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Competência material trabalhista.

Critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/88

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Agenda 29/04/2009 às 00:00

9 - Competência criminal da Justiça do Trabalho.

Existia competência penal antes da EC 45 de 2004?

O entrave da competência em razão das pessoas, firmada na anterior redação, não deixava caminhar neste sentido, pois sempre foi o Ministério Público o órgão legitimado para propor a persecução penal, mesmo nas hipóteses em que a ação penal fosse privada, dependendo de manifestação do ofendido (queixa-crime). Mesmo assim, a doutrina penal é unânime que nada obstante o ofendido pudesse propor a ação penal privada, era o Parquet sua titular; neste caso, ocorria mera substituição processual, extraordinária e prevista expressamente em lei.

Com a extinção do entrave da competência em razão das pessoas, parece, a princípio, que o novel artigo 114 não mais apresenta qualquer ressalva quanto a competência penal da Justiça do Trabalho. Que fique bem claro: desde que a lide tenha nascido diretamente de uma relação de trabalho.

A redação atual da Constituição, atribuindo competência em razão da matéria, é justamente uma das formas de atribuição de competência penal.

Vejamos o artigo 69 do CPP:

"Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

I - o lugar da infração;

II - o domicílio ou residência do réu;

III - a natureza da infração;

IV - a distribuição;

V - a conexão ou continência;

VI - a prevenção;" (grifei e sublinhei).

Não se deve confundir o princípio da reserva legal do direito material penal com a inexistência deste princípio em sede de direito processual penal.

Mesmo que para alguns, com os quais não concordamos, não vejam no texto do inciso I do artigo 114 a competência criminal da Justiça do Trabalho, ainda assim o inciso IX é de grande valia, pois legitima a integração da norma constitucional, com a utilização de normas processuais penais (v. g. art. 69 do CPC), para, indiscutivelmente, atribuir jurisdição penal à Justiça Laboral.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do CC 6979-1, já decidiu que o habeas corpus, mesmo quando de sua utilização para questionar prisão civil, tem natureza jurídica desenganadamente penal, de sorte que este remédio heróico, de indiscutível competência da Justiça do Trabalho, aponta no sentido de que pelo menos, em alguns casos, pode sim a Justiça do Trabalho julgar ações penais.

Mais um dado é esclarecedor, vez que no mesmo artigo 114, o inciso II prevê expressamente que a Justiça do Trabalho é competente para julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve. Por conseqüência, ao verificar a lei de greve (Lei 7.783/89), é de clareza solar a disposição de seu artigo 15 que atribuí competência criminal à Justiça do Trabalho, verbo ad verbum:

"Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura de competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.".

Logo, certo estamos da competência criminal da Justiça do Trabalho.

Qual o limite desta competência criminal? Qualquer crime decorrente da relação de trabalho será de competência da Justiça do Trabalho? O patrão que mata um empregado em razão de discussão acalorada durante o serviço será julgado em Tribunal do Júri a ser realizado na Justiça Laboral?

Pensamos que não.

Para nós, conforme a mais abalizada doutrina penal, somente será de competência da Justiça do Trabalho os crimes que dependam, hipoteticamente, do elemento relação de trabalho para sua configuração criminal típica.

Como conclusão coerente, pensamos que somente se configuraria competência criminal da Justiça do Trabalho quando a existência da relação de trabalho fosse necessária elementar do tipo penal (fato típico) e não mera circunstância do crime, como nos casos dos artigos 149, 197 a 207, 216-A do Código Penal, onde o crime sequer em tese se aperfeiçoaria (tipicidade) se não houvesse a relação de trabalho como elemento essencial.

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Com esta conclusão, fácil fica fazermos uma necessária delimitação: é de competência da Justiça do Trabalho o delito penal-trabalhista e não os crimes comuns decorrentes mediata ou imediatamente da relação de trabalho.

Por último, poder-se-iam objetar alguns mais conservadores que o inciso VI do artigo 109 da CF/88 estaria, de forma expressa, a atribuir competência para julgamento dos crimes contra a organização do trabalho para a Justiça Federal.

Vejamos a norma constitucional:

"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;".

No entanto, a doutrina e jurisprudência pátria, após longos debates, já interpretaram o referido dispositivo, atribuindo competência para a Justiça Federal apenas nos casos de violação penal de transcendência coletiva e com repercussão geral na organização do trabalho (Súmula 115 do extinto TRF).

Destarte, os crimes de natureza individual contra a organização do trabalho deslocar-se-iam da Justiça Comum Estadual para a Justiça do Trabalho, em alento ao que acabamos de defender algures.

Entendemos, também, que norma ordinária infraconstitucional poderá integrar o inciso IX do artigo 114, atribuindo para a Justiça do Trabalho competência para julgar ações que nada obstante a relação de trabalho não seja elementar do tipo (delitos penais-trabalhistas) a relação de trabalho esteja em conexão com a ocorrência do delito (crimes comuns decorrentes da relação de trabalho).

E este parece ser o posicionamento do c. Supremo Tribunal Federal, que em julgamento recente em ação direta, entendeu que não se colhe competência penal direta do inciso I do artigo 114 da CF/88, mas nada obsta que o legislador crie legislação que atribua essa competência, utilizando-se do permissivo do inciso IX do citado artigo 114 da Carta Magna. Por ora, a posição que defendemos não encontra ressonância prática, diante da liminar concedida pelo Excelso Pretório.


10 - Reflexos da emenda nas questões processuais.

Questão secundária, mais não menos importante, que surgiu com a ampliação da competência foi a aplicabilidade do sistema processual trabalhista ou comum para as novas ações alheias à relação de emprego.

Após os primeiros debates, chegou-se a conclusão quase unânime, com as qual comungamos, que todos os processos que tramitarão perante a Justiça Especializada, seja de que natureza for, trabalhista, administrativa ou civil, obedecerão, no que couber, o procedimento previsto na CLT (artigo 763), com a única exceção quanto aos procedimentos dispostos em leis especiais, como são os remédios heróicos do inciso IV do artigo 114 da CF/88. Em conclusão: se existe procedimento especial, aplicar-se-á este; se o procedimento utilizado é o ordinário do Código de Processo Civil, passará a se utilizar o procedimento disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente quanto à prazos, hipóteses recursais, custas, depósito recursal etc. Continua aplicável de forma subsidiária a legislação processual ordinária quando omissa a Consolidação (artigo 769).

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região, em importante seminário para discussão das questões afetas à nova competência da Justiça do Trabalho, extraiu dos debates travados importantes conclusões. Uma das quais, representada pelo verbete nº 12, que coaduna com a sistematização processual feita no parágrafo supra. Vejamos o que diz o TRT baiano:

"RITO APLICÁVEL EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES OBJETO DA NOVA COMPETÊNCIA. Aplicam-se os procedimentos previstos na CLT, mais consentâneos com os princípios de celeridade, simplicidade e gratuidade, ressalvados os ritos especiais previstos em legislação específica.".

O Tribunal Superior do Trabalho publicou a Instrução Normativa 27 de 2005, que em seu artigo 1º adverte:

"As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data, a ação rescisória, a ação cautelar e a ação de consignação em pagamento.".

Esvaiu-se, pois, as discussões, com a pacificação de procedimentos.


11 – Intervenção de Terceiros na Justiça do Trabalho

Pela antiga redação do artigo 114 da CF/88 era extreme de dúvidas que a Justiça do Trabalho era competente apenas para solucionar as lides oriundas da relação de trabalho (competência material), desde que os litigantes fossem os trabalhadores e empregadores (competência em razão das pessoas), motivo pelo qual não se admitia as modalidades de intervenção de terceiros, regra geral, visto que, normalmente, a lide conexa tinha em um de seus pólos partes estranhas aos dos empregados e empregadores. No entanto, em hipóteses especialíssimas, caso em que o terceiro era empregado ou empregador, era admitida a intervenção.

Contudo, após a EC 45/2004, a restrição em razão das pessoas dos trabalhadores e empregadores foi suprimida do texto do novel artigo 114 da CF/88, razão pela qual, hodiernamente, em nível constitucional não há qualquer vedação para a aceitação de pessoas que não os empregados e empregadores em litígios na Justiça do Trabalho, abrindo a possibilidade, por conseguinte, da aplicação do CPC quanto às modalidades de intervenção de terceiros no processo do trabalho, vez que a CLT é omissa e o artigo 769 autoriza a subsidiariedade.

Com efeito, não basta apenas a omissão da CLT para dar ensejo a aceitação irrestrita das modalidades de intervenção de terceiros do CPC no processo do trabalho, isso porque o artigo 769 da Consolidação é cristalino ao advertir que: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.". (grifei).

Pela redação legal, tem-se que não basta a mera omissão na CLT, mas também que os institutos importados do processo comum sejam compatíveis com as normas do processo do trabalho, quais sejam celeridade, efetividade etc.

A intervenção de terceiros em muitos casos acaba por prejudicar a celeridade do processo, princípio este ora assegurado constitucionalmente (inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/88), causando tumulto desmedido ao processo, devendo ser analisada, por isso, com ressalvas.

Em suma, em cada caso concreto, o magistrado poderá analisar se a modalidade de intervenção de terceiros requerida é compatível ou não com as normas da CLT e os princípios do processo do trabalho. A rejeição do pedido por se revelar decisão de natureza interlocutória não desafia recurso imediato, salvo em casos excepcionais em que o mandado de segurança pode atacar a decisão.


Notas

  1. A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalho no Brasil. In Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 151.
  2. Relação de Trabalho: Enfim, o Paradoxo Superado. in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 54.
  3. Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, LTr, 2002, pág. 279/280.
  4. Curso de Direito do Trabalho, 19ª edição, Saraiva, 2005, pág. 25.
  5. Curso de Direito do Trabalho, 2ª edição, Renovar, 2002, pág. 03.
  6. Saúde no Trabalho: uma revolução em andamento, SENAC, 2003, pág. 37.
  7. Contratos, Forense, 1990, pág. 93/94.
  8. A Competência da Justiça do Trabalho e a Nova Ordem Constitucional. in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 255.
  9. STF – Pleno – CC 6.959-6 – Rel. Ministro Sepúlveda Pertence – DJU 23.05.1990.
  10. Instituições de Direito Processual Civil, volume I, 5ª edição, Malheiros, 2005, pág. 446/447.
  11. A título de exemplo e como reforço de nossa fundamentação, vide tópico final deste artigo, quando trazemos projeto de lei que visa regulamentar o citado inciso IX do artigo 114, estendendo a competência material trabalhista para outras controvérsias decorrentes (reflexamente) da relação de trabalho (§ 2º do artigo 683-A da CLT), as quais não possuem a relação de trabalho como fato essencial da causa de pedir da ação.
  12. A Nova Competência Trabalhista para Julgar Ações Oriundas da Relação de Trabalho, in Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 71, nº 1, jan/abr 2005, pág. 246 e seguintes.
  13. Da Dicotomia ao Conceito Aberto: As Novas Competências da Justiça do Trabalho. in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 324.
  14. Competência laboral – Aspectos processuais, in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 240/243.
  15. STF – ADI 2482 – MG – Rel. Min. Moreira Alves – DJU 25.04.2003 – p. 32.
  16. Discutível, pois, conforme já defendemos.
  17. 01699.2001.003.23.00-8 do TRT da 23ª Região.
  18. Comentários à Constituição Brasileira de 1946, Freitas Bastos, 4ª edição, vol. III, pág. 175.
  19. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Tomo IX, pág. 161.
  20. Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª edição, Revista dos Tribunais, pág. 33.
  21. Processo de Execução, 3ª edição, Revista dos Tribunais, 2004, pág. 128.
  22. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Livraria Almedina, 2004, pág. 546/547.
Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. Competência material trabalhista.: Critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2128, 29 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12723. Acesso em: 23 dez. 2024.

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