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Da necessidade epistemológica da sistematização de uma hermenêutica jurídica voltada ao processo civil brasileiro.

Anotações preliminares

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Agenda 26/08/2009 às 00:00

É necessária uma hermenêutica jurídica específica para o processo civil brasileiro, enfatizando a importância da filosofia do processo e suas categorias básicas

Resumo: Este artigo constitui uma apresentação da justificativa da necessidade epistemológica da sistematização de uma hermenêutica jurídica voltada ao processo civil brasileiro. Este objetivo é cumprido apenas nos aspectos preliminares, algumas anotações instigadoras da discussão. Ao final, faz-se uma esquematização da sistematização proposta.

Palavras-chave: Direito Processual Civil. Hermenêutica Jurídica. Interpretação Jurídica. Especificidades. Sistematização.

Sumário: 1. Prolegômenos; 2. Filosofia do processo e suas categorias básicas (epistemologia e metodologia); 2.1. Distinções indispensáveis (teoria geral do direito, teoria do processo e filosofia do processo); 2.2. A compreensão histórica do estudo do processo (das várias posturas metodológicas até à vigente); 3. A construção da hermenêutica jurídica aplicada ao processo civil; 3.1. O conceito de hermenêutica jurídica; 3.2. Evolução do conceito da hermenêutica; 3.3. A necessidade de hermenêutica do processo civil; 4. Um esboço de sistematização da hermenêutica jurídica do processo civil (conclusão); 5. Referências.


1. PROLEGÔMENOS

O tema é de enorme relevância para a edificação de um estudo do Direito Processual sob bases consistentes e coerentes, sem despencar nos riscos de (des)entender o processo numa perspectiva meramente repetidora de dogmas e/ou prestá-lo ao papel reducionista de amontoado de atos processuais, perdido em filigranas procedimentais.

É fato inconteste que o estudo do processo civil tem cada vez mais se imbricado na análise do próprio Direito Constitucional, forçando a união das duas disciplinas. Isso, contudo, não tira a autonomia do processo civil, pelo contrário, justifica a edificação de ramos mais particulares a este novo perfil.

O presente estudo tem como objetivos imediatos enfrentar a relação existente entre a hermenêutica jurídica e o processo civil, especificamente no caso brasileiro. Para tanto, transitar-se-á pela vanguarda do pensamento jurídico que trata de uma filosofia do processo ao lado de uma teoria do processo. Ao final, pretende-se a propor o esboço de uma sistematização da hermenêutica jurídica aplicada ao processo civil.

O trabalho compõe-se de três principais partes. A primeira tratará da existência da filosofia do processo e suas categorias básicas, principalmente da epistemologia singular desta matéria, para depois, ao final, justificar a existência de uma hermenêutica própria do processo.

Na segunda parte, a questão será especificamente a construção desta hermenêutica, dando-lhe corpo dentro do desenvolvimento do estudo da própria interpretação, localizando suas especificidades. Por derradeiro, depara-se com o esboço de sistematização da hermenêutica jurídica do processo civil.

Ficará para outro espaço a exemplificação dessa hermenêutica quanto ao estudo de certos institutos processuais.


2. A FILOSOFIA DO PROCESSO E SUAS CATEGORIAS BÁSICAS (EPISTEMOLOGIA E METODOLOGIA DO PROCESSO)

2.1. Distinções indispensáveis (teoria geral do direito, teoria do processo e filosofia do processo)

Antes de adentrar propriamente à filosofia do processo e suas categorias, é necessária a feitura da distinção entre esta, a teoria geral do processo e a teoria do processo.

Como nos ensina a valiosa doutrina de Dinamarco 1 e Santiago Filho 2, a teoria geral do processo teve nascedouro no esforço grandioso de pensadores de vocação filosófica. Santiago Filho aponta, além de Francesco Carnelutti, a figura de Wilhelm Sauer. No entanto, essa disciplina de gênese tão abrangente é tratada atualmente como escrava de um ramo da indústria literária estritamente voltada para atender uma demanda didático-instrumental, esquecendo-se de seu projeto epistemológico.

Hoje, a disciplina é limitada por sua degeneração, pois deixou de lado sua vocação filosófica e entrou-se numa apatia às inquietações ínsitas ao estudo do processo. Isso tornou o estudo da intitulada teoria geral do processo algo enfadonho e circular, enfeitada pelas filigranas, na maioria das vezes derivadas de interpretações puramente gramaticais, ou, filológicas, que é exemplificada na explicação manualesca 3 do que vem a ser jurisdição, aonde se limita a conceituá-la como dizer o direito, e descrevê-la como derivado de um poder estatal, dando-lhe consequências óbvias. Um exemplo do polo inverso, ou seja, de uma abordagem da jurisdição dentro da teoria crítica do direito, é a obra de Jônatas Luiz Moreira de Paula, A jurisdição como elemento de inclusão social: revitalizando as regras do jogo democrático 4.

É tempo de retornar ao objetivo da teoria geral do direito. Ela é, em sua essência, aglutinadora de concepções sociológica, histórica, política etc. Esse tratamento aglutinador vem com uma teoria do processo que tem como método a consideração de conhecimentos de diversas fontes. A sua preocupação é utilizar-se dessas fontes não-jurídicas e forjar categorias jurídicas passíveis de serem aplicadas ao processo 5.

Por último, a filosofia do processo 6 fica com a função de estudar o caráter epistemológico 7, dedicando-se à persecução dos reflexos que ela tem sobre a metodologia e a hermenêutica específica de sua intelecção 8.

Willis Santiago, lastreado em farta doutrina internacional, aponta que a questão do estudo do Direito é decorrente das posturas epistemológicas das várias Escolas doutrinárias. Exemplos são vários. A postura da jurisprudência de conceito, da jurisprudência dos interesses e da jurisprudência de valores.

Dentro de sua perspectiva epistemológica do processo, busca-se uma adequação entre a proposta cognitiva e seu objeto. Isso leva a questionar qual o nosso objeto – por certo, o processo judicial. Depois, indagar qual a finalidade deste objeto – o que depende da Escola a que se filia e quem responde 9.

No presente momento, o importante é que o enfrentamento da questão epistemológica dará os parâmetros metodológicos para a formulação de uma hermenêutica jurídica do processo.

Para alcançar a forma como se dá a relação entre o objeto cognoscível – o processo – e a sua proposta cognitiva, é necessário passear um pouco pela história do processo. Isso nos fará entender os reflexos dessa epistemologia no método e como sintetizar seus parâmetros.

2.2. A compreensão histórica do estudo do processo (das várias posturas metodológicas até a vigente)

O estudo do processo antes da segunda metade do século XIX era feito de forma adjetiva 10 ao direito material. Esse período pode ser denominado de sincrético, pois o processo era tratado misturado com o direito material. Dessa forma, não se pode atribuir-lhe uma postura metodológica, pois sequer tinha vida própria.

O período de autonomia do processo em relação às demais disciplinas se deu com a obra de Oskar von Bülow (em 1868) sobre a definição do processo como relação jurídica de direito público, com caráter continuativo. Dali em diante não mais se parou de discutir o processo. Entretanto, a busca da autonomia da disciplina forjou um fosso entre o processo e o direito material. Ocorreu uma instrumentalidade absoluta do processo, onde, como muito bem exara Marinoni 11 - o processo não era visto como algo que devolveria se adequar às necessidades do direito material, nem como um componente importante à sua efetiva realização.

Outra grande ilusão que se seguiu a esta fase foi a chamada legitimação pelo procedimento, donde se acreditava que a mera efetividade das garantias processuais iriam assegurar o resultado justo ao processo.

Este projeto metodológico de processo – sem efetividade, de cunho formalista – de onde somente garantia-se ao cidadão um resultado jurídico-formal ao invés de um resultado jurídico-substancial – faliu na aurora dos novos tempos.

A marcha do processo passa por essa virada metodológica que pode ser resumida na sua trajetória do processo clássico à noção de tutela jurisdicional efetiva (asseguradora da tutela dos direitos, ou seja, dos resultados jurídico-substanciais).

Ao analisar o cerne da problemática da efetividade, o mestre Ovídio Araújo Baptista da Silva aponta-a como uma questão de cunho ontológico ao sistema processual romano. Para ele, o fato dá-se pelo esquecimento da história do processo pelos aplicadores. Acontece que o sistema adotado despreza o processo na história para basear-se somente em seus conceitos. Cria-se uma massa de conceitos que se sustentam através de dogmas. O problema é que os conceitos 12 são feitos para durarem para sempre. Ao contrário, a ciência é em si dinâmica e aberta.

O fato de nossas faculdades não terem a disciplina História do Processo. Essa ausência tem como consequência a falta de base analítica do aluno em lidar conscientemente com os paradigmas em voga nas construções contidas no processo. O ensino do Direito Processual, sem a dimensão da historicidade, fica limitado somente em conceitos vigentes no momento da exposição.

Assim, formaram-se e continuam formando-se maneiras de tentar conciliar o inconciliável - a dinâmica do direito e a estática dos conceitos. Aqui se tem o racionalismo, como uma tentativa de um abstracionismo do direito: o direito como indiferente à moral. Essa ideologia durou enquanto estava a ideologia do progresso em voga. Contudo, diante das peculiaridades das mudanças - sociedade de massa, urbanização, propensão ao conflito (em muito estimulada pelo próprio Estado), esgotou o regime.

O racionalismo trouxe a ideia de que se poderia, por meio da razão, resolver todos os problemas das ciências humanas. Em decorrência desse pensamento, coroado pela Revolução Francesa, teve o auge na consolidação de um tipo de processo que se denomina ordinário. Foi o fenômeno da ordinarização das demandas, que pode ser resumido em duas origens – a aplicação do racionalismo e a decorrência da separação dos poderes.

Quanto ao primeiro, ou seja, ao racionalismo, tratamos no ponto relativo à epistemologia do processo, quanto à separação dos poderes passemos a enfrentá-lo.

Na verdade, como sugere o professor Ovídio em suas obras, os dois problemas (racionalismo e separação de poderes) complementam-se à medida que a separação é decorrência da aplicação da racionalização à estruturação das funções do Estado. Com a edificação do princípio da separação dos poderes, criou-se a máxima que o problema da justiça é uma questão do legislador (Montesquieu). Para se ter ideia, logo que editou o código Napoleão decretou-se a proibição aos juízes de interpretar a lei. Da mesma forma fez Justiniano (no século V). Napoleão determinou que o juiz, em caso de dúvida, dirigisse-se ao Parlamento para que este prolatasse a solução. Como é certa, na concepção de Montesquieu, o Poder Judiciário não era Poder, mas, um serviço público. Daí sua vinculação à ordem do Parlamento.

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A impossibilidade de os juízes interpretarem as leis decorre da ideia de que o legislador produz um direito completo. Fala-se na plenitude do direito, de um direito sem lacunas, da onisciência do legislador.

Para frustrar o orgulho de muitos doutrinadores nacionais que se vangloriam de estar filiados ao direito romano, a nossa filiação é ao Direito romano decadente. Aceitou-se o que veio depois das invasões dos "bárbaros". Na verdade, a maior parte do chamado "direito romano" é derivada do direito de Bizâncio (império Romano do Oriente), influenciado pelo direito católico, a partir do imperador Constantino, no século III. Aliás, depois dele [de Constantino] todos os outros imperadores foram católicos. Daí, mais coerente seria dizer que a nossa filiação é ao Direito romano-canônico.

Justiniano, no século V, mandou compilar todo o Direito cristão. O Direito copilado sofreu a influência inicial do Direito germânico e canônico. Este último formou as matizes do Direito comum 13 medieval. Só que o "direito comum" abandonou o direito germânico, não justificando também a designação equivocada de "direito romano-germânico".

Os grandes institutos do direito germânico - a oralidade (decidiam tudo em assembleias) e as execuções mandamentais -, desapareceram aos poucos. Só restou o direito romano com a supressão dos interditos. Houve uma eliminação dos interditos, sobrando somente as actios. O processo do direito comum medieval, elevado em seu conteúdo pela Revolução Francesa, adotou somente o procedimento para a resolução de conflitos diante dos juízes privados do direito romano puro. Foram desprezados os mais de setenta modelos de interditos, o procedimento próprio à prestação de solução de conflito pelo Estado romano. Nos interditos decidia o pretor, dando uma ordem a ser cumprida imediatamente, diante de uma cognição sumária das provas.

O termo "ordinário" (ordo, judicium prodatorum), em decorrência das actios, a partir do século III, vem englobando erroneamente os interditos. O que desembocou na "ordinarização" dos procedimentos. Tudo caiu na vala-comum de um só procedimento, homogêneo diante da heterogeneidade dos direitos.

No Direito brasileiro, os interditos ainda remanescentes são incompletos. Tem-se apenas parte do interdito possessório, por que tendem a ordinarização, desde que sejam contestados. Foi perdido o conteúdo de ordem nos procedimentos. Somente sobrou o conteúdo de condenação.

Segundo uma análise mais acurada, outro vício ontológico apontado por Ovídio Baptista é a universalização da condenação. É a pura consequência de um procedimento totalmente plenário e retardado em seus resultados.

Todo esse percurso mostra-nos a guinada metodológica do processo e sua atual caracterização como: [i] relação integrativa - o direito material e o processo não podem mais ser tratados separadamente; [ii] existe um direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva; [iii] esse direito força o Judiciário a perquirir incessantemente as necessidades do direito, impondo-se a observância da técnica mais adequada para sua tutela; [iv] os limites dessa atividade perquiritória do Judiciário é somente o núcleo do direito de defesa.

Os parâmetros metodológicos do processo civil atual são: a efetividade e o respeito às garantias constitucionais do processo.


3. A CONSTRUÇÃO DA HERMENÊUTICA JURÍDICA APLICADA AO PROCESSO CIVIL

3.1. O conceito de hermenêutica jurídica

O conceito clássico de hermenêutica jurídica pode ser sintetizado na lição de Carlos Maximiliano 14 - "A Hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização das expressões do direito". Partindo desse conceito, segundo Machado Neto 15 pode-se distinguir dois sentidos para hermenêutica: um amplo e, outro, restrito.

Nesse sentido lato, apontado no conceito tradicional, é a hermenêutica como ciência que estuda as técnicas de interpretação, de integração e de aplicação do Direito.

Ainda segundo Machado Neto, poderíamos ampliar o sentido da expressão para incluir na hermenêutica o conjunto dos estudos que compõem a teoria da técnica jurídica 16 como parte específica da Teoria Geral do Direito, ou seja, aquela que tem por horizonte temático a lógica jurídica transcendental ou material, por oposição à Teoria Geral do Direito stricto sensu, cujo horizonte temático é a lógica jurídica formal.

Nesse entendimento, tanto integrariam a hermenêutica jurídica os estudos referentes à interpretação do que é a norma numa comunidade, (o que vai ser interpretado ou integrado) como o estudo da aplicação e dos temas nela implicados, tais como os problemas do direito no tempo e no espaço.

Não é esse, todavia, o entendimento tradicional da extensão do conceito. O tema que tradicionalmente é arrolado como específico da hermenêutica jurídica é a interpretação, seus processos e sua técnica.

Tradicionalmente, tem-se entendido a interpretação jurídica como um desentranhar o sentido que guarda a lei sob suas palavras. Interpretação será, assim, o conjunto de operações lógicas que, seguindo os princípios gerais da hermenêutica e visando a integrar o conteúdo orgânico do direito, apura o sentido e os fins das normas jurídicas.

Para distinguir os conceitos elementares em questão, podemos utilizar a lição de Luis Roberto Barroso 17:

a) hermenêutica jurídica – "é um domínio teórico, especulativo, cujo objeto é a formação, o estudo e a sistematização dos princípios e regras de interpretação do direito"; b) interpretação – "é a atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto"; c) aplicação – "é o momento final do processo de interpretativo, sua concretização, pela efetiva incidência do preceito sobre a realidade de fato.".

No sentido de esclarecer que a distinção entre hermenêutica e interpretação não é acolhida por todos os doutrinadores, lembra-nos Celso Bastos 18 - Há aqueles que consideram a interpretação e a hermenêutica como sinônimas, como atividades indissociáveis uma da outra.

3.2. Evolução do conceito da hermenêutica

Na evolução da Hermenêutica existe um movimento de abrangência do seu conteúdo, usando a divisão a seguir: [i] hermenêutica como técnica de leitura - é, originariamente, uma disciplina filológica, isto é, uma técnica de leitura, orientada para a compreensão das obras da Antiguidade clássica (Homero) e dos textos religiosos (a Bíblia). [ii] hermenêutica e ciências humanas – tal fase corresponde a uma generalização do uso da hermenêutica para as outras ciências (século XVIII). [iii] hermenêutica como situação humana – recorrente na obra de Hans George Gadamer, onde se expõe que a interpretação, antes de ser um método, expressão a própria situação do homem.

A passagem da segunda para a terceira fase é subdividida em várias outras fases. A segunda fase é consentânea à Revolução Francesa e serve para romper vários dogmas. Ocorre uma ruptura com a forma organização de distribuição do poder. A Hermenêutica aparece como uma técnica estendida ao Direito, como forma de racionalizar o processo que irromperá com a sua aplicação.

É dessa época a discussão entre o racionalismo descartiano e o empirismo. O homem retoma a discussão sobre as formas de perceber o mundo. Como disse Capella 19, "o modelo de transformação política, jurídica e social que se estuda aqui é unicamente significativo para uma pequeníssima porção dos habitantes da Terra. Houve uma exclusão política".

Mas esse momento significa ainda para a Hermenêutica a imposição dos grilhões da exegese. Deu-se ao aplicador do Direito somente a função estrita de subsunção entre o fato e a lei. Não se deu a força da interpretação.

O sentido dessa mera exegese decorreu em muito do monopólio da lei pelo Parlamento. Somente aquele que fazia a lei poderia atribuir-lhe o significado, por intermédio de ato exclusivo seu, não de um juiz, pois a ele somente caberia aplicá-la. Essa é a época do início das grandes codificações, que servem como forma de impedir o magistrado de recorrer a outra fonte que não seja a lei, ou de inová-la.

Não poderia ser diferente. Já na segunda metade do século XIX começaram as implementações de direitos sociais. A igualdade formal da Revolução Francesa já não mais acalentava a todos. Quanto aos problemas subsistentes, não poucos, o século XIX foi rotulado de O século das promessas, deixando ao século XX, as realizações. Foi exatamente esse o sentimento daquele homem. Para exemplificar, mesmo após a tomada de poder por Napoleão, a consolidação do Código de Napoleão, em 1804, foi tomada como sendo a solução para todas as questões do Direito. Os exegetas chegaram a ponto de dizer não haver qualquer problema fora daquele estatuto. A função do juiz era ser simplesmente a boca da lei (função mecânica). Ao contrário do que diziam SAINT-SIMON, AUGUSTO COMTE, ou qualquer um daqueles que aceitavam a situação da humanidade como um estágio intermediário, não foi superado as mazelas do capitalismo. A dívida era grande e a responsabilidade passou ao século XX que começaria com um extenso rol de promessas não cumpridas. A insatisfação com a condição material e a utopia remanescente ao auge dessa fase, é o grande problema do início do século XX.

Isso repercutiu imensamente no sentido jurídico do termo Hermenêutica, mas, foi somente após a Segunda Guerra Mundial que ocorreu a ruptura metodológica com a prisão do aplicador do Direito às amarras da lei.

Houve uma evolução da abrangência da hermenêutica que chegou ao auge com sua caracterização como uma a teoria ou a arte da interpretação. Ela surge, enquanto filosofia, como desenvolvimento das hermenêuticas jurídica, bíblica e literária e tem seu apogeu na metade do século XX. Apregoa, em breves linhas, que a verdade é fruto de uma interpretação. Se, antes, era uma teoria que ensinava através de metodologias como interpretar textos, agora, como filosofia, a hermenêutica significa um posicionamento diante do problema do ser e da compreensão que dele possamos ter. É a terceira fase que acima citamos.

Ao final, a grande questão metodológica do século XX começa pela incursão da hermenêutica no círculo hermenêutico construído diante da virada linguística. Dos trabalhos de Wittgeinstein, Carnap e outros, e seus influxos sobre o círculo de Viena; e a obra de Saussure e Pierce, nascem as bases da linguística aplicada ao Direito. Constata-se o imbricamento entre a ideia de Direito e linguagem.

3.3. A necessidade de uma hermenêutica do processo civil

Da constatação dos novos parâmetros epistemológicos do processo civil - a efetividade e o respeito às garantias constitucionais do processo -, cumulada com a dimensão de operatividade do sistema processual fincado sobre tais critérios, além da relação entre as próprias fontes do direito processual civil e a existência de técnicas legislativas próprias a esse ramo jurídico, nasce a necessidade premente de construir-se uma hermenêutica jurídica do processo civil.

A primeira questão a ser ponderada é a relação atual entre o processo e a Constituição. Existe uma relação de mão-dupla entre processo e Constituição, onde passamos, num sentido vetorial, por uma materialização do direito processual (torna-se esse cada dia mais detido em regras materiais contidas na Constituição Federal), e, por outro, por uma procedimentalização do direito material (o processo finda indispensável à efetivação do direito material).

Dentro do imperativo contemporâneo de racionalidade, qualquer norma de direito material, independentemente de seu conteúdo, imposta a um indivíduo ou a um grupo contra sua vontade, seria inaceitável, caso não houvesse um procedimento antes de sua aplicação. A ideia de um devido processo legal é indiscutível e pressupõe, por óbvio, que haja um procedimento.

Essa afirmação faz com que a Constituição torne-se mais e mais procedimento, pois, afinal, ela é o ambiente de garantias. Por outro lado, ao tratar do conteúdo dessas garantias voltadas ao processo, ela impõe uma materialização do próprio processo.

Sendo o processo tão ligado à Constituição, ou melhor, sendo ele também norma constitucional, não há como negar-lhe os atributos decorrentes desse status maior. Aplica-se a tais normas a dita hermenêutica constitucional.

Entretanto, fosse somente isso, não haveria razão em uma hermenêutica do processo civil. Acontece que se deve encarar a especificidade da norma processual como dimensão de operatividade do sistema. Isso se dará em cinco frentes bem definidas, das quais se passa a tratar.

[i] relação integrativa - o direito material e o processo não podem mais ser tratados separadamente. Na verdade, embora seus fundamentos epistemológicos sejam bem diferentes 20, existem institutos em uma zona de estrangulamento entre as normas processuais e materiais (institutos bifrontes, na nomenclatura originalíssima de Dinamarco). Mas não é só isso. Mesmo nos casos de clara distinção, existe a relação integrativa entre ambas as normas.

Essa relação tem duas consequências imediatas sintetizadas na obra de Marinoni 21 da seguinte forma:

"A idéia de adequação do processo ao direito material exige, em um primeiro momento, que o processo seja visto como técnica processual destinada à efetividade dos direitos, para depois se compreender que o processo como técnica indiferente ao direito material, é fechada em si mesmo e, portanto, algo insersível". (grifos estranhos ao original)

Dessa maneira exsurgem os princípios da adequação e a preocupação com o conceito de técnica processual.

Quanto ao princípio da adequação configura-se em dois pontos: a conformidade com o objeto e sua prestabilidade para atingir o fim. Poder-se-ia ainda acrescer à ideia de adequação, como se fosse contida nela, o requisito de exigibilidade – busca do meio menos gravoso, dentre todos os existentes para alcançar o fim colimado. Em todos os aspectos deve-se ter em mente o fim do processo, ou seja, atender necessidades. Como diz Marinoni 22:

"É fundamental conhecer as necessidades do direito material, que nada mais são do que os resultados jurídico-substanciais que o processo deve proporcionar para que os direitos sejam efetivamente protegidos. Tais resultados constituem as chamadas ‘Tutelas dos direitos’, as quais, em razão disso, devem parar a priorizar o tempo da doutrina, merecendo uma classificação que se coloque ao lado da classificação das sentenças."

O meio pelo qual o processo se mostrará será a técnica processual, a qual pode ser dividida em três categorias: processo, procedimento e provimento. O importante é entender que dentro dessas três modalidades de técnicas processuais cabe a aplicação de técnicas de sumarização (a sumarização pelo procedimento – inversão ou supressão de fases deste, de forma a adequá-lo ao imperativo da duração razoável e da adequação nos moldes já vistos; a sumarização pela cognição – restringindo-a no aspecto horizontal – quando diminui o número de pontos que esta pode tratar – ou no aspecto vertical – quando limita a profundidade da discussão de certos pontos, seja para o mínimo possível – cognição superficial – seja para um ponto intermediário). Quanto ao provimento jurisdicional pode sumarizar os seus resultados pela técnica da antecipação dos efeitos da tutela final. Fazendo com que o que seria dado ao final seja antecipado como forma de redistribuir o ônus processual entre as partes do processo. Também se sumariza quando, mesmo sem antecipar o próprio bem da vida (coisa móvel ou imóvel, situação jurídica vantajosa, ou até mesmo pessoa), como ocorre no caso acima, entrega-se a garantia da efetividade do provimento final. É o caso da cautelaridade. O processo como relação jurídica ou como situação jurídica, pode também ser sumarizado (abreviado) pelas formas de julgamento antecipado da lide ou resolução sem mérito, ou pelas formas de negócios jurídicos das partes dentro do processo, como é a desistência, a transação e a conciliação.

A busca pela sumarização das técnicas processuais é um imperativo interpretativo do processo civil que somente encontra limitação no dever de procurar dar à parte vencedora da demanda a efetiva tutela do direito (ou seja, o resultado jurídico-substancial que alcançaria se não fosse necessário o processo). Tal resultado é tido como substancial por que não se limita ao plano formal, ou seja, a uma resposta de cunho somente formal, mas se pretende proporcionar resultado na ordem material, na vida do vencedor, tanto quanto ele teria se não fosse necessário o processo.

[ii] existe um direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. A conceituação do direito como fundamental e de índole constitucional dá-lhe a perspectiva de cláusula de garantia inviolável. Como diz Marinoni 23 - "A perspectiva do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional permite que o campo da proteção processual seja alargado, de modo a atender a todas as situações carecedoras de tutela jurisdicional".

[iii] esse direito força o Legislativo e o Judiciário a perquirir incessantemente as necessidades do direito, impondo-se a observância da técnica mais adequada para sua tutela.

"O legislador tem o dever, diante do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de instituir as técnicas processuais idôneas à tutela jurisdicional das diversas situações de direito material. (...) Entretanto, esse direito fundamental não se limita a incidir, como é óbvio, em face do legislador, pois exige do Judiciário a prestação da adequada tutela jurisdicional. (...) cláusulas gerais processuais (CPC 461; CDC 84) – "dando ao juiz o poder de definir a medida executiva adequada e necessária ao caso concreto". (...) outorgaram ao magistrado um espaço de discrição que deve ser preenchido pelas necessidades do direito material e pólos direitos fundamentais à tutela jurisdicional efetiva e de defesa." 24 (33)

No caso particular do Direito Processual Civil brasileiro, mesmo com um Código de 1973, forçou uma transferência do âmbito codificado para a legislação esparsa de matérias relevantes na ordem jurídica. Alguns chamam esse fenômeno de descodificação. Contudo, entender-se-ia mais fielmente o processo se o denominasse de multicodificação. Houve, sim, uma regulamentação de matérias em corpos normativos autônomos, ou melhor, à medida do possível autônomo, pois tratam diretamente de aspectos processuais, materiais e interpretativos, de forma isolada na ordem infraconstitucional. O termo que melhor se amolda ao conceito é microssistemas normatizados.

A relação desses microssistemas se dá de forma ter menor dependência em relação a outras leis de mesma hierarquia. Contudo, sua relação com a Constituição é derivada e vinculada, sendo, na verdade, um esforço analítico da exegese constitucional, tendo como função dar letra ao sentimento constitucional e, como tal, limitada à sua fonte inspiradora – a Constituição Federal.

Por outro lado, mais uma vez, a expressão microssitemas extrapola a lei em si, pois, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor, a transferência de atribuições reguladoras a órgãos atípicos na atividade legislativa, resulta em produção normativa, em lato sensu.

A complexidade da atividade legislativa e a complexificação dos problemas sociais, fincaram as bases de uma releitura do ordenamento jurídico à luz da ordem constitucional.

A Constituição Federal toma uma força reunificadora em três frentes, a saber: a) ao reler os dispositivos que a antecedeu (seleção receptiva); b) ao inspirar a criação de novos dispositivos, explícita ou implicitamente; e, ao preencher o sentido de todas as normas sob seu jugo (atividade axiológica).

Dessa forma, devido à ação que exerce sobre as normas infraconstitucionais a Constituição apresenta-se como fonte primária e primerva do ordenamento jurídico.

Nunca a diferenciação entre ordem e ordenamento jurídico foi tão presente. A Constituição é a própria ordem, forma como se ordenam os valores jurídicos, políticos e sociais do país. Ela estrutura (o Estado), hieraquiza (os valores e as normas), seleciona os caminhos políticos (Estado Democrático de Direito). Por outro lado, ordenamento jurídico é no sentido de dispositivos enunciados em lei.

Direito Processual Civil, tendo em vista a sua ligação com o Direito Constitucional, é adequadamente denominado de Direito Processual Constitucional. Do ponto de vista constitucional, devido à ação que exerce sobre as normas infraconstitucionais.

A adoção das cláusulas gerais constituiu uma vantagem e a superação da discussão pontual de cada ponto do tema, atribuindo ao legislador a utilização de enunciados genéricos. Assim, a codificação exerce uma definição dos parâmetros hermenêuticos, não se limitando simplesmente a descrever condutas.

Diante dessa tendência, a cláusula geral é um recurso interpretativo que tenta dar ao direito maior campo de abrangência do que teria em uma mera enumeração casuística. É a ponta da evolução normativa em termos de enunciados abrangente. É uma tendência legislativa, principalmente, depois da Constitucional Federal de 1988, que serve para dar contornos mais detalhados às disposições que já foram referidas em seu conteúdo axiológico no próprio texto constitucional. Dessa forma, as cláusulas gerais deverão ser aplicadas em decorrência da lógica da solidariedade constitucional e da técnica interpretativa contemporânea.

A técnica das cláusulas gerais constitui uma tecnologia legislativa bastante consentânea da função da norma. De logo, percebe-se que o tratamento de uma matéria por meio de uma cláusula geral permite que o intérprete possa conferir maior atualização ao dispositivo sem encontrar os entraves do texto.

O texto pormenorizador da questão, às vezes, atrapalha o cumprimento do próprio objetivo da norma. Ademais, essa espécie de técnica já foi adotada esporadicamente em nossa tradição legislativa.

Entretanto, segundo constatou Tepedino (2002, p. 115),

"as cláusulas gerais, só por si, não significam transformação qualitativa do ordenamento. No caso do Código Comercial brasileira, a boa-fé objetiva não chegou a ser jamais utilizada. A doutrina e a jurisprudência alemãs, a propósito da dicção do § 242 do BGB, precisaram de mais de 40 anos para determinar o real significado da boa-fé ali anunciada. Não foi muito diversa a experiência italiana, em que as cláusulas gerais que no Código Civil de 1942, eram inspiradas em uma clara ideologia produtivista e autárquica, assumiram um significado inteiramente diverso por obra doutrinária, sobretudo depois do advento da Constituição de 1948. [...] Em outras palavras, as cláusulas gerais em codificações anteriores suscitaram compreensível desconfiança, em razão do alto grau de discricionariedade atribuído ao intérprete: ou se tornavam letra morta ou dependiam de uma construção doutrinária capaz de atribuir-lhes um conteúdo menos subjetivo."

A vantagem da presente técnica é a superação da discussão pontual de cada ponto do tema, atribuindo ao legislador a utilização de enunciados genéricos. Assim, a codificação exerce uma definição dos parâmetros hermenêuticos, não se limitando simplesmente a descrever condutas. A cláusula geral é um recurso interpretativo que tenta dar ao direito maior campo de abrangência do que teria em uma mera enumeração casuística. Essa é uma tendência legislativa, principalmente, depois da Constituição de 1988, a qual já foi referida em seu conteúdo axiológico. Dessa forma, as cláusulas gerais deverão ser aplicadas em decorrência da lógica da solidariedade constitucional e da técnica interpretativa contemporânea.

Aqui salta aos olhos o papel da ciência jurídica para a consolidação de técnicas de aprimoramento do sistema legislativo e de facilitação da atividade jurisdicional em relação à busca da efetividade dos direitos tutelados, conferindo maior elastério ao rol de direitos garantidos. Mais uma vez, sintetiza Tepedino (2002, p. 116),

"A propósito, destacou-se em doutrina a importância dessa diretriz metodológica no momento em que, com o objetivo de se desenhar uma cultura jurídica pós-moderna, sublinharam-se as quatro características centrais da técnica legislativa contemporânea, dentre as quais se destaca a narrativa, como meio de legitimação e de persuasão. A narrativa na linguagem legislativa é considerada, pois, indispensável à unificação do sistema sempre mais complexo de modo a permitir a atuação otimizada com as opções (valorativas) da sociedade. [...] Se o século XX foi identificado pelos historiadores como a Era dos Direitos, à ciência jurídica resta uma sensação incômoda, ao constatar a sua incapacidade de conferir plena eficácia ao numeroso rol de direitos conquistados, volta-se a ciência jurídica Para a busca de técnicas legislativa que possam assegurar uma maior efetividade aos critérios hermenêuticos. Nesta direção, parece indispensável, embora não suficiente, a definição de princípios de tutela da pessoa humana , como tem ocorrido de maneira superabundante nas diretivas européias e em textos constitucionais, bem como sua transposição na legislação infraconstitucional. [...] Daqui a necessidade de descrever nos textos normativos (e particularmente nos novos códigos) os cânones hermenêuticos e as prioridades axiológicas, os contornos da tutela da pessoa humana e os aspectos centrais da identidade cultural que se pretende proteger, ao lado de normas que permitem, do ponto de vista de sua estruturação e função, necessária comunhão entre o preceito normativo e as circunstâncias do caso concreto. [...] De todo modo, cabe ao intérprete, não mais ao legislador, a obra de integração de sistema jurídico; e esta tarefa há de ser realizada em consonância com a legalidade constitucional. No que concerne à parte geral, algumas cláusulas gerais utilizadas pelo codificador merecem especial atenção, relativamente à proteção a dos direito da personalidade e à boa-fé objetiva, como cânone interpretativo."

É verdade que a situação dos direitos em nosso tempo está sendo completamente revisada a ponto de compreender a atividade jurisdicional como a principal forma de conferir a eficácia necessária aos direitos materiais. Contudo, não seria possível se não fosse ofertada a base estrutural necessária. Aqui entram essas novas técnicas.

[iv] os limites dessa atividade perquiritória do Judiciário é somente o núcleo do direito de defesa.

[v] autopoiese do Direito Processual Civil. Como nos ensina Luhmann, a teoria de sistemas sociais autopoiéticos força uma relação de dependência entre o Judiciário e o Legislativo. Na perspectiva interna, como aponta Campilongo, a unidade do sistema garante uma estrutura cognitiva.

A busca da unidade força uma sofisticação da hermenêutica jurídica adotada, já a perspectiva autopoiética força uma rediscussão da relação entre as fontes do Direito.

Isso pode ser sentido além da mera dimensão de hierarquia, especialidade ou da inovação da norma (a lei nova). Isso passa por uma dialogicidade das fontes, fomentando três situações interessantes 25: (a) diálogo sistemático de coerência – aplicação simultânea de duas leis, uma serve de base conceitual para a outra, especialmente se uma lei é geral e outra é especial, se uma é a lei central de um sistema e a outra um microssistema específico, não-completo materialmente, apenas com completude subjetiva de tutela de um grupo ou sociedade. (b) diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais – aplicação coordenada das duas leis, uma complementar a aplicação da outra, a depender de seu campo de aplicação no caso concreto, a indicar a aplicação complementar tanto de suas normas quanto de seus princípios, no que couber, no que for necessário, ou subsidiariamente. (c) diálogo de coordenação e adaptação sistemática – há diálogo das influências recíprocas sistemáticas, como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei, ou no caso da possível transposição das conquistas do Direito dos Juízes alcançadas em uma lei para a outra. É a influência do sistema especial do geral e vice-versa.

Ainda dentro do caráter de autopoiese do processo, há a configuração do procedimento como algo aberto ("procedimento aberto"). Isso parte, de início, da superação dos procedimentos ordinário, sumário e a estipulação de procedimentos específicos (na maioria das vezes, denominados de "procedimentos especiais"). Outro aspecto do tema pode ser citado pela abertura do procedimento para a busca da comprovação dos subsídios aptos a consubstanciar uma resposta jurisdicional de cunho jurídico-substancial. O procedimento é aberto a esse caminho em busca do grau de certeza suficiente para justificar a prolatação do provimento jurisdicional. Essa abertura do procedimento possibilita ao juiz valer-se dos elementos técnicos necessários, inclusive de ofício (força uma nova dimensão dos poderes do juízo). Além de forçar uma abrangência da participação das partes no processo, inclusive os terceiros interessados ou os amigos da corte, seja até mesmo pela audiência pública com setores da sociedade.

Nesse sentido, a assertiva ganha três sub-aspectos: a) a questão de direito; b) a questão de fato; c) o fato legislativo.

Quanto à questão de direito não há grandes inovações além das que já foram consideradas. A perplexidade está nas outras duas. O ministro Gilmar Ferreira Mendes 26cuida da matéria citando a doutrina de Klaus Jürgen Philipi para os fatos legislativos. De logo, o fato legislativo apresenta-se como mais amplo do que a questão de direito (revolvimento na matéria puramente de fato), entendendo-se como todo e qualquer fato real que tenha relevância para a aplicação da norma. É verdade que essa doutrina classifica os fatos legislativos em três ordens: a) fatos históricos – referem-se a análises de fatos legislativos históricos que deram ensejo a determinadas decisões; b) fatos legislativos atuais – envolve um variado elenco de temas que envolve não só o objetivo de determinadas organizações etc. ; c) eventos futuros. Quanto aos eventos futuros, ou juízos de prognoses, o tribunal pode se utilizar de vários processos de interpretação, como sintetiza Gilmar Mendes na obra já citada.

Sobre o autor
Antonio Gleydson Gadelha de Moura

Professor de Direito Constitucional e Processual. Professor Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Antonio Gleydson Gadelha. Da necessidade epistemológica da sistematização de uma hermenêutica jurídica voltada ao processo civil brasileiro.: Anotações preliminares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2247, 26 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13391. Acesso em: 23 dez. 2024.

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