Acompanha-se do noticiário uma tendência do poder público, nos últimos anos, em promover o encarceramento de contribuintes inadimplentes, na esperança de que, com isso, se resolverá a notória insuficiência da arrecadação tributária.
O tema merece uma profunda reflexão, uma vez que atinge diretamente as pessoas responsáveis por uma das mais importantes células da vida econômica do país, que são as empresas privadas.
Com efeito, como se sabe, na sociedade contemporânea praticamente todas as pessoas, senão todas, em última análise, vivem e dependem da iniciativa privada, vale dizer, dos empreendimentos privados.
A despeito disso, afigura-se um generalizado sentimento, especialmente em algumas classes do setor público, de que a classe empresarial nacional, de regra, é desonesta e não paga seus impostos. É verdade que recentes exemplos de desonestidade tem se revelado ao conhecimento público. No entanto, exceções não podem justificar a generalização, na qual muitos estão a incidir.
Infelizmente, impressionados por arraigados preconceitos, muitos, enganadamente, acreditam que a criminalização da inadimplência tributária é uma forma de proteger os interesses do erário público.
Daí que se tem visto, no banco dos réus, muitos empresários, em sua grande maioria composta de pessoas decentes, que, não logrando êxito em suas atividades, perdendo tudo o que investiram, ainda sofrem o "plus" de uma condenação criminal, sob a proclamação daqueles que, pensando que estão a defender o erário, exaltam que "lugar de sonegador é na cadeia", tudo para o delírio e êxtase da truculência fiscal.
Entretanto, uma reflexão menos apaixonada leva a conclusão de que a tutela pretendida pelas ações penais, contra a inadimplência, não é exatamente a defesa do erário, mas se constitui numa mera "cobrança coativa de tributos".
Em feliz síntese sobre esta questão, ilustrado Juiz do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (Sul) salientou que tal cobrança coativa descortina "um retrocesso em nosso Direito Penal, com a Justiça servindo de instrumento para cobrança de tributos, truculência que a Idade Média deveria ter sepultado com a vitória de Robin Hood sobre o nefasto Príncipe João" e que, "ao magistrado não fica bem o papel de agente do fisco, a ameaçar com o cárcere aquele que sonhou em investir em atividade produtiva e não logrou o almejado êxito" (Apelação 95.0406385-3).
Não se defende aqui a inadimplência tributária, uma vez que, não se desconhece que os tributos são primordiais para que o Estado atinja os objetivos, os quais são impostos pela mesma sociedade de quem se cobra as exações. Os tributos, quando legítimos, devem ser pagos e deve o fisco cobrar seu pagamento, porque este é um dos seus principais deveres. Também não se trata aqui da sonegação fraudulenta.
O que se defende é que, a pretexto de se cobrar tributos, não se pode querer fazer da justiça uma "instituição de sadismo", porque "o banco dos réus não é um instrumento de tortura", como já referiu um Juiz, também de Tribunal Regional Federal (TRF 2.ª Região, "habeas" 96.0211037-6).
Se há um responsável pela generalizada inadimplência tributária em todo o país, este é o próprio Estado que, ao longo das últimas décadas, por meio dos desastrados e sucessivos planos econômicos do governo federal, fez sucatear o parque produtivo nacional, levando inúmeras empresas a falências e situações pré-falenciais.
Depois de todo o malefício causado pelas insucedidas políticas oriundas de um Estado marcado pelo extremo intervencionismo, não se pode pura e simplesmente jogar sobre os ombros do empresariado toda a responsabilidade pela inadimplência tributária que assola a esmagadora maioria das empresas do país
Some-se a isso uma esmagadora e crescente carga tributária que assola o setor produtivo, que já chega a 30% do PIB, segundo aponta o próprio IBGE.
Os que defendem a criminalização tributária deveriam refletir que a instituição do recente REFIS (Plano de Recuperação Fiscal, instituído pela Lei 9.964/00) é um expresso reconhecimento, por parte do Estado, da sua responsabilidade pela generalizada inadimplência tributária.
Percebe-se, claramente, dos termos e condições do indigitado Plano uma inequívoca intenção do Estado em possibilitar que as empresas atingidas pela inadimplência, e que se constituem, como é notório, na maioria das empresas do país, possam retornar à regularidade fiscal. O próprio nome do plano dá conta disso: "Plano de Recuperação Fiscal".
Revelam esta intenção as inéditas condições de parcelamento, segundo pequenos percentuais sobre a receita bruta revelam esta intenção, que também se percebe da dispensa de garantias e da adoção de taxa única de correção e juros para o saldo devedor, a TJLP, que é sobremaneira mais benéfica do que a SELIC, que vinha sendo praticado até então.
Tudo a demonstrar o expresso reconhecimento e assunção de culpa por parte do Estado intervencionista quanto aos irremediáveis danos causados à capacidade de pagamento das empresas, circunstâncias tais que devem ser levadas em conta no momento de se pretender utilizar do instrumento da ação penal para, equivocadamente, "proteger o erário".
A esperança é de que o Judiciário nacional, que, historicamente, sempre se notabilizou pela proteção das liberdades públicas do cidadão, repudie as investidas dos que defendem a cobrança coativa, uma vez que condenações, encarceramentos e, principalmente, prisões preventivas, não são o melhor caminho para a solução dos problemas do erário.
Aliás, no que diz respeito a prisões preventivas em matéria fiscal (que, parece, tornaram-se moda no momento atual) é dizer que são absolutamente incabíveis juridicamente, E não são só as nossas palavras, mas este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tomado em diversos habeas corpus contra tais medidas. Mesmo porque estas são ineficazes para os fins pretendidos. Simplório é o raciocínio de que se encarcerando o dirigente, voltará a empresa, imediatamente, a recolher os tributos que a impossibilidade financeira a impede de pagar.
Todas estas constatações demonstram o quão urgente é a sociedade empenhar-se pela implantação, o mais rápido possível, da tão almejada reforma tributária, com uma justa distribuição de encargos e responsabilidades, única possibilidade para solução dos problemas fiscais que ajudam a emperrar o desenvolvimento nacional.