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Leis nº 12.015/09 e 12.033/09 e reflexos na titularidade da ação penal

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Este artigo acadêmico trata dos reflexos de direito materiais, quanto à inovação sobre a titularidade da ação penal, inseridos pela vigência das Leis nos. 12.015/2009 e 12.033/2009, esta modificando a ação no crime de injúria racial (art. 140, §3º c/c art. 145, parágrafo único do CP [01]) e aquela alterando também o Código Penal Brasileiro, em especial no que hoje se denomina de crimes contra a dignidade sexual. Sem a pretensão de exaurir o assunto, pretende-se uma análise sistemática do assunto.

Na antiga redação do art. 225 do Código Penal, a regra era a ação penal exclusivamente privada para os crimes contra a liberdade sexual e de corrupção de menores. Assim dispunha:

"Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. § 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família; II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. § 2º - No caso do nº. I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação."

Com a superveniência da lei federal nº. 12.015/09, em vigor desde 10/08/2009, a qual modificou todo o Título VI da Parte Especial do Código Penal, foi estabelecida nova redação ao art. 225, parágrafo único, para prescrever que:

"Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável."

Hoje, quando a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, a ação penal será pública incondicionada e, nos demais casos, ela será pública condicionada à representação. Vale dizer, anteriormente à vigência desta lei (ou seja, antes de 10/08/2009) a ação era exclusivamente privada, com legitimidade exclusiva da vítima ou de seu representante legal para deflagrar o a persecução penal. Com a novel lei, a ação penal passa a ser pública e, portanto, de titularidade, em regra, do Ministério Público. O mesmo se sucedeu com a lei nº. 12.033/09 de 29 de setembro de 2009, a qual atribuiu ação pública ao crime de injúria racial (art. 145 do CP com redação dada por esta lei, que entrou em vigência no dia 30/09/2009).

A problemática é: com o advento das novas leis (12.015/09 e 12.033/09), quanto à fatos anteriores à sua vigência, havendo ação penal ou não, aplica-se ou não a nova lei penal? O Ministério Público assume ou não a titularidade das ações penais, prosseguindo-se com aquelas em curso ou iniciando-as por meio de denúncia?

Para elucidar os pontos emblemáticos, deve-se lembrar que normas processuais têm aplicação imediata aos processos que estejam em curso, haja vista que não influenciarão no poder punitivo do Estado, mas sim, vêm a lume somente para ditar procedimentos e regulamentar os atos processuais. Em linhas gerais, são instrumentos de aplicabilidade do direito material, este na maioria das vezes – mas não exclusivamente - prescrito no Código Penal (quando matéria criminal) – assim como, nem toda norma no Código de Processo Penal é norma processual.

As normas de direito material, por seu turno, são aquelas que influenciam no poder punitivo do Estado, ou seja, poderão criar, ampliar, reduzir ou extinguir o poder de punir do Estado em relação ao destinatário da norma. Vale dizer, são normas de direito material, independente de onde estejam inseridas (CPP ou CP), aquelas que afetam, de qualquer modo, o jus puniendi do Estado.

A decadência (art. 38 do CPP [02]), a perempção (art. 60 CPP), a renúncia do direito de queixa (arts. 49 e 50 do CPP [03]) e o perdão do ofendido (Art. 107, IX, CP [04]) são causas de extinção da punibilidade. Nessa lógica, normas que afastam a aplicação desses institutos, típicos na ação penal privada, com aplicação também aceita pela doutrina e jurisprudência em ação penal pública condicionada à representação [05], têm nítidos efeitos materiais.

A decadência ocorre quando o representante do ofendido ou ele próprio deixa de oferecer representação ou queixa crime, no prazo de 6 (seis) meses do conhecimento da autoria do delito.

A perempção é fenômeno processual que se dá exclusivamente nos termos do art. 60 do Código de Processo Penal, ou seja, somente nas ações penais exclusivamente privadas – não ocorrendo em ações penais pública – por se tratar de desídia do querelante:

Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos; II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

A renúncia do direito de queixa ou representação dar-se-á quando, antes de iniciar a persecução penal, o ofendido declara, expressamente, a vontade de não deflagrar o processo penal.

O perdão do ofendido, decorrente do princípio da disponibilidade da ação penal exclusivamente privada, é o ato pelo qual, iniciada a ação penal privada, o ofendido ou seu representante legal desiste do seu prosseguimento seja por qualquer motivo. É uma causa extintiva da punibilidade prevista no Art. 107, V, 2ª figura, do Código Penal [06]. Ressalta-se que esse perdão pode se dar de forma expressa ou tácita, consoante o §1º do art. 106 do Código Penal: "Art. 106 - O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito: (...) § 1º - Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação". Distingue-se da renúncia, por ser posterior ao início da ação penal, já que esta só será possível antes desse início.

Acerca do conteúdo processual ou material de uma lei, Fernando Capez [07], diz que é:

"de caráter penal toda norma que criar, ampliar, reduzir ou extinguir a pretensão punitiva estatal, tornando mais intensa ou branda sua satisfação (...) Convém notar que, mesmo no caso de normas que parecem ser processuais e estão previstas na legislação processual, se a conseqüência for a extinção da punibilidade, a sua natureza será penal. Assim, tome-se com exemplo o art. 60, I, do CPP, que prevê a pena de perempção ao querelante que deixar o processo paralisado por 30 dias seguidos. Aparentemente, tudo indica trata-se de regra processual: trata-se de prazo para dar andamento a processo, além do que a perempção é sanção processual. A norma, entretanto, é penal, pois o efeito da perempção consiste na extinção da punibilidade".

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Nos dizeres de Luiz Flávio Gomes [08]:

"Na hipótese em que ela [norma] afete algum direito fundamental do acusado, pode-se dizer que possui conteúdo material. E toda norma de conteúdo material é irretroativa... É penal toda regra que se relacione com o ius punitionis, reforçando ou reduzindo os direitos penais subjetivos do condenado".

A alteração legislativa introduzida pelas leis federais nos. 12.015/09 e 12.033/09, ao retirar a legitimidade do ofendido ou de seu representante legal para fatos ocorridos a partir de sua vigência (10/08/09 e 30/09/09, respectivamente), acabou por subtrair a possibilidade de ocorrência de perempção, e em alguns casos até mesmo de decadência, renúncia e perdão do ofendido, tendo em vista que os crimes, antes, eram de ação penal privada. É dizer, excluiu-se a expectativa de o acusado ter extinguido a sua punibilidade por um desses institutos. Trata-se de lei com efeitos materiais gravosos e, portanto, irretroativa.

Assim nessa mesma linha de pensamento, dispõe Guilherme de Souza Nucci, na obra Crimes contra a dignidade sexual: comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009 [09]:

"Quanto à ação penal (art. 225), cuida-se de norma processual penal material, ou seja, a sua aplicação provoca efeitos penais. Submete-se, pois, ao princípio geral da retroatividade benéfica (...) As ações que estiverem em andamento (ou findas), promovidas pela vítima, por queixa, podem continuar seu rumo, sem qualquer obstáculo. Nesse prisma, o fato de, a partir da Lei 12.015/2009, a legitimidade ter-se transmitido ao Ministério Público não afasta a anterior legitimidade do ofendido. Sob tal prisma, o lado processual da novel lei traz beneficio ao acusado. A este se torna mais favorável ser a ação privada, pois, conforme a fase, poderia haver perdão, por exemplo, com reflexo material, consistente na extinção da punibilidade. Logo, mantém-se a vítima no pólo passivo. Caso esteja o inquérito em andamento, ilustrando, por estupro ocorrido com grave ameaça contra maior de 18 anos, pensamos deva continuar a ser a ação privada, aplicando-se a lei anterior, pois mais benéfica. Afinal, assim ocorrendo, pode haver renúncia, perdão, decadência etc., com extinção da punibilidade."

Mesma problemática também foi enfrentada com o advento da Lei nº. 11. 106/05, especificamente, na parte que revogou os incisos VII e VIII do art. 107 do CP, que tratava de causas de extinção da punibilidade pelo casamento em crimes contra os costumes. Gerou-se dúvida quanto à aplicabilidade imediata ou não desta norma a fatos típicos ocorridos antes da vigência da respectiva lei. A questão foi enfrentada pelo STF, concluindo-se o Pretório Excelso pela irretroatividade da norma, traduzido na seguinte ementa:

"HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA OS COSTUMES - DELITO DE ESTUPRO PRESUMIDO - CASAMENTO DO AGENTE COM A VÍTIMA - FATO DELITUOSO QUE OCORREU EM MOMENTO ANTERIOR AO DA REVOGAÇÃO, PELA LEI Nº 11.106/2005, DO INCISO VII DO ART. 107 DO CÓDIGO PENAL, QUE DEFINIA O "SUBSEQUENS MATRIMONIUM" COMO CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE - "NOVATIO LEGIS IN PEJUS" - IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE APLICAR, AO CASO, ESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO ("LEX GRAVIOR") - ULTRATIVIDADE, NA ESPÉCIE, DA "LEX MITIOR" (CP, ART. 107, VII, NA REDAÇÃO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI Nº 11.106/2005) - NECESSÁRIA APLICABILIDADE DA NORMA PENAL BENÉFICA (QUE POSSUI FORÇA NORMATIVA RESIDUAL) AO FATO DELITUOSO COMETIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA TEMPORAL DA LEI REVOGADA - EFICÁCIA ULTRATIVA DA "LEX MITIOR", POR EFEITO DO QUE IMPÕE O ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO (RTJ 140/514 - RTJ 151/525 - RTJ 186/252, v.g.) - INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DA CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE PREVISTA NO ART. 107, INCISO VII, DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 11.106/2005 ("LEX GRAVIOR") - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. - O sistema constitucional brasileiro impede que se apliquem leis penais supervenientes mais gravosas, como aquelas que afastam a incidência de causas extintivas da punibilidade sobre fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da edição da "lex gravior". A eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica - sob cuja égide foi praticado o fato delituoso - deve prevalecer por efeito do que prescreve o art. 5º, XL, da Constituição, sempre que, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como estatuto legal mais favorável ao agente. Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. - A derrogação do inciso VII do art. 107 do Código Penal não tem - nem pode ter - o efeito de prejudicar, em tema de extinção da punibilidade, aqueles a quem se atribuiu a prática de crime cometido no período abrangido pela norma penal benéfica. A cláusula de extinção da punibilidade, por afetar a pretensão punitiva do Estado, qualifica-se como norma penal de caráter material, aplicando-se, em conseqüência, quando mais favorável, aos delitos cometidos sob o domínio de sua vigência temporal, ainda que já tenha sido revogada pela superveniente edição de uma "lex gravior", a Lei nº 11.106/2005, no caso. (STF, HC 90140 / GO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, Data de Julgamento:  11/03/2008, DJe 17-10-2008).

Dessa forma, a regra sobre a retroatividade e ultratividade benéficas da norma, como já verificado no aresto, é definida pelo inciso XL do art. 5º da Constituição Federal: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Assim, verificamos que estas normas (modificadora da titularidade da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e de corrupção de menores, além de estender aos crimes sexuais contra vulnerável, também, em relação ao crime de injúria racial) não podem retroagir por expressa determinação da Constituição, uma vez que têm caráter penal material e por serem prejudiciais ao réu, ou seja, novatio legis in pejus. Além de, impossibilitarem-lhe de ser beneficiado pela perempção, e em alguns casos até mesmo de decadência, renúncia e perdão do ofendido, já que nos ditames das novas leis a ação será pública incondicionada ou condicionada à representação, sem nenhuma possibilidade de proceder-se por queixa, a qual impossibilita esses benefícios ao réu, além de ser-lhe mais gravosa.

Contudo, os revogados artigos 145 e 225 do Código Penal terão ultratividade e deverão ser, portanto, norma de regência a continuar a regular a titularidade da ação penal para condutas que ocorreram na época de sua vigência (haja ou não ação penal em curso), ou seja, antes de 10/08/2009 (data de vigência da lei nº. 12.015/09) e 30/09/2009 (data de vigência da lei nº. 12.033/09). Trata-se de aplicabilidade de lex mitior, ou seja, da lei mais favorável aos acusados.

Entender contrariamente, seria adotar a retroatividade de lei mais gravosa (lex gravior), em franco prejuízo às garantias fundamentais do acusado previstas na Constituição Federal.

Nesse diapasão, configura-se um ônus ao querelante que move ação penal exclusivamente privada em desfavor de alguém, continuar a comparecer a todos os atos do processo a que deva estar presente (art. 60 do CPP). Caso contrário incorrerá em perempção [10], consoante o já exposto.

E mais. O Ministério Público, submisso ao princípio da legalidade, não pode assumir, a pretexto de estar legitimado por autorização literal das novas redações dos artigos 145 e 225 do Código Penal, à ação penal privada em curso. Quanto aos inquéritos e aos autos de informações sobre fatos típicos acontecidos antes da vigência das leis mais gravosas, deve-se ter o mesmo procedimento.

Na seara das ações penais iniciadas de acordo com o enunciado da súmula nº. 608 [11] do STF, entendemos que elas continuam seus trâmites legais, por não perder seus efeitos em virtude da nova lei (12.015/2009), tendo em vista toda a fundamentação das decisões que levaram à edição desse preceito sumular.

Não obstante, encontra-se o pensamento de Nucci [12]:

"O primeiro efeito é a suspensão do andamento das ações penais conduzidas pelo Ministério Público, por consequência da aplicação da Súmula 608 do STF, que hoje não mais pode subsistir. A ação era de natureza privada, segundo o antigo art. 225. O STF interpretou ser de natureza pública incondicionada, nos casos de estupro com violência real, fundado em política criminal. O advento da Lei 12.015/09, aplicando-se o princípio da legalidade, afirma, categoricamente, ser a ação pública condicionada à representação. Logo, deve o magistrado, nesses, casos, determinar a intimação da vítima, a fim de colher, de imediato (não há novo prazo de seis meses para tanto) a sua manifestação. Se pretender a continuidade da ação penal, conduzida pelo MP, deve formalizar a representação – ou simplesmente demonstrar assentimento, que pode, inclusive, ser obtido tacitamente".

Fazemos uma crítica a este posicionamento colacionado acima. Se a parte deve ser intimada para, imediatamente, proceder à representação, estará desrespeitando o princípio da legalidade, da taxatividade, do mandado de certeza, o qual prevê o prazo de 6 (seis) meses de decadência do direito de representação (art. 38, "caput" [13]).

A nova lei 12.015/2009 não fez nenhuma ressalva expressa de que deveria ser intimada a vítima para ratificar persecução penal iniciada pelo Ministério Público, por força da súmula nº. 608 do STF. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei (art. 5º, II da Constituição da República). É de se lembrar que o silêncio não pode ser interpretado contra o réu.

Em retrospecto legislativo, observa-se que quando o legislador pretende comunicar a vítima para dar continuidade à persecução penal, o fará expressamente, como ocorreu da edição da Lei nº. 9.099/95. A persecução do crime de lesão corporal dolosa leve e a culposa tinham ação penal pública incondicionada. Com advento de tal lei (Juizados Especiais Criminais), a persecução passou a ser pública condicionada à representação (art. 88 da Lei nº. 9.099/95 [14]). É de se lembrar que o legislador, à época, teve o cuidado de mandar intimar o ofendido, para que, querendo, oferecesse representação – nova condição de procedibilidade para os crimes de lesões corporais leve e culposas –, sob pena de decair do direito (art. 91 da Lei nº. 9.099/95 [15]).

A lei nº. 12.015 não alberga a conduta de mandar intimar a vítima para suprir eventual requisito processual. Além do que, efetuar uma representação tardiamente, ou seja, depois de anos do conhecimento da autoria seria, às escâncaras, uma odiosa ilegalidade. Seria o mesmo que chancelar como letra morta as disposições dos artigos 38 do CPP e 103 do CP, acerca do prazo decadencial da representação do ofendido, o que é inconcebível. Seria o mesmo que impedir os acusados de terem os benefícios do instituto da decadência.

Onde a lei não ressalva, não cabe ao interprete fazê-lo. Logo, não deve ser intimada a vítima para prosseguimento da ação penal já iniciada pelo Ministério Público nos termos da súmula nº. 608 STF, mas sim, o processo continuar seu rito como de ação penal pública incondicionada.

Entretanto, sabe-se que a representação, segundo o STF, não exige rigor formal [16]. Assim, caso haja nos autos de ação penal demonstração inequívoca da vontade de prosseguir com a demanda criminal, evidentemente deve entender suprida tal condição de procedibilidade. Agora, se não há comprovação de um mínimo de demonstração de interesse na persecução penal, especialmente nos casos em que, à época, partiu de provocação exclusiva do Ministério Público [17], a nova lei não veio para declarar, com efeitos ex tunc, a decadência do direito de representação, nem mesmo para determinar a intimação para que se procedesse a representação tardia, uma vez que não fez, expressamente, ressalva alguma quanto a isso.

Para as ações penais iniciadas pelo Ministério Público com base na Súmula nº. 608 STF, em virtude de lesões corporais leves, não havendo comprovação de deflagração inicial da demanda pelo ofendido [18] (registro de ocorrência policial, depoimento em inquérito onde houve iniciativa, termo de comparecimento, por exemplo, na promotoria de justiça para registrar ocorrido, etc), deve-se entender que a lei nova é mais benéfica e imperativa faz-se a aplicação do instituto da decadência, extinguindo-se ações penais que foram iniciadas pelo Ministério Publico com base no entendimento sumular.

Hoje não há mais dúvidas, todas as ações penais para os crimes contra a dignidade sexual são públicas, ora condicionadas à representação, ora incondicionadas.

É certo que esses crimes com evento lesão grave e morte têm grandes repercussões, todavia esse resultado que agrava a pena é culposo e não doloso. Assim, quando ocorre lesão grave ou morte, vê-se que esses resultados agravadores da pena, são circunstâncias que, por si mesmos, são crimes e deverão ser perseguidos por ação penal de natureza pública incondicionada (art. 101, CP) [19]. Logo, nesses casos as ações penais já iniciadas e que tenha esses resultados devem prosseguir normalmente com o Ministério Público e sem exigência de representação, logicamente. Seria irrazoável, também, exigir representação nesses casos, posto que bens valorosos estejam em jogo: vida, integridade física e saúde.

Todavia, nos casos em que a violência real consistir em lesão corporal leve, é que deve o juiz declarar extinta as ações penais em curso em face da decadência do direito de representação, desde que não havido representação formal ou sem esse rigor, posto que esse resultado (lesão leve) é crime perseguido por ação penal pública condicionada à representação, o que faz retroagir os efeitos mais benéficos da nova redação do artigo 225 do Código Penal.

Essa concretização legislativa sobre a ação penal no crime de estupro com lesão corporal leve já era discutida na doutrina, especialmente com o advento da Lei nº. 9.099/95. Deve ver-se que a súmula nº. 608 STF – no caso de lesão leve – para alguns doutrinadores [20] já estava superada com a vigência do art. 88 da Lei nº. 9.099/95.

A súmula nº. 608 do STF continua, pois, em pleno vigor, se o crime contra dignidade sexual é praticado mediante violência real e que esta circunstância seja, por si só, crime de ação penal pública incondicionada [21], o que inocorrerá se a violência real consistir em lesão corporal leve.

Vale citar que a Procuradoria Geral da República propôs em 17 de setembro de 2009 a ADI 4301, pedindo ao Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 225 do CP, com a redação dada pela Lei nº. 12.015/2009, para que seja excepcionado da incidência deste artigo o crime de estupro praticado com violência grave ou com resultado morte. Lembrando-se que o deferimento desta ação, irá restabelecer o conteúdo da súmula nº. 608/STF, embora com fundamentos distintos (proporcionalidade, razoabilidade, dignidade da pessoa humana, valorização elemento vida, proibição da proteção deficiente, integridade física e saúde).

Curiosamente, pediu-se a declaração de inconstitucionalidade do artigo 225 tão-só nos casos de violência grave e morte. Assim, o próprio Procurador-Geral da República confirma que é razoável que a ação penal nos crimes dessa natureza onde ocorreu lesão corporal leve deve obedecer, logicamente, aos ditames da novel lei: exige-se representação – Art. 225.

Cumpre, também, ressaltar, exemplo de norma de natureza puramente processual trazida pela nova lei que inseriu o art. 234-B ao Código Penal: "os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça".

Tal dispositivo, agora sim, é norma de natureza processual, em virtude de não influenciar no poder punitivo do Estado, como exemplo causa extintiva da punibilidade. Portanto, passível de aplicação imediata, consoante o art. 2º do Código de Processo Penal [22]. Assim, deverá todo magistrado revestir a persecução penal dos crimes definidos no Título VI do Código Penal do manto da discrição, ou seja, a ação penal deverá correr em segredo de justiça, não acessível a terceiros.

Sobre os autores
Diêgo Luiz Castro Silva

Defensor Público no Estado do Amazonas. Ex-Defensor Público do Estado do Acre. Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNIRG - Universidade Regional de Gurupi/TO. Pós-graduando em Prestação Jurisdicional e Direito Humanos pela ESMAT - Escola Superior da Magistratura Tocantinense. Pós-graduação em Processo Civil - Faculdade Damásio de Jesus.

Neuton Jardim dos Santos

Defensor Público Estado Tocantins. Professor Universitário do Centro Universitário UNIRG - Universidade Regional de Gurupi/TO (Processo Penal e Estágio Supervisionado). Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil pela UNITINS - Universidade do Estado do Tocantins. Membro do CEJUR - Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Tocantins - área Penal e Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Diêgo Luiz Castro; SANTOS, Neuton Jardim. Leis nº 12.015/09 e 12.033/09 e reflexos na titularidade da ação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2324, 11 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13840. Acesso em: 23 dez. 2024.

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