CONCLUSÃO
Este trabalho monográfico pretendeu examinar os pressupostos de admissbilidade do incidente de deslocamento de competência, criado pela Reforma do Poder Judiciário, de modo a, além de defender sua constitucionalidade e harmonia com o sistema jurídico brasileiro, tentar trazer um esboço de sistematização quando de sua análise em casos concretos.
Isso porque as principais críticas em relação ao referido instituto se circunscrevem à suposta subjetividade para sua instauração, que dependeria do exclusivo alvedrio do Procurador Geral da República. Nesse sentido, ressaltamos a existência do Projeto de Lei nº 6.647/06, em tramitação na Câmara dos Deputados, que tem a finalidade de regulamentar o § 5º do art. 109 da Constituição Federal, estabelecendo o procedimento a ser seguido nos casos de federalização das graves violações a direitos humanos.
Analisamos, pois, sem pretensão de exaustão, o que se entende na jurisprudência e na comunidade internacional acerca da expressão "grave violação a direitos humanos"; elencamos os principais tratados internacionais sobre direitos humanos a que o Brasil está obrigado a respeitar e cumprir; e dissertamos sobre a necessidade de se verificar a omissão, leniência e/ou parcialidade das autoridades envolvidas nas investigações de casos que possam interessar ao incidente.
Ressaltamos que este último pressuposto é o nó górdio da federalização, pois é o mais difícil de ser comprovado no caso concreto, o que demonstra a extrema excepcionalidade do instituto. Utilizando o direito comparado, fizemos um paralelo entre o instituto da federalização e o Tribunal Penal Internacional, que funciona com base no princípio da complementaridade, uma espécie jurisdição subsidiária. Princípio esse que pode ser tomado como sustentáculo para a legitimidade do incidente em estudo.
Da nossa análise, podemos inferir que, ainda que de utilização excepcional, o instituto – de feição nitidamente garantista – é necessário pois se apresenta como mais um mecanismo apto a coibir e reprimir violações aos direitos humanos, além de ser estímulo para que as autoridades estaduais ajam com prudência, pois, caso sejam omissas, podem ter o seu "orgulho" ferido, perdendo a competência para investigar, processar e julgar determinados casos que envolvam graves violações a direitos humanos.
REFERÊNCIAS
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Sítios eletrônicos:
Supremo Tribunal Federal: www.stf.jus.br
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Tribunal Penal Internacional: www.icc-cpi.int
Notas
- COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 37.
- "Il faut comprendre que les droits de l´homme impliquent la collaboration et la coordination des États et des organisations internationales". B. Boutros-Ghali. Então Secretário-Geral da Nações Unidas. ONU, Communiqué de Presse nº DH/VIE/4. De 14.06.1993, p.10
- STF. ADI/3486 e ADI/3493, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito.
- TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. In: A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. Editor: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. San José: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 1996. p. 227.
- TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Tomo III. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 434-436.
- MALULY, Jorge Assaf. A federalização da competência para julgamento dos crimes praticados contra os direitos humanos. In: Boletim IBCCRIM. n.º 145. Março/2005.
- "Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais."
- ARAS, Vladimir. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. <www.jus.com.br>. Acesso em 07/05/07.
- FRANCO, Alberto Silva. Prazo razoável e o Estado Democrático de Direito. Boletim IBCCRIM. n. 152. Julho/2005.
- STJ. IDC 1/PA. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Terceira Seção. DJ. 10.10.05.
- SILVA, José Afonso da. Jurisdição constitucional da liberdade. In: Os rumos do Direito Internacional dos direitos humanos: ensaios em homenagem ao professor Antônio Augusto Cançado Trindade. (Coord.) Renato Zerbini Ribeiro Leão. v. 5. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005. p. 30.
- ARAS, Vladimir. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. <www.jus.com.br>. Acesso em 07/05/07.
- SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 66.
- BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 84.
- BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2003. p.64.
- FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 684.
- SALCEDO, Juan Antonio Carrillo. Algunas reflexiones sobre la subjetividad internacional del individuo y el proceso de humanización del Derecho Internacional. In: Os rumos do Direito Internacional dos direitos humanos: ensaios em homenagem ao professor Antônio Augusto Cançado Trindade. (Coord.) Renato Zerbini Ribeiro Leão. v.1.Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2005. p. 279-280.
- Ob. cit. p. 284.
- ESTIGARA, Adriana. O dever de adotar políticas públicas em decorrência da atuação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos: Uma análise a partir dos casos "Maria da Penha" e "Damião Ximenes". In: Direitos humanos: fundamento, proteção e implementação. Flávia Piovesan e Daniela Ikawa (Coords.). Curitiba: Juruá, 2007. p. 441.
- RODRÍGUEZ, Emilia Segares. El deber de adoptar disposiciones de derecho interno para hacer efectivos los derechos y libertades consagrados en la Convención Americana sobre derechos humanos. In: Os rumos do Direito Internacional dos direitos humanos: ensaios em homenagem ao professor Antônio Augusto Cançado Trindade. (Coord.) Renato Zerbini Ribeiro Leão. v. 5. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005. p. 317.
- BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora UnB, 1999. p. 71.
- PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos Internacionais e Jurisdição Supranacional: a Exigência da Federalização. In: Boletim – Associação Nacional dos Procuradores da República. n. 16. Ago.1999.
- PIOVESAN, Flávia. e VIEIRA, Renato Stanziola. Federalização de crimes contra os direitos humanos: o que temer?. Boletim IBCCRIM. n. 150. Maio/2005.
- STF. RE nº 39.804. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Voto-vista Min. Gilmar Mendes. Informativo nº 451.
- MALULY, Jorge Assaf. A federalização da competência para julgamento dos crimes praticados contra os direitos humanos. Boletim IBCCRIM. n.º 145. Março/2005.
- MALULY, Jorge Assaf. Ob. cit.
- STF, Intervenção Federal 2.737-3/SP, Tribunal Pleno. Relator para o acórdão. Min. Gilmar Mendes.
- A determinação do que seja grave violação aos direitos humanos é igualmente importante para aclarar o negrume que paira sobre o instituto de deslocamento de competência, porém esse não é o foco do presente estudo.
- STF. RE nº 39.804. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Voto-vista Min. Gilmar Mendes. Informativo nº 451.
- BASSIOUNI. Report A/59/370. General Assembly. Report of the independent expert of the Comission on Human Rights on the situation of human rights in Afghanistan. Tradução livre.
- Esses foram os tratados indicados por BATISTA, Vanessa Oliveira, et al. A Emenda Constitucional nº 45/2004 e a constitucionalização dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil. In: Revista Jurídica. Brasília, v. 10, n. 90. Ed. Esp. p. 01-44, abr./maio, 2008.
- "O principal legado do Holocausto para a internacionalização dos direitos humanos constitui na preocupação que gerou no mundo pós-Segunda Guerra, acerca da falta que fazia uma arquitetura internacional de proteção de direitos humanos, com vistas a impedir que atrocidades daquela monta viessem a ocorrer novamente no planeta". MAZZUOLI. Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e as perspectivas para a proteção internacional dos direitos humanos no século XXI. In: AMBOS, Kai. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Tribunal Penal Internacional: possibilidades e desafios.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 121.
- LIMA, Renata Mantovani de. e BRINA, Marina Martins da Costa. O Tribunal Penal Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 91.
- TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume II. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1999. p. 398.
- Fonte: www.icc-cpi.int.