Resumo: O texto visa a demonstrar como, na Constituição de 1988, o salário mínimo é, graças à sua posição e ao seu conteúdo, atual e programático. Mostra-se ainda que o mínimo é conceito da constituição social, historicamente implantado, e de grande projeção sobre a constituição econômica, o que lhe dá caráter político e o torna praticamente injudicializável.
Palavras chaves: salário mínimo; posição constitucional, constituição social, constituição econômica; norma programática.
O texto da Constituição de 1988 traz novidades inequívocas no que concerne ao salário mínimo. Não tanto por sua presença na Constituição, pois já aparecera nos textos constitucionais de 1937, de 1946 e de 1967, mas pela sua formulação e por sua posição.
Verdade que a Constituição de 1934 não nomeava o salário que se chamará mínimo, mas seu texto colocava como fim assegurar a vida digna. Assim nela se escreveu:
"Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.
Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões da País."
Vê-se aqui, portanto, que a ordem social aparece indissoluvelmente vinculada à ordem econômica e acolhe-se com clareza a possibilidade de a ordem política coordenar a ordem econômica de modo a atingir os fins sociais propostos.
Na Constituição de 1937, a noção de salário mínimo é apresentada pela primeira vez e aparece no seguinte enunciado:
" Art. 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos:
........................................................................................................
h) salário mínimo, capaz de satisfazer, de acordo com as condições de cada região, as necessidades normais do trabalho; (...)"
Na Constituição de 1946, sobre a matéria se escreveu:
"Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:
I - salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família; (...)"
A Carta de 1967, por sua vez, diz a propósito desse conceito fundamental:
"Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:
I – salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as suas necessidades normais e as de sua família;"
O enunciado na carta de 1988 ganha precisão analítica, como se depreende de sua leitura:
"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - .............................................................................................................
II - ............................................................................................................
III - ..........................................................................................................
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (...)"
O conceito de salário mínimo indica cada item da composição desse, de modo a precisar que a totalidade deve dar conta exatamente de cada uma das partes referidas: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Prevêem-se ainda os reajustes periódicos para a manutenção de seu poder aquisitivo. Evidentemente, a formulação do salário na plenitude de seu alcance exige implementação que passa por reajustes periódicos, não simplesmente para preservar o seu poder aquisitivo, mas para elevá-lo de modo a garantir a cobertura do rol de necessidades garantidos no inciso IV do art. 7º da Constituição Federal. Enfim, a Constituição prevê políticas de reajustes do mínimo e é por isso que se veda sua vinculação para qualquer fim. Com esse algoritmo constitucional, o legislador constituinte visou a desfazer eventuais embaraços que se criariam por aumentos de salários ou outros fatores que se vinculassem ao salário mínimo, os quais poderiam não só produzir situações aberrantes como aumentar a própria resistência às políticas de resgate do mínimo.
É o salário mínimo constitucional norma de substância programática, para usar a terminologia cara ao Professor J. Joaquim Gomes Canotilho (1994, 462) e que está sempre a exigir a sua concretização plena. A vedação de sua vinculação realça ainda mais o seu alcance programático e chama a atenção para o seu programa específico que não deve ser confundido com outros programas salariais ou de renda que não têm a sua dimensão constitucional. Demais, para deslanchar-se, o programa do salário mínimo não concede nem pode conceder caronas. Esse o sentido da vedação à vinculação.
Porém, não só o enunciado sugere a maior importância dada ao conceito de salário mínimo pela atual Constituição como a sua própria posição aponta para a hierarquia das normas inscritas no texto do Diploma Maior. Os direitos sociais aparecem já nos primeiros artigos do texto constitucional e sob a rubrica de Direitos e Garantias Fundamentais, de que constituem o capítulo segundo, o capítulo primeiro se reserva aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. E o salário está posicionado no interior dos direitos sociais. Portanto, a posição do preceito nos primeiros movimentos intertextuais conta da enorme significação que o constituinte originário emprestou a esse direito cujo lugar no texto Maior é, ou deveria ser, indicativo ou conformativo de políticas públicas constitucionais, capazes de garantir esse programa social que embute o próprio conceito de salário mínimo e que é, sem dúvida, um dos mais importantes contributos da Constituição de 1988. A questão aqui, no caso específico do mínimo, se traduz ou se deve traduzir na eleição de meios legislativos e executivos para sua implementação, e é mais questão de política. A hermenêutica apenas comparece [01] para confirmar a inscrição desse programa político mínimo na Constituição e para confirmar que dele não se pode fugir.
A posição constitucional do salário mínimo destaca a sua natureza diretiva na formulação das políticas sociais do Estado e também para as formulações econômicas das políticas de Estado que visem ao fortalecimento do mercado interno e da consolidação do país como respeitável economia nacional capitalista. Eis por que esse comando da Constituição social é também importante comando da chamada constituição econômica. Pouco importa se ele lá está escrito ou não. Todavia, sua projeção é, deve ser e vai ser seguramente muito importante na Constituição econômica. E aqui se aplicaria com propriedade a afirmação de Canotilho (ibidem, p.467) segundo a qual "No Estado Democrático-Constitucional a direção política não só é heterônomo-negativamente vinculada, mas também heterônomo-positivamente determinada pelas normas e princípios da constituição." Ou ainda que "a dinâmica constitucional" exige "dinâmica política" (ibidem, p.463); o programa constitucional aponta para o "programa de governo" e para atos de direção político-programática.
Pensando naturalmente em uma Constituição que nasceu de uma ruptura democrática, como a portuguesa, com amplo respaldo da população2, o professor coimbrão diz já nas páginas finais de sua clássica obra: (ibidem, p. 465) "a definição dos fins do Estado não pode nem deve derivar autônoma e primariamente de vontade política do governo; os fins políticos supremos e as tarefas de uma república encontram-se normatizados na constituição." Em nossa Constituição, até pela precedência dos preceitos, que não é casual, a substância desses fins recai de forma inequívoca sobre os preceitos sociais e os direitos e garantias fundamentais. Aqui, portanto, a posição dos direitos sociais, e especialmente do salário mínimo na Constituição de 1988 é uma novidade com conseqüências políticas importantes para a ação do legislador e do Governo. Essa posição cobra com autoridade constitucional políticas de garantia do salário mínimo que devem propiciar-lhe reajustes periódicos e de forma permanente. O Poder Legislativo e o Poder Executivo devem ter sempre presente que é sua competência eleger os meios mais eficazes para garantir a implementação do programa constitucional do salário mínimo.
A Projeção do salário mínimo sobre a chamada Constituição Econômica
O salário mínimo é o direito social com maior projeção sobre a constituição econômica. É verdade que a compressão histórica da massa salarial no Brasil permitiria pelo aumento do mínimo e algumas políticas que lhe dessem sustentação a expansão do mercado interno. Era esse o projeto de Vargas e de Goulart, seu herdeiro (Bandeira, 1977, p. 15). Tratava-se também de criar um mercado interno, que começasse pela nomenclatura de produtos mais simples e ascendesse até à industrialização nacional do país, para nos remetermos à experiência do peronismo na Argentina. Esse projeto que sofreu os seus descaminhos políticos, com a industrialização à JK (Bandeira, 1977, p. 17) e depois com o golpe de 1964, que institucionalizou a repressão política e implantou o arrocho salarial, supunha o desenvolvimento rápido da nação e sua divisa, que permanece como projeto, pode ser lida com máxima clareza no enunciado seguinte do economista Celso Furtado (1983, p. 43): "Somente a orientação do desenvolvimento para padrões de consumo menos elitistas poderá viabilizar a obtenção de taxas razoavelmente altas de crescimento num contexto externo adverso" E continuava: " Em síntese, trata-se de recuperar a liberdade de ação, de reconstruir os instrumentos da política econômica, de redirecionar o modelo de desenvolvimento. A tarefa é evidentemente de enorme complexidade, mas ao alcance da capacidade técnica já existente no país.(...)". Esse projeto visaria em última instância à construção de uma sociedade capitalista de economia nacional, que seria a organização da produção em função das necessidades próprias da população que dela participa, segundo Caio Prado Junior (1974, p.270).
Evidentemente, o crescimento do salário mínimo em níveis qualitativos demandaria cada vez mais políticas ativas para a sua sustentação, aumentando a projeção desse salário sobre o conjunto da economia. Demais, o desenvolvimento da economia e os aumentos do salário mínimo terminam por engolir muitas faixas salariais, facilitando até por essa tendência à uniformização a grande produção.
Ataques ao conceito de salário mínimo
Do final da década de noventa do século passado até o início do primeiro Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o salário mínimo passou pelos ataques mais duros em sua história recente em nosso país. Pretendia-se não mais discutir esse ou outro percentual de aumento do mínimo, mas, e isso que é extraordinário, questionar de modo absoluto a eficácia de seus aumentos. Os pressupostos desses ataques são o recesso do movimento dos trabalhadores no Brasil, a hegemonia dos trabalhadores qualificados e mais remunerados (hegemonia atualmente em processo de erosão pelo aumento do capital constante e a diminuição dos postos mais remunerados) e a grande vaga neoliberal, que tem grande impulso com o colapso do sistema soviético. A desvinculação do salário mínimo, como conceito da constituição social, da constituição econômica é expressão perfeita desse período.
Com a ausência de hegemonia de forças políticas capazes de intervir em favor do chamado Estado nacional, o salário mínimo como realização de política econômica torna-se, desse modo, apenas uma impossibilidade. É por isso que o salário mínimo que a fez a glória de Vargas e que está diretamente ligado à queda de João Goulart do Ministério do Trabalho em 53(Ferreira, p.100) e da Presidência em 643, aparecerá naturalmente como uma formulação quimérica para os representantes mais conseqüentes das políticas neoliberais no Brasil e os economistas da nova vaga provarão por A mais B a ineficácia das políticas de resgate do mínimo. Esse tipo de formulação seria impossível na era de Vargas ou de João Goulart, e mesmo os que se empenharam na deposição de um e de outro jamais pensaram em recorrer a semelhantes argumentos. Até porque os efeitos das políticas de salário-mínimo estavam massivamente provados. Os coronéis que se insurgiram contra o mínimo não duvidavam do seu aumento, mas temiam os seus efeitos.
Eis por que temos de agregar aos pressupostos que tornaram possível a investida contra esse conceito central de nossa Constituição - o salário mínimo – também a prática contumaz de esquecimento da história, a ausência de memória. Já não se trata aqui de mera heauto-referência ao sujeito individual em que esse oblitera o que já afirmara ou escrevera, mas agora se desconhece simplesmente o que história mostra, esquece-se a experiência seminal do salário mínimo e o que ela significa para o nível geral de vida dos trabalhadores, para fração importante de empresários nacionais da indústria, do comércio e do campo. Esquece-se o que significa a política de salário mínimo de Vargas, de João Goulart, seu ministro, com a proposição de aumento de cem por cento, em 1953.
A nominalização do salário mínimo
Como se disse há pouco, a desvinculação da constituição social da constituição econômica é expressão do pensamento neoliberal e, naturalmente, onde mais conseqüente essa desvinculação, a concretização das políticas de salário mínimo só pode aparecer como uma quimera, mero exercício nominalista, eventualmente com fascínio eleitoral. Sem a implementação de políticas econômicas específicas não se podem concretizar políticas de salário mínimo. A esse propósito, cito ensaio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (2006, p.151), que ilustra com propriedade o que se acaba de dizer:
"Vou dar um exemplo pessoal, ocorrido na campanha da reeleição em 1998. Numa discussão de estratégia me levaram o seguinte slogan: ‘Quem venceu a inflação vai vencer o desemprego.’ Isso é mentira, porque vencer inflação é algo que depende realmente de atos de governo, e portanto você pode dizer que vai fazer um esforço para vencê-la, como acabamos vencendo. Mas o desemprego não dependia de mim como presidente. Resultado: pessoalmente nunca usei esse slogan, embora setores da campanha o usassem. Outro caso foi o salário mínimo, este na minha primeira campanha. Eu concordei em dizer que em quatro anos nós dobraríamos o salário-mínimo. Mas não disse, nem poderia dizer, que iria dobrar o salário mínimo real. Bom nós dobramos, mas dobramos o salário mínimo nominal. O salário real aumentou muito também, mas não na mesma medida. Sim, você pode saltar de 50 para 100, só que a questão verdadeira é saber qual o valor exato destes 100 em relação aos 50 de antes, em termos de efetivo pode de compra; se não for o dobro, é porque não dobrou em termos reais. É bem simples, portanto, basta não se iludir nem iludir a população."
A citação acima tem o mérito de exibir claramente a separação da constituição econômica da constituição social no neoliberalismo. Recordemos que Perón (1984, p.130) definia governar como criar empregos e a formulação do político brasileiro assume que as políticas de emprego não passam pela Presidência da República. Também esse assume que os anunciados aumentos do salário mínimo são meramente nominais. O que está claro nessa separação abismal entre o nominal e o real é que o neoliberalismo, em sua versão mais purista, não reconhece a programação econômica mesmo no quadro da limitada cesta de produtos e serviços referente ao salário mínimo no Brasil da atual quadra histórica.
De todo modo, vale a pena lembrar que, talvez porque se confiava no elemento meramente nominal do salário mínimo (ou dos números das famigeradas pesquisas), mensagem do Ministro da Fazenda em 27 de março de 2002, referente à Medida Provisória nº 35-A, de 2002, que dispunha sobre o aumento do mínimo a partir do 1º de abril daquele ano afirmava:
" o aumento do poder de compra assegurado ao salário mínimo, no governo de Vossa Excelência, é o mais expressivo dos últimos quarenta anos no Brasil e contribuiu, juntamente com a queda da inflação e o fim do imposto inflacionário, para que, nesse período, ocorresse significativa redução do número de pobres. Conforme estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, o nível de pobreza da população caiu de 41,7º% para 34%. Caso fossem excluídas as transferências de recursos feitas por intermédio do sistema previdenciário e assistencial, o nível de pobreza de 1999 seria de 45%. Ou seja, 18 milhões de pessoas vivem atualmente acima da linha de pobreza graças às políticas públicas de previdência e assistência social."
O IBGE, por sua vez, como se não se impressionasse com os números dos doutos estudos do IPEA revelava em maio de 2002 que a renda do trabalho caía pelo 15° mês consecutivo. O certo é que para sustentar o aumento real do salário mínimo seriam requeridas políticas públicas que não poderiam ter lugar no conseqüente receituário neoliberal que vigia no ano de 2002. A alternativa mais adequada teoricamente seria bombardear o conceito de salário mínimo, encontrar uma forma de esvaziar a sua substância constitucional, desvalorizando sua positiva projeção na constituição econômica4.
Tratava-se então de colocar objeções de fundo ao salário mínimo de modo exemplar. À pergunta - o salário mínimo é mesmo insuficiente para combater a pobreza e distribuir renda? – respondia-se acenando com o fantasma do desemprego e do aumento do custo de vida, acrescentava-se que o mercado informal tende a minimizar o impacto do mínimo e que o informalismo era uma das marcas do mercado de trabalho brasileiro. Também se poderiam alegar as dificuldades de avaliar o alcance do salário mínimo: "(Furtado, A. 1999, p. 57) Os efeitos do salário mínimo na distribuição de renda são mais difíceis de serem avaliados, na medida em que outros fatores de caráter estrutural podem atuar em sentido contrário. Os mercados de trabalho dos países desenvolvidos, especialmente aqueles que têm relações de trabalho mais flexíveis, têm apresentado uma tendência à ampliação das desigualdades sociais, cuja principal causa parece ser a mudança na demanda de trabalho na direção de trabalhadores com maior nível de qualificação. A política de salário mínimo pode fazer muito pouco para se contrapor a essa situação." 5
O argumento in casu parece ainda mais interessante, pois se desloca do problema brasileiro para uma nação desenvolvida e se conclui que em tal país o mínimo não pode fazer muito contra as desigualdades salariais. Enfim, o argumento se desloca do salário mínimo para uma espécie de salário único e então se conclui com decepção que o salário mínimo não produziu o salário único. De todo modo, o acento, dentro do mais puro neoliberalismo, é a incapacidade de se intervir positivamente no campo econômico em favor do salário mínimo ("A política de salário mínimo pode fazer muito pouco para se contrapor a essa situação.")
Embora as políticas de aumento do mínimo fossem condenadas, encontrava-se um lugar para defender a sua diminuição. O aumento seria ineficaz; a diminuição, não. Chegou-se assim à tese segundo a qual, havendo mais de um posto de trabalho ocupado pelos membros da família com o aumento da ocupação feminina, deveria se incorporar ao cálculo do salário mínimo esse dado. Desse modo, o valor do mínimo poderia ser dividida por dois.
O problema do impacto deficitário do salário mínimo sobre as contas da previdência também era lembrado, sem que se fizesse qualquer projeção sob a diminuição da informalidade, que aparecia quase sempre como um elemento da realidade, fora de qualquer horizonte de controle da sociedade política. Assim se sustentava que o aumento do mínimo e da contribuição previdenciária a ele vinculada não elidiria o problema de caixa da Previdência, porque o aumento alcançaria um grupo significativo, mas relativamente estreito de trabalhadores da ativa. Esse argumento esquece que aumentos realmente substanciais (o valor do mínimo, em abril de 2008, deveria estar em torno de R$ 1900,00 reais, segundo o DIEESE) incorporariam uma larga faixa de trabalhadores que se situa atualmente fora da faixa do salário mínimo. Na verdade, a grande diferença salarial entre categorias de trabalhadores apenas exibe a baixíssima qualidade do salário mínimo.
Consideremos, portanto, que o mínimo nos níveis postulados pelo DIEESE produziria uma unificação maior dos trabalhadores e permitiria uma unificação da data de reajuste, que tem previsão constitucional, e que é, atualmente, embaralhada pelos chamados mínimos regionais (Lei Complementar n° 103, de 14 de julho de 2000).
Em seis anos de governo do presidente Lula, o valor do mínimo foi elevado a ponto de hoje ser suficiente para comprar mais de duas cestas de alimentos. Isso significa que toda uma nomenclatura de novos itens foi aberta, além dos itens alimentícios. O trabalhador alcançou, portanto, novas faixas de consumo e a indústria expandiu a produção nessas mesma faixas. Demais, passou a fazer parte da agenda política discutir os reajustes do salário mínimo com as centrais sindicais. A despeito do aumento e do seu forte impacto, a política social e econômica permanece longe do imperativo constitucional e opera numa estreita margem de tal sorte que os fundamentos do modelo econômico seguem inalterados6 . Acresce que a pressão sobre o preço dos alimentos, advinda da chamada renda absoluta da terra, em época de comércio global de alimentos, pesa cada vez mais sobre os valores da cesta alimentar, ameaçando as conquistas referidas. A renda absoluta da terra é o sobrevalor que se destina aos proprietários produtores de alimentos ou de outras commodities, em razão de deterem a propriedade da terra, e que é dividido com os grandes grupos que fazem o comércio de tais commodities ou que produzem os seus insumos.
Agrava a pressão sobre o preço dos alimentos a ausência de zoneamento da produção agrícola7. Aqui a cultura de cana para produção de biocombustível termina por retirar de outras culturas largas áreas de terra. No caso brasileiro, vê-se também o desaparecimento de cinturões verdes de abastecimento das cidades. É conseqüência disso não apenas a redução de áreas destinadas à produção de alimentos, como também a necessidade de novos e maiores custos de transportes. Deve-se, porém, reconhecer que o fato de o salário mínimo hoje compor a agenda política é coisa importante, mesmo se se considera a necessidade de liberá-lo imediatamente de décadas de compressão para realizar o imperativo constitucional e fortalecer o mercado interno. Essa descompressão do arrocho histórico, pela implementação do mínimo do DIEESE, permitiria, portanto, que se alcançasse também a implementação do art. 219 da Constituição Federal:
"Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal."
TABELA DO DIEESE
Período |
Salário mínimo nominal |
Salário mínimo necessário |
2006 |
||
Abril |
R$ 350,00 |
R$ 1.536,96 |
Maio |
R$ 350,00 |
R$ 1.503,70 |
Junho |
R$ 350,00 |
R$ 1.447,58 |
Julho |
R$ 350,00 |
R$ 1.436,74 |
Agosto |
R$ 350,00 |
R$ 1.442,62 |
Setembro |
R$ 350,00 |
R$ 1.492,69 |
Outubro |
R$ 350,00 |
R$ 1.510,00 |
Novembro |
R$ 350,00 |
R$ 1.613,08 |
Dezembro |
R$ 350,00 |
R$ 1.564,52 |
2007 |
||
Janeiro |
R$ 350,00 |
R$ 1.565,61 |
Fevereiro |
R$ 350,00 |
R$ 1.562,25 |
Março |
R$ 350,00 |
R$ 1.620,89 |
Abril |
R$ 380,00 |
R$ 1.672,56 |
Maio |
R$ 380,00 |
R$ 1.620,64 |
Junho |
R$ 380,00 |
R$ 1.628,96 |
Julho |
R$ 380,00 |
R$ 1.688,35 |
Agosto |
R$ 380,00 |
R$ 1.733,88 |
Setembro |
R$ 380,00 |
R$ 1.737,16 |
Outubro |
R$ 380,00 |
R$ 1.797,56 |
Novembro |
R$ 380,00 |
R$ 1.726,24 |
Dezembro |
R$ 380,00 |
R$ 1.803,11 |
2008 |
||
Janeiro |
R$ 380,00 |
R$ 1.924,59 |
Fevereiro |
R$ 380,00 |
R$ 1.900,31 |
Março |
R$ 415,00 |
R$ 1.881,32 |
Abril |
R$ 415,00 |
R$ 1.918,12 |
Salário mínimo nominal: salário mínimo vigente.
Salário mínimo necessário: Salário mínimo de acordo com o preceito constitucional "salário mínimo fixado em lei, nacionalmente.