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A prescrição do direito de punir deve ser anotada nos assentamentos funcionais do servidor público?

A interpretação do art. 170 da Lei n.º 8.112/1990

Agenda 12/10/2009 às 00:00

A prescrição da pretensão punitiva diferencia-se da prescrição do direito de punir. Somente no primeiro caso deve ocorrer o registro nos assentamentos funcionais do servidor público.

Palavras-chave: Processo administrativo disciplinar. Prescrição do direito de punir e prescrição da pretensão punitiva. Distinção. Efeitos de anotação do óbice prescricional nos assentamentos funcionais do servidor.

Resumo: O artigo procura demonstrar que, para os fins do art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, a prescrição da pretensão punitiva (aquela verificada após a instauração tempestiva do processo administrativo disciplinar) diferencia-se da prescrição do direito de punir (a consumada antes da abertura do feito punitivo), na medida em que somente no primeiro caso deve ocorrer o registro nos assentamentos funcionais do servidor público.


1. Introdução

Questão interessante concerne à interpretação do capitulado no art. art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990: "Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor."

A pergunta que se formula é: o dispositivo se aplica mesmo em caso da prescrição consumada antes da própria instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar? Isto é, mesmo que o fato não tenha sido sequer apurado e não mais o possa ser, ainda assim deve-se anotar nos assentamentos funcionais o cometimento de um ilícito que não se saber sequer se efetivamente ocorreu, sem conhecer pelo menos a voluntariedade do servidor público e sua culpabilidade?


2. Distinção entre a prescrição do direito de punir e da pretensão punitiva

Primeira ponderação que se impõe concerne à distinção entre prescrição do direito de punir e prescrição da pretensão punitiva.

Sobre a prescrição do direito de punir vale apontar: como a prescrição se conta, inicialmente, pela data do fato (no caso de infração disciplinar constitutiva de crime: art. 142, § 2º, Lei n. 8.112/1990, c.c. art. 109, Código Penal), ou pelo conhecimento da irregularidade pela Administração Pública (no caso de transgressões estritamente disciplinares: art. 142, § 1º, Lei n. 8.112/1990), pode ocorrer a perda do direito de punir as faltas funcionais, antes mesmo da instauração do processo administrativo disciplinar ou da sindicância, desde que decorrido lapso temporal superior àquele deferido legalmente para o exercício do poder disciplinar estatal.

Como a prescrição somente é interrompida em seu fluxo temporal, iniciado com o conhecimento do fato pela Administração Pública, pela instauração do processo administrativo disciplinar ou da sindicância punitiva ("A sindicância que tem o condão de interromper o fluxo do prazo prescricional é aquela chamada punitiva, em cujo término resulta penalidade de advertência ou de suspensão de até trinta dias (art. 145, II, Lei n. 8.112/1990) e que possui natureza jurídica de autêntico processo administrativo disciplinar, informado pelo contraditório e pela ampla defesa" [01]), segue que a demora em proceder à abertura de feito sancionador processual ou sindicante pode representar a perda do direito de punir a infração disciplinar, excluindo a própria falta. É o que se chama prescrição do direito de punir.

A seu turno, a prescrição da pretensão punitiva é aquela que sucede após a tempestiva instauração de processo administrativo disciplinar ou sindicância apenadora, em virtude da retomada do prazo prescricional, outrora interrompido com a abertura do feito (art. 142, § 3º, Lei federal n. 8.112/1990), após cessados os efeitos da interrupção da prescrição depois do decurso de 140 dias da instauração do processo administrativo disciplinar e de 80 dias da deflagração de sindicância punitiva, na forma já cimentada pela jurisprudência [02][03][04][05][06] e pela doutrina [07].

José Armando da Costa intitulava a prescrição do direito de punir de "mais favorável" e a da pretensão punitiva de "menos favorável", ainda nos idos de 1981:

A que ocorre antes da instauração do processo, chamaremos de prescrição mais favorável, a que ocorre depois, prescrição menos favorável. A prescrição mais favorável funciona, na realidade, como uma excludente de falta, posto que o funcionário com ela se beneficia nem é punido e nem irá a falta para o registro de seus assentamentos funcionais. Só difere da excludente pelo lado moral. A menos favorável elimina a imposição da punição. Essa doutrina está de acordo com o entendimento do DASP, senão vejamos o enunciado de sua formulação de nº 36: ´Se a prescrição foi posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apurada (COLEPE, proc. n.º 1.087/69; CGR, par. H-458/67, DO de 20.2.67). [08]


3. A perplexidade de a prescrição do direito de punir render ensejo à anotação nos assentamentos funcionais

Não se pode deixar de pontuar a perplexidade que decorre da exegese do art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, quando estatui que "extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor", se porventura aplicada nos casos de prescrição do direito de punir.

Até se compreende o registro nos assentamentos funcionais na hipótese em que, verificado efetivamente o cometimento de ilícito administrativo, a respectiva pena não pôde, entretanto, ser aplicada pela circunstância de a Administração Pública (depois de processar o servidor, colher provas, ouvir-lhe a defesa e também a tese acusatória) decidir que a conduta do acusado é, de fato, típica e culpável (além de não estar agasalhada por excludente de ilicitude), mas se ver, genuflexa, impossibilitada de impor a sanção disciplinar, por causa da prescrição da pretensão punitiva.

O que assentada doutrina firma é que a prescrição consumada após a instauração tempestiva do processo disciplinar (prescrição da pretensão punitiva) deveria ser registrada, enquanto aquela consumada antes mesmo da abertura de processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva (prescrição do direito de punir) - o feito é aberto muito tardiamente, não poderia render ensejo a anotações funcionais.

Com efeito, apesar de a lei não distinguir (seria, numa primeira assertiva e mais apressada supostamente o caso de fazer incidir o brocardo: "onde a lei não distingue ao intérprete não é dado fazê-lo") quanto ao registro nos assentamentos funcionais, parece que reside certa coerência, à luz do princípio da razoabilidade, na tese de que, se o fato não pode sequer ser apurado, por força da prescrição do próprio direito de punir, afigura-se de alguma forma compreensível a linha doutrinária que, nesse caso, rechaça a anotação da prescrição, se o fato não pode sequer ser averiguado, por força do óbice prescricional, sem que ao menos se defira ao acusado, portanto, sequer chance de se defender e comprovar a improcedência do juízo por sua culpabilidade, visto que à Administração resta vedado proceder ao apuratório, por força da prescrição, mesmo motivo pelo qual parece igualmente razoável que esse mesmo fato não possa ser registrado nos assentamentos funcionais, pois não houve nem haverá ao menos a abertura do devido processo legal e da concessão do direito de defesa.

Mas como se compreender, à luz dos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, fora a presunção da inocência, que um fato que não foi sequer apurado, porque a Administração Pública nem ao menos deflagrou uma sindicância investigativa, deva merecer registro (negativo, no mínimo implicitamente ao tachar o funcionário de transgressor) nos assentamentos funcionais do servidor público envolvido, sem que se possa aferir, na via do "due process of law", a sua culpabilidade e as circunstâncias que se relacionam com o pretenso ilícito supostamente cometido.

Será que o servidor, referentemente ao pretenso ilícito, agiu abrigado por uma excludente de ilicitude (legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal, estado de necessidade, exercício regular de direito)? Será que foi plena sua voluntariedade, ou agiu sem dolo nem culpa, em circunstância de força maior, sob coação irresistível ou em obediência hierárquica de ordem não manifestamente ilegal? O fato era realmente punível de acordo com o princípio da insignifcância ou da proporcionalidade? Será que terceiros não são os verdadeiros autores do alegado ilícito administrativo, em vez do servidor cujo nome se pretende negativar? Todas essas perguntas não podem ser simplesmente engavetadas com o juízo apriorístico de que o servidor cometeu um ilicito – e ponto final, em meio, quanto menos, a dúvidas da reprovação da sua conduta.

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Enfim, quem não fica atônito diante de que o pretenso cometimento de uma infração funcional será escriturado contra determinado servidor, sem que pelo menos se saiba se ele era realmente culpado ou atuou ao abrigo de excludentes de ilicitude ou culpabilidade ou outras eximentes?

Por que o fato deve ser registrado contra alguém, pesando negativamente em seus assentamentos funcionais, embora não possa servir de antecedente (pois maus antecedentes pressupõem punições anteriores efetivamente impostas), se nem sequer direito ao devido processo legal o servidor público teve nem poderá ter, pois a prescrição serve como óbice insuperável à apuração do fato e à eventual comprovação, pela defesa, de que não teria havido infração administrativa na hipótese?

Diferentemente sucede na hipótese de prescrição da pretensão punitiva, em que o feito foi instaurado a tempo, mas a demora na tramitação e decisão final impede a punição do fato. No caso, ocorre a produção de provas, a apresentação de razões, mas, no julgamento, a autoridade competente se vê privada do direito de aplicar pena, julgada cabível e devida, ao servidor, por força da prescrição da pretensão punitiva, mas houve a abertura do devido processo legal, o acusado foi ouvido, enfim, aproximou-se mais na apuração da verdade, com o respeito ao contraditório e ampla defesa.

Parece que, por esses fundamentos, ocorre a distinção, que parece acertada, à luz dos motivos supra, que ora se ventila, à luz do princípio da razoabilidade da administração pública: quem não foi sequer ouvido, deve suportar no mínimo uma suspeita (senão uma autêntica sentença condenatória indireta), uma mácula contra seu nome, com o registro negativo de alguma suposta irregularidade que nem sequer pôde ou poderá ser apurada, quando não se sabe se o servidor era inocente ou atuara sob a tutela de excludente de ilicitude ou de culpabilidade?

Pergunte-se de novo: afina-se com o bom-senso, com a idéia de padrões aceitáveis de comportamento, julgar que alguém é culpado e, por isso, deve ter seu nome inscrito no rol dos transgressores das normas administrativas (medida efetivada indiretamente, por meio da anotação na pasta funcional), quando se cuida de fato que não foi sequer alvo de alguma apuração, quanto menos de uma sindicância inquisitorial?

Parece que essa situação faz incidir os proclamos do princípio da razoabilidade, o qual enuncia, segundo Suzana de Toledo Barros, que as medidas administrativas devem passar pela averiguação de sua "adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, eqüidade", traduzindo o que não pareça absurdo ou ao menos seja admissível. [09] José Roberto Pimenta Oliveira observa que o princípio da razoabilidade "objetiva impedir a consumação de decisões socialmente inaceitáveis, arbitrárias ou iníquas." [10]

Não é justo que a um servidor a quem não foi - nem o será jamais - deferida a oportunidade de refutar uma premissa ou presunção reprobatória de sua conduta, seja increpada sentença condenatória indireta pela negativação de seu nome na sua ficha funcional.

Nem se diga que a medida registral não gera prejuízos ao servidor negativado em sua folha funcional, haja vista que é comum, na fase de investigação social de concursos públicos, proceder-se à consulta sobre os antecedentes administrativos do funcionário, contra quem pesará o registro de uma pretensa falta cujo efetivo cometimento e reprovação não pode sequer ser ao certo confirmada.

Por isso que se advoga que nem sequer seria possível anotar a prescrição nos assentamentos funcionais do servidor, se ocorrida antes da instauração do processo administrativo disciplinar, a despeito, data maxima venia, do previsto no art. 170, da redação original da Lei n. 8.112/1990, o qual somente tem aplicação no caso de consumação da prescrição da pretensão punitiva (a ocorrida depois de aberto tempestivamente o processo administrativo disciplinar), não no caso da prescrição do direito de punir (o feito sancionar é instaurado muito tarde, quando o fato não mais podia ser investigado).


4. Entendimento doutrinário e jurisprudencial

O egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios sufragou o entendimento de que a prescrição do direito de punir não deve ser anotada na folha funcional do servidor, conforme inteiro teor de acórdão de seu Conselho Especial:

ÓrgãoConselho Especial

Processo N.Mandado de Segurança 20070020141532 MSG

Impetrante(s)PAULO SANTANA JÚNIOR

Informante(s)SECRETÁRIO DE ESTADO DE FAZENDA DO DISTRITO FEDERAL

RelatorDesembargador ESTEVAM MAIA

Acórdão Nº308.103

E M E N T A

CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – SINDICÂNCIA PARA APURAR INFRAÇÃO – PRESCRIÇÃO CONSUMADA ANTES DA INSTAURAÇÃO – REGISTRO NOS ASSENTAMENTOS FUNCIONAIS COM APOIO NO ART. 170 DA LEI 8.112/90 – IMPOSSIBILIDADE – SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. Se, na data da constituição da Comissão de Sindicância destinada a apurar os fatos constitutivos da infração cometida pelo servidor já estava consumada a prescrição, não é lícito à Administração registrá-la nos seus assentamentos funcionais.

2. Segurança concedida. Unânime.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ESTEVAM MAIA - Relator, ROMÃO C. OLIVEIRA - Vogal, GETULIO PINHEIRO - Vogal, EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Vogal, CRUZ MACEDO - Vogal, MARIO MACHADO - Vogal, SÉRGIO BITTENCOURT - Vogal, HAYDEVALDA SAMPAIO - Vogal, CARMELITA BRASIL - Vogal, NÍDIA CORRÊA LIMA - Vogal, NATANAEL CAETANO - Vogal, LÉCIO RESENDE - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador NÍVIO GERALDO GONÇALVES em proferir a seguinte decisão: Preliminar rejeitada, no mérito, concedeu-se a segurança nos termos do voto do Relator. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 27 de maio de 2008

Certificado nº: 44355738

02/06/2008 - 15:29

Desembargador ESTEVAM MAIA

Relator

R E L A T Ó R I O

O relatório é, em parte, o do parecer ministerial de fls. 86/94, que transcrevo, literalmente:

"Trata-se de mandado de segurança impetrado por Paulo Santana Júnior em face de ato que considera ilegal e que atribui ao Secretário de Estado de Fazenda do Distrito Federal.

Assevera que é auditor tributário e que teve anotada em seus assentos funcionais, por ordem do Impetrado, penalidade de advertência, a despeito da ação disciplinar já estar prescrita (fl. 64).

Aduz o Impetrante que o fato objeto da ação disciplinar contra si instaurada se tornou conhecido da Administração Pública em 27 de março de 1996 e que a sindicância deveria ter sido aberta no prazo de 180 dias, o que não foi feito. Sustenta, portanto, que ocorreu a prescrição disciplinar direta, acarretando a perda, por parte da Administração, do direito de punir disciplinarmente o servidor faltoso.

Alega que, a despeito da ação disciplinar já estar prescrita, em 02 de agosto de 2006, foi instaurada uma Comissão de Sindicância contra si, da qual resultou a pena de advertência a si imposta.

Argumenta que, uma vez caracterizada a prescrição disciplinar direta, não poderia a Administração Pública ter mandado registrar nos assentamentos funcionais do Impetrante a advertência a ele imposta, eis que prescrita a pretensão punitiva da Administração.

Por fim, alega ser o artigo 170, da Lei nº 8.112/90, inconstitucional, na medida em que o referido dispositivo permite sejam feitas anotações de fato prescrito em assentamento funcional do servidor como penalidade, o que se contrapõe à prescrição que milita em seu favor.

Assim, requer seja reconhecida a prescrição disciplinar direta e concedida a segurança para determinar que, dos assentamentos funcionais do impetrante, não conste qualquer anotação ou menção em relação ao fato ou à penalidade dele decorrente.

Requer, caso não reconhecida a prescrição disciplinar direta, alternativamente, o reconhecimento da prescrição disciplinar, em qualquer de suas modalidades, com a decretação incidental da inconstitucionalidade do artigo 170, da Lei nº 8.112/90. Ao final, o Impetrante requer seja determinada retirada de seus assentamentos funcionais de qualquer anotação ou menção em relação ao fato ou dele decorrente.

O processo foi instruído com os documentos de fls. 15/69.

O Secretário de Estado de Fazenda do Distrito Federal prestou informações às fls. 76/83. Preliminarmente, observou a inadequação da via eleita pelo Impetrante, asseverando que este discute lei em tese, o que é inadmissível em Mandado de Segurança, conforme enunciado da Súmula nº 266, do Supremo Tribunal Federa.

Quanto ao mérito, sustentou que o instituto da prescrição aplicado no caso em comento é o da ação disciplinar, não tendo o Estado perdido o direito de apurar os fatos, já que a data desses não superou o prazo qüinqüenal.

Asseverou que, conforme o preceituado no § 2º, do artigo 142, da Lei nº 8.112/90, as infrações disciplinares capituladas também como crime obedecem ao artigo 107, do Código Penal, o qual se refere à extinção da punibilidade, ou seja, o que ficaria obstado em decorrência da prescrição seria a execução da pena, mutatis mutandi, a execução da sanção administrativa.

Nesse passo, aduziu que somente após a instauração do Processo Administrativo e definição da penalidade a ser imposta, é que seria possível verificar o alcance ou não da prescrição.

Por fim, no que toca ao pedido de declaração incidental da inconstitucionalidade da norma inserta no artigo 172, da Lei nº 8.112/90, argumentou que tal dispositivo encontra-se em pleno vigor, não havendo notícias de quaisquer medidas judiciais ou legislativas determinando a suspensão de sua eficácia."

Acrescento que o Ministério Público oficiou pela extinção do processo, sem resolução do mérito.

É o relatório.

V O T O S

O Senhor Desembargador ESTEVAM MAIA - Relator

Sustenta o impetrante que, por estar prescrito o direito da Administração em puni-lo pela falta funcional que lhe é atribuída, não se justifica qualquer anotação em seus assentamentos funcionais, acrescentando que o art. 170 da Lei 8.112/90 é inconstitucional e, como tal, deve ser declarado neste processo.

Examine-se, pois, se procede a objeção do impetrante ao ato impugnado.

Para compreensão da controvérsia, impõe-se rememorar os fatos.

O impetrante, Auditor Fiscal, procedeu a levantamento fiscal de determinada empresa, que solicitara baixa de sua inscrição, concluindo não haver débito a recolher. Esse resultado foi comunicado ao seu supervisor hierárquico em 26.03.96 (f. 28), arquivando-se o pedido de baixa.

Em 10.08.05, a Gerência de Auditoria Tributária solicitou o desarquivamento do citado processo, por verificar pendência do respectivo registro e suposta incoerência entre os demonstrativos e a conclusão.

Em 15.09.05, foi o impetrante instado a manifestar-se, o que fez asseverando que a dívida estava prescrita, o que deu ensejo à constituição de Comissão de Inquérito para apuração dos fatos, o que ocorreu por intermédio da OS n. 90, de 02.08.06. Sem conclusão desse procedimento, nova Comissão de Sindicância foi constituída em 26.02.07 para apuração dos mesmos fatos.

O Chefe da Corregedoria Fazendária, pela OS 48, de 03.05.07, desinstalou a Comissão constituída pela OS 09, de 26.02.07, e, ato contínuo, pela OS 49, da mesma data, reinstaurou a Comissão que concluiu seu trabalho sugerindo fosse aplicada ao impetrante a pena de advertência e, porque prescrita essa pena, se procedesse como disposto no art. 170 da Lei 8.112/90.

Como se vê, a Administração tomou ciência do levantamento fiscal realizado pelo impetrante em 26.03.96 e somente em 15.09.05 foi ele instado a manifestar-se sobre a questão, constituindo-se Comissão de Sindicância para apurar os fatos em 03.05.07, por intermédio da OS 49.

Concluiu a Comissão de Sindicância que o impetrante violara o disposto no art. 116, inc. III, da Lei 8.112/90, estando sujeito à pena de advertência, que prescreve em 180 dias (L. cit., arts. 129 e 142, III) e, por isso, o fato deveria ser anotado em seus assentamentos funcionais, sugestão acolhida pela autoridade coatora.

Tem razão o impetrante. Isto porque a Administração tomou conhecimento dos fatos em 26.03.96 e somente em 03.05.07 veio a constituir Comissão de Sindicância para apurar as irregularidades que detectara no levantamento fiscal por ele efetuado. E, como entendeu que a infração é punida com a pena de advertência, que prescreve em 180 dias, contados da ciência dos fatos, dúvida inexiste de que, naquela data (03.05.07), já não poderia deflagrar o processo para puni-lo.

Outra seria a solução se o prazo prescricional houvesse expirado no curso da Sindicância, oportunamente instaurada.

Esse sempre foi o entendimento vigorante na esfera federal, estratificado na formulação n. 36 do extinto DASP, do enunciado seguinte:

Formulação n. 36: "Se a prescrição for posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apenada" (GRIFOU-SE).

Doutra parte e, de conseqüência, não se faz necessário o exame da alegada inconstitucionalidade do art. 170 da Lei 8.112/90. A questão pode, e deve, ser solucionada com a interpretação desse dispositivo legal.

Com esses fundamentos, CONCEDO a segurança para determinar a autoridade coatora que proceda à retirada do registro do fato dos assentamentos funcionais do impetrante.

Custas na forma da lei.

Sem honorários.

É como voto.

O Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador GETULIO PINHEIRO - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador CRUZ MACEDO - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT - Vogal

Com o Relator

A Senhora Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO - Vogal

Com o Relator

A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL - Vogal

Com o Relator

A Senhora Desembargadora NÍDIA CORRÊA LIMA - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador NATANAEL CAETANO - Vogal

Com o Relator

O Senhor Desembargador LÉCIO RESENDE - Vogal

Com o Relator

D E C I S Ã O

Preliminar rejeitada, no mérito, concedeu-se a segurança nos termos do voto do Relator. Unânime.

A doutrina segue a mesma trilha. Comentando sobre o art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, Ivan Barbosa Rigolin enuncia, de forma aguda:

Parece estranho o dispositivo, uma vez que menciona ´extinção da punibilidade´ e não se poderia referir a lei a algo assim senão para significar que algum servidor era passível de ser punido, e contra ele havia a possibilidade de punição. Se existia, alguma falta grave deve ter cometido, mas esta falta, que afinal não ensejou sequer instauração de sindicância, enquanto não devidamente apurada pela Administração, jamais pode ser registrada no assentamento do servidor supostamente irregular, por de fato inexistente sob o aspecto formal. Como, então, anotar que foi extinta a punibilidade por prescrição de suposta falta cometida pelo servidor, se essa falta não foi nem mesmo objeto de sindicância? Como presumir culpa contra servidor, deixar de apurá-la e anotar em seu assentamento que em dado momento ´extinguiu-se a punibilidade´ daquele mesmo servidor por prescrição? A L. 8.112 traça aqui mais um grave descaminho até mesmo de ordem lógica, suscetível de reparação caso efetivamente praticado, inclusive, segundo parece, pela via do mandado de segurança: violação do direito líquido e certo de não ter assentamento funcional anotado por falta apenas suposta. [11]

Em obra mais recente, José Armando da Costa confirma o entendimento, enaltecendo o valor e a ainda persistente eficácia do teor da Formulação n. 36, do antigo DASP, já na vigência da Constituição Federal de 1988 [12]:

Daí haver o então DASP, ainda sob o regime da Lei n 1.711/52 (que vigorou até o advento do atual estatuto de 1990), pacificado o entendimento de que somente se deve fazer tal registro quando a prescrição for reconhecida depois de haver sido apurada a falta no respectivo procedimento. Transcreva-se, pois, o inteiro teor da Formulação 36, que assim dispõe: Se a prescrição foi posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apurada.

Destaque-se que essa fomulação do velho DASP encontra-se atualmente em pleno vigor, haja vista que o seu teor – democraticamente avançado para a época – foi devidamente recepcionado pelo ordenamento jurídico inspirado pela democrática Carta Política de 1988. Não apenas recepcionado, como também harmonicamente absorvido pelas normas modernas do Direito Disciplinar.

De efeito, pode-se inferir que, nesses casos, o aspecto de ordem pública do instituto da prescrição disciplinar (querendo significar que a prescrição disciplinar, por ser indisponível, não comporta tal dilação processual apuratória) ajoelha-se diante dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Por encontrar-se em absoluta consonância com a garantia constitucional do devido processo legal, pode-se afirmar, sem dúvida e de modo sobranceiro, que o disposto no art. 170 da Lei n. 8.112/1990 (´extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor´) é que deve adequar-se à doutrina consubstanciada na formulação daspiana referida (´Se a prescrição foi posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apurada´). E não o contrário.

De efeito, pode-se inferir que a punição alcançada pela prescrição somente poderá ser registrada nos assentamentos individuais do servidor quando restar provado, no devido procedimento disciplinar, que ele seja culpado.

Antes desse reconhecimento legal, não poderá o fato tisnar ao assentamentos individuais do servidor imputado.

Mesmo porque, como afirma o então assistente jurídico do DASP, Arnaldo Noleto Rodrigues, parecerista do processo administrativo disciplinar que serviu de esteio à Formulação nº 36, transcrita anteriormente:

´O entendimento de que deverá ser anotado nos assentamentos do funcionário o cometimento de transgressão disciplinar não punida em virtude de prescrição, só deve aplicar-se às hipóteses de prescrição superveniente à instauração de inquérito, dado que, se anterior a prescrição, vedada estava a própria apuração do ilícito.´

Daí se entender, neste artigo, que a interpretação mais escorreita do previsto no art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, deve ser a restritiva, à luz dos princípios incidentes da razoabilidade, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com o efeito de somente se autorizar que seja anotada a prescrição, nos assentamentos funcionais do servidor, quando se cuidar de óbice prescricional da pretensão punitiva, não do direito de punir, hipótese segunda na qual não deveria ser escriturado qualquer registro negativo administrativamente.


Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que o art. 170, da Lei federal n. 8.112/1990, deve receber interpretação restritiva, com o efeito de que somente se procederá à anotação nos assentamentos funcionais do servidor quando se tratar de prescrição da pretensão punitiva, não quando se tratar de embargo prescricional do direito de punir, ou seja, quando o processo administrativo disciplinar ou a sindicância foram instaurados depois de exaurido o prazo prescricional legal para apuração do pretenso ilícito, ou mais justificamente ainda, quando o fato nem sequer foi alvo de ao menos sindicância investigativa.


REFERÊNCIAS

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª. ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008.

COSTA, José Armando da. Controle judicial do ato disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica.

________. Prescrição disciplinar. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

________. Teoria e prática do direito disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. As exigências de razoabilidade/proporcionalidade inerentes ao devido processo legal substantivo e a improbidade administrativa. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al. (organizad.). Improbidade administrativa: 10 anos da Lei N. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey e ANPR, 2002.

RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos federais. 5 ed. atual. e aument. São Paulo: Saraiva, 2007.


Notas

  1. AC – 199801000258909, processo: 199801000258909/BA, 1ª Turma Suplementar, decisão de 21.09.2004, DJ de 28.10.2004, p. 36, relator o Juiz Federal João Carlos Costa Mayer Soares (convocado).
  2. Supremo Tribunal Federal, RMS 23.436/DF, DJ de 15.10.1999, relator o Ministro marco aurélio: "A interrupção prevista no § 3º do artigo 142 da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, cessa uma vez ultrapassado o período de 140 dias alusivo à conclusão do processo disciplinar e à imposição de pena – artigos 152 e 167 da referida lei – voltando a ter curso, na integralidade, o prazo prescricional."
  3. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Mandado de Segurança – MS 22.728/PR, julgado em 22.01.1998, DJ de 13.11.1998, p.5, relator o Ministro Moreira Alves.
  4. Supremo Tribunal Federal, Pleno, Mandado de Segurança n. 23299/SP, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento de 06.03.2002, DJ de 12.04.2002, p. 55.
  5. Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, ROMS 13439/MG – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, STJ 2001/0090911-0, relator o Ministro Felix Fischer, julgamento de 02.03.2004, DJ de 29.03.2004, p. 253.
  6. Superior Tribunal de Justiça, 3ª Seção, MS 8418/DF; Mandado de Segurança, STJ 2002/0063268-6, relator o Ministro Gilson Dipp, julgamento de 28.05.2003, DJ de 09.06.2003, p.169.
  7. COSTA, José Armando da. Controle judicial do ato disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, p. 99.
  8. COSTA, José Armando da. Teoria e prática do direito disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 271.
  9. BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª. ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 70.
  10. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. As exigências de razoabilidade/proporcionalidade inerentes ao devido processo legal substantivo e a improbidade administrativa. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et al. (organizad.). Improbidade administrativa: 10 anos da Lei N. 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey e ANPR, 2002, p. 301.
  11. RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao regime único dos servidores públicos federais. 5 ed. atual. e aument. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 333.
  12. COSTA, José Armando da. Prescrição disciplinar. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 70-71.
Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. A prescrição do direito de punir deve ser anotada nos assentamentos funcionais do servidor público?: A interpretação do art. 170 da Lei n.º 8.112/1990. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2294, 12 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13657. Acesso em: 18 nov. 2024.

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