Utilizar-se-á, no decorrer deste estudo, senão quando expressamente
excepcionado, indistintamente as expressões "positivismo" e
"positivismo jurídico", com a significação específica desta
segunda, sem que se pretenda referir ao "positivismo filosófico".
Aliás, neste sentido, é válida a advertência de que "a afirmação do
liame entre o positivismo jurídico e o positivismo filosófico ou sociológico
ensina muito pouco sobre as características do primeiro" (DIMOULIS, 2006,
p. 67).
Levando-se em conta que, neste seara é comum a utilização da
falácia do "homem de palha" (por ambos os lados do debate, diga-se de
passagem), é útil ressaltar que são de pouco valor científico as
inferências extremistas que se limitam a classificar o positivismo de mero
dogmatismo exacerbado e de justificador dos absurdos nazistas, por exemplo, da
mesma forma que em nada auxiliam as afirmações de que o pós-positivismo não
passaria, supostamente, de um amontoado de devaneios ingênuos.
O modelo positivista não reconhece, portanto, a existência de fontes
"naturais" ou "transcendentais" do Direito; vale dizer, os
partidários do positivismo jurídico rejeitam a "dependência do
ordenamento jurídico de elementos metafísicos e tendencialmente imutáveis,
tais como os mandamentos divinos ou os imperativos da razão humana (DIMOULIS,
2006, p. 79).
Destaque-se que esta afirmação não implica em negação da
existência de influência por parte da Moral e da Política no Direito (ou,
ainda, da íntima relação que têm, principalmente, Política e Direito), o
que será tratado mais detalhadamente nos capítulos seguintes.
Tomando-se a Ética, aqui, como o conjunto de regras tomado como
válido por determinada comunidade, ou por determinada classe, sem se
questionar, especificamente, a respeito de sua universalidade. Neste panorama,
por exemplo, pode-se falar em Ética do Advogado, com referência aos valores
que são eleitos por tal classe profissional, sem que sejam, necessariamente,
válidos para outras diversas classes, em virtude de suas particularidades. A
Moral, por outro lado, a partir do conceito ora trabalhado, é sempre universal,
e nunca particular de uma determinada comunidade ou classe específica.
Há, aqui, outro ponto de destacada importância, já que, como visto,
há autores que trabalham o conceito de Moral a partir da expressão do
espírito subjetivo (MORA, 1978, p. 117), e não de um exercício de razão
puramente objetiva.
Destaque-se, aqui, outro ponto de diferenciada importância. Se as
influências culturais e religiosas, por exemplo, devem ser afastadas, o que
deve substituí-las? Não deve ser, por certo, um suposto "senso
natural", já que, na natureza, verbi gratia, as condutas
promíscuas são comuns, ao mesmo passo que são tidas, sem grandes problemas,
por "imorais", precisamente, ao que tudo indica, em virtude de
construções culturais e religiosas, ou, simplesmente, por assim dizer, "anti
naturais".
Também denominada, comumente, é verdade, de "aborto" de
anencéfalos.
O que será melhor analisado no capítulo 4.
A respeito do que, aliás, não há consenso mesmo nos círculos
médicos.
Neste particular (e apenas a título ilustrativo), são interessantes
as ponderações de Kundera, na "Insustentável Leveza do Ser", quando
afirma: "No começo do Gênese está escrito que Deus criou o homem para
reinar sobre os pássaros, os peixes e os animais. É claro, o Gênese foi
escrito por um homem e não por um cavalo. Nada nos garante que Deus desejasse
realmente que o homem reinasse sobre as outras criaturas. É mais provável que
o homem tenha inventado Deus para santificar o poder que usurpou da vaca e do
cavalo. [...] bastaria que um terceiro entrasse no jogo, por exemplo, um
visitante de outro planeta a quem Deus tivesse dito: ‘Tu reinarás sobre as
criaturas de todas as outras estrelas’, para que toda a evidência do Gênese
fosse posta em dúvida. O homem atrelado à carroça de um marciano –
eventualmente grelhado por um habitante da Via-láctea – talvez se lembrasse
da costeleta de vitela que tinha o hábito de cortar em seu prato. Pediria
então (tarde demais) desculpas à vaca" (1995, p. 287, 288).
Se as proposições morais são imutáveis, é claro que a
prevalência do Sistema Moral implica em um perfil conservador, e não na
tendência de evolução social, como equivocada e ingenuamente poder-se-ia
supor.
É claro que o tema é caracterizado pela complexidade, e que não se
pretendeu, com estas considerações, esgotá-lo, nem, tampouco, estabelecer uma
resposta definitiva.
Ressalte-se que o problema da "justiça" ou
"injustiça" de um determinado ordenamento jurídico está ligada a um
"julgamento subjetivo de valor" (KELSEN, 2000, p. 9), e que, portanto,
aqui aplicam-se, com as devidas proporções, as considerações tecidas a
respeito do problema da Moral.
Esta característica do Direito será melhor analisada no próximo
capítulo, em que se tratará de suas relações com a Política.
É claro que a promoção de mudanças e de evolução é, também,
uma das múltiplas funções que podem ser atribuídas ao ordenamento jurídico.
É importante destacar que não há consenso, entre os positivistas, a
respeito da relevância do "fator democrático", já que se reconhece,
comumente, a positividade de normas legisladas por entes políticos não
eleitos, mesmo em Estados onde não vige o regime democrático (DIMOULIS, 2006,
p. 255). Não se nega, todavia, a importância deste fator nos países onde o
regime democrático é observado.
Aliás, é válido destacar que há respeitados autores alemães que
atribuem ao Poder Judiciário, e não ao Poder Legislativo, como se poderia
pensar, a responsabilidade pelos absurdos do nazismo, com referência expressa e
literal, inclusive, ao antipositivismo e antiformalismo "primários da
doutrina nazista" e ao "juiz-rei do povo de Adolf Hitler" (MAUS,
2000, p. 197).
Veja-se, v. g., que, já no início de 2009, era publicada, em
revista de grande circulação nacional, sob o título "Toga em
evidência", a notícia de que "a pauta do STF [...] continuará
polêmica [...]. O tribunal vai decidir a legalidade da união entre
homossexuais, o aborto de fetos com má-formação cerebral [...]" (AITH,
2009).
Mormente levando-se em conta, também, o aumento do número das
chamadas "cláusulas abertas" positivadas, por exemplo.
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
ANTUNES, Thiago Caversan. Do positivismo jurídico na era da hermenêutica constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2300, 18 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13706. Acesso em: 23 dez. 2024.