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Orçamento e participação popular no modelo porto-alegrense.

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Agenda 01/10/2000 às 00:00

Sumário: 1. Introdução; 2. Noções básicas sobre orçamento; 3. O Orçamento Participativo em Porto Alegre; 4. Metodologia das discussões; 5. Dificuldades do sistema participativo; 6. Conclusão.


1.Introdução

Este trabalho se destina a analisar, de forma sucinta, o desenvolvimento do projeto de Orçamento Participativo no município de Porto Alegre. Aqui as considerações jurídicas, quase sempre frias e técnicas, foram colocadas em segundo plano. São usadas sim, mas com o claro objetivo de explicar o funcionamento do orçamento, e das possibilidades da participação popular em sua elaboração.

Trata-se de uma matéria de grande relevo para o Direito Financeiro e para a política nacional. Nos últimos anos, vemos as leis orçamentárias anuais serem frequentemente desprezadas pelas administrações públicas, tornarem-se apenas peças decorativas da legislação brasileira. Criou-se o hábito de desconsiderar o orçamento, peça fundamental para o controle democrático da população sobre os atos de seus representantes.

Da mesma forma, assiste-se ao progressivo enfraquecimento de nosso modelo constitucional de fiscalização contábil e orçamentária. Os Tribunais de Contas por muitas vezes não agem como defensores das finanças públicas, aprovando indiscriminadamente as contas de administradores incompetentes ou tremendamente inclinados à prática de crimes fiscais.

Nessa seara de defeitos, surge o modelo de planejamento estratégico popular. Veremos que, no exemplo porto-alegrense, a participação conjunta do Governo Municipal com a população vem rendendo bons frutos há 11 anos. Embora tenha falhas ainda não sanadas, o OP a cada ano vem melhorando sua atuação, levando as discussões sobre finanças a todos os setores da sociedade civil organizada.

Ao analisar este modelo democratizador do instituto do orçamento (ainda que de forma para-dogmática, com elementos pré-jurídicos), tentamos expor as idéias básicas e os mecanismos utilizados no OP. Não existem verdades absolutas quanto à este tema, tão novo e pouco explorado pela doutrina financista e jurídica. Há, sim, uma indicação sobre um novo campo que se abre para o Direito Financeiro, com a vantagem de aproximá-lo das questões político-sociais e renovar os estudos sobre o orçamento estatal.


2.Noções gerais sobre orçamento

O tema do orçamento é por demais vasto e complexo. Pode ser encarado como uma construção histórica, uma peça de contabilidade estatal, um instrumento de controle rígido das finanças públicas ou, numa visão mais ampla, como uma garantia de respeito aos princípios constitucionais no planejamento das ações do Estado.

Para grande parte da doutrina, encabeçada por Aliomar Baleeiro, o orçamento nos países democráticos é "o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei."(1) Dentro deste conceito, um antigo debate persiste: a qualificação da lei orçamentária como lei em sentido formal, mero ato administrativo ou lei em sentido pleno. A terceira posição parece mais acertada, embora não haja resposta para este dilema, por vezes inócuo e prejudicial.

A aprovação do projeto de Orçamento do Poder Executivo compete ao Legislativo. Este tem a função histórica de permitir que o povo, através de seus representantes, disponha sobre a utilização de tributos por ele prestados ao Estado (princípio da auto-tributação). Esta previsão é comum nos textos legislativos ocidentais desde a Magna Charta inglesa, de 1215. Com o advento da Revolução Francesa em 1789, e do liberalismo, a idéia foi plenamente consolidada.

Hoje, o orçamento recebe nos Estados Democráticos de Direito grande proteção e destaque. Serve fundamentalmente como peça maior do planejamento estatal, dos gastos e investimentos realizados com a verba pública. Na Constituição Federal de 1988 o tratamento não foi menos nobre. O grande espaço reservado à matéria do orçamento no Texto Fundamental, pela importância que esta adquiriu, leva Ricardo Lobo Torres a afirmar a existência de uma real Constituição Orçamentária.(2)

Também há, tanto previstos na CF como fora dela, diversos princípios informadores do orçamento. Objetivam, acima de tudo, sua publicidade, funcionalidade e segurança, expressos através de conceitos específicos. São eles os princípios da unidade, universalidade, reserva legal, anualidade (não confundir com anualidade tributária) e proibição de estorno, entre outros.

Tem igual importância, tanto na doutrina como na legislação, o tema do controle e fiscalização do Orçamento. No Brasil, além do controle interno de cada órgão e poder, há a previsão constitucional do Tribunal de Contas. Este não é orgão constitucional, nem do Poder Legislativo (embora estejam topograficamente ligados no texto constitucional), mas poderia ser caracterizado como órgão de permeio (assim como o Ministério Público). Este Tribunal tem como principal função a emissão de pareceres prévios, sem caráter jurisdicional, que servirão de base para o julgamento político das contas públicas pelo Legislativo.

Vemos que deve ser ressaltado o caráter planificador das leis orçamentárias em sentido amplo (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e a lei orcamentária anual), e a importância deste planejamento na construção da democracia e da cidadania. Todavia, as considerações teóricas acerca do orçamento não são o objeto principal, mas sim o real orçamento democrático, no modelo de planejamento e discussão popular.


3.O Orçamento Participativo em Porto Alegre

Para uma abordagem introdutória ao tema do orçamento participativo, torna-se excessivo e pouco eficaz tratar minuciosamente de todos os projetos nessa área, no Brasil e no mundo. Só em nosso território haveria um sem-número de exemplos possíveis, de Norte a Sul do país. Apenas como referência para eventual aprofundamento, citamos os governos estaduais do Acre, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul; e também os municípios de Belém (PA), Aracaju (SE), Fortaleza (CE), Santa Bárbara d’Oeste (SP), Barra Mansa (RJ) e Camaragibe (PE), que adotaram, de formas diversas, projetos baseados na participação popular na construção do orçamento.

No entanto, o maior símbolo, o verdadeiro leading case em matéria de política orçamentária popular é o governo municipal de Porto Alegre (RS), cidade na qual o Orçamento Participativo já completou 10 anos de existência.

Não podemos ver este fenômeno como um fruto do acaso ou de reflexões jurídicas imparciais e tecnicistas. Ao analisar o Orçamento Participativo porto-alegrense, é preciso lembrar que este vem sendo construído ao longo dos 11 anos da chamada "Administração Popular" na Prefeitura Municipal. Vejamos o porquê desta denominação.

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Nos primeiros anos da década de 80, em Porto Alegre, iniciou-se um processo gradual de fortalecimento das entidades representativas de bairros. Estas, com o passar dos anos, formaram espécies de coalizões, que reuniam associações da mesma zona urbana ou de bairros diversos. Destas destacamos a União das Vilas da Grande Cruzeiro, oriunda de uma área densamente povoada do centro da cidade. O ápice desse movimento de fortalecimento das lideranças comunitárias foi, sem dúvida, a fundação da União de Associações de Moradores de Porto Alegre – UAMPA, formada sob a influência partidária do PDT (Partido Democrático Trabalhista) e PT (Partido dos Trabalhadores), ainda recentes no cenário político nacional.(3)

A UAMPA teve participação decisiva na eleição, em 1985, do candidato Alceu Collares, do PDT, à Prefeitura. Este apoio foi calcado nas promessas de maior valorização dos pleitos das comunidades e numa idealizada "unificação das demandas" num só documento. Todavia, o governo Collares não teve a aceitação esperada, sendo permeado por várias denúncias de corrupção.

No ano de 1989, como força ascendente na política gaúcha, o PT chega à Prefeitura com Olívio Dutra, apoiado pelas associações comunitárias. Para a decepção de muitos, as promessas de investimentos e participação popular não se concretizaram imediatamente. Já em 1990, com a situação fiscal e administrativa do município estabilizada, houve uma série de reuniões e debates entre a Prefeitura e os líderes comunitários, uma espécie de embrião do Orçamento Participativo. Note-se que traço decisivo foi a pressão popular e torno do projeto.(4)

E assim foi sendo construído o modelo porto-alegrense. Após longa negociação, a cidade foi dividida em 16 regiões, por critérios geográficos, demográficos e econômicos, divisão esta que permanece até hoje. Cada região faria assembléias abertas, nas quais a população indicaria prioridades para a Administração. Além desta escolha, os participantes elegeriam delegados para formar uma Comissão responsável pelo plano de investimentos do ano seguinte.

A administração petista foi aprovada pela população, que elegeu em 1992 Tarso Genro, e em 1996 o atual prefeito, Raul Pont. Em todas as gestões o planejamento estratégico, através da publicização do orçamento, foi prioritário.

Com o passar do tempo, o Orçamento Participativo foi aprimorando os meios de participação popular, chegando ao pleno funcionamento no ano 2000, cujo plano de investimentos e metas é objeto de nossa análise.

Atualmente, há um Conselho do Orçamento Participativo (COP), responsável por "fiscalizar, propor, deliberar e planejar a receita e a despesa do Orçamento do Município de Porto Alegre". Não há nele caráter legislativo, nem remuneração aos conselheiros e suplentes, mas seu papel vem crescendo consideravelmente.


4.Metodologia das discussões

O Orçamento Participativo de Porto Alegre tem por base a discussão com a comunidade, seja de forma direta ou através de delegados e conselheiros. Hoje, esse processo de debates é dividido por dois critérios principais: o regional e o temático.

Para tanto, a cidade foi dividida em dezesseis regiões, separação esta baseada em fatores sociais, econômicos, demográficos e geográficos. Procurou-se equacionar estes critérios, reunindo comunidades com dificuldades semelhantes e, de preferência, vizinhas. As regiões são: Humaitá/Navegantes, Noroeste, Leste, Lomba do Pinheiro, Norte, Nordeste, Partenon, Restinga, Glória, Cruzeiro, Cristal, Centro Sul, Extremo Sul, Eixo da Baltazar, Sul e Centro. Em cada uma, ocorrem reuniões e assembléias, em diversos momentos do planejamento.

Em março e abril, na primeira rodada do OP, são apresentados e debatidos, na presença das autoridades municipais, o desenvolvimento dos trabalhos decididos no ano precedente e o plano de investimentos do ano em curso, além da eleição para o Fórum dos Delegados. O mandato destes últimos, cujo número pode chegar a trinta, é de um ano, renovável uma vez. Em seguida vem uma etapa intermediária, que se conclui em fins de maio, em que a população se reúne de forma autônoma para decidir as prioridades e hierarquizar suas demandas de obras e de serviços.

Após a primeira rodada (que define as prioridades da região) e as reuniões intermediárias, organizadas pelos delegados eleitos (que aprimoram a proposta de planejamento inicial), vem a segunda rodada de discussões. Esta tem importância decisiva, já que dela sairão os dois resultados finais da fase de planejamento: o relatório de prioridades eleitas pelos participantes e delegados e os nomes que comporão o Conselho do Orçamento Participativo (COP). Geralmente, a segunda rodada ocorre durante 15 dias, entre os meses de julho e agosto.

As demandas votadas nas 16 assembléias são processadas pelo Gabinete de Planejamento da Prefeitura (Gaplan), enquanto o conselho do OP se instala e acompanha as sessões de formação sobre as finanças municipais. Este conselho se pronuncia sobre um primeiro projeto orçamentário que se transforma, em setembro, em proposta orçamentária elaborada pelo Gaplan. Esta proposta é enviada pelo Prefeito à Câmara de Vereadores, única obrigação legal a ser respeitada pelo orçamento.(5)

Além das assembléias regionais, Porto Alegre conta há 6 anos com os grupos temáticos. São órgãos da participação popular que não estão vinculados a qualquer região, e reúnem-se para debater sobre pontos específicos do orçamento e da aplicação das verbas. Atualmente são os grupos são cinco: Saúde e Assistência Social; Educação, Cultura e Lazer; Desenvolvimento Econômico e Tributação; Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; Transporte e Circulação.

As temáticas se organizam do mesmo modo que as assembléias regionais, havendo também a eleição de conselheiros. Com o tempo, constatou-se que esta modalidade de discussão trouxe para o OP segmentos que estavam deslocados das regionais e afastados do processo, como os universitários, a classe média e profissionais liberais (advogados, médicos, engenheiros).

Na prática, a maior discussão ocorre por conta da divisão dos recursos para cada área. Já pode ser considerado um problema, por exemplo, o conflito entre comunidades mais e menos organizadas. Há também uma tendência de desorganização das comunidades de classe média e alta, que demostram pouco interesse em indicar propostas e prioridades. Há casos até de rivalidades intra-regionais, quando os moradores de determinada área acusavam a Prefeitura de privilegiar com obras outra parte do bairro, dentro da mesma circunscrição.

O Conselho do Orçamento Participativo (COP) exerce função essencial dentro do modelo de planejamento estratégico porto-alegrense. Além de fiscalizar a execução das obras e apresentar os resultados das assembléias populares ao Poder Executivo, o COP exerce tarefas de relevo surpreendente. Tem competência, por exemplo, para alterar o Plano Plurianual (PPA), a lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o projeto de lei orçamentária anual, antes que o prefeito os envie à Câmara dos Vereadores. O mesmo se aplica aos projetos de lei que versem sobre tributação e arrecadação de impostos municipais. O COP exerce, na prática, a função de Tribunal de Contas municipal mas, ao contrário deste, é democrático e formado por voluntários. Como diz o atual prefeito Raul Pont, "num país onde o salário mínimo mensal é de R$ 130,00 os conselheiros do OP, voluntários, nos dizem seguidamente : somos nós quem trabalhamos. Então, para que servem os vereadores que recebem R$ 4.500,00 por mês para não fazerem nada ?"(7)

Estes conselheiros, como já mencionado, são voluntários. A eleição se procede na 2ª Assembléia Geral Popular (ou 2ª rodada). As 21 assembléias (16 regionais e 5 temáticas) elegem cada uma dois conselheiros titulares e dois suplentes. A Prefeitura também indica representantes para a composição do Conselho, valendo salientar que estes não têm direito a voto. Esta preocupação com a não-intervenção governamental nas decisões emanadas pelo processo do Orçamento Participativo impede até que detentores de cargo em comissão e mandato eletivo sejam delegados ou conselheiros.

O receio é justificável: delegados e conselheiros são as "figuras de proa" deste processo, sendo considerados os principais personagens do OP. São eles que, após um processo inicial de discussões com a comunidade, levam adiante as propostas, aprimorando-as juntamente com o Gaplan. No modelo porto-alegrense, tenta-se fazer com que tenham um papel educativo para a população, discutindo nas reuniões e esclarecendo questões técnicas, assim como o fazem o Prefeito e os funcionários municipais encarregados.

A grosso modo, podemos dizer que delegados e conselheiros encontram-se em posições hierárquicas distintas. Este termo não seria o mais correto, uma vez que não há subordinação às decisões de um e outro, mas apenas uma divisão de funções. Todavia, o COP demonstra maior importância no trato com o orçamento, sendo o último nível de participação popular na Administração.

Compete aos delegados principalmente: participar das reuniões mensais organizadas pelos Conselheiros nas regiões e temáticas; apoiar os conselheiros na informação e divulgação para a população dos assuntos tratados no COP – Conselho do Orçamento Participativo; acompanhar o Plano de Investimentos desde sua elaboração até a conclusão das obras; compor as comissões temáticas com o objetivo de debater e construir diretrizes políticas. Compor também comissões de acompanhamento e fiscalização de obras; deliberar em conjunto com conselheiros, sobre qualquer impasse ou dúvida que eventualmente surja no processo de elaboração do Orçamento; propor e discutir os critérios para a seleção de demandas nas microrregiões e regiões da cidade e temáticas; discutir sobre o Plurianual, a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias; deliberar em conjunto com os conselheiros , alterações no Regimento Interno do COP e modificações no processo do Orçamento Participativo.

Já aos conselheiros competem as seguintes funções: apreciar, emitir opinião, posicionar-se a favor ou contra e alterar no todo ou em parte a proposta de Plano Plurianual, a LDO e do Orçamento Anual; avaliar e divulgar a situação das demandas do Plano de Investimentos; apreciar, emitir opinião e alterar no todo ou em parte políticas tributárias e de arrecadação do poder público municipal; apreciar, emitir opinião e alterar no todo ou em parte sobre o conjunto de obras e atividades constantes do planejamento do Governo e orçamento anual apresentado pelo Executivo, em conformidade com o processo de discussão do OP; acompanhar a execução orçamentária anual e fiscalizar o cumprimento do Plano de Investimentos; apreciar, emitir opinião, posicionar-se a favor ou contra e alterar no todo ou em parte a aplicação de recursos extra - orçamentários; opinar e decidir , em comum acordo com o executivo a metodologia de discussão e definição da Peça Orçamentária e do Plano de \investimento; analisar e referendar a Prestação de Contas do Governo ; informar nos Fóruns regionais e Temáticos do processo de discussão em realização no COP e colher sugestões e/ou deliberações por escrito e realizar pelo menos uma reunião mensal com delegados e Movimento Popular Organizado.(6)


5.Dificuldades do sistema participativo

Nos 10 anos de aplicação do orçamento participativo, muitos acertos e falhas foram detectados. Alguns já foram relatados, como o conflito por verbas, a rivalidade entre regiões e a baixa participação da classe média nas assembléias. Além disso, ao analisar as demandas de 1989 até 2000, obtemos resultados aparentemente ilógicos, que retratam um pensamento excessivamente pragmático dos participantes.

Chama a atenção, por exemplo, que as demandas nas áreas sociais (saúde, educação, assistência social e geração de emprego e renda) não consigam figurar entre as duas primeiras da cidade, após 10 anos de OP. Seria de se esperar que, após o atendimento de grande parte das demandas de pavimentação e saneamento, houvesse uma migração progressiva para demandas de outro tipo. Há quem argumente, por exemplo, que, como os participantes do OP já sabem que as demandas na área de assistência social e educação têm um crescimento pré-determinado, não vale muito a pena gastar pólvora colocando este tipo de demanda em primeiro lugar, a não ser em situações que requeiram uma solução de maior porte.(8)

Este fenômeno também ocorre nas regiões com notórios problemas fundiários (ocupação ilegal de terras, desapropriações etc.). Como os participantes do OP sabem que questões que envolvam ações judiciais (e aí incluem-se as questões fundiárias) demoram anos até uma solução definitiva, terminam por não priorizar estas demandas, uma vez que não poderão ser cumpridas num exercício orçamentário anual.

Numa pesquisa, através de questionário, realizada em conjunto pela Coordenação de Relações Comunitárias (GRC/PMPA), FASE/RS, CIDADE (órgão que presta assessoria à Prefeitura) e pela pesquisadora americana Rebecca Abers (UCLA), foram coletados dados bastante interessantes, que trazemos para demonstração.

Na pergunta: "Por que veio a reunião hoje?", primeira a ser apresentada no questionário, com a intenção de identificar as razões da participação e como é percebido o processo do Orçamento Participativo, depois de classificadas as respostas por afinidade, foram obtidos os seguintes resultados: as demandas representam 33,9% das respostas, sendo que a demanda mais localizada no bairro/vila ocupa 17,6%. Porém, a ocorrência maior deste tipo de resposta fica entre os que possuem renda familiar e escolaridade mais baixas. Em segundo lugar as respostas falam de sua motivação em participar de forma genérica, inclusive "para conseguir alguma coisa". Estas respostas representam 18,7% do total. Outros dados são igualmente significativos como: votar 13,5%; o fato de ser liderança ou pertencer a uma entidade 12,5%; conhecer, informar-se, esclarecer-se 9%, e referências a cidadania, direitos, união, luta 7%.

Em relação ao perfil sócio-econômico os dados mostram uma grande diversidade na população que participa do Orçamento Participativo, mas podemos sintetizar o perfil da maioria como considerada "popular": temos uma parcela significativa dos entrevistados com até 41 anos de idade (57,9%), cor branca (71,4%), possuem uma renda familiar até três salários mínimos (39,6%) e escolaridade até o primeiro grau completo (53,9%, incluindo 5,5% sem instrução). Há uma paridade entre homens e mulheres, com uma leve maioria de homens.

Há uma tendência dos participantes das temáticas apresentarem melhores indicadores em termos de renda familiar e escolaridade, o que pode ser visualizado através dos seguintes dados: nas regiões 59,8% dos entrevistados recebem até cinco salários mínimos, enquanto que 50,7% dos entrevistados nas temáticas percebem mais de cinco salários mínimos. Estes grupos não regionalizados, no entanto, não são compreendidos por grande parcela dos participantes das assembléias regionais. Na mesma pesquisa, 60% dos entrevistados afirmaram desconhecer o porquê e a função das temáticas.(9)

Nos primeiros anos do projeto, os organizadores também se depararam com um grave empecilho: como expor e discutir aspectos técnicos de obras públicas e detalhes burocráticos da Administração com delegados e conselheiros leigos na matéria. Com a presença constante de técnicos da Prefeitura, do próprio prefeito e a realização de seminários e palestras de aperfeiçoamento das lideranças comunitárias, o problema foi parcialmente sanado.

Todavia, os conselheiros e delegados, mesmo não dominando a parte teórica dos assuntos discutidos, utilizam-se de dados práticos para defenderem as demandas da comunidade. São constantes, por exemplo, argumentos como: "se vocês não podem construir um esgoto na rua X, como puderam fazer um canal de drenagem na rua Y, que foi bem mais caro que o nosso projeto?". Com o tempo, o nível dos líderes comunitários cresceu assustadoramente, em alguns casos sendo equiparável ao dos próprios vereadores municipais.

Outro problema, ainda não solucionado, é o do aproveitamento das rodadas do OP, principalmente da segunda. Boa parte do tempo disponível para as discussões é ocupado pela disputa entre chapas de conselheiros, transformando a assembléia num espaço eleitoral por excelência. Esta priorização do aspecto político-eleitoral esvazia por muitas vezes o debate final sobre as propostas. Além disso, o tempo reservado aos delegados populares e aos representantes da prefeitura é desproporcional. Enquanto os primeiros tem três minutos para defender suas propostas no microfone, estes podem passar 60 minutos em suas explanações, tornando as reuniões pesadas e não tão participativas como deveriam. Este verdadeiro "desvio de rota" infelizmente ainda não tem perspectiva de solução

Em linhas gerais, estes são alguns dos problemas enfrentados pela Prefeitura de Porto Alegre na elaboração e organização do Orçamento Participativo. No decorrer de 11 anos da Administração Popular, é natural que possam ser apontados diversos erros e acertos. É importante salientar que o projeto inicial foi evoluindo com o tempo, atualizando sua forma de atuação social. Nessa relação bilateral, a população progrediu junto com a Prefeitura, melhorou sua capacidade crítica e demostrou ser capaz de enfrentar o desafio de participar das decisões orçamentárias da cidade, antes restritas a profissionais da área contábil e financistas.

Sobre o autor
João Freitas de Castro Chaves

acadêmico da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, João Freitas Castro. Orçamento e participação popular no modelo porto-alegrense.: Breves comentários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1278. Acesso em: 26 dez. 2024.

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