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Arbitragem nos conflitos de consumo

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Agenda 14/08/2009 às 00:00

4 O MODELO ARGENTINO

Na Argentina, a Ley 24.240 de 1993, que dispõe sobre "la defensa del consumidor", em seu artigo 59 previu a criação de tribunais arbitrais, nos seguintes termos:

ARTICULO 59. — Tribunales Arbitrales. La autoridad de aplicación propiciará la organización de tribunales arbitrales, que actuarán como amigables componedores o árbitros de derecho según el caso, para resolver las controversias que se susciten con motivo de lo previsto en esta ley. Podrá invitar para que integren estos tribunales arbitrales, en las condiciones que establezca la reglamentación, a las personas que teniendo en cuenta las competencias, propongan las asociaciones de consumidores y cámaras empresarias.

Regirá el procedimiento del lugar en que actúa el tribunal arbitral.

Ao contrário do que ocorreu no Brasil, os argentinos souberam aproveitar de forma muito mais adequada os benefícios da adoção da solução arbitral para os litígios advindos das relações de consumo, na medida em que criaram um sistema estruturado de arbitragem de consumo.

Com fundamento na legislação de proteção ao consumidor, Ley 24.240 de 1993, no ano de 1998, pelo Decreto 276, foi instituído no país o Sistema Nacional de Arbitragem de Consumo, que, conforme Paulo Borba Casella [16], trouxe e vem trazendo excelentes resultados.

Conforme elucida María Fernanda Benzrihen [17],

El Sistema Nacional de Arbitraje de Consumo es un mecanismo alternativo de resolución de conflictos, que complementa a la Justicia y ha sido concebido para recomponer las relaciones deterioradas entre proveedores de bienes y servicios y consumidores y usuarios.

Su competencia abarca las relaciones de consumo definidas por la Ley 24.240 de Defensa del Consumidor e incluye las relaciones de intercambio realizadas en todo el territorio nacional.

O "Sistema Nacional de Arbitraje de Consumo", conforme ensina o Casella [18], funciona do seguinte modo: há Tribunais de arbitragem de consumo, que atuam condicionados à adesão prévia e voluntária das partes envolvidas no conflito. As decisões arbitrais, tal como no Brasil, não comportam recurso e podem ser executadas. A apresentação de litígios ao tribunal arbitral é feita diretamente pelo consumidor, sem a necessidade de intermediação de advogados, de modo a eliminar "o óbice econômico normalmente representado pela necessidade de contratação de profissional jurídico". Caso a empresa contra quem se demanda não venha a aderir à arbitragem ou se recuse a comparecer no tribunal arbitral, o consumidor pode levar sua denúncia aos órgãos da Administração. Na Argentina, é a Direção Nacional do Comércio Interior, nos termos da Lei 24.240, o órgão encarregado da defesa do consumidor.

Segundo leciona Benzrihen [19], o sistema argentino de arbitragem de consumo, apresenta as seguintes características:

Voluntariedad: el arbitraje de consumo es voluntario en tanto las partes que comprometen en árbitros una situación litigiosa, renuncian a su fundamental derecho a la tutela judicial efectiva. El Decreto nro. 276/98, que regula el arbitraje de consumo exige que las partes expresen de manera inequívoca su voluntad de sumisión al arbitraje, exigiendo también que se exprese la obligación de cumplir el laudo arbitral.

Conformación Tripartita del Tribunal: el presidente de cada Tribunal Arbitral que se constituya será un funcionario estatal, perteneciente a la Secretaría en cuya órbita funciona el sistema. Los otros dos árbitros, vocales del Tribunal corresponderán uno a las asociaciones de consumidores y el otro a la de los empresarios. Los árbitros no representan a las partes litigantes, sino al sector (empresario, consumidor), afectado.

Unidireccionalidad del procedimiento: sólo los consumidores y usuarios pueden solicitar un arbitraje de consumo. Ello encuentra sustento en lo dispuesto por el Art. 59 de la Ley 24.240, que impone a la administración el deber de desarrollar un sistema de arbitraje que resuelva las quejas o reclamaciones de los consumidores o usuarios.

En tanto tal, puede definírselo como un sistema que garantiza el acceso a la justicia para los consumidores.

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A partir da análise das características inerentes ao sistema, é possível perceber que o uso da arbitragem como forma de solução para os conflitos consumeristas assegura um melhor acesso a justiça e permite maior celeridade e efetividade na resolução de problemas derivados dessas relações.

Sendo assim, entende-se que a adoção de um sistema similar no Brasil traria inúmeras vantagens, dentre as quais, permitir uma maior efetividade da proteção ao consumidor e um melhor desempenho do Poder Judiciário, que teria um número menor de demandas a serem julgadas e, em contrapartida, atuaria com mais celeridade.


5 COMO A ARBITRAGEM DE CONSUMO PODERIA SER IMPLANTADA NO BRASIL

No Brasil, o sistema de proteção ao consumidor, previsto no Código de Defesa do Consumidor, conforme elucida Casella [20], desde a vigência do Decreto 861/93, posteriormente substituído pelo Decreto Federal 2.181/97, estaria estruturado e teria existência legal, todavia sua operacionalidade ainda carecia ser dimensionada. O autor, já naquela época, apontava a arbitragem como alternativa plausível para viabilizar uma maior efetividade na solução dos conflitos de consumo. Sua proposta, a seguir transcrita, faz menção ao modelo argentino:

Além e ao lado do aparato legal já existente, a proposta de utilização da arbitragem para a solução de controvérsias ligadas ao consumo pode ser alternativa eficiente para o consumidor brasileiro, a exemplo do que foi experimentado e deu resultados na Argentina.

Conforme sugere Evandro Zuliani [21], a solução para implantação de uma arbitragem de consumo que tivesse uma rápida aceitação pelos cidadãos brasileiros, cuja mentalidade ainda é significativamente arraigada pela ideia de credibilidade estatal, a exemplo do modelo argentino, seria fazer uso da estrutura estatal.

A credibilidade nas estruturas estatais em geral e, especificamente, nos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor, conforme elucida Zuliani [22], tem sua origem no protecionismo estatal. Para ratificar sua afirmação, invoca a doutrina de Patrícia Galindo da Fonseca, que justifica a existência dessa característica, argumentando que:

O protecionismo estatal provocava no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados.

[...]

As dificuldades de aceitação e assimilação da arbitragem no Brasil devem-se sobretudo, à nossa formação romanista do Direito. A convicção de que só juiz satisfaz os requisitos necessários e se investe de autoridade para julgar problemas jurídicos encontra respaldo no consciente coletivo de nossa sociedade.

Tendo em vista a credibilidade dos poderes públicos, e a consequente necessidade de realização da arbitragem por órgãos ligados ao Estado, como forma de implantar uma cultura arbitral de forma gradativa e metódica [23], uma solução possível seria utilizar a estrutura já existente dos Procon’s, já que, como bem lembra Zuliani [24]

diante das ainda existentes dificuldades de acesso à justiça e a repercussão dos serviços prestados pelos Procon, muitos veem nestes órgãos administrativos a ‘tábua de salvação’ para seus problemas de consumo – sem mencionar os cíveis, trabalhistas previdenciários etc – ledo engano. Na maioria das vezes, desconhecendo os limites da atuação administrativa que não pode ultrapassar a linha da tentativa de mediar o conflito, o consumidor sente a frustração de aguardar período (muitas vezes longo) para então ser orientado a engrossar as filas do já abarrotado Poder Judiciário.

Todavia, como bem afirma o autor,

é fato que a imagem construída pelos Procon decorre, sem dúvida, da expressiva quantidade de acordos realizados, entretanto, em que pese a inevitável demora no encaminhamento da reclamação, se o acordo acontece tudo vai bem, do contrário, a simples recusa do fornecedor (seja de comparecer na audiência seja de compor o conflito com o consumidor) é capaz de por termo ao procedimento administrativo.

É sob essa perspectiva que se faz relevante a instituição de juízo arbitral nos órgãos públicos de defesa do consumidor, estrutura esta que ofereceria inúmeros benefícios, não só para as partes envolvidas, mas também para a sociedade que ganharia em qualidade e eficiência na prestação de um serviço público. [25]


7 REFERÊNCIAS

BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

BENZRIHEN, María Fernanda. La participación de los consumidores como generador de la cadena de valor del servicio público prestado por el Estado. In: Cuarto Congreso Argentino de Administración Pública – Sociedad, Gobierno y Administracón. Beunos Aires, 22-25 ago. 2007. Disponível em: http://www.ag.org.ar/4congreso/index.htm. Acesso em: 24/05/2009.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Malheiros, 1998.

CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo. Disponível em: http://www.arbitragem. com.br/artigos2.htm. Acesso em: 14 abr. 2009.

CATALAN, Marcos Jorge. O procedimento do Juizado Especial Cível. São Paulo: Mundo Jurídico, 2003, p. 125.

ETCHEVERRY, Carlos Alberto. A Nova Lei de Arbitragem os Contratos de Adesão: algumas considerações. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: n. 21, jan/mar, 1997.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 534

REIS, Nazareno César Moreira. Por que a arbitragem não é jurisdição? . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2101, 2 abr. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12566. Acesso em: 03 abr. 2009.

ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 14 abr. 2009.


Notas

[...]

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

  1. O salário mínimo brasileiro, por força da Medida Provisória nº 456/2009, de 30/01/2009, é de R$ 465,00 desde 01/02/2009.
  2. O artigo 4º da Lei de Arbitragem define cláusula compromissória como "a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato".
  3. O compromisso arbitral consiste na renúncia das partes à jurisdição estatal. As partes escolhem um árbitro a cuja decisão devem submeter-se. O compromisso arbitral tem lugar após o surgimento de conflito de interesses entre as partes, podendo ser firmado antes da instauração de processo judicial ou mesmo quando este já foi iniciado.
  4. De acordo com o artigo 7º da Lei 9.099/95, juízes leigos são auxiliares da Justiça recrutados entre advogados com mais de cinco anos de experiência. Estes, quando designados árbitros, devem dirigir o processo consoante o disposto no artigo 25 da Lei 9.099/95, ou seja, "com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica". Deve ainda o árbitro proferir a decisão reputada mais justa, equânime e que mais bem atenda aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Note-se que, nos Juizados Especiais, o árbitro deve ser escolhido entre os juízes leigos. Entretanto, quando arbitragem ocorre fora do âmbito dos Juizados Especiais, a Lei de Arbitragem, em seu artigo 13, prescreve que pode ser árbitro qualquer pessoa capaz que desfrute da confiança das partes, sendo possível a nomeação de mais de um árbitro, desde que o número deles seja ímpar.
  5. CATALAN, Marcos Jorge. O procedimento do Juizado Especial Cível. São Paulo: Mundo Jurídico, 2003, p. 125.
  6. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
  7. Conforme o art. 54 do Código de Defesa do consumidor, "contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo."
  8. De acordo com o artigo 9º, caput, § 1º e 2º da Lei 9.307/96, há duas modalidades de compromisso arbitral: O judicial, que diz respeito a litígios que já vêm sendo discutidos na Justiça, e que, portanto, deve ser celebrado por termo nos autos; e o extrajudicial, que tem lugar quando ainda não há demanda ajuizada. Nesse caso, o compromisso celebra-se por escritura particular assinada por duas testemunhas ou por escritura pública.
  9. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 534
  10. Cf. ETCHEVERRY, Carlos Alberto. A Nova Lei de Arbitragem os Contratos de Adesão: algumas considerações. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: n. 21, jan/mar, 1997.
  11. REIS, Nazareno César Moreira. Por que a arbitragem não é jurisdição? . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2101, 2 abr. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12566 . Acesso em: 03 abr. 2009.
  12. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 110.
  13. BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 147.
  14. Lei 9.099/95, art. 9º: "Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória".
  15. Apud ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 14/04/2009.
  16. CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo. Disponível em: http://www.arbitragem. com.br/artigos2.htm. Acesso em: 14/04/2009.
  17. BENZRIHEN, María Fernanda. La participación de los consumidores como generador de la cadena de valor del servicio público prestado por el Estado. In: Cuarto Congreso Argentino de Administración Pública – Sociedad, Gobierno y Administracón. Beunos Aires, 22-25 ago. 2007. Disponível em: http://www.ag.org.ar/4congreso/index.htm. Acesso em: 24/05/2009.
  18. CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo...
  19. BENZRIHEN. La participación de los consumidores...
  20. CASELLA, Paulo Borba. Arbitragem para consumo...
  21. ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 14 abr. 2009.
  22. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
  23. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
  24. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
  25. ZULIANI. Arbitragem e os órgãos integrantes...
Sobre a autora
Yvana Savedra de Andrade Barreiros

Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA), Especialista em Língua Portuguesa (PUCPR), Graduada em Direito (UnicenP), Graduada em Comunicação Social - Jornalismo (PUCPR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARREIROS, Yvana Savedra Andrade. Arbitragem nos conflitos de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2235, 14 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13322. Acesso em: 24 nov. 2024.

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