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Direito Penal Militar Juvenil (?)

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Agenda 21/08/2009 às 00:00

5. Maioridade penal na Constituição Federal de 1988 e a "teoria da recepção"

O CPM foi idealizado de acordo com as regras estabelecidas na Constituição Federal de 1967, com a Emenda Constitucional número 1, de 17 de outubro de 1969.

A referida Constituição possuía apenas um Título (Título IV) que tratava genericamente da família, da educação e da cultura, a partir do art. 175, não versando sobre a maioridade penal, o que deixou o legislador ordinário a vontade para dispor sobre a matéria, tanto no Código Penal comum como no CPM.

Com a CF de 1988, no entanto, a matéria ora discutida passou a ter relevância constitucional, verificando-se que o Constituinte Originário, adotando o critério biológico, fixou a maioridade penal acima dos dezoito anos.

O art. 228 da CF de 1988 dispõe que são "penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial".

Não poderia ser diferente, já que a atual Constituição, no que concerne à proteção da criança e do adolescente adotou a "doutrina da proteção integral", significando dizer que o "Estado brasileiro tem o dever de garantir as necessidades da pessoa em desenvolvimento (de até 18 anos de idade), velando pelo seu direito a vida, saúde, educação, convivência, lazer, liberdade, profissionalização e outros (art. 4º do ECA), com o objetivo de garantir o ‘desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade’ (art. 3º do ECA)" [40].

Essa doutrina adotada pela Constituição está evidente em seu art. 227, que consigna como "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Dessa forma temos que, apesar de o CPM, em tese, permitir a responsabilização penal de menores de dezoito anos, nas regras suso comentadas, a Constituição Federal rechaça essa possibilidade no art. 228, não recepcionando os art. 50 a 52 do Código Penal Castrense.

Com a edição de uma nova Constituição, o ideal seria que todas as legislações fossem refeitas, contudo, na prática, isso é impossível, lançando mão os aplicadores do Direito da teoria da recepção. Como bem dispõe Pedro Lenza, todas "as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas, por ausência de recepção. Vale dizer, a contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contrariar a nova ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova ‘roupagem’" [41]. Está-se, para alguns, diante de uma inconstitucionalidade superveniente, entendida como "aquela em que o ato, emanado do órgão legislativo, viola norma constitucional que ainda será editada" [42].

Um grande problema da teoria da recepção está no fato de que não há uma revogação expressa, ou seja, os textos legais não recepcionados continuam intactos, dificultando a detecção do fenômeno. Dessa forma, há casos em que a não recepção é clara, inconteste, enquanto outros há em que a concepção pessoal do ator do Direito comandará a conclusão pela recepção ou não de um dispositivo. Obviamente, a maioridade penal encontra-se no primeiro grupo, dada a clareza já evidenciada do art. 228 da Constituição Federal.

Em conclusão deste tópico, portanto, os menores de dezoito anos, malgrado as previsões dos art. 50 a 52 do CPM, não estão sujeitos à repressão penal militar, mas estarão "sujeitos às normas da legislação especial", conforme dispõe o final do art. 228 da CF [43]. Observe-se que essa expressão – "sujeitos às normas da legislação especial" –, com fulcro na análise da tradição legislativa brasileira – mormente partindo-se da análise dos dispositivos dos vários Códigos Penais acima discutidos – não se refere, como alguns entendem, a uma "legislação penal especial" – no qual incluiríamos o CPM –, mas sim a uma legislação menorista, específica para crianças e adolescentes, ou seja, hoje o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990). É dizer: o menor de dezoito anos que pratique conduta tipificada no Código Penal Militar, não praticará crime, mas ato infracional, como abaixo esmiuçaremos.


6.Antecipação da capacidade civil e maioridade penal

Como bem se sabe, o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de janeiro de 2002) reduziu a idade para o início da capacidade de vinte e um para dezoito anos, prevendo, ademais, situações em que essa idade pode ser antecipada.

O art. 5º do referido Código, dispõe, que a "menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil", versando ainda no inciso III do parágrafo único que a incapacidade cessará pelo "e exercício de emprego público efetivo".

A indagação que surge, pois, é a seguinte: como o exercício de emprego público efetivo antecipa a capacidade civil, não anteciparia também a maioridade penal?

Por óbvio, a resposta é em sentido negativo e a fundamentação é bem simples: não há permissibilidade constitucional para tal conclusão.

Como visto, o art. 228 da CF dispõe de forma clara e intransigente acerca da maioridade penal, sendo inconstitucional qualquer ilação em sentido oposto.


7.O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O Estatuto, como sabido, aplica-se à criança e ao adolescente, o que leva à necessidade, para que se tenha uma compreensão científica da matéria, de firmar a distinção entre essas duas categorias, sendo clara a disposição do art. 2º do ECA, ao considerar criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Para a aferição da transição da infância para a adolescência – bem como da adolescência para a maioridade penal –, embora haja divergência jurisprudencial, a corrente dominante entende que se deve considerar o primeiro instante do dia do aniversário em que seja completado o décimo segundo aniversário – ou décimo oitavo, no caso da maioridade penal. Caso a pessoa tenha nascido em 29 de fevereiro, considerar-se-á o primeiro dia subseqüente, ou seja, 1º de março, desde que o ano também não seja bissexto (art. 3º da Lei nº 810, de 6-9-1949 [44], que define o ano civil). [45]

7.2. Configuração de ato infracional

Como já aduzimos, o menor de dezoito anos não pratica crime militar, mas ato infracional, sendo importante verificar a sua definição legal no ECA, o que encontraremos no art. 103 do referido Estatuto que considera "ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal".

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Como se vê, todo fato descrito como contravenção praticado por criança ou adolescente é um ato infracional. Assim também o é o fato descrito como crime, e o Estatuto não limita tal previsão ao crime comum, abrangendo, pois, o crime eleitoral, o crime de trânsito e, obviamente, o crime militar.

Sérgio Salomão Shecaira, em sentido oposto, defende que o adolescente comete crime, apenas não estando sujeito a penas. Nesse sentido, postula o autor que por "esse entendimento, os menores de dezoito anos podem cometer crimes não se sujeitando às sanções penais correspondentes por inimputabilidade decorrente de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento" [46]. Por essa razão o autor sustenta existir um "Direito Penal Juvenil", que deve ser permeado pelos princípios e conseqüentes garantias do Direito Penal, com algumas adaptações em favor da condição especial de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, dispõe:

"Pode parecer um paradoxo que a responsabilização do adolescente seja sustentada exatamente com base no instrumental do Direito Penal, quando é ele próprio que nega a capacidade penal, ou seja, a imputabilidade. Mas se não for esse o instrumental teórico – potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa –, como se justificaria a atribuição de responsabilidade ao autor de ato infracional, quando a própria Constituição assevera serem os adolescentes pessoas com dignidade própria com diversos direitos assegurados com prioridade absoluta sobre os demais?" [47]

Com efeito, embora alguns possam não concordar com a designação Direito Penal Juvenil (ou Direito Penal Militar Juvenil, como o título deste trabalho indaga) – e isso o próprio autor considera possível de ocorrer – inequivocamente, deve-se assemelhar a ocorrência do ato infracional à do crime, ingressando não só pela tipicidade, mas, também, pela antijuridicidade e pela culpabilidade, claro, sem avaliar a imputabilidade, afastada por presunção juris et de jure.

Note-se que a tendência em levar a discussão de mérito a seu termo, ainda que presente uma causa excludente da culpabilidade ou extintiva da punibilidade é recorrente na doutrina e na jurisprudência, chegando mesmo a influenciar a própria produção legislativa.

Doutrinariamente, à guisa de exemplo, tome-se trabalho detido do Eminente Ministro Carlos Alberto Marques Soares, acerca da extinção da punibilidade pela prescrição e o direito do acusado em obter uma sentença de mérito. Sacramenta o autor que o "acusado tem o direito de exigir que a Justiça se pronuncie sobre o mérito do processo, proclamando sua inocência, se for o caso, mesmo quando se achar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva" [48]. Guardadas as proporções, se o jurisdicionado, seja ele adulto ou adolescente, tem o direito ao reconhecimento de questão de mérito em face de uma causa extintiva da punibilidade, também o terá em face de uma causa excludente da culpabilidade.

No plano legislativo, essa visão se sedimenta e nada melhor para exemplificar que a recente alteração no procedimento do Tribunal do Júri, trazida pela Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, vedando a absolvição sumária, nos termos do parágrafo único do art. 415 do Código de Processo Penal, em casos de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Código Penal – não se referindo neste caso, obviamente, aos menores de dezoito anos, mas podendo o exemplo indicar o que se pretende construir – salvo quando esta for a única tese defensiva. Explica-se essa previsão no fato de que, ainda que acometido por uma doença mental que o conduza a uma incapacidade de discernimento e impossibilite a condução de atos com base nessa compreensão, o cidadão tem direito a um decreto absolutório que avalie o cerne do injusto típico (fato típico e antijurídico).

Com efeito, a visão de Sérgio Shecaira é muito perspicaz e deve ser abarcada pela compreensão atual da doutrina. É notório que com a disposição do art. 103, o ECA também consagra para o ato infracional o princípio da legalidade, podendo-se dizer que não há ato infracional sem que haja, por lei, prévia definição do fato como crime ou contravenção [49]. Como reflexo inequívoco, surge a impossibilidade de ato infracional em face de uma excludente de antijuridicidade, já que o conceito analítico de crime importa em constatação, também, da ilicitude do ato praticado. Não há ato infracional, por exemplo, na lesão corporal praticada por adolescente militar que, em repulsa a uma invasão do quartel, dentro de uma proporcionalidade, agride o invasor.

No que concerne à culpabilidade, como o Código Penal Militar possui uma estrutura impulsionada pelo causalismo neoclássico, deve ela ser considerada elemento integrante do conceito analítico de crime, donde de conclui que a excludente de culpabilidade, ao excluir o crime, também excluirá o ato infracional. Assim, por exemplo, um adolescente que pratique um determinado fato típico de crime comum, ignorando, de forma invencível, elementar do tipo penal, não poderá ser responsabilizado pelo ato infracional em razão de estar afastada a tipicidade por ausência do dolo ou de culpa, não havendo que se falar em conduta penalmente relevante (art. 20, caput, do CP). Contudo, na mesma situação, ignorando, de forma plenamente escusável, situação de fato que compõe o delito, um militar adolescente também não poderá ser responsabilizado pelo ato infracional, porém, terá incidido em erro de fato essencial, que embora também afaste o dolo e a culpa, constitui-se em uma causa de exclusão da culpabilidade (art. 36, caput, do CPM), tendo por consequência não a isenção de pena como diz o texto do Código Penal Militar, mas a não imposição de medida socioeducativa.

Por essa construção, o art. 189 do Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser interpretado de forma mais ampla, não se detendo, como faz supor, apenas na existência do fato ou na concorrência do adolescente para ele.

Advirta-se, no entanto, que a constatação de excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade deve ser invocada e reconhecida pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Excepciona-se a essa regra a situação de patente excludente quando o responsável pela polícia judiciária militar poderia optar pela instauração de IPM ao invés da autuação em flagrante delito, conforme comandam os art. 243 e 244 do CPPM [50]. Contudo, levando-se em consideração que o adolescente não comete crime, a instauração de feito de polícia judiciária militar seria incorreta, devendo-se fazer o registro do ato infracional – pela autoridade competente que abaixo indicaremos – e do fato em procedimento interna corporis, a exemplo da sindicância, para que sejam avaliados eventuais resíduos administrativos.

No que se refere ao momento do ato infracional, deve-se adotar a teoria da atividade, ou seja, considera-se o ato infracional praticado no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento da consumação. Assim, se um adolescente com dezoito anos incompletos atira em alguém no dia anterior ao do seu aniversário, ainda que a vítima faleça no dia seguinte, tomaremos o momento da ação como aquele que definirá a responsabilidade do agente, sendo portanto, ato praticado por adolescente, isto é, um ato infracional.

Firmemos, ainda neste tópico, que para a nossa construção, a criança estaria fora das hipóteses definidas no Código Penal Militar, que impossibilita a imputação de responsabilidade penal ao menor de dezesseis anos (art. 52 do CPM).

Todavia, não é inútil discorrer brevemente acerca da criança e a prática de ato infracional.

A criança também comete ato infracional, devendo-se, no entanto, observar certas restrições, das quais as duas são principais: as vedações de apreensão [51] e de aplicação de medidas socioeducativas (art. 112 do ECA), sendo-lhe aplicadas apenas as medidas protetivas (art. 105 do ECA). Dessa forma, não haveria responsabilização para a criança, responsabilização aqui encarada como medida de reforma, donde se conclui estar ela à margem do Direito Penal Juvenil (comum ou militar).

7.3. Conseqüência da prática de ato infracional

7.3.1. Criança

A prática de ato infracional por menor de 18 anos, coloca-o em situação de risco (art. 98 do ECA), cabendo a aplicação de medidas protetivas para crianças (art. 105 do ECA).

Nos termos do art. 101 do ECA, segundo o qual sempre que os direitos reconhecidos no Estatuto forem ameaçados ou violados seja, por exemplo, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, ou mesmo em razão da conduta ou do adolescente, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras que entender adequadas, as medidas protetivas, a saber, o encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade, a orientação, apoio e acompanhamento temporários, a matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental, a inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente, a requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, o abrigo em entidade e a colocação em família substituta.

Todas essas medidas podem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar ou pelo Juízo da Infância e Juventude, com exceção da colocação em família substituta que somente pode ser aplicada pela autoridade judiciária.

Verifica-se também que a aplicação não é obrigatória ("poderá determinar", diz o artigo em comento) e que o rol acima não é exaustivo ("dentre outras", também dispõe a norma), podendo o juízo da infância e da juventude admitir outras medidas que não as enumeradas no ECA.

Deve-se lembrar que essas medidas, para a criança, podem ser substituídas, a critério do juízo a qualquer tempo, nos termos do art. 99 do ECA.

Outra importante observação está na previsão do art. 100 do ECA que determina que na "aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários".

7.3.2. Adolescente

Conformação diversa temos para os adolescentes, onde estaria o Direito Penal Juvenil (comum ou militar). Para eles as medidas protetivas podem ser aplicadas isoladamente, ou cumulativamente com medidas as socioeducativas do art. 112, que se constituem em um rol exaustivo. Assim, verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a inserção em regime de semi-liberdade e a internação em estabelecimento educacional, além, segundo o art. em foco, de qualquer das medidas protetivas do art. 101, exceto o abrigo em entidade e a colocação em família substituta.

As medidas socioeducativas, pela visão jurisprudencial dominante, somente podem ser aplicadas pela Autoridade Judiciária, sob o crivo do contraditório [52].

Por força do art. 113, deve-se verificar que também há a necessidade de se avaliar a aplicação de medida sócio-educativa nos termos do art. 100 do ECA, ou seja, na "aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários".

A regra de substituição a qualquer tempo, por força do art. 113 do ECA, também é aplicável reflexamente às medidas socioeducativas.

7.4. Punição disciplinar e sua validade em substituição de medidas protetivas ou socioeducativas

Como se viu, o art. 99 permite que as medidas protetivas sejam substituídas, sem estabelecer parâmetros dessa substituição. Por força do art. 113, também podem ser substituídas as medidas socioeducativas.

Ademais, tanto o art. 101 como o art. 112, facultam a aplicação de medidas protetivas ou socioeducativas, não havendo a obrigatoriedade de sua aplicação.

Por fim, as medidas protetivas estão em um rol exemplificativo (...dentre outras...), deixando aberto o rol à prudente avaliação do juízo da infância e juventude.

Pelo acima disposto, conclui-se perfeitamente possível que o juízo da infância e da juventude entenda que uma sanção disciplinar, aplicada ao adolescente militar nos parâmetros do Regulamento Disciplinar de sua Corporação, tenha cumprido a função almejada pelas medidas do ECA – mormente atendendo-se às necessidades pedagógicas e em favor de uma medida que fortaleça os vínculos familiares e comunitários, alinhando-se à doutrina da proteção integral que orienta o sistema normativo constitucional e infraconstitucional – deixando, assim, de aplicá-las.

7.5. Apreensão

Por defendemos que o menor de dezoito anos não comete crime militar, mas ato infracional, devemos aceitar a impossibilidade de prisão em flagrante delito, sendo possível, no entanto, a apreensão em flagrante de ato infracional.

Frise-se, mais uma vez, que somente adolescente pode ser apreendido, não estando a criança sujeita a essa medida. Todavia, devem-se ressaltar vozes em sentido oposto a de Jorge César de Assis, para quem as "crianças flagradas na prática de ato infracional podem, por óbvio ser apreendidas pela polícia, civil ou militar. Entretanto, ao invés de irem para a Delegacia de Polícia, deverão ser levadas para o Conselho Tutelar" [53]. Essa também parece ser a visão de Sérgio Shecaira, ao dispor que "havendo apreensão da criança (termo utilizado para designar a prisão quando o fato é praticado por aquele que ainda não tem doze anos completos), ela deve ser encaminhada imediatamente para o Conselho Tutelar ou, na falta deste, para a autoridade judiciária competente" [54].

A apreensão de adolescente, nos termos do art. 106 do ECA, somente pode-se dar por flagrante de ato infracional ou por ordem judicial fundamentada, consagrando-se, assim, um paralelismo com o inciso LXI do art. 5º da CF. A apreensão fora dessas situações configurará delito capitulado no art. 230 do ECA [55].

As hipóteses de flagrante, cumpre indicar, são as mesmas da legislação processual (comum ou militar) e, uma vez não verificadas, impedem a apreensão, salvo por ordem judicial, quando então a autoridade policial encaminhará ao representante do Ministério Público apenas o relatório das investigações e demais documentos (art. 177 do ECA).

Necessário lembrar que, no ato da apreensão, alguns pontos devem ser observados, a exemplo da prestação de informação ao adolescente da identificação do responsável pela apreensão e de seus direitos, bem como a imediata comunicação, pela autoridade policial (Delegado de Polícia), à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.

Também carece firmar que o art. 174 do ECA impõe à autoridade policial a imediata liberação do apreendido em face do comparecimento de qualquer dos pais, ou de um responsável, desde que firmado compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público ou, na impossibilidade, no primeiro dia útil imediato. Excetuam-se à imposição de imediata liberação, os casos em que pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública. Neste caso, no entanto, a autoridade policial encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante do Ministério Público, juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência (art. 175 do ECA).

7.6. Registro e primeira apuração de ato infracional

A atribuição para o registro do ato infracional e sua apuração primeira será, como acima já inferido, do Delegado de Polícia. Nesse sentido, dispõe o art. 172 do ECA que o "adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente".

Ao grafar "autoridade policial" o Estatuto, em sintonia com o art. 144, § 4º, da CF, refere-se à autoridade policial comum, ou seja, o Delegado de Polícia.

7.7. Local de internação

Como visto, a internação é uma medida socioeducatva, aliás, a mais severa das enumeradas no art. 112 do ECA, e consiste, nos termos do art. 121 do mesmo Estatuto, em medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Por essa razão, apesar de não comportar prazo determinado, deve ter sua manutenção reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses e nunca poderá exceder o prazo de três anos. Admite-se a internação provisória, antes da sentença, podendo ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias (art. 108 do ECA). Somente pode ser aplicada, nos termos do art. 122 do ECA, quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves, por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

Diante dessas previsões, uma pergunta naturalmente surge: em impondo o juízo da infância e da juventude a medida de internação de militar adolescente, poderá ele ser destinado às instituições próprias para a internação de adolescentes, como a "Fundação Casa" no Estado de São Paulo?

Obviamente, se houver possibilidade de proteção da integridade física do adolescente, é perfeitamente possível sua internação em estabelecimento destinado genericamente a adolescentes infratores.

Contudo, na prática, a realidade sugere que um militar adolescente em um tal estabelecimento não teria sua integridade física respeitada pelos demais internos, mesmo que a vigilância fosse acirrada.

Dessa forma, duas seriam as soluções: 1) internar o militar adolescente em presídio militar, separado dos presos por infrações penais, tomando-se por base a possibilidade já admitida pela jurisprudência na falta de estabelecimento adequado [56]; 2) internar o militar em estabelecimento militar (quartel), com especial recomendação para o Comando da Unidade acerca dos cuidados necessários à internação.

Sobre o autor
Cícero Robson Coimbra Neves

Promotor de Justiça Militar em Santa Maria/RS. Mestre em Direito Penal pela PUC/SP (2008) e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo (2013). Foi Oficial Temporário do Exército, de Artilharia (1989 a 1991), e Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, ingressando na Reserva não Remunerada no posto de Capitão (1992 a 2013). Foi professor de Direito Penal Militar na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (2000 a 2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Cícero Robson Coimbra. Direito Penal Militar Juvenil (?). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2242, 21 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13365. Acesso em: 23 dez. 2024.

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