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O STF e a (im)possibilidade de mutação constitucional

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Agenda 18/05/2009 às 00:00

RESUMO

A presente monografia tem por escopo verificar a possibilidade do Supremo Tribunal Federal realizar uma mutação constitucional do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, alterando a competência do Senado Federal. Se a este cabia suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF, agora competir-lhe-ia apenas dar publicidade às decisões, as quais já possuiriam efeitos erga omnes e vinculantes. Para tanto, faz-se uma introdução acerca dos aspectos gerais de controle de constitucionalidade e, após, traça-se o perfil do controle de constitucionalidade brasileiro. Firmadas essas premissas, analisa-se o voto do Ministro Gilmar Mendes, precursor de toda essa discussão, juntamente com os argumentos levantados pelo também Ministro Eros Grau. Adiante, questiona-se o conceito de mutação constitucional apresentado, adequando-o ao seu real significado, concluindo pela impossibilidade de sua utilização. Por conseguinte, analisa-se o papel do Supremo Tribunal Federal no ordenamento jurídico brasileiro, reconhecendo seu impedimento de alterar a Constituição Federal por meio de decisões jurídicas. Por sua vez, evidenciamos o instituto da Súmula Vinculante, reconhecendo-o como capaz de produzir os mesmos efeitos pretendidos com a Reclamação 4.335, sem que, para isso, se faça uma sorrateira alteração no corpo constitucional. Ainda, criticamos o argumento de transformar o STF em um verdadeiro Tribunal Constitucional, uma vez que lhe faltam características significantes para tanto. Reconhecemos que simplesmente atribuir efeitos erga omnes a todas as decisões do Tribunal não lhe confere o status pretendido. Por fim, reconhecemos que a pretensão dos Ministros do STF extrapola a área jurídica, adentrando num terreno da política, alheio, portanto, ás atribuições do Tribunal. Sendo assim, os meios para qualquer alteração passam pelo Poder Legislativo, sendo este o único legitimado a proceder à qualquer alteração no corpo da Constituição Federal.

Palavra-chave: mutação constitucional; controle de constitucionalidade, senado federal.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

art. Artigo

ADIN- Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

ADC- Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADPF- Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

CF/88- Constituição Federal da República

MI Mandado de Injunção

STF- Supremo Tribunal Federal

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO .2 A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL.2.1 CONSTITUCIONALISTMO: BREVES CONSIDERAÇÕES. 2.2 FUNDAMENTOS DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL. 3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3.1 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE. 3.2 ESPÉCIES DE CONTROLE. 3.3 SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3.3.1 Sistema Norte-Americano.3.3.2 Sistema Austríaco.4 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO. 4.1 CONTROLE CONCENTRADO. 4.2 CONTROLE DIFUSO. 5 A REINTERPRETAÇAO DO STF (GILMAR MENDES). 5.1 O PAPEL DO SENADO FEDERAL. 5.2 A SOLUÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 6 A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL . 6.1 ENTENDENDO A MUTACAO CONSTITUCIONAL . 6.2 A (IM)POSSIBILIDADE DE MUTAÇAO CONSTITUCIONAL. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

A idéia de controle de constitucionalidade das leis não é recente, sendo fruto de um amadurecimento através da História. O professor Dirley da Cunha, em sua obra CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (2008), faz um apanhado histórico acerca dos antecedentes históricos do controle brasileiro, o qual iremos utilizar para nos embasar adiante.

No Brasil, podemos atribuir sua primeira implantação à Constituição de 1891. Neste corpo constitucional foi instituída a possibilidade de se interpor recurso contra a decisão dos Tribunais Estaduais, dirigido ao Supremo Tribunal Federal, quando se pretendesse questionar a validade ou aplicação de leis federais ou tratados.

Esse sistema assemelhava-se ao sistema norte-americano de controle difuso e incidental, no qual todos os órgãos do Poder Judiciário titularizavam a competência para exercer o controle de constitucionalidade. Contudo, apresentava a deficiência de possibilitar a convivência de decisões antagônicas, proferidas em distintos tribunais, sem que houvesse um meio apto a uniformizar essas interpretações.

A Constituição de 1934 deu um passo na evolução do nosso controle de constitucionalidade, introduzindo, dentre outras modificações, a competência para o Senado Federal suspender a execução da norma declarada inconstitucional pelo STF, de forma ampla e geral. Tal modificação objetivou sanar a deficiência do modelo anterior, prevendo um instituto capaz de unificar o entendimento do Tribunal para todo o país. Além disso, introduziu a representação interventiva, de iniciativa do Procurador-Geral da República, a ser julgada diretamente pelo STF, sendo essa a primeira característica do controle concentrado em nosso ordenamento.

Em 1965, por meio de uma Emenda à Constituição de 1946, foi oficialmente instituído no Brasil o controle concentrado de leis e atos normativos, materializado com a criação da representação genérica de inconstitucionalidade. De competência também do Procurador-Geral da República, essa representação objetiva provocar o Supremo Tribunal para que se manifestasse acerca da inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, federais ou estatuais, em face da Constituição Federal. A Emenda ainda conferiu aos Tribunais Estaduais a competência para exercer o mesmo controle de constitucionalidade do STF, porém, no âmbito municipal confrontado com a Constituição Estadual.

Esse foi o primeiro momento em que se definiu o sistema misto de constitucionalidade no Brasil, onde conviviam os modelos difuso, já amplamente utilizado, e o concentrado, recém instituído.

Contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988 é que o sistema misto de controle de constitucionalidade foi aperfeiçoado e delimitado, com inovações, sobretudo, no controle concentrado.

Com a vigência da Carta de 1988, foi disciplinada a Ação Direta de Inconstitucionalidade, até então vigente como representação genérica, foi criada a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, instituto pioneiro no âmbito de controle das inconstitucionalidades e a Ação Declaratória de Constitucionalidade, bem como a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, e foi ampliado o rol de legitimados a provocar o controle concentrado do Supremo Tribunal Federa, extinguindo o monopólio do Procurador-Geral da República.

Numa análise superficial, vemos que vigora no Brasil a coexistência entre o modelo de controle de constitucionalidade difuso, que confere a todos os juízes e Tribunais a competência de apreciar a inconstitucionalidade de leis e ator normativos suscitada no curso de uma demanda, e entre o modelo concentrado, o qual atribui ao Supremo Tribunal Federal, exclusivamente, a competência para julgar Ações Diretas ajuizadas com o único fim de reconhecer a validade de certa norma, sem adentrar na discussão dos casos concretos.

Como vimos, essa coexistência de modelos persiste no Brasil desde 1965. Ao longo dos anos, os modelos foram aprimorados, novas emendas foram introduzidas para adequar o sistema à realidade, sem, contudo, perderem a unidade e essência.

Tudo caminhava normal até o julgamento da Reclamação n°4.335 no Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Esta Reclamação será um marco na história do STF, independente do resultado que obtenha (até a conclusão desse trabalho, ainda encontrava-se em votação), em virtude da natureza do voto proferido pelo Ministro Relator, referendado pelo Ministro Eros Grau.

Trata-se aqui de decisão inédita na jurisdição do STF, de pretensões sem precedentes, que, caso venha a vingar, provocará uma profunda reformulação na forma como é exercido o controle de constitucionalidade no Brasil.

Em ligeira explicação, pretendem os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau atribuir efeitos vinculantes e erga omnes a todas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, independente do modelo de controle de constitucionalidade exercido, seja por via difusa, seja por via concentrada, sob o argumento de que houve uma mutação constitucional no papel do Senado Federal insculpido no art. 52, X, da Constituição Federal, a qual legitima a alteração pretendida.

O presente trabalho, portanto, se dispõe a analisar o quanto pretendido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a fim de verificar sua consistência em face do ordenamento jurídico pátrio. Pretende-se verificar se existem embasamentos constitucionais, doutrinários e racionais para se concretizar tais pretensões, trazendo reflexões acerca da viabilidade jurídica da mencionada mutação, bem como da viabilidade política da mesma.

Antes de adentrar no tema, propriamente, fazemos um breve estudo sobre a evolução do Constitucionalismo, fornecendo as bases para se falar em supremacia constitucional.

Consequentemente, da idéia de supremacia constitucional decorre a noção de controle de constitucionalidade, exigindo um estudo sobre espécies de inconstitucionalidade, bem como das espécies de controle e dos modelos de controle, dando ênfase à inspiração dos sistemas austríaco e norte-americano no ordenamento jurídico brasileiro.

Posteriormente, apresentamos um breve panorama sobre o controle de constitucionalidade no Brasil, como ele é exercido, os órgãos legitimados, fazendo uma distinção entre objetivos e características dos modelos difuso e concentrado em nosso país.

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Só depois de fixadas essas premissas, dando uma base ao presente estudo, é que passamos a analisar o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade, analisando, em seguida, as alterações de sua competência pretendidas no julgamento da Reclamação n° 4.335/ACRE.

Por fim, apresentamos a noção de mutação constitucional e passamos a analisar todos os argumentos levantados, tanto nos votos dos Ministros como na doutrina, acerca da viabilidade da modificação do texto constitucional, não só do ponto de vista da mudança de um dispositivo, mas também sob o olhar crítico que essa mudança representa para o país.


2 A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL

A constituição brasileira de 1988, bem como as demais constituições contemporâneas, sofreu influência, além de, obviamente, cada particularidade interna de cada país, de um movimento externo chamado de Constitucionalismo.

2.2 CONSTITUCIONALISMO: BREVES CONSIDERAÇÕES

O Constitucionalismo pode ser entendido como um movimento político-constitucional que pregava a necessidade da elaboração de Constituições escritas que regulassem o fenômeno político e o exercício do poder, em benefício de um regime de liberdades públicas (CUNHA JUNIOR, 2008, p.23).

Surgiu em contrapartida ao Estado absolutista, o qual impunha obediência não a um sistema estruturado vigente, mas sim à pessoa do soberano, sujeitando-se ao seu arbítrio e conveniência. Em tal ambiente político, as funções estatais eram reunidas na figura duma só pessoa, conferindo-lhe poderes amplos e irrestritos. A fim de se opor a este absolutismo, verificou-se a necessidade de dissolver o poder, instituindo-se a separação das funções estatais e pregando a positivação dos direitos e garantias fundamentais.

Segundo o mestre CANOTILHO, citado pelo professor Dirley da Cunha Junior (2008, p.24), o constitucionalismo apresenta-se como uma teoria formada por um conjunto de idéias, que exalta o princípio do governo limitado como indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Ou seja, a legitimidade do poder se constrói ante a sua limitação, a possibilidade de controlá-lo, ante a observância, pelo mesmo, dos direitos e garantias fundamentais.

Ainda, com o intuito de dar efetividade e afirmação a esta nova forma de Poder, emergiu-se a necessidade de concretizar tais aspirações num documento escrito e, consequentemente, perene, vinculativo, garantidor e rígido.

Frutos desse movimento surgem os novos modelos de Constituição, esta agora entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do mesmo, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres do cidadão (MORAES, 2003, p.36).

Trata-se, agora, de um novo modelo de Estado. Espelhado nas teorizações de MONTESQUIEU, no que se refere à separação dos Poderes, eliminou a figura do monarca, soberano, instituindo uma tripartição de funções e a criação de um sistema de freios e contrapesos.

Acrescente-se que a idéia de limitação do poder estatal, fruto do movimento aqui em comento, não se restringe à positivação de direitos e garantias individuais, abrangendo a organização estrutural do Estado, a forma de governo, a garantia das liberdades públicas e o modo de aquisição e exercício do poder, todos entendidos como garantias do cidadão em face do arbítrio.

A Constituição, portanto, passa a figurar como elemento estruturante e fundamental de todo o aparato estatal, seja na sua criação e organização, seja na sua interação com a sociedade. Constitui-se pólo central, originário, e de observância obrigatória em todo sistema jurídico que institui.

2.2 FUNDAMENTOS DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL

Tanto as normas constitucionais como as normas infraconstitucionais são normas jurídicas, e como tal devem ser respeitadas. Delas emanam mandamentos que a todos vinculam, seja para fazer, seja para deixar de fazer determinado ato, possuindo a característica de imperatividade.

Acrescente-se que as normas constitucionais possuem uma característica extra, que lhes é peculiar: além de jurídicas, são elas supremas. Sendo a Constituição a pedra fundamental do ordenamento, incontroverso que suas normas orientam, regulam, limitam as demais. E se existe uma norma precedente e vinculativa, será ela superior, suprema.

Tal supremacia decorre, logicamente, da natureza da Constituição. Sendo fonte da ordem jurídica, sua superioridade decorre dela própria, exigindo uma hierarquização das normas, alcançando o ápice do escalonamento. Uma norma infraconstitucional não tem como se sobrepor àquela que lhe autoriza, que lhe confere juridicidade e eficácia, pois estaria, assim, se sobrepondo ao seu próprio fundamento de validade.

Da Carta Maior se extrai o fundamento de validade de todas as demais normas do ordenamento jurídico. Isto porque, estando a Constituição no topo do ordenamento, demanda que todos os atos inferiores respeitem suas prescrições.

Como bem leciona o Doutor Dirley da Cunha Junior (2008, pg.28), a noção de supremacia é inerente à noção de Constituição, desde que essa superioridade normativa implique a idéia de uma norma fundamental, de uma Fundamental Law, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda ordem positiva estabelecida no Estado. A constituição é a base da ordem jurídica e o fundamento de sua validade. Como norma jurídica fundamental, ela goza do prestígio da supremacia em face de todas as normas do ordenamento jurídico.

Imprescindível ressalvar que estamos falando de Constituições rígidas, segundo classificação doutrinária. É que, se assim não for, não há que se falar em supremacia, na medida em que não há hierarquia. Caso se identifique uma constituição que admita ser transformada por força de qualquer manifestação legal, infraconstitucional, restaria inócua a noção de submissão da lei à constituição. Se a sua observância não é cogente, não existe, portanto, superação de valores.

Conforme reconhece Raul Machado Horta (2003, pg.126), a Constituição ganha rigidez. A aderência da rigidez ao conceito de Constituição formal acentua e robustece a distinção entre lei ordinária e lei constitucional, mediante disposição hierárquica, sob a égide suprema da Lei Magna.

Acrescenta o renomado autor que ao conteúdo político das Constituições escritas, a rigidez acrescenta conteúdo jurídico. Assim concebido, o texto constitucional passa a ser fonte e referencia obrigatórias do ordenamento jurídico, impondo a hierarquização das normas em duplo grau: no topo, a constituição, abaixo, as normas infraconstitucionais.

Assim, depreende-se que a própria Constituição se encarrega de prever e assegurar sua perenidade, com o escopo de garantir a ordem do próprio sistema por ela inaugurado.

Frise-se que tal supremacia não decorre de opção, mas sim de imposição lógica. Da noção de Constituição apresentada por Uadi Lammêgo Bulos (2008, pg.28), absorvemos traduzir-se um conjunto de normas jurídicas que estatuem direitos, prerrogativas, garantias, competências, deveres e encargos, delimitando a organização estrutural do Estado, da forma de governo, da garantia das liberdades públicas e do modo de aquisição e exercício do poder.

A natureza originária, primordial, disciplinadora e estruturante de uma constituição reclama sua superioridade, a partir do momento em que reúne em seu corpo as disposições necessárias ao próprio funcionamento do Estado.


3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Da idéia de supremacia constitucional decorre a idéia de (in)constitucionalidade das normas infraconstitucionais. Estas devem obediência àquela, tanto no aspecto formal, quanto no aspecto material.

A Constituição positivou em seu corpo aquilo que considera fundamental, traçando as diretrizes a serem seguidas pelos Poderes instituídos. Contudo, foi além. Não se limitou a prescrever a materialidade, o conteúdo dos atos normativos, mas também a forma como tais atos deveriam ingressar no ordenamento jurídico. Dessa adequação com a Constituição origina-se a noção de constitucionalidade/inconstitucionalidade das normas, nos casos de conformidade ou desconformidade, respectivamente, com a Carta Magna.

Não é demais ressaltar que a supremacia constitucional objetiva resguardar o próprio Estado Democrático de Direito. Rememoremos que este modelo constitucional surgiu justamente com o escopo de limitar o Estado Absolutista, instituindo garantias e mecanismos que lograssem democratizar o poder e impor freios à atividade estatal.

Por sua vez, é imprescindível que este modelo alcançado se mantenha rígido e duradouro, justificando, assim, a supremacia que a Constituição adquiriu em face de toda a ordem jurídica, sendo imprescindível protegê-la de ingerências futuras que objetivem desconstituí-la.

Tal modelo estaria comprometido se não existissem meios que pudessem assegurar a força cogente da Constituição. Para viabilizar a permanência do sistema jurídico, origina-se o Controle de Constitucionalidade, que significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais (MORAES, 2003, p.579).

Isso porque, apesar de sua supremacia nata, a constituição não está imune a violações e transgressões, demandando instrumentos que possibilitem a manutenção da sua regularidade.

3.1 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE

Ao se falar em inconstitucionalidade, deve-se ter em mente que ela pode ocorrer de formas variadas, ensejando, portanto, uma atenção por parte do intérprete em relação a requisitos variados a serem analisados.

A doutrina costuma apontar diferentes classificações quanto à sua ocorrência, entretanto, vamos nos ater àquelas mais diretas e relevantes.

Num primeiro plano, analisam-se os requisitos ditos formais da lei ou ato a ser analisado face à Constituição. É que a Carta Magna apresenta requisitos a serem cumpridos para a produção de atos normativos, requisitos estes indispensáveis à validade e eficácia do ato.

Assim, do ponto de vista subjetivo, deve-se analisar a iniciativa do projeto de lei ou competência para realização do ato. Nos casos em que a Constituição expressamente os determina, torna-se imprescindível sua observância. Tal rigor evidencia-se, num claro exemplo, na hipótese de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, quando não por este apresentada, torna-se formalmente inconstitucional, impossibilitada de convalidar-se, inclusive, com a sanção do próprio legitimado.

Do ponto de vista objetivo, ainda versando sobre inconstitucionalidade formal, merecem ser respeitados os demais requisitos relacionados ao regular desenvolvimento do processo legislativo ou de produção do ato. Assim, nos casos em que a Constituição prevê quorum específico para aprovação de determinada matéria, exemplo das leis complementares, será ele requisito indispensável à legitimidade da lei ou ato.

Num outro plano, afastando-se dos requisitos formais, teremos os requisitos ditos materiais, que merecem observância por parte do legislador e do produtor do ato analisados. Neste caso, a norma deverá compatibilizar-se, do ponto de vista do seu conteúdo, com o quanto preceituado na Constituição. A matéria regulada infraconstitucionalmente deve harmonizar-se com os preceitos da Constituição, traduzindo seus valores, objetivos, anseios e programas.

Neste momento, cumpre acrescentar que o caráter programático da nossa Constituição ganha relevo, a partir do momento em que, sendo certo que todas as normas constitucionais possuem uma eficácia mínima, aquelas ditas programáticas, quando não úteis para assegurar imediatamente direitos, serão utilizadas, no mínimo, como paradigma para se verificar a adequação de determinada norma ao espírito da Constituição.

Há ainda que se falar em inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão.

A inconstitucionalidade por ação reflete o modelo clássico de infração, representando uma ação, um comportamento comissivo, contrário à Constituição.

Já a inconstitucionalidade por omissão, como o próprio nome esclarece, consiste num não-fazer, numa falta, numa abstenção. Entretanto, não é qualquer comportamento faltoso que ensejaria uma inconstitucionalidade por omissão. Há de ser aquele comportamento do qual a Constituição exige uma ação, uma conduta, obriga o legislador a atuar com precisão para aquela matéria.

É mais fácil a compreensão do tema quando se tem em mente uma Constituição dirigente, a qual não só determina a organização e a estrutura do Estado, a forma de exercício dos Poderes, os direitos e garantias fundamentais, mas também traça planos, objetivos, prioridades e ações que devam ser prioridade para os futuros governantes. Assim, o próprio corpo constitucional já vincula o futuro legislador às escolhas por aquele tomadas, determinando a regulamentação dessas matérias.

Face esta realidade, portanto, surge a inconstitucionalidade por omissão, nos casos em que a Constituição determina uma atividade específica do legislador e este queda inerte.

3.2 ESPÉCIES DE CONTROLE

Cada ordenamento jurídico apresenta uma forma de exercer o controle de constitucionalidade. De uma forma geral, podemos dividir as diferentes espécies com base em quatro parâmetros: quanto à natureza do órgão julgador, quanto ao momento da fiscalização, quanto à quantidade de órgãos legitimados e quanto à forma de argüição da inconstitucionalidade.

No que concerne à natureza do órgão julgador, temos que o controle pode ser: político, jurisdicional ou misto.

O controle de constitucionalidade político é aquele realizado por um órgão estranho ao Poder Judiciário. Sendo assim, pode-se concluir não se tratar de um controle técnico, objetivo, mas sim de um controle de conveniência e oportunidade. Fundamenta sua razão de ser no principio da separação dos poderes, posto que conferir a juízes o poder de desconstituir manifestações que, em tese, representam a soberania popular resultaria numa supervalorização do Judiciário em relação aos outros Poderes.

Já o controle de constitucionalidade jurisdicional é, em regra, desempenhado por órgãos que integram a estrutura do Poder Judiciário, porém pode ser conferido também a órgãos a ele exteriores. O que lhes assemelha é a natureza judicial das suas deliberações, em oposição à natureza política do controle anterior. Nessa forma de controle, prevalecerá a legitimidade da lei face a Constituição, analisada sob um ponto de vista, também em tese, técnico e imparcial.

O controle misto reúne as características do controle político e jurisdicional. Objetiva conjugar os pontos positivos de ambos, eliminando suas imperfeições. Há quem defenda ser esta a melhor forma de se exercer o controle de constitucionalidade (BULOS, 2008, pg.112),

Levando-se em consideração, agora, o momento de exercício do controle de constitucionalidade, podemos classificá-lo em preventivo ou repressivo.

Preventivo é o controle realizado anteriormente ao ingresso da norma no ordenamento jurídico. Objetiva evitar que uma norma tida por inconstitucional complete o ciclo para adquirir eficácia e comece a produzir efeitos.

Repressivo será aquele destinado a expurgar a norma maculada pela inconstitucionalidade do ordenamento jurídico vigente. A norma já existe, já produz seus regulares efeitos, contudo, afronta a Constituição. Os órgãos competentes, portanto, serão provocados para se manifestar e, uma vez reconhecido o vício da norma, perderá ela sua validade para o sistema que a declarou incompatível com a Constituição.

Impende ressaltar que as espécies de controle se interligam, se misturam, não se excluem. Essas são classificações que se complementam, combinando-se para alcançar um melhor desempenho de fiscalização. Assim, podemos falar, por exemplo, em controle jurisdicional preventivo ou repressivo, controle político repressivo ou preventivo, dentre outros.

No tocante à quantidade de órgãos legitimados a exercer o controle, classificam-se em controle difuso e controle concentrado.

O controle será concentrado quando a competência para apreciar a constitucionalidade de uma norma for conferida a um único órgão, exclusivamente. Independente de quais ou quantos são os legitimados a propor a manifestação do órgão, será este o único com poder de declarar a (in)constitucionalidade de uma norma. Fazendo-se uma correlação com as outras classificações, vemos que este órgão pode ter natureza política ou jurisdicional. Esta natureza não interfere na classificação como concentrado.

Por outro lado, o controle será difuso quando a legitimidade para apreciar a constitucionalidade de uma norma for conferida a diversos órgãos, concomitantemente. Este modelo é visto claramente nos sistemas que adotam o controle judicial de constitucionalidade, no qual todos os órgãos deste Poder podem declarar uma norma (in)constitucional.

Alertamos que existem países, como no caso do Brasil, que introduziram os controles difuso e concentrado conjuntamente no seu sistema, sem que um exclua o outro.

Por fim, quanto à forma de argüir a inconstitucionalidade, classificamo-la em incidental, principal, abstrata ou concreta.

A argüição por via incidental é aquela realizada incidentalmente no curso de uma demanda, como argumento para que o pedido seja acolhido. É também chamada de exceção ou defesa, justamente por ser utilizada como matéria prejudicial para análise do pleito. Neste caso, a declaração de inconstitucionalidade não é o escopo do processo, mas apenas um incidente a ser resolvido para, só após, chegar-se à conclusão do mesmo.

Em contrapartida, na argüição por via principal, o objeto do processo é a própria declaração de (in)constitucionalidade de uma norma, provocada por meio de ação direta. Assim, o processo se desenrola com o único escopo de alcançar a declaração de (in)constitucionalidade da norma, conforme for o caso.

O controle abstrato, por sua vez, possui estreita relação com o controle principal, porém, com este não se confunde. A característica marcante do controle abstrato é de que não há caso concreto a ser dirimido, não há conflito de interesses nem partes interessadas. O que há é a provocação do órgão competente para que este delibere sobre a compatibilidade da norma com a Constituição, unicamente. Em face desta ausência de contraditório de partes, é também chamado de controle objetivo de constitucionalidade.

Em regra, o controle principal será também abstrato, o que nos leva a confundir uma espécie de controle com a outra. Entretanto, adverte o Doutor Dirley da Cunha (2008, pg.99):

Cumpre ressaltar, no entanto, que não há uma correspondência necessária entre o controle incidental (por via de exceção ou de defesa) e o controle difuso, ou entre o controle principal (por via de ação) e o controle concentrado. A correlação existe no Brasil, onde o controle difuso é desencadeado sempre incidentalmente, à vista de um caso concreto (por via de exceção ou de defesa) e o controle concentrado é provocado por via de ação direta (principal). Mas a correspondência não existe em outros sistemas jurídicos. Na Áustria, na Alemanha, na Itália e na Espanha, a questão da constitucionalidade suscitada incidentalmente (por via de exceção ou de defesa) conduz a um controle concentrado. Nesses países, uma vez levantada a questão da constitucionalidade, caberá ao juiz ou tribunal a quo não mais do que suspender o feito, suscitar o incidente e aguardar a decisão da Corte Constitucional a propósito da matéria.

O controle concreto, a seu turno, será sempre incidental. Tal situação ocorre, pois, nestes casos, o controle cinge-se à uma situação que envolverá um litígio entre as partes, envolvendo um bem jurídico a ser protegido pelo Direito. A inconstitucionalidade da lei será argüida sempre para amparar a pretensão da parte, resumindo-se seus efeitos àquele caso concreto.

3.3 SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Existem dois grandes sistemas de controle de constitucionalidade que serviram de base para se implantar nos demais ordenamentos jurídicos a possibilidade de fiscalização das leis. São eles o sistema norte-americano e o sistema austríaco.

3.3.1 Sistema Norte-Americano

O sistema norte-americano possui o privilégio de ser considerado o primeiro a tratar expressamente sobre a supremacia constitucional, lançando as bases do Controle de Constitucionalidade.

Atribui-se sua sistematização ao julgamento do célebre caso MARBURY X MADISON, de 1803, no qual o chief justice MARSHALL baseou sua decisão na supremacia da Constituição norte-americana, deixando de aplicar uma lei por ela ferir o texto constitucional.

O mérito dessa decisão reside no fato de a Constituição dos EUA não previr expressamente a possibilidade de se realizar o controle de constitucionalidade, muito menos de se atribuir tal tarefa a um órgão específico.

Assim, o brilhantismo de MARSHALL se fez perceber no pioneirismo da sua interpretação, introduzindo um raciocínio até então inédito na Suprema Corte americana.

No sistema norte-americano, o controle de constitucionalidade evoluiu ao longo do tempo, por intermédio da Suprema Corte, pois, como já se disse, não existe expressa previsão constitucional.

Traçando suas características, inicialmente pode-se dizer que é um controle difuso. Todos os juízes possuem o poder-dever de apreciar a constitucionalidade de uma lei quando esta questão for imprescindível para o deslinde do feito. Não importa a matéria nem o grau do juízo.

Importante ressaltar que não existe o controle principal ou por via direta. Assim, todas as indagações acerca a constitucionalidade de uma lei serão apreciadas no curso de um caso concreto, de um processo já instaurado, como matéria de defesa e prejudicial para o julgamento da causa.

Desta característica extraímos que a Suprema Corte possui a natureza de um órgão ordinário, recursal. Uma vez que não existe controle principal, apenas pela via recursal será possível obter o pronunciamento do órgão máximo do Poder Judiciário norte-americano.

Se analisarmos bem, veremos que tal configuração ensejaria um inconveniente para o país que o adotasse nesses moldes. É que, como o controle será sempre concreto, os efeitos da decisão restringir-se-ão apenas às partes envolvidas. Terceiros estranhos ao processo não seriam abarcados pela coisa julgada, o que possibilitaria uma enxurrada de demandas versando sobre a mesma questão, todas precisando de um pronunciamento judicial específico para ver reconhecido seu direito.

Tal questão foi resolvida no sistema norte-americano por meio do princípio da stare decisis, também chamado de força vinculante das decisões.

Por tal princípio entende-se que as decisões proferidas pela Suprema Corte, no curso de um caso concreto, vincularão os demais juízes, gerando um efeito erga omnes dos seus julgados. São os chamados precedentes. O entendimento do órgão máximo deverá ser seguido por todos, justamente para evitar uma pluralidade de decisões contraditórias que gerariam um clima de insegurança indesejável.

Assim, em suma, temos que o sistema norte-americano de controle de constitucionalidade é difuso, exercido por todos os juízes, sempre concentrado e incidental, pois argüido e apreciado no curso de uma demanda, como matéria de defesa, com efeitos inter partes. Pelo efeito vinculante dos precedentes, as decisões da Suprema Corte possuem a força de vincular os demais juízes ao seu entendimento, fulminando a possibilidade de diversas demandas com questionamentos semelhantes, já julgados pelo órgão máximo.

Este foi o primeiro sistema existente, sendo adotado por diversos países ao longo da história.

3.3.2 Sistema Austríaco

O sistema austríaco só adquiriu forma em 1920, com o advento da Constituição da Áustria, obra do famoso Hans Kelsen.

Por razões históricas, a Áustria, bem como diversos países da Europa, se viram impossibilitados de adotar o sistema norte-americano de controle de constitucionalidade. O governo austríaco encomendou do mestre KELSEN a elaboração de uma Constituição e, consequentemente, um novo modelo de controle foi introduzido.

Diferentemente do sistema norte-americano, no sistema idealizado por KELSEN o controle de constitucionalidade deveria ser atribuído a um único órgão, um Tribunal Constitucional, com competência exclusiva para esta função. Os demais órgãos do Poder Judiciário estariam, portanto, impedidos de resolver sobre qualquer questão constitucional.

Diz-se, por conseguinte, que o controle no sistema austríaco é concentrado e principal, pois atribuído a um órgão de cúpula, provocado exclusivamente para tal desiderato.

Nesse modelo inicial, o controle de constitucionalidade era exercido por meio de uma ação direta, direcionada ao único órgão competente, e só poderia ser proposta por poucos órgãos políticos, excluindo-se o Poder Judiciário do controle.

Com o advento da revisão constitucional ocorrida em 1929, tal quadro foi alterado. Com a reforma, o rol de legitimados a provocar o Tribunal Constitucional foi ampliado, incluindo-se dois outros órgãos, estes integrantes da cúpula do Poder Judiciário.

Uma ressalva. A competência conferida aos órgãos do judiciário será restrita a um caso concreto. Explica-se. Enquanto os órgãos políticos legitimados podem provocar o Tribunal Constitucional sempre que lhes convir, os legitimados do Poder Judiciário só poderão provocar o Tribunal quando estiverem apreciando um caso concreto e a questão surgir como prejudicial para o deslinde do feito.

Tal panorama gera um inconveniente, presente desde a promulgação da Constituição em 1920 e não corrigido na revisão de 1929: os juízes de primeiro grau não podem apreciar a inconstitucionalidade de uma lei e nem podem provocar o Tribunal Constitucional para tanto. Cria-se, assim, a absurda situação em que são obrigados a aplicar uma lei, mesmo que entendam ser ela incompatível com o ordenamento jurídico vigente.

Tal incongruência só foi aperfeiçoada nas Constituições da Itália e da Alemanha, conforme adverte o professor DIRLEY (2008, pg.80). Nestes casos, apesar do controle de constitucionalidade ser exercido apenas por um Tribunal Constitucional, todos os juízes ou tribunais podem suscitar sua manifestação quando vislumbrarem a inconstitucionalidade de alguma norma.

Assim, o sistema de controle austríaco é aquele exercido por um Tribunal criado para este fim, sendo concentrado, portanto, e, em regra, principal, excetuando-se as hipóteses em que os juízes submetem a questão para apreciação da Corte Constitucional, quando o controle será incidental. Em ambos os casos, a decisão do Tribunal produzirá efeitos erga omnes, vinculantes a todos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Daniel Leite. O STF e a (im)possibilidade de mutação constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2147, 18 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12876. Acesso em: 26 nov. 2024.

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