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A preocupação do juiz com os impactos econômicos das decisões.

Uma análise conciliatória com as teorias hermenêuticas pós-positivistas

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17/10/2009 às 00:00
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2. Algumas teorias hermenêuticas do pós-positivismo

Uma das questões mais controvertidas da teoria geral do direito diz respeito ao papel do Juiz quando tem que decidir casos difíceis, assim considerados aqueles que não podem ser submetidos a uma regra de direito clara, estabelecida de antemão pelo legislador. Quando as premissas da lei contêm toda a informação necessária e suficiente para se resolver um problema (caso) concreto, a operação do intérprete se resume a um "deducionismo". Já não havendo uma subsunção evidente do caso à hipótese legal, o raciocínio lógico-dedutivo não consegue dar conta do problema e o aplicador deve se valer de outro procedimento interpretativo (mais elaborado e complexo).

Para o positivismo jurídico, nessas hipóteses, o Juiz age dentro do seu "poder discricionário", mas na verdade ele legisla "novos direitos", e em seguida os aplica retroativamente aos casos em questão. Em lugar de simplesmente aplicar o "direito antigo", o Juiz parece criar direito novo (e politicamente controverso). Nesses casos, abre-se para ele a possibilidade da criação de uma nova regulamentação jurídica objetivando a complementação do sistema, considerando a falta de previsão do fato a uma norma efetivamente válida. As teorias do "realismo legal" [25], que desmascarou a doutrina ortodoxa segundo a qual competia aos juízes apenas aplicar as regras existentes, mostraram que eles respondem a diferentes estímulos sociais e pessoais, e em seus arrazoados apelam para princípios de justiça e políticas públicas.

Em contraposição ao positivismo jurídico, tornou-se necessário desenvolver novas teorias hermenêuticas, uma vez que se deve evitar a insegurança jurídica (proporcionada pela discricionariedade judicial), garantindo-se o direito das partes a uma decisão correta, mesmo que não haja uma lei clara sobre o caso específico delas. Muitas teorias foram formuladas com o propósito de resolver a seguinte questão: como os juízes deveriam chegar às suas decisões a fim de atender da melhor maneira possível aos objetivos da jurisdição? De fato, o maior desafio dado ao operador do direito constitui na melhor interpretação. Os juízes divergem, quando têm que decidir os casos difíceis, no tocante à natureza e ao núcleo dos direitos e princípios jurídicos fundamentais. A necessidade, portanto, de dinamizar a aplicação correta da norma bem como a ação do juiz quando da elaboração de uma sentença, com métodos de interpretação atrelados à prática efetiva da justiça, dentro dos moldes do Estado Democrático de Direito, deu ensejo ao surgimento de diversas teorias hermenêuticas. Lenio Streck explica que o objetivo dessas teorias é o de fornecer suporte teórico para a melhor solução interpretativa. Diz o mencionado jusfilósofo: "A guinada hermenêutica sofrida pelo direito em tempos de efetivo crescimento do papel da jurisdição – mormente a jurisdição constitucional – acentuou a preocupação em torno da necessidade de discutir as condições que o intérprete tem para a atribuição dos sentidos aos textos jurídicos, uma vez fracassadas as experiências exegético-subsuntivas e as tentativas de controlar os sentidos através de operações lógico-analíticas. As diversas concepções sobre como interpretar e como aplicar têm como objetivo alcançar respostas corretas ou a "melhor resposta", metódica ou conteudisticamente" [26].

Os chamados pós-positivistas buscam através de teorias como as da Argumentação Jurídica [27], da Integração e da Tópica Jurídica - respectivamente de Robert Alexy, Ronald Dworkin e Chaïm Perelman – as respostas para a melhor interpretação, tendo como pedra de toque o equilíbrio entre segurança jurídica e justiça, considerando os princípios constitucionais como chave para a exegese.

2.1. Teoria Integracionista de Ronald Dworkin

Ronald Dworkin refuta a teoria da discricionariedade, característica do positivismo jurídico, segundo a qual, diante de casos difíceis, o Juiz fica livre para decidir. A partir dessa teoria, quando o juiz decide um caso difícil, ele legisla novos direitos jurídicos, e os aplica retroativamente. Por isso, essa teoria da decisão é totalmente inadequada, uma vez que causa insegurança jurídica e, provavelmente, gera decisões injustas. Dworkin propõe uma teoria da interpretação que auxilia os operadores do Direito a encontrar uma resposta correta mesmo para os casos complexos. Acredita esse jurista que os juízes, ao resolverem os casos difíceis, devem utilizar padrões determinados, para que a previsibilidade e justiça da resposta sejam alcançadas. "Dworkin, contrapondo-se ao formalismo legalista e ao mundo de regras positivistas, busca nos princípios os recursos racionais para evitar o governo da comunidade por regras que possam ser incoerentes" [28] com o sistema. Para ele, o juiz não tem o direito de criar novos direitos, mas sim descobrir quais são eles em conformidade com o ordenamento jurídico. A concepção positivista do Direito que o percebe apenas como um modelo de regras, ignorando outros padrões (políticas e princípios), é insuficiente para resolver os casos difíceis.

Para que se descubram quais direitos que a parte tem, é necessário que se conheçam os princípios políticos que inspiraram a Constituição. Esses princípios auxiliam a leitura da Constituição, limitando seu conteúdo e auxiliando nos casos difíceis. É imprescindível também que, para uma resposta correta aos casos difíceis, o Juiz leve em consideração as decisões anteriores dos tribunais (precedentes), atentando para os argumentos de princípio que os fundamentaram [29]. Para interpretar a lei (descobrir a intenção da lei), o aplicador tem que desenvolver uma operação que a vincule aos princípios que subjazem às regras positivas do direito (e em especial à Constituição), com atenção para os argumentos de princípio e de políticas públicas que embasaram casos anteriormente julgados [30].

Essas premissas são as bases da Teoria da Integridade, que em termos simples significa que os juízes devem julgar de forma coerente e fundamentada nos princípios, a fim de estabelecer uma interpretação construtiva da prática jurídica e expressar um sistema harmonioso, evitando a aplicação de direitos diferentes (a casos semelhantes) e estendendo a cada um dos cidadãos da comunidade os padrões fundamentais de justiça. O princípio ou teoria da integridade desenvolvida por Dworkin, como modelo de interpretação construtiva do direito, abre possibilidades além da norma que norteia um caso concreto, pois o Juiz, embora sem desconsiderar a legislação vigente, deve recorrer a princípios e políticas públicas, abstendo-se de "inventar" o direito. A existência de um dever legal do juiz de analisar de modo mais abrangente as fontes da lei, inclusive no que toca a princípios não convencionais, é a chave da interpretação construtiva, do direito como integridade (de normas). Por esse meio, a instância interpretativa se torna capaz de decidir os casos difíceis [31], sem os elementos de incerteza jurídica decorrentes da discricionariedade. A decisão judicial será mais segura e adequada quanto mais dispuser de informações fáticas e conceitos interpretativos. "É a integridade do direito e sua reconstrução que devem dar a resposta nos casos difíceis" [32].

Do que acima se transcreveu, pode se perceber a elevada importância dada por Dworkin aos princípios jurídicos, como fonte da interpretação integracionista. Para ele, mesmo as decisões dos tribunais que são consideradas decisões políticas importantes, podem ser lidas como decisões tomadas com base em princípios, uma vez que as decisões de princípios são aquelas baseadas nos direitos que as pessoas têm a partir da Constituição, e não em políticas que buscam realizar objetivos coletivos [33]. Ele explica que quando o jurista se depara com casos difíceis, geralmente recorre a outros padrões jurídicos, como princípios e políticas. Nas questões judiciais difíceis, diz ele, "os princípios desempenham um papel fundamental nos argumentos que sustentam as decisões a respeito de direitos e obrigações jurídicos particulares" [34]. Na sua concepção, política é o tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade. Já princípio é um padrão jurídico que deve ser observado não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque "é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade" [35]. Os princípios possuem uma dimensão que as regras comuns não têm [36] – em peso e importância – e quando se intercruzam, "aquele que vai resolver o conflito tem que levar em conta a força relativa de cada um". Havendo conflito entre princípios, o "princípio relevante para o problema jurídico particular fornece uma razão em favor de uma determinada solução" [37].

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2.2 A "era dos princípios"

A recorrência aos princípios, como se viu, é a tônica das teorias interpretativas pós-positivistas. O pós-positivismo promove uma volta aos valores, enfatiza o papel dos princípios "enquanto resgate da moral expungida do direito pelo positivismo [38]. A ênfase dada aos princípios é atribuída em reconhecimento à sua normatividade. Materializados na Constituição, que consagra valores da ordem jurídica e social, os princípios desempenham funções importantes para a atividade interpretativa, condicionando o atuar do hermeneuta. "A Constituição altera (substancialmente) a teoria das fontes que sustentava o positivismo e os princípios vêm a propiciar uma nova teoria da norma (atrás de cada regra há, agora, um princípio que não deixa se "desvencilhar" do mundo prático)" [39].

Havendo colisão normativa entre princípios constitucionais, o conflito é resolvido através da ponderação, daí que não ocorre o aniquilamento de um princípio em favor de outro, mas apenas que, no caso concreto, deve ser escolhido aquele que produza o resultado mais socialmente desejável. Não há superioridade formal entre os princípios em tensão, mas "a simples determinação da solução que melhor atende o ideário constitucional da situação apreciada".

Mas mesmo o método ou solução da ponderação de princípios não é por si só suficiente. "A vanguarda do pensamento jurídico dedica-se, na quadra atual, à busca de parâmetros de alguma objetividade, para que a ponderação não se torne uma fórmula vazia, legitimadora de escolhas arbitrárias. É preciso demarcar o que pode ser ponderado e como deve sê-lo. A teoria dos princípios não importa no abandono das regras ou do direito legislado. Para que possa satisfazer adequadamente à demanda por segurança e por justiça, o ordenamento jurídico deverá ter suas normas distribuídas, de forma equilibrada, entre princípios e regras" [40].

Advertência semelhante é feita por Lenio Streck. Ele sustenta que a Constituição, embora constituída de normas de significados mais "abertos", não autoriza repostas múltiplas para um mesmo problema, sob pena de incorrer e voltar ao mesmo erro do positivismo, de permitir que a discricionariedade dê margem a decisionismos e arbitrariedades interpretativas. Para ele, "são incompatíveis com a hermenêutica as teses que sustentam que o advento dos princípios e das cláusulas gerais possibilitam uma (maior) "abertura" (liberdade) interpretativa em favor dos juízes, circunstância que recoloca no paradigma neconstitucionalista, a principal característica do positivismo: a discricionariedade" [41]. Defensor da hermenêutica filosófica como o método mais adequado para resolver problemas de atividade interpretativa, ele reverbera contra o processo que se tornou comum hoje, entre os operadores do direito, de enxergar um novo e específico princípio em cada quadrante do direito, para a superação de qualquer dificuldade interpretativa. Segundo Streck, é possível alcançar aquilo que pode ser denominado de "a resposta hermeneuticamente adequada à Constituição". A resposta adequada é conseguida através de um "exame da coerência e da integridade" com o sistema jurídico em um determinado caso. Os fatos e circunstâncias que rodeiam e caracterizam um caso específico (faticididade) é de fundamental importância para o processo hermenêutico e, sem que o intérprete leve isso em consideração, na definição do alcance de um princípio, não chegará à "resposta correta", em termos de atribuição de sentido ao texto de forma integrada e coerente com o sistema jurídico. Diz ele: "Os sentidos são atribuíveis a partir da faticidade em que está inserido o intérprete e respeitando os conteúdos de base do texto, que devem nos dizer algo" [42]. E completa: "Assim, quando hoje – em pleno paradigma principiológico, neoconstitucionalista e superador do positivismo que se sustenta(va) pela regra e pela subsunção – tudo parece indicar que é vencedora a tese da realização do direito (norma) "somente na situação concreta", não podemos cair na armadilha do axiologismo, possibilitando uma espécie de retorno à discricionariedade positiva, como se os princípios proporcionassem ainda mais abertura na interpretação dos juízes "no caso concreto" [43]. O sentido do texto da Constituição, dos princípios que ela incorpora, só pode ser perfeitamente atribuído no momento em que o julgador (ou intérprete) faz a aplicação, para a resolução de um caso concreto. É no momento da aplicação que se pode compreender o sentido do princípio constitucional, como diz o citado jurista: "o texto da Constituição só pode ser entendido a partir de sua aplicação. Entender sem aplicação não é um entender. A applicatio é a norma(tização) do texto constitucional" [44].


Conclusões:

Como as decisões judiciais podem impactar a economia, a busca pela segurança jurídica a fim de reduzir as incertezas e imprevisibilidade das decisões judiciais, especialmente quando capazes de provocar riscos sistêmicos em alguns setores da atividade econômica, é uma reivindicação legítima.

. Se o grau de interferência judicial, no sentido de alteração das cláusulas contratuais, desobrigando uma das partes da prestação originalmente assumida, é exagerado ou ocorre por opções pessoais dos juízes, numa avaliação subjetiva e calcada em elementos ideológicos na interpretação das normas vigentes, tal situação pode efetivamente aumentar os custos associados a um determinado setor da economia, prejudicando o desenvolvimento econômico.

3ª. Em uma perspectiva de análise econômica do direito, a opção por uma solução e não pela outra, deve se dar a partir da escolha daquela que evite riscos sistêmicos em um determinado setor da economia ou de qualquer maneira impeça ou dificulte o desenvolvimento econômico.

4ª. Quando se está diante de direitos fundamentais da pessoa humana, ou outros valores constitucionais de maior realce, o critério da eficiência econômica não pode prevalecer. Só poderá prevalecer o fator econômico se estiver ligado também a outro princípio constitucional de igual peso, se sua prevalência significar a preservação de outro valor constitucional fundamental.

5ª. Quando se depara com situações de colisão de princípios, o intérprete deve, à luz dos elementos do caso concreto, proceder a uma ponderação dos valores e interesses em jogo, levando também em conta a norma e os fatos, em uma interação apta a produzir a solução justa (e conforme a Constituição) para o caso concreto.

6ª. A consideração aos impactos econômicos da decisão judicial está em consonância com o pós-positivismo e com as teorias hermenêuticas que buscam superar a exagerada discricionariedade judicial. Já que a finalidade é evitar a insegurança jurídica, proporcionada pelo subjetivismo decisional, isso significa sem sombra de dúvidas estar em linha de adequação ao pós-positivismo. Se o que se defende é que o Juiz, diante de um caso complexo, faça uma condensação de valores, preocupado com a unificação e integridade do sistema de normas, para formular decisão que evite o risco de "efeitos sistêmicos" na economia, tal proceder se coaduna com as premissas das teorias hermenêuticas pós-positivistas.

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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. A preocupação do juiz com os impactos econômicos das decisões.: Uma análise conciliatória com as teorias hermenêuticas pós-positivistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2299, 17 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13707. Acesso em: 22 nov. 2024.

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