRIMENTO DA RESERVA LEGAL FLORESTAL

De acordo com o art. 24, caput, c/c inc. VI, da Constituição da República, a competência para legislar sobre florestas é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, do que se conclui que a capacidade de entidade federal, como IBAMA, exercer esse poder de polícia ambiental, não impede que os Estados, ao mesmo tempo, ajam com poder de polícia idêntico na defesa do meio ambiente, existindo hierarquia apenas ao que se refere às normas gerais federais, mas inexistindo qualquer hierarquia ou supremacia na execução das normas protetoras da Reserva Florestal Legal [12].

Quanto às conseqüências da inobservância pelos proprietários de imóveis rurais do respeito aos limites impostos pelo Código Florestal através do instituto da reserva legal, podemos observar 04 possíveis efeitos:

1) A autuação do proprietário pela incidência em uma das infrações administrativas previstas no ou art.38, ou no art.39 do Decreto 3.179/99, abaixo transcritas, que dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente:

"Art. 38.  Explorar vegetação arbórea de origem nativa, localizada em área de reserva legal ou fora dela, de domínio público ou privado, sem aprovação prévia do órgão ambiental competente ou em desacordo com a aprovação concedida.

Multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 300,00 (trezentos reais), por hectare ou fração, ou por unidade, estéreo, quilo, mdc ou metro cúbico."

"Art. 39.  Desmatar, a corte raso, área de reserva legal:

Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por hectare ou fração.

Parágrafo único. Incorre na mesma multa quem desmatar vegetação nativa em percentual superior ao permitido pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, ainda que não tenha sido realizada a averbação da área de reserva legal obrigatória exigida na citada Lei."

2) O enquadramento penal da empresa e dos seus responsáveis pelo cometimento da conduta criminosa tipificada ou art. 48, ou no art. 50-A da Lei 9.605/98:

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente

Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.

3) A ocorrência da desapropriação-sanção do imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária pela ocorrência da hipótese de descumprimento da função social-ambiental, prevista no art.186 da Constituição Federal e no art. 6º da Lei 8.629/93. [13]

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Sobre o autor
Daniel Pinheiro Viegas

Assessor Jurídico da Comissão Pastoral da Terra, de Camponeses e Quilombolas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Daniel Pinheiro. A tutela ambiental da posse de camponeses sitiantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2093, 25 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12527. Acesso em: 29 mar. 2024.

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