Apresentação
Começamos a escrever nossas primeiras impressões sobre a L. 12.015/09, publicada em 10.8.2009, com o intuito de publicar um livro. Porém, desistimos do nosso intento inicial, resolvendo então, simplesmente escrever um artigo que comentasse com objetividade toda a lei. Acrescentamos aos comentários, quadros comparativos da legislação, seguindo sistemática semelhante a que adotamos quando publicamos em co-autoria, um livro sobre à Reforma do CPP e Lei de Trânsito (editora Juspodivm, 2009).
Consultamos diversos doutrinadores que comentam a parte geral do Código Penal e os crimes contra os costumes, agora, nominados de crimes contra a dignidade sexual, bem como, dois autores renomados que já se debruçaram sobre esta nova lei – Guilherme de Souza Nucci e Rogério Greco. Sem embargo da objetividade do nosso trabalho, fizemos questão de externar nossa opinião de forma fundamentada. E mais, no item 4 do crime de estupro de vulnerável, abordamos um tema inédito (ao menos em pesquisa realizada não encontramos qualquer precedente na doutrina nacional ou estrangeira), buscando assim, contribuir para o debate no meio acadêmico.
Em função de alguns tipos penais terem sofrido mudanças mais significativas do que outros, os comentários não seguiram a um mesmo padrão em todos os artigos. Assim, alguns artigos possuem mais sub-itens que outros, e alguns sequer possuem. De qualquer forma, todos os pontos principais foram abordados, tendo se priorizado comentar as novidades, em detrimento de repetir o que todos os manuais de direito penal já trazem e que não sofrerão alterações com a nova lei. Esperamos assim, com este modesto trabalho, estar contribuindo para as discussões que serão travadas na doutrina e jurisprudência acerca da nova L. 12.015/09.
Introdução
A preocupação internacional com a exploração sexual de crianças e adolescentes, levou o Congresso Nacional a criar uma CPMI, que em agosto de 2004 encerrou seu trabalho, cujo resultado foi o PL 253/04, que durante o processo legislativo sofreu algumas alterações culminando com a promulgação e publicação da recente L. 12.015/09.
A L. 12.015 alterou de forma significativa o título que cuidava dos crimes contra os costumes, agora nominado crimes contra a dignidade sexual. O novo vocábulo que designa o título é mais adequado ao texto constitucional e a nova realidade social, afinal, é de se entender que a dignidade sexual integra a dignidade humana. A nova lei, além de alterar diversos artigos do mencionado título da parte especial do Código Penal, igualmente modificou de forma pontual a lei dos crimes hediondos e o ECA e revogou a lei 2.252/54.
Estupro (art. 213)
O novo art. 213 do Código Penal que cuida do estupro passou a ter a seguinte redação:
COM A LEI 12.015/09
Estupro Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos." (NR)
ANTES DA LEI
Estupro Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Atentado violento ao pudor Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Formas qualificadas Art. 223 - Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. Parágrafo único - Se do fato resulta a morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos.
1. Considerações iniciais sobre as alterações do tipo
As principais alterações que se percebe ao comparar a redação nova com a anterior, é a substiuição da palavra mulher por alguém, bem como, a inclusão das elementares que eram previstas no crime de atentado violento ao pudor. Portanto, o crime de estupro teve sua redação ampliada para incorporar no seu tipo as elementares do atentado violento ao pudor. O art. 214 foi revogado, e agora, tudo é tratado no art. 213 do Código Penal. Em decorrência desta unificação, o sujeito passivo do estupro poderá ser uma pessoa do sexo masculino ou feminino. A pena do caput, entretanto, não foi alterada.
2. Tipicidade objetiva e subjetiva
A ação nuclear do tipo, consubstancia-se no verbo constranger, que significa, forçar, compelir. O constrangimento pode se dar mediante violência (coação física) ou grave ameaça (violência moral). A vítima será assim, forçada à conjunção carnal, ou seja, a cópula normal – introdução completa ou incompleta do pênis na vagina, ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Na última hipótese, a vítima tem uma postura passiva, permitindo que o agente do constrangimento ou terceiro pratique com ela um ato libidinoso.
Ato libidinoso é aquele destinado ao prazer sexual. Trata-se de um conceito abrangente que exige uma valoração por parte do magistrado. Há precedente jurisprudencial, no sentido de que o beijo lascivo configura ato libidinoso. A felação (sexo oral), coito anal, toques íntimos, são exemplos mais comuns de atos libidinosos diversos da conjunção carnal.
De fato, o ato que configura à conjunção carnal não gera qualquer discussão, pois, como já dito trata-se da cópula vagínica. No entanto, não há um conceito preciso de ato libidinoso, de sorte a abranger uma enormidade de atos, o que gera uma inquietação tanto na doutrina como na jurisprudência. Nesse sentido, afirma Luiz Regis Prado [01] "Assim, se é correta a classificação do beijo lascivo ou com fim erótico como ato libidinoso, não é menos correto afirmar que a aplicação ao agente da pena mínima de seis anos, nesses casos, ofende substancialmente o princípio da proporcionalidade das penas."
Entretanto, muitos casos podem ser resolvidos pela análise do elemento subjetivo. O beijo, por exemplo, mesmo que contra a vontade da vítima, não constituirá em um ato libidinoso, se o intuito é a manifestação de um sentimento, e não, a satisfação de um prazer sexual. Contudo, sempre é difícil no caso concreto só pela análise do ato em si, saber qual foi o intuito do agente. Exemplo eloquente dessa situação, é o recente caso de um turista italiano que teria beijado na boca sua filha de oito anos numa praia em Fortaleza, causando a indignação de pessoas presentes. Será que sua intenção foi erótica ou só foi uma demonstração mais efusiva de carinho? Bem, não tivemos contato com os elementos de prova, para emitir qualquer opinião, porém, apenas retratamos o caso aqui, para demonstrar a dificuldade de se aferir o elemento subjetivo.
Em síntese, entendemos na mesma linha do autor retro citado, que essa amplitude de atos libidinosos, que podem ir, desde um beijo lascivo até o coito anal, eventualmente levará a uma violação do princípio da proporcionalidade. É bem verdade, que o juiz pode dosar a pena entre o mínimo e o máximo, de seis a dez anos, na hipótese do caput, do art. 213. Mas, essa discricionariedade do juiz, é vinculada aos parâmetros legais de aplicação da pena (art. 68, do CP), que são insuficientes no caso do estupro, de atribuir uma pena justa e proporcional a atos que se situam em dois extremos, como o beijo lascivo e o coito anal.
Com efeito, ainda que aplicada a pena no mínimo legal, seis anos para um beijo lasvivo é uma pena muito alta, pois equivaleria a mesma pena mínima do homicídio simples, porém, com uma gravidade maior na execução da pena, por ser o estupro, mesmo na sua forma simples, crime hediondo (art. 1º, V, da L. 8.072/90, com a redação dada pela L. 12.015/09). Lembrando que, no exemplo dado do turista italiano, as notícias da mídia, é de que além do beijo na boca, ele também teria acariciado as partes íntimas de sua filha. Como o fato ocorreu na vigência da L. 12.015, o possível enquadramento legal é de estupro de vulnerável (art. 217-A) com a causa de aumento de metade da pena, por ser pai da vítima (art. 226, II, do CP), o que elevaria a pena mínima de 8 (oito) para 12 (doze) anos (a mesma pena mínima do homicídio qualificado).
Em relação ao beijo lascivo e outros atos libidinosos de menor gravidade, como apalpar as nádegas, etc. , conclui-se que o legislador perdeu uma boa oportunidade de equacionar o problema, criando um tipo privilegiado, que, se situaria num nível intermediário, entre a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61, da LCP) e o atentado ao pudor simples. Caberá então, a jurisprudência apreciar o caso concreto, com bastante cuidado para não condenar pessoas a penas desproporcionais a gravidade da conduta.
O elemento subjetivo é o dolo genérico, consistente na vontade deliberada do agente de realizar a conduta descrita no tipo. Há entendimento de que se exige o dolo específico, consistente na finalidade especial de satisfazer a própria lascívia, como defende Nucci [02]. Para nós entretanto, essa satisfação sexual está ínsita ao próprio conceito de ato libidinoso. É também o pensamento de Capez [03] ao afirmar "Entendemos que o tipo penal não requer finalidade específica, contudo é necessária a satisfação da lascívia. Não se trata de finalidade especial, percebida pelo agente, já que esta não é exigida pelo tipo, mas de realização de uma tendência interna transcendente, vinculada à vontade de realização do verbo do tipo".
3. Bem jurídico tutelado e sujeito ativo e passivo
O bem jurídico tutelado é a liberdade sexual da pessoa. Não se pode admitir que alguém seja compelido contra a sua vontade de ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso ou permitir que com ele se pratique.
O homem ou a mulher podem ser sujeito ativo e passivo do delito de estupro. Assim, o homem pode ser vítima do crime de estupro, ou porque foi constrangido à conjunção carnal com uma mulher, ou porque foi forçado a praticar outros atos libidinosos com uma mulher ou homem. É bem verdade que, a hipótese de uma mulher compelir o homem a ter conjunção carnal com ela ou com outra mulher será bem menos comum, que a hipótese do homem ser vítima do estupro porque foi forçado a praticar outro ato libidinoso com outro homem. E neste último caso, a mulher também pode ser o sujeito ativo em concurso com o homem (ex. A mulher aponta a arma para que a vítima – homem, seja obrigada a praticar ato libidinoso com outro homem – co-autor).
Realmente, a situação da mulher sem ajuda de terceiros constranger o homem a ter conjunção carnal com ela própria, seria totalmente improvável, mesmo que o homem tivesse contra si, uma arma apontada. Todavia, ela poderia fazê-lo em concurso, por exemplo, usando da grave ameaça (apontando um arma) para compelir o homem a ter conjunção carnal com outra mulher (co-autora). Esta hipótese não se adequava ao estupro nem exatamente ao atentado violento ao pudor antes da vigência da lei 12.015. Não seria estupro porque o homem não poderia ser vítima desse crime, e não seria àquele crime porque o constrangimento não teria sido para pratica de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Contudo, era muito provável que para despertar no homem a ereção, a mulher tivesse que realizar atos libidinosos preparatórios do coito vaginal, e consequentemente pudesse ser responsabilizada por atentado violento ao pudor.
4. Duração do dissenso
Questão interessante, é a duração do dissenso da vítima no crime de estupro. Embora a doutrina fosse unânime que o momento consumativo do delito, ocorria com a penetração ainda que parcial do pênis na vagina, poucos autores esclareciam qual seria a consequência jurídica da mulher principiar à conjunção carnal forçada, mas passar a concordar durante a relação. Nucci [04], ao comentar exatamente este ponto, defende que o dissenso da vítima teria que durar todo o ato sexual. Diz o autor "Seria evidentemente paradoxal ouvir o depoimento da vítima, afirmando ao magistrado, por exemplo, que a relação sexual foi uma das melhores que já experimentou, embora se tenha iniciado a contragosto." No entanto, o próprio autor destaca entendimento diverso de Mastieri, para quem o consentimento posterior da mulher após a consumação do delito, seria irrelevante.
A posição de Nucci, segundo pensamos, ficou enfraquecida com o advento da L. 12.015. Ora, não obstante discutível a exigência do dissenso da mulher durante todo o ato sexual, seria insensato exigir para caracterização do estupro quando a vítima fosse homem, o seu dissenso do início ao final da relação sexual. Pois, em regra, o homem chega muito mais fácil a ejaculação, sobretudo, em situações em que não há qualquer romantismo. Seria de absolver a mulher que compeliu o homem mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal, porque este, embora a contragosto durante quase todo o tempo do ato sexual, teve prazer e portanto, consentiu durante os três segundos que antecederam a ejaculação? Nos parece que não.
Conclui-se pois, que o estupro de homem é uma nova realidade jurídica, que se adequou ao princípio constitucional da isonomia, no sentido de que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. De fato, no mundo moderno, era inconcebível que só a mulher tivesse sua liberdade sexual tutelada no crime de estupro. È bem verdade que quando a vítima fosse o homem, para contornar o obstáculo legal intransponível de que ele não poderia ser sujeito passivo desse crime, poder-se-ia tentar enquadrar como atentado violento ao pudor, mas, não era o adequado, pois o dolo do agente seria para pratica da conjunção carnal, sendo os atos libidinosos diversos atos preparatórios.
5. Qualificadoras
O §1º do art. 213 do CP, traz duas qualificadoras. Em primeiro lugar, se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave. Essa situação já era prevista na redação anterior no art. 223, caput, do CP, porém com redação de menor alcance, que mencionava se da violência resultasse a lesão grave. A expressão "se do fato resulta" é mais ampla, pois, abrange a gravidade da lesão quando decorrente do ato violento, ou quando da grave ameaça.
Essa qualificadora da lesão grave abrange tanto a lesão grave como a gravíssima. Todavia, a L. 12.015/09 perdeu uma boa oportunidade de deixar expresso essa última hipótese, embora, na justificação do PL 253/04 que culminou nesta lei, haja referência que a qualificadora abrange o art. 129, §1º e §2º (lesão grave e gravíssima).
A segunda qualificadora prevista no §1º do art. 213 é uma novidade. Refere-se a vítima ser menor de 18 ou maior de 14 anos. Na realidade, acreditamos ter havido um erro redacional, pois aonde se lê "ou", deve ser lido "e". Não se trata de uma violência presumida, sendo necessário que estejam presentes as elementares do tipo descrito no caput, isto é, violência ou grave ameaça. Entretanto, o fato da vítima ser menor de 18 e maior de 14 servirá de qualificadora. Há aqui uma especial proteção pela idade da vítima. Se no entanto, a vítima for menor de 14, o crime será o do art. 217-A mais adiante comentado.
Ademais, o dolo do agente deve abranger a idade da vítima. Se o agente, acreditava que a vítima tinha mais de 18 anos, poderá haver erro de tipo. Entretanto, é admissível o dolo eventual, ou seja, o agente responderá pela qualificadora se assume o risco da vítima ser menor de 18.
O §2º, refere-se a qualificadora quando do fato resultar morte. Neste caso, não houve mudança redacional quando comparado com o antigo art. 223, parágrafo único, do CP. A nova lei contudo, foi mais severa, pois a pena, que era de 12 a 25 anos, passou a ser de 12 a 30.
As qualificadoras do estupro quando do fato resulta lesão grave ou morte, são punidas a título de culpa. Trata-se de um crime preterdoloso, ou seja, há dolo na conduta antecedente (do estupro) e culpa no consequente (lesão grave ou morte). Essa é a posição majoritária. Nesse sentido, Capez [05], Damásio [06] dentre outros. Em sentido contrário, Nucci [07], para quem a qualificadora deveria ser possível também quando o resultado lesão grave ou morte ocorresse a título de dolo. Concordamos com a posição majoritária, de que neste caso, haveria concurso material entre estupro e lesão corporal ou homicídio.
6. Momento consumativo e tentativa
Quando se tratar de conjunção carnal, a consumação do delito de estupro ocorre com a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina da mulher. Já no caso da segunda parte do art. 213 do Código Penal, a consumação ocorrerá com a pratica do ato libidinoso, ou quando a vítima constrangida permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso que não seja a conjunção carnal. Como já mencionamos, esses atos libidinosos podem ser os mais diversos possíveis.
Tratando-se de crime plurissubsistente, a tentativa é admissível. Haverá assim, tentativa, se o agente após retirar a roupa da vítima quando já se preparava para penetrá-la é supreendido por terceiro e não pratica o ato por circunstâncias alheias a sua vontade. Se no entanto, ao tentar penetrar a vítima, o agente esfrega o pênis na coxa da vítima, ou realiza outro ato libidinoso, e não prossegue por circunstâncias alheias a sua vontade, cremos que o crime de estupro se consumou, não obstante o agente não tenha atingido o seu intento inicial de ter conjunção carnal.
De fato, antes do advento da L. 12015 era defensável a posição de que haveria tentativa de estupro na última hipótese descrita, porque o dolo do agente não era de cometer um atentado violento ao pudor, e por isso, a acusação deveria ser de tentativa de estupro. Com a unificação do tipo, nos parece irrelevante a ausência da conjunção carnal, se os atos frustrados deste intento já caracterizam de per si, o estupro, face a segunda parte do tipo.
7. Crime continuado
Como se sabe, antes do advento da L. 12.015, discutia-se na doutrina e jurisprudência, a possibilidade de haver crime continuado entre estupro e atentado violento ao pudor. Uma corrente admitia , por entender que ambos os delitos tutelavam o mesmo bem jurídico, outra corrente majoritária, mais restrita, entendia que por não estarem no mesmo tipo penal, não seriam da mesma espécie, o que impossibilitava a continuidade, e ocasionava o concurso material de crimes.
Agora, com a fusão desses delitos que passou a constar de um único tipo, entendemos que se o agente tiver conjunção carnal e praticar ainda, com a vítima ato libidinoso diverso, deverá responder por um único crime, uma vez que, trata-se de crime de conteúdo variado ou de ação múltipla, que no dizer de Damásio de Jesus [08] "são crimes em que o tipo faz referência a várias modalidades de ação". Neste aspecto, o novo art. 213 do CP é mais benéfico, podendo ensejar a revisão de diversas penas.
Quanto as críticas por essa unificação dos antigos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, temos algumas observações a fazer. Se por um lado, o novo tipo penal de estupro gerou um benefício aos réus, por outro lado, a situação anterior seguindo a corrente predominante que considerava haver concurso material, poderia gerar algumas injustiças, conforme explicaremos.
Imaginemos duas situações distintas. Primeira situação: duas pessoas agindo em concurso, mediante grave ameça, praticaram coito anal com a vítima, sendo que um apontava a arma e outro realizava o ato, depois, inverteram as posições. Segunda situação: Tício e Mévio em concurso praticaram conjunção carnal, sendo que Tício apontou a arma enquanto Mévio praticou o ato. Depois, Mévio segurou a arma e, Tício apenas apalpou os seios da vítima por alguns segundos. Assim, no primeiro caso, seria reconhecida a continuidade delitiva (crimes da mesma espécie), enquanto no segundo caso, haveria concurso material (estupro e atentado violento ao pudor) e consequentemente a pena seria mais elevada, em que pese a nítida maior gravidade da primeira hipótese.
Com o advento da L. 12015/09 nas hipóteses acima, poderá haver dúvida se ocorrerá crime único ou continuidade delitiva. Dando um exemplo similar, Greco [09] defende que haverá continuidade delitiva, uma vez que, aquele que não realizou o ato libidinoso seria partícipe, e o que praticou autor. A cada rodízio de posição ter-se-ia um novo delito.
Esses exemplos apenas ilustram que o não reconhecimento da continuidade delitiva dos crimes de estupro e atentado violento pudor, geravam penas elevadas nem sempre condizentes com a gravidade dos atos, quando comparadas com outras situações em que a continuidade delitiva era reconhecida. A nova tipificação entretanto, não apenas eliminou a possibilidade de concurso material, como em regra, a própria continuidade delitiva, quando se tratar de um único agente que realiza múltiplas condutas com a mesma vítima, por se tratar agora de crime único.
No entanto, defendemos que um tempo considerável de duração do estupro e/ou o excessivo grau de sofrimento da vítima, deva ser considerado pelo juiz na dosimetria da pena (para elevar a pena-base), na análise das consequências do crime que é uma das circunstâncias judiciais. O sofrimento da vítima porém, não está relacionado apenas a gravidade do ato em si, mas também as condições psicológicas da mesma.