RESUMO
Como as decisões judiciais podem impactar a economia, a busca pela segurança jurídica a fim de reduzir as incertezas e imprevisibilidade, especialmente quando capazes de provocar riscos sistêmicos em alguns setores da atividade econômica, é uma reivindicação legítima. A consideração aos impactos econômicos da decisão judicial está em consonância com o pós-positivismo e com as teorias hermenêuticas que buscam superar a exagerada discricionariedade judicial. Se o que se busca, com as novas teorias hermenêuticas, é fornecer padrões determinados, para que a previsibilidade e justiça da resposta (judicial) sejam alcançadas, fazendo-se uma ponderação equilibrada entre princípios e regras (em vista das circunstâncias do caso concreto), mantendo a coerência e integridade do sistema jurídico, então requerer atenção do Juiz para com os reflexos de sua decisão corresponde exatamente a isso, a impedir que crie novos direitos, a evitar que profira juízos de valor que possam ser incoerentes com o sistema.
PALAVRAS-CHAVE: Analise Econômica do Direito. Economia. Ativismo Judicial. Pós-positivismo. Hermenêutica. Interpretação. Integridade. Dworkin. Streck. Direitos Fundamentais. Hermenêutica Filosófica.
1. Introdução
Não é de hoje a discussão sobre o impacto econômico das decisões judiciais. Propiciar decisões judiciais mais seguras, visando à distribuição da Justiça e estabilidade das relações sociais, é um objetivo bem antigo e perseguido constantemente. A busca pela segurança jurídica, a fim de reduzir as incertezas provocadas pela atuação judiciária, que pode levar a decisões predominantemente políticas e ideológicas ou exageradamente impregnadas de subjetivismos, sempre foi, aliás, uma preocupação constante da teoria do direito. O surgimento de novas teorias hermenêuticas, em substituição ao positivismo, embora fomentado pela necessidade de se encontrar outras "fontes de direito" (além do texto da lei) e, dessa forma, impregnar as decisões de um maior conteúdo moral [01], propiciando um maior grau de justeza, também foi impulsionado pela necessidade de se evitar "decisionismos" decorrente do "poder discricionário" do Juiz, com o qual o positivismo se contentava como (único) recurso para solução de casos complexos.
No estágio atual do desenvolvimento social, a discussão sobre os efeitos das decisões judiciais sobre a economia ganha ainda mais contorno. A busca pela segurança jurídica a fim de reduzir as incertezas nas relações contratuais passou a ser um mantra de economistas e representantes do empresariado e, talvez por decorrência, preocupação de renomados juristas e pensadores do Direito. De fato, existe uma constatação científica de que a atividade do Judiciário influencia diretamente a economia, no sentido de que, quanto maior a imparcialidade e previsibilidade (e, portanto, confiança no sistema), maior o desenvolvimento econômico e social. As transações e negócios econômicos são regulados por meio de contratos, que funcionam como fórmula para alocação de riscos entre os agentes econômicos. Uma indevida ou exagerada interferência judicial posterior nessas relações acaba por eliminar essa função dos contratos, aumentando os riscos e custos da atividade econômica. Como a essência dos contratos é a assunção (promessa) de obrigações recíprocas (entre os contratantes), para possibilitar o pleno potencial das trocas, uma ruptura do trato inicial (ainda que em parte) por meio da intervenção judicial elimina a previsibilidade que um dos contratantes tinha ao envolver-se originalmente no negócio. Essa possibilidade repercute no desenvolvimento econômico, já que aumenta os riscos da atividade de um dos contratantes. Quanto maior o grau de previsibilidade e estabilidade nas relações contratuais, no sentido de que as partes cumpram com suas promessas (voluntariamente ou forçadas), também será proporcionalmente maior o número de investimentos e negócios a serem realizados. Se, ao contrário, o grau de interferência judicial, no sentido de alteração das cláusulas contratuais, desobrigando uma das partes da prestação originalmente assumida, é exagerado ou ocorre por opções pessoais dos juízes, numa avaliação subjetiva e calcada em elementos ideológicos na interpretação das normas vigentes, tal situação pode efetivamente aumentar os custos associados a um determinado setor da economia, prejudicando o desenvolvimento econômico [02].
A falta de garantias ou previsibilidade quanto ao efetivo cumprimento das obrigações contratuais pode prejudicar ainda mais acentuadamente os investimentos de longo prazo. A atividade empresarial em determinados setores da economia, a exemplo de produção e distribuição de energia, telecomunicações, indústria de medicamentos, tecnologia da informação e atividade bancária (só para citar alguns), exige profunda especialização, investimento maciço e planejamento de longo prazo. Estudos recentes demonstram que a qualidade do sistema Judiciário é um fator preponderante no momento de decidir pela alocação de recursos para empreendimentos nessas áreas. Um sistema judicial imparcial e eficiente incentiva os investidores a atuarem de maneira coordenada na produção de bens, fazendo investimentos e planejando atuação a longo prazo, já que ficam eliminados (ou atenuados) os riscos associados a futuras rupturas das promessas (contratos) originalmente celebrados (muitas vezes contratos de concessão com o Poder Público).
A exigência de previsibilidade nos negócios aumenta em razão da competitividade empresarial cada vez maior, proporcionada pelo fenômeno da globalização. Esse processo, explica Castelar Pinheiro [03], provoca uma maior exigência por regulamentação, acentuando a dependência do contrato como instrumento regulador das transações transnacionais e evidenciando ainda mais a relação entre direito e economia. A globalização exige uma maior integração entre as nações, no que tange às trocas e transações econômicas, e aqueles países que não dispuserem de sistemas e instituições políticas eficientes, no sentido de garantir a regularidade dessas operações comerciais, distanciam-se e perdem espaço nesse processo global, deixando de produzir riquezas e promover o desenvolvimento social e econômico. Em outras palavras, o fortalecimento das instituições internas (aí incluído o sistema Judiciário) é condição indispensável para que os países (em especial aqueles com economias menos robustas) participem como atores integrados ao processo de globalização, para que possam se beneficiar dos efeitos da economia em escala mundial. Em outras palavras, o modelo globalizante exige dos países a melhoria e reformas de suas instituições políticas, sob pena de não integração na economia mundial. Como afirma Castells, a competitividade na nova economia global parece depender muito da capacidade política das instituições nacionais, para impulsionar a estratégia de crescimento de um país frente aos outros, sendo premente a necessidade das reformas necessárias para obter a eficiência do sistema judicial [04].
O fato é que, no mundo atual, caracterizado pela rapidez nas informações e trocas comerciais (proporcionadas por redes de comunicação informatizadas), a eficiência dos sistemas judiciários, para que funcionem de forma imparcial, segura e eficiente, é uma exigência social cada vez maior. Os sistemas políticos internos das nações (sobretudo as menos desenvolvidas) devem procurar acompanhar as mudanças que se dão a nível mundial, como requisito essencial para o desenvolvimento econômico. Os sistemas judiciários, nesse sentido, têm que proporcionar, para não servirem como empecilho ao desenvolvimento econômico, maior confiabilidade e previsibilidade.
O problema da imprevisibilidade das decisões judiciais é mais acentuado no Brasil, onde a constância de decisões contraditórias parece abalar a confiança dos jurisdicionados no sistema político-judiciário. O "ativismo judicial" recente, verificado em decisões da Suprema Corte e mesmo em outras instâncias inferiores, parece ser hoje uma das marcas [05] do nosso Judiciário (ao lado da morosidade). Nos últimos anos, "uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral" [06]. Se o "ativismo" judiciário tem um lado positivo, já que a atitude proativa dos juízes, na determinação de direitos que se encontram apenas em estado latente ou de forma nem sempre clara na Constituição e nas leis, resulta na concretização de políticas públicas e consagração de "promessas não cumpridas de modernidade", não se pode deixar de perceber o risco dessa postura judicial, pelo menos quanto à expectativa em relação à titularidade de direitos que partes de um processo judicial possam ter (ou não), em determinadas circunstâncias.
Somado a isso, ainda temos o problema da excessiva "judicialização das relações sociais", fenômeno que revela a transferência do poder político e decisório para o Judiciário, para resolver questões antes afetas a outras instâncias de poder ou a grupos socialmente organizados. Além da posição claramente ativista que o Judiciário brasileiro tem assumido, em algumas circunstâncias, existe na nossa sociedade uma tendência a se levar todo e qualquer tipo de conflito para ser resolvido por juízes, órgãos que exercem a jurisdição estatal. Segundo Luís Roberto Barroso, essa característica do atual momento político e social brasileiro tem causas múltiplas, algumas revelando uma tendência mundial, mas outras especificamente relacionadas com o nosso modelo institucional. Para ele, a constitucionalização abrangente de direitos, o aumento da demanda por justiça por parte dos cidadãos e a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram essa intensa judicialização das relações políticas e sociais [07]. A constitucionalização abrangente fez com que inúmeras matérias que antes eram deixadas para a legislação inferior fossem içadas à categoria de mandamentos e princípios constitucionais e, na medida em que um direito individual, uma prestação estatal, um fim ou política pública é disciplinado no nível constitucional, abre-se a possibilidade de os interessados ingressarem em juízo a fim de obter, pelas mãos do Judiciário, ações concretas omitidas pelos administradores públicos [08]. Uma vez que a Constituição consagrou tantos direitos, as pessoas redescobriram a cidadania perdida e se conscientizaram em relação aos próprios direitos, o que também funcionou aumentando consideravelmente o número de demandas judiciais. E, por fim, a promulgação da Constituição de 1988, ao atribuir garantias funcionais aos juízes, também promoveu uma reafirmação do Poder Judiciário como poder político. Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, o Judiciário passou a desempenhar suas funções institucionais com altivez e independência, ocupando o espaço político a ele reservado ao lado do Executivo e do Legislativo. Essa afirmação institucional, obviamente, modificou a relação da sociedade com o Poder Judiciário, que passou a ser visto com mais confiabilidade e como desaguadouro natural dos anseios pela efetividade de direitos [09].
Ainda podemos elencar outros fatores que fomentaram esse fenômeno da demasiada judicialização das relações sociais. Além da criação de novos direitos no texto constitucional, nas últimas décadas houve uma significativa renovação dos serviços judiciários, cujo exemplo maior consistiu na criação dos "Juizados de Pequenas Causas" (depois substituídos pelos Juizados Cíveis), instituídos para funcionar regulados por procedimento simplificado e despojado de formalidades, possibilitando uma maior abertura da ordem processual para a defesa dos interesses individuais e coletivos [10]. Tendo por pano de fundo um procedimento centrado em três aspectos fundamentais - a isenção de taxas e custas, a desnecessidade de representação por advogado e a celeridade processual -, favoreceu a universalização da jurisdição, permitindo o acesso à Justiça de parcelas cada vez maiores da sociedade, em especial dos menos favorecidos pela fortuna, e possibilitando que pequenos litígios que, antes, não eram levados ao conhecimento dos juízes, passassem a fazer parte do dia-a-dia das cortes judiciárias, revelando o efeito do que se convencionou chamar de "litigiosidade contida" [11]. Esses órgãos judiciários especializados, aliados a outras iniciativas de política processual, que vingaram sob a influência das teorias da efetividade do processo e introduziram novos tipos de ações e ampliaram a legitimação para a tutela de interesses, terminaram também por promover a excessiva judicialização dos fatos sociais. Se antes falava-se em "litigiosidade contida", por falta de instrumentos de acesso à Justiça, talvez hoje já se possa perceber uma "litigiosidade desenfreada". A possibilidade de se ingressar em juízo sem qualquer ônus processual inicial ou possibilidade de responsabilização, promove a multiplicidade de lides temerárias [12]. Também a nossa cultura, refratária ou pouco habituada a qualquer outra forma alternativa de solução de disputas, favorece a que toda sorte de conflito termine sendo decidido no Judiciário. A Lei da Arbitragem [13] ainda não se mostrou capaz de popularizar entre nós esse instituto, deixando que possíveis usuários continuem recorrendo à tutela processual estatal para resolver suas controvérsias. "O Poder Judiciário deixou de ser a ultima ratio. Ao invés, é o primeiro passo na resolução de conflitos de interesses que vão desde o pequeno entrevero entre vizinhos até as grandes demandas societárias" [14].
Todo esse conjunto de fatores leva a uma crescente intervenção judiciária na vida dos brasileiros, fazendo com que toda e qualquer matéria, mesmo aquelas originadas de construções sociais mais simples e aparentemente incapazes de gerar conflito, terminem sendo decididas num tribunal. A judicialização excessiva num país de grande extensão territorial com uma complexa organização judiciária, reforçada pela atual tendência ao ativismo judicial, oferece as condições para o surgimento de decisões contraditórias (ainda que em casos idênticos), demasiadamente impregnadas de cunho político e ideológico e sem qualquer respeito aos precedentes e a uma visão integracionista do sistema de normas. Sem que se tenha alguma coerência sistêmica, em termos de segurança jurídica quanto ao resultado das decisões judiciais, tal situação corrói a confiabilidade no Poder Judiciário. As incertezas provocadas pela atuação judiciária, em termos de imprevisibilidade das decisões dos juízes (mesmo em casos semelhantes), arranham a imagem do Poder Judiciário, como alerta Lenio Streck, que cunhou a expressão de "Justiça lotérica" para diagnosticar a profusão de decisões conflitantes e, muitas vezes, sem qualquer possibilidade de harmonização teórico-hermenêutica, que caracteriza o funcionamento do Judiciário brasileiro. Essa prejudicial "criatividade" decisional dos juízes brasileiros, explica o mencionado jusfilósofo, "é causada pela ânsia do juiz de ir além do que diz a lei e fazer prevalecer a sua consciência" [15].
Ora, se é um dos maiores jusfilósofos brasileiros que reconhece a excessiva "subjetivação" de muitos julgados produzidos por tribunais e juízes brasileiros, não é demasiado exigir – como de fato o faz Lenio Streck – uma maior responsabilidade (accountability) dos juízes no momento da fundamentação da decisão, de forma a torná-la mais adequada com a integridade e a coerência do Direito (sistema de leis e a Constituição). Nesse sentido, parece razoável a reclamação de alguns setores produtivos quanto à exigência de decisões mais previsíveis, baseadas nas normas vigentes, evitando decisões alternativas ou predominantemente políticas. Obter decisões judiciais seguras, visando à realização de negócios e investimentos econômicos, é uma reivindicação tão legítima quanto qualquer outra, afinal os princípios relacionados à atividade econômica encontram-se condensados na Constituição Federal [16] e se apóiam na forma econômica capitalista, fundamentados na liberdade da iniciativa privada e apropriação privada dos meios de produção [17]. Reclamar que os magistrados prestem mais atenção às conseqüências econômicas de suas decisões, por conseguinte, equivale de modo indireto a exigir respeito aos princípios e regras que regulam a atividade econômica [18]. Se um dos objetivos da nossa república é a erradicação da pobreza, isso só se faz com desenvolvimento econômico, para suprir as necessidades coletivas de emprego, alimentação, saúde, saneamento e outros serviços públicos essenciais. Se o cumprimento das promessas constitucionais depende do desenvolvimento econômico, o Juiz tem o dever de examinar se sua decisão pode de qualquer forma afetá-lo. Por isso, o magistrado, no momento de decidir um caso, deve estar atento às múltiplas variáveis que o compõem, não podendo se cingir a apenas um único interesse envolvido. Como adverte o Desembargador Rogério Gesta Leal, "é preciso haver uma sensibilização da magistratura brasileira para a complexidade das relações sociais, marcadas hoje por variados fatores. Um tema que aparentemente é jurídico, no sentido de ser tratado e regulado por lei, tem implicações de natureza econômica, social e política. Essas dimensões extra-normativas precisam ser consideradas pelo julgador" [19].
Estudos mostram que, em diversos casos, decisões judiciais podem impactar negativamente as relações econômicas no Brasil, repercutindo no desenvolvimento, visto que interfere na expectativa dos agentes econômicos. Essa realidade justifica que os magistrados devam ter o cuidado, por decorrente de sua responsabilidade funcional de fundamentar adequadamente suas decisões, de examinar detidamente as repercussões econômicas de seus julgados, o que contribui para a integridade e eficiência do sistema e da segurança jurídica. A obtenção de decisões judiciais seguras possibilita negócios e investimentos, diminuindo o "risco jurídico" que os torna pouco atrativos, fazendo com que cumpram sua função social, impulsionando o desenvolvimento. Portanto, nas situações que comportem mais de uma solução plausível, nada impede que o Juiz busque a que seja mais correta à luz dos reflexos econômicos de sua decisão.
É importante deixar claro que, com essa afirmativa, não se está advogando uma "auto-contenção" do Judiciário ou uma volta ao conservadorismo existente antes do processo de redemocratização, quando juízes e tribunais, premidos pela falta de garantias funcionais, atuavam mais à semelhança de um "departamento técnico especializado", sem desempenhar qualquer papel político. Nem tampouco se cuida de pretender um direito de feitio vazio de valores, sem qualquer conteúdo, cuja atividade resume-se a chancelar as relações de fato criadas pelos agentes econômicos. Apenas se defende que, "em uma perspectiva de análise econômica do direito, a opção por uma norma e não pela outra, deve se dar a partir da escolha da norma que seja mais eficiente, economicamente. Significa, pois, analisar a demanda sob o aspecto de eficiência. Ao juiz cabe avaliar o impacto que as decisões ocasionarão" [20].
Uma avaliação legal completamente neutra, que desconsidere o fator econômico, é que significa um retrocesso. O que se quer é que o Juiz ou intérprete desperte para a extrema importância que as decisões judiciais representam para o desenvolvimento sócio-econômico do país. O que se pretende é que, para propiciar previsibilidade, estabilidade e integridade (em relação ao sistema normativo), o Juiz tenha também uma perspectiva de análise econômica do direito. Se fatores econômicos estão envolvidos desde a criação e elaboração das leis, porque não se levá-los também em consideração quando se trata de reduzir o texto legal à norma do caso concreto? Não se trata, portanto, "de substituir critérios de justiça por critérios econômicos, mas de perceber que os agentes econômicos mudam as estratégias à medida que a justiça se demonstra ineficiente e a economia injusta" [21].
Claro que, quando se está diante de direitos fundamentais da pessoa humana, ou outros valores constitucionais de maior realce, o critério da eficiência econômica não pode prevalecer. Só poderá prevalecer fator econômico se estiver ligado também a outro princípio constitucional de igual peso, se sua prevalência significar a preservação de outro valor constitucional fundamental. Quando se depara com situações de colisão de princípios, o intérprete deve, à luz dos elementos do caso concreto, proceder a uma ponderação dos valores e interesses em jogo. "Sua decisão deverá levar em conta a norma e os fatos, em uma interação não formalista, apta a produzir a solução justa para o caso concreto, por fundamentos acolhidos pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral" [22].
Analisando a questão sob esse prisma, a consideração aos impactos econômicos da decisão judicial está em consonância com o pós-positivismo e com as teorias hermenêuticas que buscam superar a exagerada discricionariedade judicial. Se o que se quer é evitar a insegurança jurídica, proporcionada pelo subjetivismo decisional, isso significa sem sombra de dúvidas estar em linha de adequação ao pós-positivismo. Se o que se defende é que o Juiz, diante de um caso complexo, faça uma condensação de valores, preocupado com a unificação e integridade do sistema de normas, para formular decisão que evite o risco de "efeitos sistêmicos" na economia, tal proceder se coaduna com as premissas das teorias hermenêuticas pós-positivistas.
Adiante procuraremos demonstrar essa conciliação, entre a preocupação com os efeitos sistêmicos na economia que uma decisão judicial pode oferecer e a vanguarda das teorias hermenêuticas pós-positivistas, uma vez que essas teorias buscam parâmetros para alguma objetividade, para evitar que o recurso a princípios jurídicos (constitucionais) se torne uma "abertura" legitimadora de escolhas tão arbitrárias quanto as proporcionadas pela discricionariedade judicial (do positivismo). Se o que se busca, com as novas teorias hermenêuticas, é fornecer padrões determinados, para que a previsibilidade e justiça da resposta (judicial) sejam alcançadas, fazendo-se uma ponderação equilibrada entre princípios e regras (em vista das circunstâncias do caso concreto), mantendo a coerência e integridade do sistema jurídico, então requerer atenção do Juiz para com os reflexos de sua decisão corresponde exatamente a isso, a impedir que crie novos direitos, a evitar que profira juízos de valor que possam ser incoerentes com o sistema.
Para alcançar a finalidade do presente trabalho, faremos uma breve análise dos fundamentos de algumas das teorias hermenêuticas pós-positivistas, com destaque para a teoria da integração de Ronald Dworkin. É certo que esse pensador desenvolveu críticas relevantes ao "liberalismo utilitarista" [23], no sentido de que os juízes erram quando buscam fundamentar suas decisões exclusivamente em regras ou argumentos de ordem econômica, sem levar em consideração os princípios (que têm conteúdo moral) [24]. Já deixamos claro nossa posição de que o que o Juiz não pode é fazer uma apreciação completamente neutra, que desconsidere o fator econômico, mas, deparando-se com direitos fundamentais ou outros valores constitucionais de maior realce, o critério da eficiência econômica obviamente não pode prevalecer.
Também analisaremos, no presente trabalho, excertos do pensamento de Lenio Luiz Streck, defensor da hermenêutica filosófica como o método mais adequado para resolver problemas de atividade interpretativa.