1. INTRODUÇÃO
Recentemente, o Ministério Público Federal de Alagoas ajuizou cinco ações penais contra autores de crimes ambientais cometidos em unidades de conservação federais. Esses "crimes foram constatados em fiscalizações feitas pelo IBAMA, que após tomar medidas administrativas como embargo de obra e/ou imposição de multas, encaminhou cópias dos autos de infração para a Procuradoria da República para que fosse apurada a responsabilidade criminal". [01]
Todas as denúncias foram acompanhadas de propostas de suspensão condicional do processo, que permitem mediante algumas condições, em particular a reparação do dano, a extinção pura e simples dos processos sem qualquer ônus para os réus, o que uma nítida opção do parquet pela recomposição do meio ambiente em detrimento da condenação.
Esse "processo penal consensual" faz parte já a algum tempo do cotidiano da Justiça Federal alagoana, pois há, além dessas, outras tantas ações de mesmas características transitando pelas varas desta Seção e das Subseções do interior, o que tem suscitado duas grandes inquietações: uma de natureza jurídica (se elas guardariam identidade com as disposições constitucionais relativas ao meio ambiente) e outra de ordem prática (quais seriam, de fato, as utilidades do acordo).
Discutiremos essas questões em maiores detalhes no decorrer do artigo visando esclarecer alguns equívocos e possibilitar uma melhor compreensão do tema, comentando especialmente sobre algumas de suas vantagens sem a pretensão de esgotar a discussão.
2. PERFIL CONSTITUCIONAL
A constituição vigente, além de elevar pela primeira vez em nossa história o meio ambiente à categoria de direito fundamental, e de prever a responsabilização penal dos poluidores, inclusive quando pessoa jurídica, consagrou uma série de princípios específicos à questão ambiental, dentre os quais se destacam os princípios da prevenção e do poluidor-pagador.
O princípio da prevenção estabelece a necessidade de serem evitados a todo custo os danos ambientais, ainda quando meramente prováveis. Daí porque, por exemplo, a Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) [02] exige a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental – EIA e Relatório de Impacto Ambiental – RIMA como medidas preliminares à obtenção de licenças para a realização de obras ou atividades que possam causar lesão ao meio ambiente.
A atuação preventiva é importante porque a recomposição do ambiente agredido, quando possível, envolve uma série de dificuldades práticas, sobretudo quando for imperioso re-harmonizar ciclos ecológicos afetados, o que leva bastante tempo e, por isso, normalmente inviabiliza uma recuperação satisfatória.
Contrariamente ao que seria ideal, contudo, a realidade social atual, mais do que a de qualquer tempo pretérito, é a de ocorrência de danos ambientais de diferentes graus e modalidade provocados pelas atividades humanas. Conquanto se envidem esforços no sentido de desenvolver tecnologias de produção ditas "limpas", isto é, que provoquem degradação ambiental mínima, os danos ambientais continuam a proliferar com freqüência em qualquer sociedade de produção industrial e consumo de massa. Conviver com situações de dano e de degradação da qualidade ambiental é inevitável. (SAMPAIO, 2003, p.197 e 198).
Nesses casos, ou seja, quando o prejuízo for inevitável ou mesmo quando já tiver ocorrido, restará apenas exigir do poluidor a devolução do meio ambiente ao seu estado anterior ou a compensação proporcional pelos agravos praticados.
Esse é justamente o conteúdo do princípio do Poluidor-pagador, que não deve ser interpretado ao pé da letra, tendo em vista que não traduz a idéia de pagar para poluir ou de pagar pelo uso, mas especialmente porque possui alcance mais amplo do que a noção meramente repressiva ou compensatória.
[...] o princípio do poluidor-pagador passa muito longe desse sentido, não só porque o custo ambiental não encontra valoração pecuniária correspondente, mas também porque a ninguém poderia ser dado a possibilidade de comprar o Direito de Poluir, beneficiando-se do bem ambiental em detrimento da coletividade que dele é titular (RODRIGUES, 2005, p.190).
Juntos, esses princípios formam os alicerces centrais do Direito Ambiental que devem orientar sua interpretação e aplicação no sentido de proporcionar o desenvolvimento sustentável e a manutenção do equilíbrio ecológico do meio ambiente.
Nesse sentido, a atuação do Estado na proteção do direito fundamental ao meio ambiente, em especial nos espaços naturais protegidos, deve privilegiar pela neutralização dos riscos e pela imposição da recuperação ou da compensação pelos danos ambientais.
3. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO FEDERAIS EM ALAGOAS
As Unidades de Conservação fazem parte do grupo dos chamados espaços naturais protegidos [03], que são áreas do território nacional sujeitas a regime de administração específico em razão de sua importância ecológica e que se prestam a conferir efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O art. 2º da lei n. 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, define Unidade de Conservação como o "espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção".
Essas unidades, que podem ser criadas por ato dos Poderes Executivos dos entes federativos, possuem, entre outros objetivos (art. 4º da Lei n. 9.985/2000): contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional, proteger os recursos naturais necessários à sobrevivência humana, recuperar ou restaurar ecossistemas degradados, promover o desenvolvimento sustentável, e proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, turismo ecológico, educação ambiental, estudos e monitoramento ambiental.
Esses objetivos, no seu conjunto, transcendem os aspectos mais superficiais constantes no conceito corrente de unidades de conservação. Duas considerações parecem pertinentes ao elenco dos objetivos: uma, o seu rico conteúdo ecológico, que ultrapassa a visão da cobertura vegetal e da biodiversidade inerentes a uma área, para ressaltar, igualmente em primeiro plano, elementos da hidrosfera e da litosfera; outra, o enfoque do desenvolvimento sustentável, de caráter econômico-social, processo este em que se vislumbra a possibilidade de conjugar os interesses das populações locais com a integridade do patrimônio ambiental natural. (MILARÉ, 2007, p.665).
Elas se dividem em dois grupos: as unidades de uso sustentável, em que a exploração econômica é permitida com algumas restrições, e as de proteção integral, destinadas à manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitindo-se apenas atividades que não envolvam consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais.
Em Alagoas temos as seguintes unidades de Conservação Federais: Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, Reserva Biológica de Pedra Talhada, Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçu, Reserva Extrativista Marinha da Lagoa do Jequiá e Estação Ecológica de Murici (as duas primeiras estendendo-se até Pernambuco).
3.1. Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais
Criada através de Decreto do Governo Federal, s/n de 23 de outubro de 1997, a Área de Proteção Ambiental da Costa dos Corais é uma unidade de conservação de uso sustentável e compreende a faixa de mar, incluindo as praias e as embocaduras dos rios, entre municípios de Maceió, Barra de Santo Antônio, São Luís do Quitunde, Passo de Camaragibe, São Miguel dos Milagres, Porto de Pedras, Japaratinga e Maragogi (em Alagoas) e São José da Coroa Grande, Barreiros, Tamandaré e Rio Formoso (em Pernambuco), numa área com aproximadamente 413.563 ha (quatrocentos e treze mil, quinhentos e sessenta e três hectares).
Possui como objetivos: proteger e preservar os manguezais em toda a sua extensão, situados ao longo das desembocaduras dos rios; garantir a conservação dos recifes coralígenos e de arenito; manter a integridade do habitat natural e preservar a população de peixe-boi marinho; ordenar o turismo ecológico, científico e cultural, e demais atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental; incentivar as manifestações culturais e contribuir para o resgate da diversidade cultural regional.
3.2. Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçu
Unidade de Conservação de proteção integral criada pelo Decreto n. 88.421, de 21 de julho de 1983, a Área de Proteção Ambiental de Piaçabuçu envolve as terras limitadas a leste e norte com o Oceano Atlântico, ao sul com o Rio São Francisco e a oeste com uma linha paralela à Praia do Peba e dela distante cinco quilômetros, com área de 18.800 ha (dezoito mil e oitocentos hectares).
Ela tem por finalidades assegurar proteção das tartarugas marinhas e das aves praieiras, a fixação de dunas e proteger a área externa da Estação Ecológica Estadual da Praia do Peba, a ela contígua e de mesma finalidade.
3.3. Reserva Biológica de Pedra Talhada
A Reserva Biológica de Pedra Talhada é uma Unidade de proteção integral criada pelo Decreto n. 98.524, de 14 de dezembro de 1989, com os objetivos de proteger amostras de ecossistemas da Mata Atlântica. Possui área total de 4.469 ha (quatro mil, quatrocentos e sessenta e nove hectares) e se localiza entre os municípios de Quebrangulo, em Alagoas, e Lagoa do Ouro, em Pernambuco.
3.4. Estação Ecológica de Murici
A Estação Ecológica de Murici é uma unidade de proteção integral criada através de Decreto Federal, s/n, de 28 de maio de 2001, a qual compreende os Municípios alagoanos de Murici, Messias e Flexeiras, ocupando 6.116 ha (seis mil cento e dezesseis hectares). Destina-se a proteger e preservar amostras de Ecossistemas de Mata Atlântica, além de propiciar o desenvolvimento de Pesquisa Científica e programas de Educação Ambiental.
3.5. Reserva Extrativista Marinha da Lagoa do Jequiá
Unidade de uso sustentável criada pelo Decreto s/n, de 27 de setembro de 2001, a Reserva Extrativista Marinha da Lagoa do Jequiá abrange o município de Jequiá da Praia, numa área de aproximadamente 10 (dez) hectares, e possui como objetivos: assegurar o uso sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis e proteger os meios de vida e a cultura da população extrativista local.
4. TUTELA PENAL DO AMBIENTE
O art. 225, §3º da Constituição Federal é claro ao estabelecer que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados", consagrando a aplicação de tríplice responsabilidade ao poluidor (administrativa, civil e penal), das quais exsurgem diferentes meios de reparação do dano.
Essas instâncias de atuação da lei, que são, em regra, independentes, possuem objetivos distintos. A sanção administrativa relaciona-se com poder de polícia; a sanção civil consiste tradicionalmente no dever de reparação do dano; e a sanção penal se justifica na prevenção geral e especial dos crimes e na ressocialização do agente causador do dano.
No entanto, em se tratando de meio ambiente, ao contrário das regras comuns, há uma convergência de finalidade entre todas as sanções. Quando o que se tutela é o meio ambiente, por mais diversa que seja a origem e o tipo de sanção aplicada, a regra que tem sido utilizada pelo legislador é a de que de nada vale reprimir por reprimir, punir por punir, condenar por condenar.
[...] toda a repressão ambiental (penal, civil e administrativa) deve atender a uma finalidade comum, qual seja: a) recuperar imediatamente o meio ambiente caso tenha ocorrido lesão ambiental; b) promover, se possível, por intermédio da reparação ou da sanção aplicada, a educação ambiental do responsável. Por outro lado, pode-se dizer que, em termos de efetividade, menos interessa à coletividade se o poluidor foi ou não preso, se recebeu esta ou aquela sanção de multa, ou ainda, se foi condenado a pagar determinada quantia. Ora, o importante é, precisamente, e isso o legislador tem compreendido muito bem, que o meio ambiente seja recuperado integralmente e que aquela conduta não seja repetida, fazendo com que o agressor se conscientize disso. Enfim, deve-se compatibilizar a modalidade da sanção, com estas finalidades: recuperação com educação ambiental. (RODRIGUES, 2005, p.248).
Vale dizer, independentemente de se tratar de procedimento administrativo, civil ou penal, a aplicação da responsabilização pelo dano ao meio ambiente deve buscar a melhor recuperação possível, restabelecendo-se o estado anterior, nos termos dos princípios comentados e tendo em vista a sustentabilidade e o caráter fundamental do direito envolvido.
Até mesmo o Direito Penal deve apresentar-se de forma diferente em razão das especificidades do meio ambiente, pois "não se pode pensar na tutela penal do ambiente fazendo-se um mero decalque dos conceitos tradicionais do Direito Penal. O objeto de tutela é socialmente diferente, as sanções, o escopo e até mesmo o perfil do delinqüente ambiental é absolutamente diverso". (RODRIGUES, 2005, p.273).
E esse foi, de fato, o caminho seguido pela Lei n. 9.605/98, que expressamente afirmou serem aplicáveis aos crimes ambientais os institutos de justiça penal consensual (composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo), preenchidos os requisitos legais.
4.1. O crime de dano à unidade de conservação
O art. 40 da Lei 9.605/98 estabelece constituir crime "causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto 99.274, de 06 de junho de 1990, independentemente de sua localização", fixando a pena de "reclusão, de um a cinco anos".
Assim, a conduta humana que causar dano a qualquer das Unidades de Conservação instituídas pelo poder público será considerada crime, exceto, naturalmente, se o agente tiver atuado acobertado por alguma circunstância excludente de ilicitude ou dirimente de culpabilidade.
Cuida-se de um tipo penal "aberto" ou "em branco", que não individualiza totalmente a conduta proibida por não delinear integralmente o conteúdo da expressão "causar dano", exigindo que o juiz o faça recorrendo a normas ou regras gerais, que estão fora do tipo penal. E, no caso do art. 40, terá de utilizar dos mesmos conceitos de dano e de meio ambiente comuns ao Direito Civil e ao Direito Ambiental, o que reforça a convergência de finalidades entre as diferentes tutelas.
4.2. Ação Penal em defesa das Unidades de Conservação Federais
Como vimos, o parquet federal alagoano costuma oferecer proposta de suspensão condicional do processo junto com a denúncia por crime ambiental. Esse "sursis processual" é uma alternativa processual à pena privativa de liberdade que visa, sobretudo, promover o ressarcimento do prejuízo sofrido pela vítima e evitar o encarceramento de autores de crimes de pequena gravidade, aplicando medidas alternativas como resposta penal à infração cometida. Com efeito, de acordo com o art. 89 da Lei n. 9.099/95:
Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
Aceitando a proposta, o denunciado sujeitar-se-á às seguintes condições: reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, proibição de freqüentar determinados lugares; proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades, bem como outras a critério do Juiz, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
Cumpridas integralmente todas as suas condições, o processo judicial será definitivamente extinto após um determinado tempo suspenso (chamado período de prova), sem qualquer tipo de condenação ou ônus dela decorrente.
Entretanto, a suspensão condicional do processo possui uma notável particularidade quando acertada no curso de ação penal por crime ambiental. É que o art. 28 da Lei n. 9.605/98 acrescenta a necessidade de a declaração de extinção de punibilidade ser precedida de "laudo de constatação de reparação do dano ambiental" bastante para comprovar a efetiva reparação dos danos.
Diante disso, o parquet tem corretamente encarado a ação penal pelo crime do art. 40 (com suspensão condicional do processo) como técnica de defesa das Unidades de Conservação Federais, não para punir o agressor nos moldes do Direito Penal tradicional, mas para restaurar o meio ambiente injustamente agredido.
5. VANTAGENS DO ACORDO
Sem prejuízo de outros benefícios, podem ser apontadas quatro importantes vantagens no uso de Ação Penal em defesa das Unidades de Conservação Federais: a) reparação dos danos em curto espaço de tempo; b) participação voluntária do agente poluidor; c) economia de custos, e d) alcance dos fins do Direito Penal sem necessidade de impor pena.
4.1. Reparação dos danos em curto espaço de tempo
Entre o exercício do direito de ação e a resposta do Estado-juiz há uma série de atos (processo) que levam determinado tempo. Essa quantidade de tempo "gasta" até a decisão exerce influência decisiva na utilidade do instrumento processual escolhido. É inadmissível, por exemplo, que em virtude da lentidão, apenas os descendentes do autor venham usufruir da demanda exercida.
[...] o sistema jurídico não poderia ficar infenso à avassaladora realidade temporal que, em sede de tutela individual causa um mal terrível aos litigantes, pode-se dizer que gera rombo maior quando se está diante de uma tutela coletiva, por razões de ordem qualitativa e quantitativa. A primeira por causa da natureza pública da situação tutelanda; e a segunda em função do número de lesões perpetradas. De fato, o sistema jurídico não ficou infenso a tal situação, e para isso criou (pondo-a à disposição dos litigantes) a tutela jurisdicional de urgência, cuja função básica é neutralizar os efeitos deletérios do tempo no processo. Enfim, corrigindo ou prevenindo determinadas situações em que o próprio processo ou o direito por ele tutelado estejam ameaçados de ser engolidos pela ferrugem temporal. Portanto, a tutela de urgência, visivelmente imunizadora dos efeitos deletérios que o tempo causa ao processo (instrumento) ou ao seu conteúdo (direito material), constitui um arcabouço de técnicas processuais que devem ser prontas e rápidas, sob pena de se tornarem inúteis (RODRIGUES, 2004, p.158-159).
Essas formas de tutela são realizadas por intermédio das medidas cautelares e das antecipações de tutela de mérito. O signo comum entre ambas é, sempre, a urgência, e o seu traço diferenciador é o do objeto que será precipuamente protegido dos desgastes provocados pelo fenômeno temporal. No caso do meio ambiente, essa demora na reposta pode fazer cumprir o que antes era só uma ameaça, transformando um ilícito não removido a tempo em dano e/ou agravando sensivelmente os danos já consumados pelo poluidor.
Não há, evidentemente, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela no sistema penal, pois a urgência da situação requer um convencimento em nível de probabilidade e não de certeza, e, por isso, provisório e justificável em razão da premente necessidade. É simplesmente impensável, por exemplo, aplicar uma pena privativa de liberdade baseando-se apenas em conjecturas, no fato de que alguém "provavelmente praticou um crime", não importando qual o tipo de crime supostamente praticado (hediondo, comum, ou de menor potencial ofensivo, por exemplo).
Conquanto as prisões processuais antecedam à sentença, isto é, são determinadas antes mesmo do juiz concluir sobre a imputabilidade ou não do réu, elas não são motivadas apenas pela verossimilhança das alegações. Sua utilidade é outra: acautelar o processo, garantindo que ele alcance o seu destino natural, o que nada diz respeito à probabilidade de o réu ser ou não culpado pelo crime em discussão, pois condenação no âmbito penal, pela gravidade da sanção, será sempre precedida de cognição plena de certeza, não importando quanto tempo leve.
Entretanto, a possibilidade de reparar o meio ambiente em troca da extinção da punibilidade através da suspensão condicional do processo (oferta bastante agradável e razoável para o réu num processo-crime), abrevia consideravelmente a duração do processo dando início rapidamente à recuperação dos danos.
Diferentemente, é ferrenha a resistência do réu em admitir a culpa pelos danos no processo civil, arrastando-se o processo por vários anos. É que, simplesmente, não há nenhuma vantagem em reconhecer-se responsável. Pelo contrário, a teor do art. 269, II, do Código de Processo Civil, será condenado por ter reconhecido o pedido do autor, que implica no pagamento das custas e honorários sucumbenciais entre outras conseqüências.
5.2. Participação voluntária do agente poluidor
Quando o réu acerta a suspensão condicional ele o faz espontaneamente, ou seja, sopesando as vantagens e desvantagens, notadamente a possibilidade de ser condenado e ter de cumprir pena, ser exposto publicamente durante o processamento da denúncia e outros fatores, ele opta pela solução negociada.
Saberá, nesse caso, que participou efetivamente de um processo de composição do conflito não tendo sido apenas um mero espectador da atividade estatal, dos diálogos entre Juiz e Ministério Público. Ao assumir voluntariamente as obrigações determinadas na proposta, passará certamente por um processo de consolidação mental da importância dessas obrigações, porque a reparação do ambiente natural aproxima o poluidor do dano produzido, sensibilizando-o para as questões ambientais. Para Folgado (2002, p.152):
[...] as condições estabelecidas e aceitas pelo acusado têm um forte efeito ressocializador, já que não são impostas unilateralmente pelo Estado. Mas, ao contrário, necessitam de expresso consentimento deste para serem aplicadas, o que facilita o reconhecimento do erro por ele praticado, e ao mesmo tempo o estimula a não reincidir. Com o acordo [...], o acusado toma consciência de que o Estado lhe está oferecendo uma segunda oportunidade para que não volte a praticar condutas anti-sociais. Por sua vez, a aceitação daquele no cumprimento das condições indica arrependimento e tendência ao abandono da prática delitiva.
Na esfera cível, como vimos, diante de tantas vantagens processuais, como a longa instrução, os variados recursos cabíveis e a dificuldade de prova do vínculo subjetivo, é raríssima a hipótese do poluidor, em uma Ação Civil Pública, admitir a responsabilidade pelos danos, deixando de contestar ou reconhecendo o pedido do autor.
É certo que ele poderá ser condenado no final, contudo, será compelido a reparar os danos, quando necessário até mesmo com ajuda Policial, sem qualquer manifestação de vontade ou interesse de sua parte, sendo esse o motivo de ainda se chamar o cumprimento da decisão judicial de "execução forçada".
5.3. Economia de custos
É importante que o meio de reparação dos danos ambientais se paute pela economicidade de custos e pela simplicidade de atos, pois:
[...] tem-se dito, e com razão, que o acesso à Justiça é caro. E não é caro somente para as partes, que deverão suportar os custos diretos da demanda, mas é caro para toda a sociedade, que cada vez mais deve arcar com os custos de manter, ampliar e modernizar o aparelho do Estado para sustentar o sistema judiciário. Portanto, evitar-se estar em juízo é economicamente melhor. (FINK, 2002, p.133).
Ação Penal com proposta de transação ou suspensão condicional do processo, por possuir um procedimento bastante simples, muito diferente das necessárias fases processuais de uma Ação Civil Pública, envolve menores custos para as partes e para a sociedade como um todo.
É que as despesas, na Ação Penal, se resumem à contratação de um Engenheiro Ambiental para a elaboração do Plano de Recuperação Ambiental para as áreas Degradadas, exigência dispensada em alguns casos, como, por exemplo, quando o réu não possui condições financeiras para tanto.
5.4. Alcance dos fins do Direito Penal sem recorrer à pena
Em linhas gerais, pode-se dizer que a pena cumpre três funções: a prevenção geral, no sentido de inibir pela ameaça de sua imposição a prática dos crimes; a prevenção especial, com sua aplicação a um indivíduo para inibi-lo de cometer novos crimes; e a ressocialização do "criminoso", reprogramando-o para a vida em sociedade.
Conforme as opiniões mais generalizadas atualmente, a pena, entendida como prevenção geral, deve ser retribuição, enquanto, entendida como prevenção especial, deve ser reeducação e ressocialização. A retribuição deve devolver ao delinquente o mal que este causou socialmente, enquanto a reeducação e a ressocialização devem prepará-lo para que não volte a reincidir no delito. Ambas as posições costumam ser combinadas pelos autores, tratando de evitar suas consequências extremas, sendo comum em nossos dias a afirmação de que o fim da pena é a retribuição e o fim da execução da pena é a ressocialização. (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2005, p.91).
Ocorre que a pena é apenas um dos recursos que podem ser empregados para alcançar a verdadeira finalidade do Direito Penal, que é a proteção dos bens e valores fundamentais, sobretudo àqueles de base constitucional. A suspensão condicional do processo, a suspensão condicionada da pena, a transação penal e o livramento condicional constituem os outros meios legais.
Nesse sentido, os tipos penais instituídos com a Lei n. 9.605/98 tem por escopo proteger o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que justifica os ajustes realizados na suspensão condicional do processo.
No caso do dano à unidade de conservação, esse acordo permite ao poluidor entrar em contato com a natureza e repará-la, sensibilizando-o dos danos causados, da importância daquele bem jurídico e do espaço natural protegido por ele ofendido (efeito ressocializador), o que poderá o inibir de vir a praticar novos crimes (efeito preventivo).
Esse acordo é capaz beneficiar a todos os envolvidos, pois, como bem lembrado por Carvalho (2001, p.206), "afinal de contas, o bem juridicamente protegido também pertence à parte constituinte do pólo passivo e, por isso, será este beneficiado, mesmo ante uma sentença de condenação".
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação do Ministério Público nesses casos, isto é, oferecendo denúncia pelo crime do art. 40 da Lei 9.605/98 acompanhada de acordo de suspensão condicional do processo, cumpre com os princípios constitucionais da prevenção e do poluidor-pagador.
Com efeito, a reparação do dano ambiental pelo réu prestigia o desenvolvimento sustentável e a conservação do equilíbrio ecológico do meio ambiente no interior das Unidades de Conservação Federais, que foram criadas justamente para esses fins, não havendo motivo para se falar em descompasso com o perfil constitucional do ambiente.
Além disso, essas ações penais implicam em uma solução rápida e baseada no consenso, com custos reduzidos, e que, mesmo sem recorrer ao encarceramento, alcançam ao menos em tese os fins do Direito Penal, pois permite ao "criminoso" entrar em contato com a natureza e repará-la, sensibilizando-o dos danos causados e da importância do ambiente.
No mais, cuida-se de mais uma ferramenta adaptada a promover e restaurar o direito fundamental ao equilíbrio ecológico do meio ambiente, o que justifica a sua escalada em importância em comparação com técnicas mais tradicionais de tutela do meio ambiente, como a Ação Civil Pública, por exemplo.
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS.
ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
_________. Elementos de Direito Ambiental. Parte Geral. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
BRASIL. Ministério Público Federal. MPF/AL ajuíza ações contra autores de crimes ambientais.<http://www.pral.mpf.gov.br/noticias/arquivo/mpfal_ajuiza_aes_contra_autores_de_crimes_ambientais/>. Maceió. Acesso em: 14 de junho de 2009.
FOLGADO, Antonio Nobre. Suspensão Condicional do Processo Penal como instrumento de controle social. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
SAMPAIO, Francisco José Marques. Evolução da Responsabilidade Civil e Reparação de Danos Ambientais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MENESES, Afrânio Farias de. CAVALCANTE, Alberto Tenório. AUTO, Paulo César Casado. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica em Alagoas. São Paulo: Conselho Nacional da Reserva da Biosfera de Mata Atlântica – RBMA, 2004.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
Notas
- Trecho de notícia veiculada em 20/03/2009 no sítio da PR/AL. Disponível em www.pral.mpf.gov.br/noticias.
- Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
- Além das unidades de conservação, integram os espaços naturais protegidos: as Áreas de Preservação Permanente e Reservas Florestais Legais, disciplinadas na Lei n. 4.771/65 (Código Florestal) e as Áreas de Proteção Especial previstas na Lei n. 6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano).