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A unificação dos termos iniciais da decadência para a constituição do crédito tributário

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Agenda 14/05/2009 às 00:00

4 – O reflexo na Administração Tributária da inovação veiculada no artigo 3º da LC 118/2205

O entendimento expresso no parágrafo anterior traz consigo uma indagação importante, que deve ser respondida para que a nova ordem normativa não traga perplexidades e dificuldades de ordem prática. A indagação se prende ao prazo decadencial para que a Administração possa lançar o tributo de ofício, no caso de irregularidade cometida pelo sujeito passivo na apuração e pagamento do tributo.

O Superior Tribunal de Justiça esposa o entendimento que o prazo previsto no § 4º do artigo 150 é decadencial, ou seja, após o seu transcurso não há mais direito do Fisco efetuar o lançamento de ofício para constituir o crédito tributário sonegado. Entretanto, o STJ também defende que se não houver o pagamento antecipado o início do prazo decadencial seria deslocado para o primeiro dia do exercício seguinte, como determina o inciso I do artigo 173 do CTN. A esse respeito, exemplificamos [04]:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL.

1. No lançamento por homologação, o contribuinte, ou o responsável tributário, deve realizar o pagamento antecipado do tributo antes de qualquer procedimento administrativo, ficando a extinção do crédito condicionada à futura homologação expressa ou tácita pela autoridade fiscal competente. Havendo pagamento antecipado, o Fisco dispõe do prazo decadencial de cinco anos, a contar do fato gerador, para homologar o que foi pago ou lançar a diferença acaso existente (art. 150, § 4º, do CTN).

2. Se não houve pagamento antecipado pelo contribuinte, não há o que homologar, nem se pode falar em lançamento por homologação. Surge a figura do lançamento direto substitutivo, previsto no art. 149, V, do CTN, cujo prazo decadencial se rege pela regra geral do art. 173, I, do CTN: cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o pagamento antecipado deveria ter sido realizado.

(...)

Haveria, assim, dois termos iniciais para o direito de se lançar de ofício o tributo sonegado, nos lançamentos por homologação. Este entendimento também é acolhido pela maioria dos doutrinadores. Sacha Calmon [05] (2002, p. 410), por exemplo, também defende que a falta de pagamento antecipado desloca o início do lapso decadencial para o primeiro dia do exercício seguinte: "a solução do dia primeiro do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado aplica-se ainda aos impostos sujeitos à homologação do pagamento na hipótese de não ter ocorrido o pagamento... Se tal não houve, não há o que homologar...".

Ora, esta dualidade do termo inicial do prazo de decadência nos lançamentos em que o próprio contribuinte constitui o crédito tributário, implicando em maior ou menor tempo para que a Autoridade Administrativa possa lançar ou rever o lançamento, e a conseqüente sujeição deste contribuinte à uma fiscalização, não nos parece a mais adequada. Há alguns problemas que consideramos difíceis de serem solvidos adotando-se a interpretação do STJ e da doutrina, que listaremos a seguir.


5 – Problemas encontrados ao se adotar a jurisprudência do STJ relativa à decadência do direito de se lançar de ofício o tributo sonegado nos lançamentos por homologação

O primeiro destes problemas decorre da diversidade de tratamento a contribuintes que se encontrem, na prática e sob o prisma da razoabilidade, na mesmo situação fática. Quando há um lançamento de ofício nos tributos sujeitos a lançamento por homologação onde houve o pagamento antecipado, é evidente que este pagamento não correspondeu a todo o crédito tributário decorrente dos fatos geradores ocorridos naquele período de apuração. Parte dos créditos tributário não foi objeto de pagamento ou outra forma de extinção, daí a necessidade de constituição através do lançamento de ofício. Independentemente de haver ou não o dolo de sonegar, a apuração do crédito não contemplou todos os fatos geradores, havendo, por conseguinte, uma ilegalidade nos procedimentos efetuados pelo contribuinte.

De acordo com a doutrina e com a jurisprudência do STJ, se o contribuinte realizou apenas um pagamento parcial, qualquer que fosse o montante, por mais diminuto que seja, o início do prazo decadencial é a data do fato gerador, mas se não realizou qualquer pagamento o início deste prazo se desloca para o primeiro dia do exercício seguinte. Esta não nos parece a interpretação mais adequada para a norma, como veremos no exemplo seguinte. Consideremos dois contribuintes que apuraram crédito tributário de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em primeiro de janeiro de um determinado ano, mas que não declararam o crédito na DCTF.

O primeiro deles realiza um pagamento de R$ 1,00 (um real), e o segundo não efetua qualquer pagamento. Assim, segundo o entendimento do STJ e de parte expressiva da doutrina, o prazo decadencial do lançamento de ofício do tributo relacionado ao primeiro contribuinte se inicia em janeiro do ano em que este apurou o crédito tributário, ao passo que o prazo decadencial relacionado ao tributo sonegado pelo segundo contribuinte começaria a correr em primeiro de janeiro do ano seguinte.

Não nos parece razoável a desigualdade de tratamento de situação jurídica virtualmente idêntica. Haveria quase um ano a menos para que a Autoridade Administrativa pudesse efetuar o lançamento do primeiro contribuinte, sem que houvesse qualquer critério logicamente aferível para tanto. A isonomia deve ser observada, obviamente, tendo-se em conta o objetivo da norma jurídica tributária, que é carrear recursos para que o ente federativo possa fazer face aos gastos públicos. Vemos que os dois contribuintes não informaram os créditos em DCTF, e assim não se pode nem mesmo alegar que o primeiro contribuinte teria auxiliado a Administração Tributária ou cumprido parte das obrigações legais, merecendo algum tipo de beneplácito pelo feito.

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Não devemos nos esquecer que os dois lançamentos, tanto o que tem como sujeito passivo o primeiro contribuinte quanto o que tem como sujeito passivo o segundo, são lançamentos de ofício, cuja base legal se encontra no artigo 149 do CTN. Este artigo não estabelece nenhuma distinção substantiva entre os lançamentos decorrentes das situações encontradas nos seus incisos. Nem mesmo o parágrafo único do artigo 149 pode servir como suporte para esta diferenciação.

Vincular o início do prazo decadencial ao pagamento antecipado significa conferir ao contribuinte um papel relevante na sua determinação, papel este não encontrado no CTN ou qualquer outra norma jurídica. É evidente que o Direito também é firmado por construção jurisprudencial ou por influência da doutrina, mas afirmar que um pagamento, mesmo que irrisório, como o descrito nos parágrafos anteriores, poderia subtrair quase um ano do período em que a Administração Tributária poderia verificar os procedimentos do contribuinte e lançar as diferenças eventualmente apuradas nos parece inconcebível.

5.2 – A obrigação acessória influenciando o termo inicial da decadência

O segundo problema se apresenta nos lançamentos do Imposto de Renda Pessoa Física, Imposto de Renda Pessoa Jurídica (Lucro Real apuração anual) e Contribuição Social Sobre o Lucro (Lucro Real apuração anual). Como se sabe, estes tributos são objeto de lançamento por homologação, mas como característica distintiva dos outros tributos sujeitos ao mesmo lançamento têm a eles associada uma declaração anual (DIRPF e DIPJ), a ser entregue no primeiro semestre do ano seguinte ao ano em que ocorreu o fato gerador, onde há um encontro de contas dos créditos tributários pagos antecipadamente com o crédito que realmente deveria ter sido ser pago.

Nestas declarações os créditos tributários são apurados com base em informações que somente o contribuinte detém, como, por exemplo, as despesas realizadas ao longo do ano calendário, e que são fundamentais para o cálculo do crédito tributário respectivo. Caso haja crédito tributário não declarado e não pago, deve-se realizar o lançamento de ofício respectivo. Este lançamento, como exposto anteriormente, é regido pelo artigo 149 do CTN. O inciso V deste artigo determina que o lançamento seja efetuado de ofício pela autoridade administrativa quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo 150, que cuida do lançamento por homologação.

Esta norma deixa patente que a atividade da Administração Tributária, nos lançamentos por homologação, é apenas supletiva da atividade do contribuinte. Deve-se esperar que o contribuinte possa primeiro executar todas os procedimentos de sua alçada, incluindo nestes o pagamento do tributo, para que, no caso de irregularidade, o Fisco possa agir. Este somente pode atuar quando puder ser comprovada a omissão ou inexatidão do contribuinte nos procedimentos de constituição do crédito tributário.

Nestes procedimentos se incluem a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, a determinação da matéria tributável, o cálculo do montante do tributo devido e a efetuação do pagamento, que são as atividades que emergem da análise conjunta dos artigos 142 e 150 do CTN. Somente após a data prevista para o pagamento do tributo pode ser lavrado o Auto de Infração (lançamento de ofício), e somente se não houver o pagamento, ou se este for insuficiente para extinguir o crédito tributário corretamente apurado.

Desta forma, este lançamento somente poderá ser realizado alguns meses depois do fato gerador dos tributos, que nos casos de fatos geradores complexivos, como os dos tributos citados, se situa em 31 de dezembro do ano calendário. Assim, os lançamentos de ofício somente poderão ser efetuados, digamos, em maio ou junho do ano da entrega da declaração, enquanto que a decadência do direito de se efetuar os lançamentos se inicia na data do fato gerador, em 31 de dezembro do ano anterior.

A Administração Tributária teria então, nestes tributos, um prazo menor para realizar os lançamentos, em comparação com os outros tributos que tem fato gerador instantâneo ou periódico. Alguns especialistas em Direito Tributário, como José Eduardo Soares [06] (2002, p. 363), consideram que somente após a entrega da Declaração se iniciaria a contagem do prazo para a decadência. Não nos parece correto este entendimento, pois no delineamento legal do lançamento por homologação não há qualquer referência à entrega de declaração, e nem esta declaração faz parte da essência desta modalidade de lançamento. A falta de entrega da Declaração não descaracteriza o lançamento como sendo "por homologação", pois basta que haja o pagamento antecipado sem qualquer interveniência prévia da Autoridade Administrativa para que este se apresente em toda a sua inteireza.

Vemos que em relação ao Imposto de Renda Pessoa Física a data final de apresentação da Declaração de Ajuste Anual é definida no artigo 7º da Lei 9.250/95, e em relação ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica é estabelecida no artigo 56 da Lei 8.981/95. Conceber-se que o termo inicial da decadência ficasse vinculado à estas datas seria conferir a uma Lei Ordinária o poder de alterá-lo. Deve-se sempre ter em mente que a Constituição Federal determina que apenas a Leis Complementares podem dispor sobre decadência e prescrição em matéria de Direito Tributário.

O "adiamento" do termo inicial da decadência nada mais é do que a suspensão da fluência do prazo decadencial, e esta suspensão não pode ser instituída por Lei Ordinária ou Medida Provisória. No CTN somente são encontrados termos iniciais para a decadência nos incisos I e II do artigo 173, e, para alguns doutrinadores e para o STJ, no § 4º do artigo 150. Nenhum destes dispositivos faz referência à suspensão da fluência do prazo decadencial em conseqüência de qualquer obrigação acessória, como a entrega de Declaração de Ajuste.

Como a Administração Tributária somente pode efetuar o lançamento de ofício após a entrega da declaração, pois sua atividade é apenas supletiva da atividade do contribuinte, haveria um "estreitamento" da janela temporal dentro da qual poderia haver a lavratura do Auto de Infração para colher o crédito tributário sonegado. Consideramos esta redução do prazo para o lançamento como um grande obstáculo para que se possa considerar o prazo previsto no § 4º do artigo 150 como sendo relacionado à decadência do direito da Administração Tributária de efetuar o lançamento.

5.3 – O termo inicial da decadência quando se constata dolo, fraude ou simulação por parte do contribuinte

O § 4º do artigo 150 afirma que "se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação".

Questão tormentosa encontrada na parte final deste parágrafo se refere ao prazo decadencial para o lançamento quando a Administração Tributária constata dolo, fraude ou simulação nos procedimentos do contribuinte de apuração do crédito tributário. Como grande parte da doutrina e da jurisprudência considera que o prazo de 5 anos se refere à decadência do direito de realizar o lançamento, então qual seria a delimitação do prazo decadencial na ocorrência de dolo, fraude ou simulação, já que o CTN não desce a este detalhe ?

O Superior Tribunal de Justiça, corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o país, já enfrentou diversas vezes este questionamento e a Jurisprudência se cristalizou no sentido de que a constatação de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo nos lançamentos por homologação tem como conseqüência o deslocamento do início do prazo para o primeiro dia do exercício seguinte (artigo 173, inciso I do CTN), como se observa na ementa abaixo [07]:

ITBI. OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211. DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. REGRA DO ARTIGO 150, § 4º, C/C 173, I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. IDENTIFICAÇÃO DE DOLO, FRAUDE OU SIMULAÇÃO POR PARTE DO SUJEITO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAMINAR AS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE LEVARAM O JULGADOR A FORMAR SEU CONVENCIMENTO. SÚMULA 7. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

(...)

2 - O prazo decadencial nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, caso tenha havido dolo, fraude ou simulação por parte do sujeito passivo, só tem início no primeiro dia do ano seguinte ao qual poderia o tributo ter sido lançado. Inteligência do art. 150, § 4º, c/c o art. 173, I, do Código Tributário Nacional.

(...)

(REsp 950004 / SP, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ 18.09.2007 p. 293)

Doutrinadores de grande reputação concordam com esta assertiva, como Sacha Calmon (2002, p. 410) [08], que afirma que "em ocorrendo, todavia, fraude ou simulação, devidamente comprovadas pela Receita Federal, imputáveis ao sujeito passivo da obrigação tributária do imposto sujeito a "lançamento por homologação", a data do fato gerador deixa de ser o dia inicial da decadência. Prevalece o dies a quo do artigo 173...".

Entretanto, esta interpretação deixa uma questão de difícil resposta. Não vemos qualquer problema quando a constatação de dolo, fraude ou simulação ocorre antes da homologação tácita do lançamento, "elastecendo", desta forma, o prazo onde o lançamento pode ser efetuado. Digamos que em junho de 2000 a fiscalização verifique que um crédito tributário, relacionado à um fato gerador ocorrido no mês de janeiro, não foi declarado nem pago pelo contribuinte em decorrência de fraude contábil. O início do transcurso de prazo decadencial ficaria adiado para o primeiro dia de 2001, podendo o Auto de Infração ser lavrado até 31 de dezembro de 2005.

Mas imaginemos que esta fiscalização seja realizada em junho de 2005. Nesta data já teria ocorrido a homologação tácita do lançamento, em virtude do transcurso de 5 anos a partir do da data do fato gerador, como dispõe o artigo 150 do CTN. Poderia ser lavrado o Auto de Infração? Segundo a interpretação da doutrina e da Jurisprudência, há dois comandos no ordenamento que se contrapõe, o primeiro deles proibindo a realização do lançamento de ofício pois já ocorreu a homologação tácita, e o segundo determinando que o lançamento seja efetuado, pois foi constatada uma fraude contábil que resultou em crédito tributário sonegado.

Acreditamos que a interpretação da norma deve tentar evitar este tipo de perplexidade, que evidentemente vai resultar em uma demanda judicial pretendendo a anulação do lançamento em função da decadência, caso este seja efetuado. Interpretar é extrair o sentido e o alcance da norma, e o seu exercício deve contemplar todas as possibilidades fáticas para se chegar a um resultado que tenda à pacificação social, que minimize os confrontos e a irresignação da parte porventura atingida por uma decisão que tenha esta interpretação como base, sem descuidar da concretização dos objetivos pelos quais a norma jurídica foi editada.

Sobre o autor
Eduardo Gomes Ecard

Auditor fiscal da Receita Federal do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ECARD, Eduardo Gomes. A unificação dos termos iniciais da decadência para a constituição do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2143, 14 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12873. Acesso em: 26 dez. 2024.

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