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Lei de Diretrizes e Bases da Educação, novo ENEM e a inclusão do ensino jurídico nos currículos escolares

Agenda 27/04/2009 às 00:00

1. Introdução.

Não fosse a sede midiática por violência, escândalos e crise internacional, seria possível à população brasileira saber que, no ano passado, a Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação — LDB) foi bastante alterada. Ao todo, quatro novos diplomas normativos — Leis 11.645/08, 11.684/08, 11.741/08 e 11.769/08 — incluíram no currículo oficial brasileiro a obrigatoriedade do ensino da música, das disciplinas "Filosofia" e "Sociologia", bem como da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".

Se é certo que as novidades legislativas têm um respaldo pedagógico positivo, mais inarredável é a necessidade da inclusão da disciplina "Noções Básicas de Direito e Cidadania" nos currículos da educação básica brasileira.

Esse posicionamento mostra-se calcado em três pilares: a permissão legal, o novo ENEM e a redistribuição da carga-horária escolar.


2. Permissão Legal.

Não há como fugir, na construção de uma argumentação jurídica, da análise dos valores constitucionais. Nesse sentido, a difusão do saber jurídico no ensino médio, ainda que incipiente, seria um passo vanguardista, apto a despertar consciência e maturidade do papel dos educandos na sociedade. Nada menos, então, que uma atuação cidadã [01].

Tal postura cidadã converge à regra-geral educacional inserida na Constituição Federal, qual seja, o Art. 205, in verbis:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (grifo nosso).

É nessa perspectiva, pois, que a inserção da disciplina "Noções Básicas de Direito e Cidadania", seria um paradigma na construção de uma sociedade livre, justa e solidária [02], objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.

Pormenorizando a Lei Maior, a LDB dispõe que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, ressaltando que a educação escolar deverá se vincular ao mundo do trabalho e à prática social [03].

Além disso, traz como princípios do ensino [04] a valorização da experiência extra-escolar, o respeito à liberdade, a tolerância e a vinculação da educação escolar às práticas sociais. A aplicação dessas diretrizes em sala de aula deveria passar, inevitavelmente, pelo contato com a Constituição, instrumento garantidor de direitos como a liberdade e a igualdade.

Para que o ensino jurídico se concretize em vias secundaristas, dispensam-se alterações legislativas. Seriam estas, em verdade, mera faculdade, uma vez que já há permissividade legal para tanto, não obstante genérica, na própria LDB:

Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil (grifo nosso).

Largos passos da realidade social e política brasileira estão marcados nas normas constitucionais. Os valores da República, a isonomia, os direitos políticos, a possibilidade da participação popular no processo legislativo, os princípios administrativos, a proteção do meio ambiente e um sem-número de conhecimentos básicos precisam ser compartilhados com o país através do processo educacional básico. Isso se deve à universalidade dos temas tratados, ao despertar da conscientização e à conseqüente materialização do valor cidadania.

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3. O Novo ENEM.

A atual discussão sobre o novo ENEM, sucessor dos vestibulares tradicionais, abre, sobremaneira, as portas para a inserção do aprendizado jurídico na educação básica.

A razão para isso é que, atualmente, a definição do programa disciplinar escolar é feito em consonância com o que é cobrado pelas instituições de ensino superior em sede de exame vestibular. Decorrentemente, as escolas hesitam em "ocupar o tempo" dos educandos com conteúdos estranhos aos cobrados praticamente em um único período da vida do aluno: o de aplicação de provas.

Trata-se de um absurdo recentemente reconhecido pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, nas seguintes palavras: "Hoje o vestibular desorienta mais do que orienta a organização curricular do ensino médio". Segundo o ministro, os atuais processos seletivos privilegiam a memorização excessiva de conteúdos e tornam a passagem da educação básica para a superior "estressante e traumática" [05].


4. Redistribuindo a Carga Horária Escolar.

A fim de sanar a problemática posta, incluindo de uma vez por todas a disciplina "Noções Básicas de Direito e Cidadania" nos currículos escolares, a carga horária não precisaria ser aumentada, mas somente redistribuída de modo que as disciplinas específicas fossem cobradas de maneira mais qualitativa e menos quantitativa.

A depender da futura atuação profissional do educando, certos conhecimentos excessivos mostram-se completamente dispensáveis.

Comprando todo o risco de opinar em áreas técnicas alheias, entendo que, com a exceção do português — que deve exigir vasto aprofundamento —, esse raciocínio se aplica a todas as disciplinas corriqueiramente ministradas no ensino médio.

Em Física, por exemplo, parecem-me importantes noções como as de que a velocidade da luz é absoluta, dois corpos não podem ocupar simultaneamente o mesmo lugar no tempo-espaço, ótica, entre diversas outras. Exagerado é se exigir do aluno que saiba qual é a carga de um elétron, que explique as equações que regem as correntes de Foucault ou detalhes de física moderna, como o átomo de Bohr.

Admitindo mea culpa, tenho a impressão de que muitos dos juristas que venham a ler este artigo sequer lembrarão quem foi Bohr. Alguns devem ter idéia do que é um átomo, outros poucos de como é a estrutura um átomo. Quantos lembram a carga do elétron? E elétron tem a ver com átomo? Sim, tem...

Esse exercício, quase jocoso, tem como objetivo responder a seguinte questão: o que é mais importante para a sociedade brasileira? Que todos os seus estudantes saibam que a carga de um elétron é 1,6 x 10-19 C ou que, ao invés disso, aprendam que não podem ser submetidos a tratamento desumano ou degradante, ensinando-lhes os meios de garantir tais direitos?

A resposta se faz desnecessária.

O ensino também deve ter o seu viés de proporcionalidade. É perfeitamente aplicável aos currículos escolares o binômio necessidade-utilidade. O conteúdo deve ser necessário para aquela fase estudantil, onde não se sabe qual caminho profissional será seguido pelo educando, impondo-se que tome consciência de sua posição enquanto parte do Estado.

No mesmo sentido, deve ser útil, na medida de sua aplicabilidade, por exemplo, em Juizados Especiais ou exercendo os direitos políticos.


5. Considerações Finais.

Ante o exposto, verifica-se que há, no Brasil, momento propício à institucionalização da disciplina "Noções Básicas de Direito e Cidadania" em vias secundaristas, não havendo amarras legais impeditivas desse desiderato.

A consecução desse fim pode ser feita através do novo ENEM, proposta substitutiva aos atuais vestibulares, bastando que este exija, em lugar da memorização excessiva de fórmulas ou de especificidades exageradas, a compreensão de temas jurídicos indispensáveis à formação do indivíduo enquanto cidadão, consciente e apto a intervir socialmente em busca dos valores constitucionais, independentemente de sua futura formação profissional.

A fim de compatibilizar o ensino jurídico com as disciplinas tradicionais, impõe-se uma completa revisão pedagógica da necessidade-utilidade de seus conteúdos, de modo a criar agentes pensantes, e não meros depósitos ambulantes de informação inaplicável.


Notas

  1. Como se sabe, a cidadania é fundamento da República (CF, Art.1º, II). Neste ensaio, a todo o tempo, utiliza-se o conceito lato de cidadania, isto é, o reconhecimento dos indivíduos como pessoas integradas na sociedade, conforme anota José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, 24. ed., p. 104.
  2. Constituição Federal, Art. 3º, I.
  3. Art. 1º.
  4. Art. 3º.
  5. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12835:haddad-apresenta-novo-modelo-de-ingresso-ao-ensino-superior&catid=212>. Acesso em 22.04.2009.
Sobre o autor
Marcelo Lauar Leite

Advogado. Professor Universitário. Doutorando em Ciências Jurídico-Empresariais (Universidade de Coimbra). Mestre em Direito (UFRN). Bacharel em Direito (UFRN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Marcelo Lauar. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, novo ENEM e a inclusão do ensino jurídico nos currículos escolares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2126, 27 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12709. Acesso em: 22 dez. 2024.

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