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Novo crime de estupro.

Breves anotações

Agenda 19/08/2009 às 00:00

No dia 07.08.2009, foi sancionada a Lei n. 12.015, que reformulou o Título VI, da Parte Especial do Código Penal, que trata dos crimes sexuais. A nova lei fez importantes modificações, criando novos crimes, modificando outros e extinguindo alguns deles.

As alterações começaram pelo nome do Título, que passou a se chamar Crimes contra a dignidade sexual, mas, por ora, limitar-nos-emos a tecer considerações sobre o crime de estupro.


1.Estupro

    Com a nova redação que foi dada ao artigo 213 do Código Penal, o crime de estupro se caracteriza pela conduta de "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso", com a mesma pena de outrora (reclusão de 6 a 10 anos).

    Como se nota, o estupro passou a conter a conduta de constranger alguém (e não apenas a mulher) à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, que anteriormente caracterizava o crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal), agora revogado.

    Assim, para a configuração do estupro basta que uma pessoa (homem ou mulher) obrigue outra (homem ou mulher) a com ela praticar qualquer ato libidinoso (conjunção carnal, coito anal, felação etc.).

    novo artigo 213 é aplicável tão-somente nas condutas contra maiores de 14 anos, pois, se a vítima for menor de 14 anos, aplica-se o artigo 217-A que prevê o crime de estupro de vulnerável, que tem pena mais grave.

    Com a revogação do artigo 224, que previa a presunção de violência, o estupro previsto no novo artigo 213 do Código Penal só pode ser praticado mediante violência real (agressão física) ou grave ameaça.


    2.Estupro de vulnerável

      A nova lei criou o crime de estupro de vulnerável, com pena de reclusão de 8 a 15 anos, que se caracteriza pela prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos (217-A, "caput"), ou com pessoa (de qualquer idade) que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento, ou não pode oferecer resistência (§ 1º).

      Esse tipo penal é conseqüência da revogação do artigo 224 do Código Penal que previa as hipóteses de presunção de violência, agora transformadas em elementos do crime de estupro de vulnerável.

      Como o artigo 217-A não contém em sua descrição típica o emprego de violência, doravante a menoridade da vítima passa a integrar o tipo penal, não cabendo qualquer discussão sobre a sua inocência em assuntos sexuais.


      3.Formas qualificadas do estupro

        As qualificadoras pelo resultado (lesão grave ou morte), que estavam previstas no artigo 223, do Código Penal, foram deslocadas para os parágrafos dos artigos 213 e 217-A, tornando a redação mais técnica.

        A qualificadora pelo resultado morte teve a pena máxima aumentada de 25 para 30 anos (213, § 2º), enquanto idênticas qualificadoras do estupro de vulnerável (art. 217-A, §§ 3º e 4º) tiveram penas fixadas em patamares mais elevados (reclusão de 10 a 20 anos para a hipótese de lesão grave e reclusão de 12 a 30 anos para a hipótese de morte da vítima).

        Além disso, alterou-se a redação da qualificadora pelo resultado lesão corporal de natureza grave, substituindo-se a expressão "violência", contida no artigo 223, pela expressão "conduta" (artigos 213, § 1º e 217-A, § 3º).

        Essa modificação torna o tipo mais abrangente e permite a sua aplicação na hipótese de as lesões graves decorrerem de grave ameaça (a título de exemplo, a vítima, aterrorizada pelas ameaças, pode sofrer um enfarte que lhe acarrete paralisia de parte do corpo), o que não era possível antes da nova lei.

        3.2.Qualificadora pela idade da vítima

          O crime de estupro tipificado no artigo 213 também passa a ser qualificado se a vítima for menor de 18 anos e (e não ou como consta no § 1º) maior de 14 anos.


          4.Ação penal

            O artigo 225 do Código Penal foi completamente reformulado, abolindo-se a ação penal privada. Doravante, a ação penal é, em regra, pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal. Sob outro aspecto, será de ação pública incondicionada se a vítima é menor de 18 anos ou é pessoa vulnerável, assim considerada a doente mental ou aquela que não pode oferecer resistência.

            Assim, qualquer que seja o crime sexual, a titularidade para promover a ação penal é sempre do Estado, por meio do Ministério Público.

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            5.Hediondez

              A Lei n. 12.015/09 deu nova redação ao artigo 1º, V, da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), deixando claro que o estupro simples (213, "caput",) também é hediondo.

              A previsão legal faz cessar a divergência que existia a respeito, pois ora se entendia que todas as formas de estupro eram hediondas (STF, HC 93674 / SP, Relator Min. Ricardo Lewandowski, j. 07/10/2008, 1ª Turma), ora se sustentava que apenas as formas qualificadas pela lesão grave ou morte eram assim consideradas (STJ, HC 9937/RJ, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 14.12.99, 6ª Turma).

              Além disso, o estupro de vulnerável (art. 217-A), em todas as suas formas (simples e qualificadas), foi incluído no rol dos crimes hediondos (art. 1º, VI, da Lei 8.072/90).


              6.Revogação do artigo 224 do Código Penal

                A revogação do artigo 224 do Código Penal, não alterou a situação dos réus que já foram processados e/ou condenados pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor mediante o emprego de violência presumida, pois as hipóteses elencadas no aludido dispositivo passaram a constituir elementos do estupro de vulnerável (art. 217-A), com pena mais severa.

                Não tendo a conduta sido extirpada do ordenamento jurídico, mas, ao contrário, tendo sido tratada com mais rigor, não pode retroagir para beneficiar os autores dessa conduta.


                7.Derrogação do artigo 9º da Lei n. 8.072/90

                  O artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos prevê que as penas dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor são acrescidas de metade, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no artigo 224 do Código Penal.

                  Com a revogação deste dispositivo, as hipóteses ali contempladas passaram a ser elementares do estupro de vulnerável e não mais poderão caracterizar, ao mesmo tempo, causas de aumento de pena desse mesmo delito, sob pena de incorrer no indevido "bis in idem".

                  O aumento previsto no artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos também não será aplicável ao artigo 213 porque, para a caracterização deste delito, a vítima não pode estar em nenhuma das hipóteses do antigo 224 do CP, pois, se estiver, o crime será o do artigo 217-A.

                  Logo, houve a derrogação (revogação parcial) do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, que continua sendo aplicado apenas aos crimes patrimoniais nele elencados.

                  7.1.Fatos pretéritos

                    A derrogação do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos beneficiaria aqueles que praticaram delitos contra pessoas enumeradas no revogado artigo 224? Cremos que em parte.

                    A fragilidade da vítima, em razão de ser ela menor de 14 anos ou portadora de doença mental, continua sendo tutelada pelo Direito Penal, tanto que a pena mínima do artigo 217-A, "caput" passou a ser de 08 anos. Portanto, o legislador compensou a retirada da causa de aumento de pena prevista na Lei dos Crimes Hediondos, com um aumento na pena cominada.

                    Destarte, aquele que foi condenado por estupro ou atentado violento ao pudor contra criança ou portador de doença mental e teve a pena acrescida por conta do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não terá direito ao cancelamento puro e simples desse acréscimo.

                    Entretanto, cotejando-se as penas anteriores e atuais (tomemos a mínima cominada para facilitar o raciocínio), constata-se que o estupro simples tinha pena de 06 anos; o qualificado pela lesão grave, de 08 anos, e o qualificado pela morte, de 12 anos. Aplicando-se o aumento de metade por conta do artigo 9º da Lei n. 8.072/90, chegaríamos às penas de 09, 12 e 18 anos, respectivamente.

                    Por outro lado, no estupro de vulnerável, onde já se considera a menoridade ou deficiência mental da vítima, as penas mínimas são de 08, 10 e 12 anos, respectivamente.

                    Assim, a lei nova é mais benéfica e deve retroagir para alcançar os fatos anteriores, inclusive os já transitados em julgado, não para cancelar o aumento de pena, mas fazer a correção da pena nos limites estabelecidos pela nova lei. A título de exemplo, se alguém foi condenado por estupro (art. 213, "caput") à pena de 09 anos (mínima de 06 anos, acrescida de metade pelo fato de a vítima ser menor de 14 anos), terá direito de ver a pena reduzida para 08 anos, que é o mínimo cominado para o estupro de vulnerável.


                    8.Consequências da revogação do artigo 214 do Código Penal

                      O artigo 7º da Lei n. 12.015/09 expressamente revogou o artigo 214 do Código Penal, que previa o crime de atentado violento ao pudor. Em regra, quando um tipo penal é expressamente revogado, opera-se a abolitio criminis, causa extintiva da punibilidade (art. 107, III, do Código Penal).

                      Entretanto, no caso em exame não ocorreu a abolitio criminis, pois a conduta de constranger pessoa à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal não foi abolida do Direito Penal, uma vez que continua sendo punida com a denominação de estupro e estupro de vulnerável, conforme a condição da vítima.

                      Para que ocorra a abolitio criminis deve haver uma ab-rogação completa do preceito penal, fazendo com que a norma proibitiva contida implicitamente no tipo penal deixe de existir. No caso do crime do artigo 214 do Código Penal, o comando proibitivo ("é proibido praticar atos libidinosos com menor de 14 anos ou portador de doença mental") continua vigente. Essa norma existia no tipo revogado e continua existindo no novo tipo penal.

                      Assim, aqueles que antes da vigência da Lei n. 12.015/09 praticaram o crime tipificado no artigo 214 do Código Penal, continuarão respondendo pela conduta delituosa, agora com nova denominação, mas com a mesma pena de 06 a 10 anos.

                      8.2.Lei nova mais benéfica

                        Estava pacificado que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor eram crimes de espécies diferentes e deveriam ser punidos de forma autônoma. Assim, quem praticasse conjunção carnal e outro ato libidinoso (coito anal, p. ex.) contra a mesma vítima, deveria responder pelos dois crimes.

                        A divergência residia na espécie de concurso de crimes. Ora se sustentava que se tratava de concurso material e as penas deveriam ser somadas (STF, HC 94714/RS, rel. Min. Carmen Lúcia, j. 28.10.2008), ora se sustentava que se tratava de crimes continuados, aplicando-se a exasperação prevista no artigo 71 do Código Penal (STF, HC 89827/SP, rel. Min. Carlos Britto, j. 27.02.2007).

                        Com a nova lei, os atos libidinosos diversos da conjunção carnal passaram a integrar a descrição típica do crime de estupro e, doravante, quem praticar, em um mesmo contexto fático, conjunção carnal e outros atos libidinosos contra a mesma vítima, responderá por um único delito: o de estupro.

                        Nesse aspecto a nova lei é mais benéfica e, nos expressos termos do artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal, deve retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, inclusive as decisões já transitadas em julgado, que deverão ser revistas em sede de Execução Penal.

                        Assim, aqueles que foram condenados ou estejam sendo processados pelos dois crimes praticados, no mesmo contexto e contra a mesma vítima, devem ser responsabilizados unicamente pelo crime de estupro.


                        9.Conclusão

                          Como demonstrado, a nova legislação evoluiu tecnicamente em alguns aspectos, mas retrocedeu ao revogar o artigo 214 do Código Penal o que torna a lei, em alguns aspectos, mais benéfica.

                          Essas são nossas primeiras impressões sobre as alterações realizadas no crime de estupro.

                          Sobre o autor
                          Jairo José Gênova

                          Promotor de Justiça em Marília (SP). Professor de Direito Penal dos cursos de graduação e pós-graduação do UNIVEM - Marília (SP). Mestre e Doutor e Direito Penal pela PUC/SP.

                          Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

                          GÊNOVA, Jairo José. Novo crime de estupro.: Breves anotações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2240, 19 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13357. Acesso em: 8 nov. 2024.

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