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Comentários à Lei nº 12.015/09

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Agenda 07/10/2009 às 00:00

Violação sexual mediante fraude (art. 215)

COM A LEI 12.015/09

Violação sexual mediante fraude Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

ANTES DA LEI

Posse sexual mediante fraude Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005) Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de dois a seis anos. Atentado ao pudor mediante fraude Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de um a dois anos. Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

1. Considerações iniciais sobre as alterações do tipo

Este artigo já havia sido alterado pela L. 11.106/05. A redação original previa como sujeito passivo a mulher honesta. Dita lei, porém, excluiu a elementar "honesta" do tipo penal. Agora, com o advento da L. 12.015 se corrigiu outra injustiça, ao possibilitar que não apenas a mulher como também o homem possa ser sujeito passivo deste crime. E outrossim, a exemplo do ocorrido no crime de estupro, o legislador também unificou os crimes de posse sexual mediante fraude com o atentado violento ao pudor mediante fraude, que agora passa a ser denominado de violação sexual mediante fraude.

Além de alterar o preceito primário da norma, o legislador resolveu aumentar a pena prevista no preceito secundário, ao fixar a pena de reclusão de dois a seis anos.

2. Tipicidade objetiva e subjetiva

A conduta típica portanto, pode ser realizada de duas formas diferentes. a) ter conjunção carnal; b) praticar outro ato libidinoso. Em quaisquer dos casos, o crime é cometido mediante fraude ou outro meio que dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Fraude é o ardil, o engodo que induz a vítima em erro. A sua manifestação portanto, é viciada, porque a vítima (homem ou mulher) consente na conjunção carnal ou na pratica de outro ato libidinoso, enganada.

O legislador nesse artigo, diferentemente do que era previsto anteriormente no crime do art. 216, não previu a submissão à pratica de ato libidinoso. A conduta prevista é de que o sujeito ativo tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso, ou seja, noutras palavras, a vítima deverá permitir a prática de um ato libidinoso nela, sendo atípico se ela em função da fraude se submeter ao ato, praticando nela mesma, como a automastubarção.

Em que hipóteses a vítima poderia ser enganada pelo agente, sofrendo o estelionato sexual ? O item 70 da exposição de motivos da parte especial do Código Penal, suscita dois exemplos: 1) a simulação de casamento; 2) e o agente substituir-se ao marido na escuridão da alcova. Os exemplos já demonstram a raridade deste crime. Em pleno terceiro milênio quem seria tão ingênuo a ceder aos desejos sexuais de alguém, por ter sido ludibriado? De fato, nos parece que não obstante raras as hipóteses, elas são possíveis. Exemplo interessante dado por Greco [10] é de cafajestes espirituais que aproveitando-se da fé dos seus seguidores sugere a pratica de ato libidinoso para solucionar problemas.

O elemento subjetivo é o dolo genérico no caso do caput desse artigo. E o dolo específico no caso do §1º, quando a conduta objetiva a vantagem econômica.

3. Bem jurídico tutelado e sujeito ativo e passivo

O bem jurídico protegido pela norma jurídica é a liberdade sexual. A exemplo do crime de estupro, o sujeito ativo e passivo pode ser homem ou mulher, já que se refere a alguém. Obviamente, que em relação a primeira parte do artigo (conjunção carnal), só o homem poderá ser sujeito ativo e mulher o passivo.

4. Cumulatividade de pena

O parágrafo único desse art. 215 do CP, que previa uma qualificadora quando o crime fosse cometido contra mulher virgem, menor de 18 e maior de 14 anos, foi em boa hora, modificado. De fato, não fazia sentido que no século XXI, a lei atribuísse tamanha importância e proteção jurídica a virgindade da mulher, em descompasso com a realidade social. Agora, simplesmente é prevista uma pena de multa que é cumulativa com a pena privativa de liberdade, se houver o dolo específico, referente ao intuito de obter vantagem econômica.



Assédio sexual (art. 216-A)

COM A LEI 12.015/09

Assédio sexual (...) § 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

ANTES DA LEI

Assédio sexual Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função." Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. (vetado).

O art. 216 conforme já comentado foi revogado. Por sua vez, foi acrescentado ao art. 216-A que trata do assédio sexual, um §2º, que prevê um aumento de pena em até um terço, se a vítima for menor de 18 anos. Lembre-se que o assédio sexual foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela L. 10.224/01 .

O sujeito ativo do crime de assédio sexual pode ser homem ou mulher, mas somente pessoa que seja superior ou tenha ascendência, dentro de uma relação laborativa. Ex. Relação patrão-empregado. Em relação ao sujeito passivo, também pessoas de ambos os sexos podem ser vítimas do delito, pouco importando a orientação sexual (homossexual, bissexual ou heterossexual). Pois bem, a redação do caput do art. 216-A foi mantida, por isso, nos furtamos a fazer comentários mais delongados. A alteração como dito restringiu-se ao acréscimo do aumento de pena de até um terço, na situação descrita no §2º do art. 216-A (vítima menor de 18 anos). Buscou-se dar uma maior proteção ao adolescente.

O legislador, entretanto, foi infeliz ao não estabelecer um valor mínimo de aumento da pena, o que contraria em parte, o ensinamento doutrinário, até então sem discrepância, tanto no Código Penal, como em leis penais extravagantes, no sentido de que a causa de aumento de pena tem o seu "quantum" pré-determinado pelo legislador. Aqui, optou-se pela fixação de um valor máximo, sem estabelecer o mínimo, o que permitiria em tese, que o juiz aumentasse a pena em apenas um dia. Na ausência da fixação desse valor mínimo de aumento, sugerimos que o juiz ao aplicar esse §2º do art. 216-A, proceda a um aumento não inferior a 1/6 (um sexto), já que desconhecemos qualquer aumento menor que esse previsto no ordenamento jurídico pátrio.


Estupro de vulnerável (art. 217-A)

COM A LEI 12.015/09

Estupro de vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2o (VETADO) § 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

ANTES DA LEI

Estupro Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Atentado violento ao pudor Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Presunção de violência Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

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1. Considerações iniciais sobre o novo tipo penal

O novo art. 217-A (figura do caput) trata do estupro com menor de 14 anos. Esse artigo está inserido no capítulo II do título VI, agora sob o "nomen juris" dos crimes sexuais contra vulnerável. A vulnerabilidade decorre da idade da vítima – menor de 14 anos. O legislador considera que a pessoa nesse estágio de desenvolvimento, ainda não tem maturidade sexual.

A grande peculiaridade aqui, diz respeito a ausência da elementar violência ou grave ameaça do tipo penal, por ter compreendido o legislador que a vontade do menor de 14 anos não é válida. De fato, antes do advento desta lei, se exigia a elementar embora se presumisse a sua existência (art. 224, "a", do CP). Acontece que, não obstante as ultimas posições do STF tenham sido de que essa presunção era absoluta (HC 75.608, HC 81268, etc.), ainda permanecia divergência jurisprudencial, pois, inúmeros julgados consideravam relativa a presunção, e, na doutrina também predominava a relatividade da presunção. Agora, a discussão deixa de existir, porque o legislador não mais exige a elementar "grave ameaça ou violência", no caso do sujeito passivo ser menor de 14 anos, tendo então revogado todo o art. 224 do CP, e criado o novo tipo com "nomen juris" - estupro de vulnerável.

Em que pese, entendermos que com a supressão da elementar violência ou grave ameaça do tipo penal de estupro com menores de 14 anos, não se possa mais discutir acerca da relatividade da presunção da violência, não podemos deixar de fazer algumas observações críticas a essa alteração legislativa, que acabou por retirar do magistrado a possibilidade de afastar a violência quando a vítima embora menor de 14 anos, demonstrasse esclarecimento suficiente sobre o sexo e suas consequências.

Aliás já tivemos oportunidade de defender em janeiro de 1997, em artigo [11], que a presunção de violência do estupro deveria ser presumida. Ora, as meninas de 13 anos de hoje, não podem ser equiparadas aquelas da década de 1930 que inspirou o legislador do código Penal de 1940. Asseveramos na oportunidade "Não há como equiparar uma jovem de 12 ou 13 anos com uma alienada mental, esta é totalmente incapaz de entender o sexo e as suas consequências, aquela via de regra, já tem uma noção exata sobre este tema, que hoje faz parte do currículo escolar, das notícias dos meios de comunicação e da própria orientação dos pais."

Para demonstrar a possibilidade de grande injustiça de se punir alguém simplesmente porque praticou algum ato libidinoso com menor de 14 anos , vejamos o seguinte exemplo. Um jovem de 17 anos começou a namorar uma menina de 13 anos. Na comemoração de um ano de namoro, véspera da adolescente completar 14 anos, os dois resolvem manter conjunção carnal, nesse momento, o jovem, contaria com 18 anos. Ao tomar conhecimento desse fato, o Ministério Público agora, teria o dever de propor a ação penal pública imputando a esse jovem o delito de estupro de vulnerável.

Diante do juiz, a adolescente vítima, diz que foi idéia dela o ato sexual, não obstante a relutância do namorado. Neste caso, pela legislação anterior, ainda haveria a possibilidade do juiz absolver o réu alegando que a presunção de violência é relativa, e que no caso, inexistiria. Agora, como o tipo penal sequer fala em violência, estando presentes as elementares do tipo, o juiz teria que condenar o acusado a uma pena de oito anos, que por ser crime hediondo será cumprida inicialmente em regime fechado. Será essa uma solução justa que atende os anseios da sociedade? Será justo levar esse jovem ao cárcere em contato pernicioso com um sistema prisional superlotado e já considerado falido na sua função socializadora? Obviamente que não. O legislador ao elaborar a norma penal, certamente pensou no caso de muitos homens mais velhos que procuram jovens para satisfazerem sua lascívia. Mas, a norma é para todos, daí a necessidade do juiz analisar no caso concreto, se a vítima tinha ou não condições de consentir no ato sexual. A opção do legislador, a nosso ver, poder gerar injustiças em certos casos concretos.

Lembre-se que no Código Penal de 1890, presumia-se a violência quando a vítima era menor de dezesseis anos, tendo o Código de 1940 reduzido essa idade para 14 anos. Percebam que, a medida que o tempo foi avançando, a sociedade passou a ser mais liberal e mais informada sobre a sexualidade, por isso, justificou-se a redução da idade de presunção de violência. Ora, passados mais 69 anos, desde a vigência do atual Código Penal, ao invés de se manter a relatividade da presunção de violência, ou torná-la absoluta, mas reduzindo a idade para 12 anos, ou seja, se adequando ao ECA que é uma legislação mais recente, resolveu a L. 12.015 sob o pretexto de proteger adolescentes, manter a idade de 14 anos, porém, retirando o termo presunção da legislação, no intuito de evitar a discussão se esta seria relativa ou absoluta.

De fato, o nosso entendimento é de que o legislador deveria ter seguido outro caminho, qual seja, ou deixando claro que a presunção de violência seria relativa, ou se preferisse torná-la absoluta, deveria reduzir essa idade para menor de doze anos, de modo que, o ato libidinoso com criança (de acordo com a definição do ECA), seria crime. No entanto, com adolescente, só constituiria fato típico se houvesse o constrangimento ilegal mediante violência ou grave ameaça, ou na hipótese de vulnerabilidade por tratar-se de pessoa explorada sexualmente (art. 218, B, §2º, I, do CP). É também o pensamento de Nucci [12] . Só em um aspecto divergimos desse autor quanto a questão da vulnerabilidade do menor de 14 anos. É que diferentemente dele, entendemos que, com a criação do novo tipo penal do art. 217-A sem a elementar referente ao constrangimento mediante violência ou grave ameaça, não haverá sob o aspecto hermenêutico da norma ordinária em foco, como defender que essa presunção poderá ser relativa. O juiz entretanto, poderá deixar de aplicar a norma do art. 217-A se buscar algum fundamento constitucional no caso concreto, como a violação a proporcionalidade, ou como explica Zaffaroni [13] "princípio da proporcionalidade mínima da pena com a magnitude da lesão".

Aliás, essa opção legislativa de tentar encerrar a discussão acerca da presunção de violência ser absoluta ou relativa, fica clara, por um trecho da justificação do PL 253/2004, ora transcrito: "o projeto de reforma do Código Penal, então, destaca a vulnerabilidade de certas pessoas, não somente crianças e adolescentes com idade até 14 anos, mas também a pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não possui discernimento para prática do ato sexual, e aquela que não pode, por qualquer motivo, oferecer resistência; e com essas pessoas considera como crime ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso; sem entrar no mérito da violência e sua presunção. Trata-se de objetividade fática. "

2. Tipicidade objetiva e subjetiva

A tipicidade objetiva é semelhante a do estupro de pessoas não vulneráveis, porém, com algumas diferenças. Primeiro, não integra o tipo, o constrangimento mediante violência ou grave ameaça. Isso porque o legislador já presumindo de forma absoluta que a situação de vulnerabilidade impede que o sujeito passivo possa livremente manifestar sua vontade sexual, não fez constar essas elementares. De sorte que, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com a pessoa vulnerável, para que haja a adequação objetiva ao tipo penal.

Rogério Greco [14] afirma que as condutas do tipo de estupro de vulnerável são as mesmas do estupro. Data venia, sob a nossa ótica, há uma sutil diferença. É que no estupro (art. 213), a conduta da vítima pode ser ativa (praticando o ato libidinoso) ou passiva (permitindo que com ela seja praticado). A conduta ativa, inclusive, pode ser realizada no agente, num terceiro, ou nela própria (p. ex., masturbando-se). Já no estupro de vulnerável, o legislador descreveu apenas uma conduta ativa do agente (ter ou praticar). E, se por exemplo, o menor de 14 anos masturbar-se na frente do agente, haverá estupro de vulnerável ? A resposta é negativa, pois, não haverá qualquer conduta positiva do agente. Se, no entanto, o menor agiu dessa forma, porque foi constrangido, deverá o agente responder pelo estupro na sua forma simples.

Portanto, no estupro de vulnerável o agente só responderá se realizou um conduta positiva, como se percebe pelos verbos "ter e praticar". No entanto, se o agente tinha o dever legal de agir, ele pode responder pela sua omissão (crime omissivo impróprio), na condição de garantidor (vide comentários ao veto do §2º, do art. 217-A).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico. Há quem defenda que se exige o dolo específico. Para maiores detalhes, ver último parágrafo do item 2, nos comentários do art. 213.

Ressalte-se ainda que, o dolo deve abranger a situação de vulnerabilidade. Assim, se o agente é levado a crer que a vítima não é menor de 14 anos, nem se encontra em uma das situações de vulnerabilidade descritas no §1º do art. 217-A, poderá ocasionar a atipicidade absoluta ou relativa, em função do erro de tipo que exclui o dolo. Noutras palavras, neste caso, o agente não responderá pelo crime de estupro de vulnerável, podendo o fato ser atípico (atipicidade absoluta), ou configurar o crime do art. 213 (atipicidade relativa), se o agente constrangeu a vítima mediante violência ou grave ameaça.

3. Bem jurídico tutelado e sujeito ativo e passivo

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual da pessoa vulnerável.

O sujeito ativo do crime de estupro de vulnerável pode ser qualquer pessoa – homem ou mulher, porém defendemos a impossibilidade do mesmo ser menor de 14 anos, ou seja, se dois menores de 14 anos têm conjunção carnal ou praticam ato libidinoso diverso, não realizam a figura do tipo, não podendo responder por ato infracional, por ocorrer a figura da confusão no direito penal, tema que será por nós adiante comentado.

Para que o sujeito ativo responda pelo crime em testilha, é necessário que a idade da vítima integre o dolo do agente, conforme já mencionamos. Admitindo-se erro de tipo, que exclui o dolo, se o agente foi levado a acreditar que a vítima não era menor de 14 anos.

O sujeito passivo do delito de estupro de vulnerável, pode ser homem ou mulher, porém, no caso do caput do artigo, necessariamente terá que ser menor de 14 anos. No caso do §1º desse artigo, no entanto, o sujeito passivo será alguém portador de uma enfermidade ou deficiência mental, que impossibilite ter o discernimento necessário, ou então, que por qualquer outra razão não possa oferecer resistência.

Percebe-se inicialmente que a redação foi aperfeiçoada em relação a que era adotada no revogado art. 224, "b", do CP, por duas razões. Em primeiro lugar, por substituir os termos alienação e debilidade mental, por enfermidade ou deficiência mental, o que é mais apropriado e se harmoniza com os termos adotados pelo Código Civil para o absolutamente incapaz (art. 3º, II). Em segundo lugar, por deixar expresso que além dessa situação, é necessário que lhe falte o discernimento para entender o ato a ser praticado, coadunando-se também com o art. 26 do CP. É bem verdade que, embora a redação anterior não deixasse isso claro, já era assim entendido pela doutrina e jurisprudência, mas ainda havia alguma divergência. Agora, dissipando qualquer dúvida ficou expresso, a exigência de dois critérios, um biológico, consistente na constatação da enfermidade ou deficiência mental, a ser aferido por perícia, e outro psicológico, referente a impossibilidade de compreensão do ato, a ser examinado pelos peritos e/ou juiz.

Portanto, somente se o grau da enfermidade ou deficiência mental for bastante elevado, ao ponto da pessoa não ter a capacidade de compreender o que faz, é que será inócuo o seu consentimento, responsabilizando-se o agente que praticou o ato libidinoso com o vulnerável. Se, no entanto, não obstante a enfermidade ou deficiência mental, ele tiver discernimento sexual, ele poderá ter uma vida normal, inclusive, constituindo família.

Ressalte-se que, no caso do sujeito passivo ser portador de enfermidade ou doença mental, para que o agente incorra no crime de estupro de vulnerável é imprescindível a existência do dolo quanto a essa circunstância, ou seja, que o mesmo tenha pleno conhecimento do estado de enfermidade ou de doença mental da vítima. Exige ainda, a jurisprudência, conforme já salientamos, que a deficiência mental seja aferida por exame pericial.

Finalmente, na parte final desse §1º, do art. 217-A, o legislador usou uma fórmula genérica consistente na expressão "por qualquer outra causa não pode oferecer resistência", da qual, pode-se exemplificar, a inconsciência decorrente de embriaguez completa, por uso de entorpecente ou de sonífero, hipnose, etc. Aliás, a mídia tem noticiado recentemente, hipóteses de estupro cometido por médico que se aproveitava do estado de pacientes que não podiam oferecer resistência.

4. Teoria da confusão no direito penal

Neste tópico, resolvemos inovar, abordando um tema inédito. É bem verdade que, antes da L. 12015 já era possível desenvolver esta matéria, mas, ela ganhou especial relevo com esta lei, ao criar o tipo de estupro de vulnerável (unificando num único tipo os antigos crimes do art. 213, 214 e 224). Por se tratar de uma tese nova, de nossa autoria, pode ou não, vir a ter alguma aceitação doutrinária.

O instituto da confusão no direito civil é previsto no art. 381 "Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor." Pergunta-se, e no direito penal é possível ocorrer situação semelhante, ou seja, confundir-se a figura do sujeito ativo e passivo do delito na mesma pessoa, de forma a que ele não responde pelo delito ? A resposta que pretendemos dar é positiva, e decorre justamente da análise de uma situação que pode advir no estupro de vulnerável.

Vimos que o sujeito ativo desse delito pode ser qualquer pessoa. Assim, se alguém de 19 anos pratica um ato libidinoso com uma menor de 13 anos, consciente da idade da vítma, responderá pelo delito do art. 217-A. Se o sujeito ativo, tiver 17 anos, também terá cometido este fato típico, não obstante, haverá a exclusão da culpabilidade, face a sua inimputabilidade, respondendo nos termos do ECA. Agora, vem a situação que dará ensejo a nossa teoria. E se, dois menores de 13 anos de idade tiverem conjunção carnal ou praticarem outro ato libidinoso entre si. Ambos terão praticado um fato típico (art. 217-A) ensejando a punição nos termos do ECA ? A nossa resposta é negativa, porque haveria neutralização da vontade, no que resolvemos tomar emprestado o termo do direito civil, para denominar de confusão (quiçá houvesse outro termo mais adequado). A situação aqui, não é idêntica a do crime de rixa, já que a vontade sexual manifestada por ambos não é válida. Vejamos o desenvolvimento teórico de nossa tese.

Leciona com maestria o grande jurista Damásio de Jesus [15]. "Aspecto interessante oferece o crime de rixa (art. 137), em que os co-rixosos são, a um tempo, sujeitos ativos e passivos. Não é, porém, exceção à regra. Trata-se de crime plurissubjetivo de condutas contrapostas ou convergentes, em que os rixantes (sujeitos ativos) não são sujeitos passivos da própria ação, mas da ação dos outros. O rixoso é sujeito ativo em relação a sua própria conduta; é sujeito passivo em razão da co-autoria ou participação dos outros." .

Como se percebe, no caso de rixa, o sujeito ativo responderá pela sua conduta, embora seja vítima da conduta dos co-rixosos. Ou seja, todos responderão pelo delito. No caso de dois menores de 13 anos praticarem um com o outro, ato libidinoso, não podemos seguir a mesma lógica da rixa, para responsabilizar ambos nos termos do ECA. A razão é simples. Se eles não são capazes de consentirem validamente no ato sexual, por isso são sujeitos passivos do delito, como então considerá-los sujeitos ativos, emprestando relevo as suas condutas desprovidas de vontades válidas ?

Noutras palavras, a mesma vontade do menor de 14 anos que não é aceita na aquiescência do ato sexual, tornando-o sujeito passivo do delito de estupro de vulnerável, não pode sob o prisma oposto, ser levada em consideração para responsabilizá-lo pelo seu ato. Assim, seguindo a teoria finalista da ação, a conduta é dirigida para uma finalidade. Se essa vontade do menor de 14 anos, tendente a uma finalidade libidinosa não é válida, não há o elemento subjetivo do tipo, o dolo. Ora, se nenhum dos dois menores agiu com dolo, não há fato típico. Noutras palavras, não há sujeito ativo, e consequentemente não há passivo. Houve assim, uma neutralização das vontades. Portanto, há uma confusão sob o aspecto negativo.

Conclui-se pois, se um menor de 13 anos tiver conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com outro menor de 13 anos, embora ocorra a tipicidade (adequação da conduta ao tipo penal do art. 217-A), não haverá fato típico, por ausência do elemento subjetivo – o dolo. O fato deles serem sob o prisma objetivo, sujeitos ativo e passivo, mas não terem cometido um fato típico, por ausência do elemento subjetivo, é para nós uma situação peculiar no direito penal, a qual, resolvemos denominar de confusão ou quiçá de aparente confusão (sob o aspecto objetivo há sujeito ativo e passivo que se confundem, mas do ponto de visto subjetivo, não) .

Enfim, resolvemos abordar o tema, para que ele possa vir a ser discutido e se for o caso, aperfeiçoado.

5. Qualificadoras

§2º (VETADO) | A pena é aumentada da metade se há concurso de quem tenha o dever de cuidado, proteção ou vigilância |.

O parágrafo vetado, objetivava punir mais severamente as pessoas que tendo um dever especial para com a vítima, se omitia. De fato, não é raro, e a mídia tem divulgado inúmeros casos, de mães que nada fazem para conter os abusos sexuais cometidos pelo seus companheiros nas suas filhas. A mãe omissa no seu dever legal, irá responder em concurso com o agente, nos termos do art. 217-A, c/c o art. 13, §2º, "a", ambos do Código Penal. Além de incorrer no delito em tela, pretendia o legislador estabelecer uma causa de aumento de pena. Acertadamente, esse dispositivo foi vetado, pois, evita discussão acerca de um "bis in idem", ou seja, do dever legal ser usado como norma extensiva para caracterizar o crime de estupro de vulnerável, e também como causa de aumento de pena. Ademais, o art. 226, II, do CP (em vigor), já prevê uma causa de aumento de pena, se o agente é ascendente da vítima.

O §3º do art. 217-A, trata da qualificadora, quando da conduta do sujeito ativo de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, resultar em lesão corporal de natureza grave. A situação aqui é idêntica a do §1º do art. 213 já comentado, para onde remetemos o leitor para maiores esclarecimentos. A diferença á apenas na pena, que no caso desse parágrafo do art. 217-A é de 10 a 20 anos. Por sua vez, o §4º alude a hipótese de em razão da conduta do agente resultar em morte da vítima menor de 14 anos. Também já comentamos essa situação no art. 213, §2º, do CP. Aqui, entretanto, pela vítima ser menor de 14, a pena é mais severa, de 12 a 30 anos.

6. Concurso de crimes

Nós vimos que o constrangimento ilegal mediante violência e a grave ameaça não integram o tipo penal, no caso de estupro de vulnerável. Indaga-se todavia, e se o agente constranger o vulnerável, haverá crime único ou concurso de crimes ? Ora, se o constrangimento não é elementar do tipo, então, por óbvio, caso aconteça, haverá concurso dos crimes de constrangimento ilegal e estupro de vulnerável.

Sobre o autor
Yordan Moreira Delgado

Procurador da República e professor universitário. O autor, além de ter enorme experiência profissional na área penal, por ter exercido durante mais de cinco anos o cargo de Promotor de Justiça do Estado da Paraíba, e por estar há quase uma década como membro do Ministério Público Federal, sempre foi um apaixonado pelo estudo do direito penal e processual penal, tanto que exerceu a catédra de direito penal (parte geral, especial e leis penais extravagantes) na Faculdade de Direito de Campos – RJ, onde também defendeu dissertação de mestrado nessa área, e atualmente leciona Penal no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê) – PB. Já lecionou também na Escola Superior do Ministério Público da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Tem diversos artigos publicados na área penal e processual penal, além da obra já mencionada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Yordan Moreira. Comentários à Lei nº 12.015/09. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2289, 7 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13629. Acesso em: 5 nov. 2024.

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