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As comissões parlamentares de inquérito e o II Pacto Republicano

Agenda 02/05/2009 às 00:00

Dia 13 de abril de 2009 ocorreu, em Brasília, a cerimônia de assinatura do II Pacto Republicano de Estado. Lançaram suas assinaturas o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o Presidente do Congresso Nacional, José Sarney (PMDB/AP), o Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Michel Temer (PMDB/SP) e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes.

O Anexo ao Pacto trouxe as matérias prioritárias a serem conduzidas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O item 1 trata da "Proteção dos Direitos Humanos e Fundamentais". O item 1.3 deste tópico cuida da "Atualização da disciplina legal das Comissões Parlamentares de Inquérito".

O Pacto, portanto, trouxe ao debate público um tema delicado que, pela sua relevância, necessita, de fato, de uma atualização.

As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) consagram uma função típica do Poder Legislativo, a de fiscalizar por meio de um controle político-administrativo.

São comissões temporárias, criadas pela Câmara, pelo Senado ou pelo Congresso, para investigar, por prazo certo, fato determinado de interesse público.

Trata-se de procedimento autônomo, sendo possível a investigação de fato que venha sendo investigado pela polícia. Por outro lado, não pode a Comissão investigar fatos de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Também não pode se voltar ao mérito de decisão judicial.

O regramento sobre CPI tem índole constitucional e infraconstitucional.

Na Constituição Federal, dá-se por meio do art. 58, § 3º [01].

Na esfera infraconstitucional temos: Lei nº 1.579, de 1952 (Dispõe sobre as CPIs), Lei nº 1.001, de 2000 (Dispõe sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público e por outros órgãos a respeito das conclusões das CPIs), Lei Complementar nº 105, de 2001 (Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências) e os Regimentos Internos do Congresso, da Câmara e do Senado.

Para se criar uma CPI é necessário o requerimento de 1/3 dos membros da Casa (pelo menos 171 deputados ou 27 senadores), a indicação de fato determinado a ser investigado e a fixação de prazo para o encerramento dos trabalhos.

Esse prazo é o de 120 dias, prorrogável por até 60, mediante deliberação do Plenário, sendo possível sucessivas prorrogações, desde que na mesma legislatura.

É possível que a Comissão funcione em recesso parlamentar [02].

A criação ocorre com a apresentação do requerimento ao Presidente da Casa Legislativa, sem necessidade de deliberação plenária. O requerimento é numerado, lido e publicado com efeito declaratório. O regimento da Casa Legislativa pode vedar a criação de mais de cinco CPIs simultâneas [03].

A Comissão só trata de fato voltado ao interesse público. Contudo, pode cuidar de negócio privado, desde traga repercussão de interesse público.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou um rol de direitos àqueles convocados para depor em CPI.

A Comissão pode convocar particulares e autoridades públicas para depor, na condição de testemunha ou como investigados.

É garantido o direito de ser assistido por um advogado, bem como o de recorrer ao Poder Judiciário em caso de abuso: "as comissões parlamentares de inquérito detêm o poder instrutório das autoridades judiciais — e não maior que o dessas — de modo que a elas se poderão opor os mesmos limites formais e substanciais oponíveis aos juízes, dentre os quais os derivados de direitos e garantias constitucionais." (HC 80.240, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.10.05).

Caso o depoente busque socorro junto ao Poder Judiciário, o órgão competente é o STF. A autoridade coatora é o Presidente da CPI. O Supremo rejeita a impetração de habeas corpus ou mandado de segurança que aponte, como autoridade coatora, o Presidente de alguma das Casas Legislativas.

É garantido o direito de permanecer calado.

O fato de ser testemunha não afasta o direito ao silêncio, mesmo com o compromisso de dizer a verdade, sempre que a resposta à pergunta, a critério dele ou de seu advogado, possa atingir à garantia de não auto-incriminação.

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O depoente tem direito ao sigilo profissional, devendo comparecer à CPI.

Os indivíduos não estarão obrigados a prestar informações sobre assunto não conexo com o fato apontado como motivador da criação da Comissão. Contudo, ela pode investigar mais de um fato determinado. Também é possível surgir fatos conexos ao fato determinado ou fatos desconhecidos. Nesse caso, para o prosseguimento regular da investigação basta que seja feito um aditamento do objeto inicial da CPI.

Os parlamentares têm o dever de tratar o depoente de forma urbana e respeitosa [04]. Contudo, o STF não tem afastado o caráter público que deve ter a investigação: "Não aparentam caracterizar abuso de exposição da imagem pessoal na mídia, a transmissão e a gravação de sessão em que se toma depoimento de indiciado, em Comissão Parlamentar de Inquérito". (MS 24.832-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 18.08.060).

Testemunhas e investigados devem ser convocados pelas regras do Código de Processo Penal: "não é viável a intimação por via postal ou por via de comunicação telefônica, pois ela deve ser feita pessoalmente". (HC 71.421, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 3.05.1994). Uma interessante situação ocorreu em relação à convocação de esposa de investigado. O STF se posicionou da seguinte forma:

Renilda Souza deve atender à convocação da CPMI, nos dias e horas marcados, mas não é obrigada a assinar o compromisso de dizer a verdade. No entanto, ela deverá responder a todas as perguntas que lhe forem formuladas. De acordo com o Código de Processo Penal Brasileiro (artigos 203, 206 e 208 combinados), a testemunha não pode se eximir da obrigação de depor, mas, sendo cônjuge de um dos investigados, não é obrigada a firmar o compromisso de dizer a verdade. HC nº 86.355, Rel. Min. Nelson Jobim.

É permitida a utilização da polícia judiciária para localizar testemunha e, em caso de recusa ao comparecimento, determinar a condução coercitiva.

Há uma curiosa questão quanto aos índios.

É possível se investigar integrante da população indígena; entretanto, o índio poderá ser ouvido somente no âmbito da área indígena, em dia e hora previamente acordados com a comunidade, e com a presença de representantes da FUNAI e de um antropólogo com conhecimento da mesma comunidade.

Os privilégios de que gozam certas autoridades de, no processo penal, marcar dia e hora para serem inquiridos, também devem ser observados (HC-MC 80.153, DJ 9.5.2000, Rel. Min. Maurício Corrêa).

Os membros da Comissão podem se deslocar para a realização de investigações e audiências públicas e estipular prazo para o atendimento de qualquer providência. É possível convocar à Brasília quem não reside na Capital. Nesse caso, "os custos de tal deslocamento devem ocorrer por conta do órgão que convocou" (HC-MC 87.230, DJ 28.11.2005, Rel. Min. Joaquim Barbosa - decisão monocrática).

A CPI e seus membros não poderão conferir publicidade aos dados sigilosos obtidos em razão das investigações de sua competência, mas poderá usá-los em sessão reservada, cuja presença seja limitada a seus membros, ao ora impetrante e a seu defensor.

Pode-se determinar diligência, perícia e exames, requisitar informações e buscar todos os meios de prova legalmente admitidos. Também determinar busca e apreensão de documentos, desde que não implique em violação ao domicílio. A Comissão pode se auxiliar do Tribunal de Contas da União para realização de inspeções e auditorias.

A CPI pode ordenar a quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico do investigado. Entretanto, isso não quer dizer que fora dada uma carta em branco para a Comissão. Vejamos abaixo posição do STF a respeito:

(...) A quebra de sigilo não pode ser utilizada como instrumento de devassa indiscriminada, sob pena de ofensa à garantia constitucional da intimidade. A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta. A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa —, quando ausente a hipótese configuradora de causa provável —, revela-se incompatível com o modelo consagrado na Constituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. MS 23.851, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 21-6-02.

As decisões que restringirem direitos devem ser previamente fundamentadas, limitadas no tempo e tomadas por maioria absoluta de seus membros [05]. Abaixo, trazemos posição relevante sobre este ponto:

A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fundada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República. Precedentes. Doutrina. O controle jurisdicional de abusos praticados por comissão parlamentar de inquérito não ofende o princípio da separação de poderes. O Supremo Tribunal Federal, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, neutralizando, desse modo, abusos cometidos por Comissão Parlamentar de Inquérito, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, nesse contexto, porque vocacionado a fazer prevalecer a autoridade da Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Doutrina. Precedentes. MS 25.668, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 4.8.06.

As Comissões não podem determinar qualquer espécie de prisão.

Não pode determinar medidas cautelares de ordem penal ou civil. Ex: prisões preventivas, prisões temporárias, indisponibilidade de bens, arresto, sequestro, hipoteca judiciária, proibição de ausentar-se do país ou da comarca. Abaixo, temos uma importante decisão:

Comissão Parlamentar de Inquérito: ´´poderes de investigação próprios das autoridades judiciais: inteligência: liminar deferida para sustar os efeitos de decisão da CPI que decretou indisponibilidade de bens e a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de cidadão sujeito à investigação: fundamentos." MS 23.466-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 6-4-01. CPI´s e a indisponibilidade de bens. "Incompetência da Comissão Parlamentar de Inquérito para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução — a cujo âmbito se restringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3º mas de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao Juiz competente para proferi-la. Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos que, ainda quando se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de CPI — porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que resguarda outras garantias constitucionais —, há de ser adequadamente fundamentada: aplicação no exercício pela CPI dos poderes instrutórios das autoridades judiciárias da exigência de motivação do art. 93, IX, da Constituição da República. MS 23.480, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15-9-00.

Por fim, CPI não pode anular ato do Poder Executivo.

Após os trabalhos da Comissão, é chegada a hora da sua conclusão.

Em caso de ilícito, o relatório é encaminhado ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Também pode encaminhar a outros órgãos, como a Secretaria da Receita Federal do Brasil.

A autoridade a quem for encaminhado o relatório de conclusão informará ao Presidente da Casa Legislativa, em 30 dias, as providências adotadas ou justificará sua omissão, sob pena de sanções administrativas, civis e penais [06].

O processo ou procedimento instaurado em decorrência do relatório da CPI terá prioridade, salvo Habeas Corpus, Habeas Data e Mandado de Segurança.

São essas, portanto, as considerações sobre as CPIs, este importante instrumento conferido, pela Constituição Federal, ao Poder Legislativo e que, agora, é alvo da atenção do II Pacto Republicano.


Notas

  1. Art. 58, § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
  2. HC 71261/RJ, rel. min. Sepúlveda Pertence: "(...) 3. A duração do inquérito parlamentar - com o poder coercitivo sobre particulares, inerentes a sua atividade instrutória e a exposição da honra e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas - e um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os direitos individuais, cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se deve entender matéria apropriada a lei do que aos regimentos: donde, a recepção do art. 5., par. 2.,da L. 1579/52, que situa, no termo final de legislatura em que constituída, o limite intransponível de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de restringir a atividade de qualquer comissão parlamentar de inquérito. 4. A disciplina da mesma matéria pelo regimento interno diz apenas com as conveniências de administração parlamentar, das quais cada câmara e o juiz exclusivo, e da qual, por isso - desde que respeitado o limite máximo fixado em lei, o fim da legislatura em curso -, não decorrem direitos para terceiros, nem a legitimação para questionar em juízo sobre a interpretação que lhe de a Casa do Congresso Nacional. 5. Consequente inoponibilidade pelo particular, intimado a depor pela CPI, da alegada contrariedade ao art. 35, par. 3., do Regimento da Câmara dos Deputados pela decisão plenária que, dentro da legislação, lhe concedeu segunda prorrogação de 60 dias ao prazo de funcionamento inicialmente fixado em 120 dias".
  3. As Casas Legislativas estaduais devem observar modelo federal de CPI: "Ação cível originária. Mandado de segurança. Quebra de sigilo de dados bancários determinada por Comissão Parlamentar de Inquérito de Assembléia Legislativa. Recusa de seu cumprimento pelo Banco Central do Brasil. Lei Complementar 105/2001. Potencial conflito federativo (cf. ACO 730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos estados-membros, de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação de poderes previsto na Constituição Federal de 1988. Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de checks-and-counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988. Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos Estados-Membros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3º, da Constituição." ACO 730, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 11-11-05.
  4. "Aquele que, numa CPI, ao ser interrogado, for injustamente atingido em sua honra ou imagem, poderá pleitear judicialmente indenização por danos morais ou materiais, neste último caso, se tiver sofrido prejuízo financeiro em decorrência de sua exposição pública, tudo com suporte nos dispositivos da Constituição , em seu art. 5º, X". MS-MC 25.617, DJ: 3.11.2005, Rel. Min. Celso de Mello.
  5. Contudo, essa fundamentação é relativa quando comparada à exigida em processos judiciais: "A fundamentação exigida das Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático não ganha contornos exaustivos equiparáveis à dos atos dos órgãos investidos do ofício judicante. Requer-se que constem da deliberação as razões pelas quais veio a ser determinada a medida". MS 24.749, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 5-11-04.
  6. Sobre extinção da CPI e impetração de habeas corpus trazemos esta relevante posição do STF: "(...) É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que a extinção da Comissão Parlamentar de Inquérito prejudica o conhecimento do habeas corpus impetrado contra as eventuais ilegalidades de seu relatório final, notadamente por não mais existir legitimidade passiva do órgão impetrado. Precedentes. O encaminhamento do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito, com a qualificação das condutas imputáveis às autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, para que o Ministério Público ou as Corregedorias competentes promovam a responsabilidade civil, criminal ou administrativa, não constitui indiciamento, o que é vedado na linha da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus não conhecido". HC 95.277, Rel. Min. Cármen Lúcia, JE 20.2.09.
Sobre o autor
Saul Tourinho Leal

Professor de Direito Constitucional do Intituto de Ensino Superior de Brasília (IESB). Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Saul Tourinho. As comissões parlamentares de inquérito e o II Pacto Republicano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2131, 2 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12720. Acesso em: 26 dez. 2024.

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