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A interpretação constitucional e o papel concretizador do Supremo Tribunal Federal

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Agenda 18/04/2009 às 00:00

Introdução

A Constituição é a base política de uma sociedade. Ela estabelece os princípios orientadores para formar a unidade política e contém os indicadores das tarefas do Estado. Contêm os procedimentos para regular os conflitos sociais. Cria as bases e determina os princípios que regulam a ordem jurídica como um todo.

Uma Constituição não pretende ser um sistema fechado e sem lacunas, seja porque pode querer deixar determinados assuntos, como da área econômica, abertos para a discussão, seja porque determinados temas são muito complexos para serem tratados, ou, ainda, porque se pretende deixar uma configuração aberta.

Assim, o texto constitucional deve permanecer inacabado, uma vez que se destina a regular as relações sociais que são mutáveis no decorrer do tempo, portanto seu conteúdo deve estar aberto para a interpretação no tempo e por meio dessa interpretação se alcançar a força normativa da Constituição.

O Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, no controle de constitucionalidade híbrido adotado no Brasil, quer seja tanto no difuso como no concentrado, por meio da interpretação constitucional, tem sido capaz de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, fator que modificou a visão clássica de legislador negativo, legitimando o juiz a atuar excepcionalmente como legislador positivo, por óbvio que não com a mesma amplitude do Poder Legislativo.

A legitimidade para os órgãos do Poder Judiciário exercerem essa atividade decorre do atual contexto da democracia participativa e de uma sociedade plural, nas quais a vontade do povo não é só a representada pelo sufrágio universal, porque, se assim o fosse, as minorias, que não têm votos suficientes para eleger seus representantes políticos, estariam à margem da garantia da efetiva aplicação dos direitos fundamentais.

Contudo, a Constituição estabelece os conceitos que são abertos e vincula a vida em sociedade às questões que não deve deixar vago, a exemplo das cláusulas pétreas e dos fundamentos da ordem social.

O núcleo fixo de uma Constituição é aquilo que não se discute, por isso mesmo não precisa de novos acordos e decisões, nem tampouco de interpretação. Toda Constituição deve ter esse núcleo estável e decidido.

Uma Constituição, através de um critério objetivo, cria os órgãos estatais e distribui suas tarefas e competências, a fim de cumprir adequadamente com sua missão. Coordena as diferentes funções umas com as outras, no intuito de se completarem e cooperarem mutuamente, bem como para evitar abuso de poder.

A decisão para as questões de regras abertas deve ser clara e compreensível, a fim de garantir a melhor solução possível. Para a abertura material diante de objetivos sociais diferentes, é necessária uma forma estável para a realização desses objetivos, alcançando, assim, os efeitos elástico e estabilizador essenciais a tal abertura.

Nesse viés, o Direito Constitucional cria regras de atuação e decisão política, sem contudo suprimir o espaço das forças políticas. Quando a Constituição só regula as grandes questões políticas, assim o faz para garantir a ampla liberdade das discussões políticas.

O objetivo de uma Constituição está exatamente em alcançar uma unidade estatal, dando forma a vida em comunidade e assegurando a continuidade, independentemente dos ocupantes dos órgãos públicos, conseguindo um efeito estabilizador. Uma vez entendido o papel da formação da unidade política e da atuação estatal, torna-se possível uma participação consciente nesse contexto.

A vigência real de uma Constituição não depende da vontade do constituinte, que foi eleito pelo povo para representar a vontade desse, e sim da força normativa que ela adquire. Por sua vez, a força normativa depende, em parte, da capacidade de realizar seu conteúdo, conforme se depreende dos ensinamentos de Konrad Hesse.

As disposições legais infraconstitucionais devem ser interpretadas conforme a Constituição, cabendo aos órgãos do Poder Judiciário, nas hipóteses em que diversas são as possibilidades de interpretação, extrair o sentido da norma que a compatibilize com o texto constitucional e, conseqüentemente, promovendo o máximo de seus valores.

É a essa atividade de controle de compatibilidade dos atos normativos com a Constituição que se denomina a chamada Jurisdição Constitucional.

O modelo de Estado Constitucional Democrático de Direito assumido pelo Brasil com a Constituição Federal de 1988 está delineando uma nova moldura ao Poder Judiciário, que deixa de ser apenas fiscal da implementação do programa das políticas sociais constantes do texto constitucional, nos termos da teoria da Constituição dirigente, para assumir um papel concretizador das normas constitucionais, por meio da interpretação constitucional.

É diante dessa nova era do constitucionalismo contemporâneo que se destaca o papel do processo interpretativo e conseqüente fortalecimento da jurisdição constitucional, que se pretende traçar algumas considerações neste artigo.


2. Interpretação e hermenêutica constitucional

Inicialmente é importante estabelecer doutrinariamente a diferença terminológica entre hermenêutica jurídica e interpretação constitucional, considerando que o cerne do tema em pauta é o processo de elucidação de sentidos do texto constitucional, e assim leciona a professora Christine Oliveira Peter Silva [01]

A interpretação de qualquer norma jurídica é uma atividade intelectual que tem por finalidade precípua fixar o sentido da norma e tornar possível a aplicação dos enunciados normativos, necessariamente abstratos e gerais, a situações da vida, naturalmente particulares e concretas. Já a hermenêutica jurídica apresenta-se como o ramo da ciência dedicado ao estudo e à determinação das regras que devem presidir o processo interpretativo de busca do significado da lei, e não a sua aplicação ou a busca efetiva do seu significado para o caso concreto.

Depreende-se, portanto, que cabe à hermenêutica o papel de estabelecer os parâmetros do processo interpretativo, fixando para tanto regras, a fim de racionalizar a atividade interpretativo-concretizadora, e exigir do intérprete atenção a alguns princípios interpretativos fundamentais.

A compreensão da experiência normativa como um processo, diante da correlação entre ato normativo e ato hermenêutico, sua completariedade e o constante dinamismo ocorrente em uma sociedade plural, levam a uma nova visão da hermenêutica jurídica, na qual os tradicionais métodos e critérios de interpretação atrelados à estrita literalidade da lei não são suficientes para resolver os casos levados ao judiciário em busca de uma solução.

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O jurista Miguel Reale parte para uma interpretação estrutural da experiência jurídica, abrangendo em sua análise as correntes jurídicas do ponto de vista da procura por uma resposta ao problema lançado, reproduzidas pelo professor Inocêncio Mártires Coelho, [02] e, por ser fundamental para o desenrolar do tema proposto, passa-se a transcrever:

- a interpretação das normas jurídicas tem sempre caráter unitário, devendo as suas diversas formas ser consideradas momentos necessários de uma unidade de compreensão (unidade do processo hermenêutico);

- toda interpretação jurídica é de natureza axiológica, isto é, pressupõe valoração objetivada nas proposições normativas (natureza axiológica do ato interpretativo);

- toda interpretação jurídica dá-se necessariamente num contexto, isto é, em função da estrutura global do ordenamento (natureza integrada do ato interpretativo);

- nenhuma interpretação jurídica pode extrapolar da estrutura objetiva resultante da significação unitária e congruente dos modelos jurídicos positivos (limites objetivos do processo hermenêutico);

- toda interpretação é condicionada pelas mutações históricas do sistema, implicando tanto a intencionalidade originária do legislador quanto às exigências fáticas e axiológicas supervenientes, numa compreensão global, ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva (natureza histórico-concreta do ato interpretativo);

- a interpretação jurídica tem como pressuposto a recepção dos modelos jurídicos como entidades lógicas, isto é, válidos segundo exigências racionais, ainda que a sua gênese possa revelar a presença de fatores alógicos (natureza racional do ato interpretativo);

- a interpretação dos modelos jurídicos não pode obedecer a puros critérios de lógica formal, nem se reduzir a uma análise lingüística, devendo desenvolver-se segundo exigências da razão histórica entendida como razão problemática (problematicismo e razoabilidade do processo hermenêutico);

- sempre que possível conciliá-lo com as normas superiores do ordenamento jurídico, deve preservar-se a existência do modelo jurídico (natureza econômica do processo hermenêutico);

- entre várias interpretações possíveis, optar por aquela que mais compreenda aos valores éticos da pessoa e da convivência social (destinação ética do processo interpretativo);

- compreensão da interpretação como elemento constitutivo da visão global do mundo e da vida, em cujas coordenadas se situa o quadro normativo objeto de exegese (globalidade de sentido do processo hermenêutico).

A interpretação constitucional em sentido estrito é necessária e permanece vigente, contudo se apresenta como um problema toda vez que se busca uma resposta a uma pergunta à Constituição, para a qual não se tem uma solução conclusiva.

Onde não há qualquer dúvida, não se interpreta, e muitas vezes não há que se fazer qualquer interpretação. Não é toda norma constitucional que é interpretada, contudo a que é interpretada está sempre atualizada.

Para o Direito Constitucional a importância da interpretação é fundamental porque, dado o caráter aberto e amplo da Constituição, os problemas de interpretação surgem com maior freqüência do que nos outros setores do ordenamento jurídico, cujas normas são mais detalhadas.

A importância da interpretação constitucional aumenta quando o Supremo Tribunal Federal, através da jurisdição constitucional, tem amplos poderes para essa tarefa, inclusive a decisão respectiva com força vinculante, não só para as partes vinculadas ao caso, mas também para todos os órgãos dos demais poderes. A idéia que origina e legitima essa vinculação é a de que todos devem observância à Constituição, bem como as decisões deverão refletir o conteúdo da Constituição.

A missão da interpretação constitucional é a de encontrar um resultado correto, através de um procedimento racional e controlável, e é fundamental que o resultado também seja racional e controlável, para que desse modo se tenha certeza e segurança jurídica, e não ao acaso, um simples decidir por decidir.

As regras de interpretação normalmente levam a revelar a vontade objetiva da norma, ou a vontade subjetiva do legislador, mediante a análise do texto, assim como suas conexões com o sistema e seus antecedentes, e ao final o sentido e finalidade da norma. Obtido o conteúdo da norma, será aplicada a conclusão ao caso concreto que foi levado a decidir.

Para a Teoria Objetiva, o fundamental para interpretar uma norma é a vontade objetiva do legislador manifestada através do texto legal, tal como se deduz do texto e do contexto da disposição legal. Não é importante a idéia subjetiva do legislador e dos órgãos que participam do processo legislativo acerca do significado da disposição.

Essa forma de interpretação parte da análise do texto (gramatical), da conexão (sistêmica), da finalidade (teleológica) e de seu processo de criação (interpretação histórica), no curso da qual esses elementos de interpretação se apóiam e se completam mutuamente.

No entanto, uma rápida análise mostra que essa teoria por si só ja não atende à complexidade do mundo contemporâneo, porque o objetivo da interpretação está em descobrir tanto a vontade objetiva como a subjetiva preexistente na Constituição. Podemos considerar que a Constituição não contém um critério inequívoco, mas sim vários pontos de partida para chegar ao sentido da norma constitucional e caberá ao intérprete essa importante tarefa.


3. A Constituição escrita: rigidez e mobilidade

Konrad Hesse (1983) tem na sua obra "Escritos de Derecho Constitucional" o propósito de trazer uma compreensão da Constituição em seu conjunto. Hesse ressalta a importância da compreensão prévia do que é a Constituição, para entender o Direito Constitucional vigente, seus problemas e, a partir daí, tentar encontrar respostas adequadas.

Para a Teoria do Direito Constitucional não é suficiente um conceito abstrato de Constituição, porque não se pode deixar de lado as peculiaridades de tempo e lugar, o que resultaria num conceito vazio de conteúdo, e por essa razão incapaz de fundamentar uma compreensão passível de fornecer soluções dos problemas constitucionais práticos, surgidos aqui e agora.

Assim, a Teoria do Direito Constitucional não passa de um início de explicações de conceito e características da Constituição, sem chegar a alcançar um consenso, uma opinião dominante.

As limitações de interpretação da Constituição pela Corte Constitucional são caracterizadas pela sua compreensão não formal e sim de conteúdo, assim a Constituição é concebida como uma unidade material. Esses conteúdos são muitas vezes qualificados como seus valores fundamentais, prévios ao ordenamento positivo, contudo recebem as tradições da democracia parlamentar liberal, oriunda do Estado de Direito Liberal, bem como a incorporação de novos princípios, portanto são apenas ideologicamente neutros.

O que parece estar a se buscar, da análise da teoria de Hesse, são os efeitos estabilizadores e racionalizadores, os quais são potencializados em uma Constituição escrita, para tanto o que está escrito deve ser claro e buscar segurança jurídica.

É preciso que o texto constitucional consiga ser interpretado pelo homem médio, limitando as possibilidades de entendimento, com diretrizes firmes de referência, para então alcançar os efeitos pretendidos, bem como a unidade da Constituição.

A Constituição representada por um documento escrito não a converte em um sistema fechado, sem lacunas, ao contrário, ela será completada pelo direito constitucional não escrito, a interpretação vai se desenvolver e se aperfeiçoar através de seus princípios.

A função de uma Constituição escrita está em impedir que o Direito Constitucional escrito invoque por um Direito Constitucional não escrito.

Da Constituição escrita se origina necessariamente legalidade, contudo nem sempre legitimidade, apesar que por trás da legalidade, muitas vezes há um elemento esquecido de legitimidade. Além do que, a sua legitimidade se dá pelo acordo do conteúdo e sua observância.

Da dialética de uma Constituição abranger conceitos abertos e de outra parte conter dispositivos vinculantes, bem como da coordenação entre esses dois elementos, resulta a possibilidade dela cumprir com sua missão.

Só através dessa característica de abertura, acrescida do efeito vinculante de seus preceitos, é possível o desenvolvimento constante, capaz de preservar a vida social das mudanças incontroláveis. A virtude estabilizadora dos preceitos vinculantes de uma Constituição é a única com força para preservar a vida em sociedade dessas constantes mudanças que ocorrem fora do Direito.

Entretanto, as mudanças não devem comprometer a estabilidade da constituição, caso contrário não será cumprida a missão da Constituição como a ordem fundamental de uma sociedade.

Em segundo plano está a questão da rigidez constitucional e sua possibilidade de modificação, porque a revisão só é possível onde a amplitude e abertura do texto não são capazes de dar as respostas a um problema surgido numa determinada situação.

Finalmente, a revisão constitucional deve ser diferenciada da mutação constitucional. O problema da revisão começa quando termina as possibilidades de mutação. Uma Constituição que tem pouco espaço para mutação, pode ser qualificada como rígida.

A situação não é melhor quando uma Constituição não deixa espaço para mutação, possibilitando sua modificação em qualquer situação e sem maiores obstáculos, sendo então qualificada como móvel, porque deixa de cumprir com sua função essencial estabilizadora.

Atende-se o objetivo da Constituição quando se consegue equilibrar o espaço para mutação constitucional nos limites do texto, impondo-se critérios para a reforma constitucional. A harmonia entre esses dois fatores, essa elasticidade, traz estabilidade à Constituição.

Pode-se dizer ainda que o conteúdo programático é parte integrante do conteúdo normativo.

Dessas singularidades, conclui-se que o âmbito normativo está sujeito às mudanças históricas e o resultado desse fenômeno é que a norma pode mudar de sentido, apesar do texto permanecer idêntico, o que decorre numa mutação constitucional constante, não que seja fácil perceber esse processo acontecendo.

Contudo, as possibilidades dessa chamada mutação constitucional são limitadas, porque a realização das normas constitucionais tem que ser conforme as diretrizes que implementaram tal norma. Donde decorre a justificação para a diferença entre Direito Constitucional e realidade constitucional.

O que não significa dizer que não pode haver na vida em sociedade situações que vão contra à Constituição, contudo deve ser feito o possível para evitar ou acabar com uma realidade inconstitucional.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado importante missão no sentido de aproximar o cidadão da participação na elucidação do sentido da norma constitucional e na viabilização de vivenciar os preceitos nela contidos.


4. A atuação do Supremo Tribunal Federal: julgamento do Mandado de Injunção 712 – Direito de greve dos servidores públicos

O Mandado de Injunção é um dos mecanismos que tem se mostrado cada vez mais presente diante da tarefa do Supremo Tribunal Federal de viabilizar a efetivação e fruição dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos na nossa Constituição de 1988.

O art. 37, inciso VII da Constituição do Brasil, que diz respeito ao direito de greve do servidor público, remete a matéria à definição por meio de lei específica, estando assim provido de eficácia limitada até a edição de ato do legislativo, o que levou a diversos ajuizamentos de mandados de injunção.

A situação se estabeleceu diante da ausência de lei que regulamente o direito de greve no setor público e o Supremo Tribunal Federal, por provocação, decidiu, em 25 de outubro de 2007, declarar a omissão do Congresso Nacional em legislar acerca do exercício do direito de greve pelos servidores públicos e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº 7.783/89).

A decisão tomada no Mandado de Injunção 712 tem grande importância para o cenário da jurisdição constitucional, uma vez que o STF ao contrário de somente comunicar a mora ao Congresso, assumiu uma postura ativa e decidiu suprir provisoriamente a lacuna legislativa e aplicar à hipótese a Lei 7.783/89, que se refere aos trabalhadores celetistas, determinando, em suma, que o servidor que desrespeitar a legislação pode ter o ponto e o pagamento cortados referente aos dias não trabalhados.

O art. 5º, LXXI, da Constituição, previu expressamente a possibilidade de concessão do mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Da leitura dos votos proferidos no acórdão do Mandado de Injunção em tela, se afere a preocupação dos ministros do STF em não protagonizar o papel de legislador positivo, função primordialmente destinada ao Congresso Nacional. Contudo, também se debatem diante da questão de não apreciar direito fundamental ainda não regulamentado por aquele órgão, cuja lacuna torna inviável o exercício de determinados direitos pendentes de legislação.

O quadro de greves em setores públicos cruciais no Brasil, deflagrado a partir do caos aéreo, sem qualquer controle jurídico e gerando insegurança a toda a sociedade, parece ter sido a mola propulsora para que o Tribunal assumisse sim uma postura ativista no julgamento.

O Ministro Gilmar sustentou em seu voto que a manutenção de situações como essas sem qualquer decisão por parte da Corte Constitucional, gerando conseqüências para o próprio Estado de Direito, deslegitima qualquer justificativa para a inércia legislativa. E nessa linha, defendeu a postura excepcional de legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que, assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. Nos seguintes termos:

Evidentemente, não se outorga ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição ou não da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderá deixar de reconhecer o direito previamente definido na Constituição. Identifica-se, pois, aqui a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina.

Defendeu o Ministro Gilmar Mendes que, diante da reiterada conduta omissiva do Legislativo sob um determinado assunto, referindo-se aqui aos anteriores mandados de injunção julgados sobre a matéria de greve, não só é passível, como deve ser submetida à apreciação do Judiciário de forma a garantir, minimamente, direitos constitucionais reconhecidos, ainda que por meio de uma conduta positivo legislativa do Tribunal, aplicando-se a norma ao caso concreto.

O Ministro Eros Grau também levantou o paralelo entre verificar se tem sido eficaz o Supremo Tribunal Federal emitir decisões solicitando ao Poder Legislativo que preencha a mora legislativa, ou se está a se fazer necessário emitir decisões que efetivamente supram, ainda que provisoriamente, a já referida omissão, caindo novamente na questão de se a Corte tem legitimidade para legislar, ainda que de maneira contida, ou se essa situação estaria a ferir a separação dos poderes.

Para tanto o ministro Eros Grau trouxe à tona a classificação tradicional da divisão das funções estatais, consistentes na legislativa, de produção das normas jurídicas, na executiva, de execução das normas, e na jurisdicional, de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. Acrescenta o Ministro que não há que se falar em agressão à separação dos poderes, porque é a Constituição que institui o mandado de injunção e acaba por oportunizar ao Judiciário o dever poder de, através desse instrumento, formular supletivamente a norma regulamentadora omissa.

Portanto, embora precípua do Legislativo a função normativa, parece indiscutível que o Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma, uma vez que formula, por meio da interpretação, a solução com força normativa ao caso concreto, tal qual ocorre com a súmula vinculante, que após editada, atua como texto normativo a ser novamente interpretado e aplicado.

Importante levantar o sentido do papel do Supremo como guardião da Constituição, o qual inclui toda afronta ao texto e a função precípua de concretizador dos direitos fundamentais, onde se encaixa o comportamento negativo de qualquer dos poderes constituídos, e o Congresso Nacional ao deixar de editar normas regulamentadoras para tornar eficaz o texto da lei, também está a ferir o exercício pleno de direitos, liberdades e prerrogativas assegurados a todos.

Concluindo a questão do mandado de injunção, o Poder Judiciário não define norma de decisão, o STF produz a norma regulamentadora provisória, definindo as medidas que devem ser tomadas e que faltavam para tornar viável no caso o exercício do direito de greve dos servidores públicos, o que pode a vir ocorrer em outras situações que vierem a ser levadas à Corte, diante do modelo que vem se adotando no Brasil.

Sobre a autora
Janete Ricken Lopes de Barros

bacharel em Direito, analista judiciário, Diretora da Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante/DF, pós-graduada em Processo Civil pelo IDP, mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Janete Ricken Lopes. A interpretação constitucional e o papel concretizador do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2117, 18 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12647. Acesso em: 27 dez. 2024.

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