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A evolução político-constitucional no Brasil

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Agenda 22/11/2009 às 00:00

O exame da evolução político-constitucional brasileira requer uma digressão acerca dos dogmas da Teoria Política que constituíram a fonte do nosso Direito Positivo, remontando à identidade do Estado brasileiro, desde o período colonial até os dias de hoje.

Após a chegada dos portugueses, o território brasileiro foi fracionado em doze porções irregulares: as capitanias hereditárias.

José Afonso da Silva registra que "a primeira concessão se deu pela carta de doação expedida por D. João III, a 10 de março de 1534, em favor de Duarte Coelho, a quem coube a Capitania de Pernambuco." [01]

De modo geral, podemos afirmar que as capitanias hereditárias não mantinham laços umas com as outras, muito embora nelas estivessem agregados pequenos núcleos sociais e econômicos - "o que veio a repercutir na futura estruturação do Estado Brasileiro" [02]-, ensina José Afonso da Silva. Poucas prosperaram, dentre elas, merece especial destaque a Capitania de São Vicente.

O supracitado autor ainda ensina que

Seus titulares – os donatários – dispunham de poderes quase absolutos. Afinal de contas, elas constituíam seus domínios, onde exerciam seu governo com jurisdição cível e criminal, embora o fizessem por ouvidores de sua nomeação e juízes eleitos pelas vilas. A dispersão do poder político e administrativo era assim completa, sem o elo que permitisse qualquer interpenetração, salvo apenas a fonte comum que era a metrópole. [03]

A metrópole portuguesa, preocupada com a descentralização política, logo tratou de inserir um "elemento unitário na organização colonial" [04]: o sistema dos governadores-gerais, em 1549.

Assim, o primeiro governador-geral nomeado foi Tomé de Souza. Convém assinalar que o sistema inaugurado coexistia com as capitanias hereditárias. Todavia, a presença do governador-geral serviu para atenuar o poder absoluto conferido aos donatários, considerado na amplitude que a metrópole portuguesa havia lhes conferido.

Em alusão a Oliveira Vianna, José Afonso da Silva menciona que

Em torno desse órgão central agrupavam-se outros órgãos elementares e essenciais à administração: o ‘ouvidor-mor’, encarregado geral dos negócios da justiça; o ‘procurador da fazenda’, encarregado das questões e interesses do fisco real; o ‘capitão-mor da costa’, com a função da defesa do vasto litoral, infestado de flibusteiros. [05]

O referido sistema perdurou somente de 1572 a 1621, momento no qual a colônia brasileira foi dividida em dois "Estados". O primeiro deles foi denominado "Estado do Brasil" e abrangia as capitanias desde o Rio Grande do Norte até São Vicente. Já, o segundo, "Estado do Maranhão", compreendia as capitanias situadas entre o Ceará e o Norte do território brasileiro. [06]

José Afonso da Silva explica que "sob o impulso de fatores e interesses econômicos, sociais e geográficos esses dois ‘Estados’ fragmentam-se e surgem novos centros autônomos subordinados a poderes político-administrativos regionais e locais efetivos" [07].

No Ciclo do Ouro surgem os "capitães-mores das minas", a "junta de arrecadação da fazenda real", as "intendências do ouro" ou "dos diamantes", as "casas de fundição", ficando reunida nos centros de mineração uma modalidade de organização diferenciada. [08]

O embrião do município brasileiro, considerando-se a forma de organização municipal - em muito distanciada da que participamos atualmente -, teve suas primeiras manifestações nas zonas de exploração agrícola. Preleciona José Afonso da Silva:

O Senado da Câmara ou Câmara Municipal constituiu-se no órgão do poder local. Era composto de vários ‘oficiais’, à imitação do sistema de Portugal. Seus membros eram eleitos dentre os ‘homens bons da terra’ que, na realidade, representavam os grandes proprietários rurais. [09]

Em síntese, era exatamente esse o cenário do Brasil antes da proclamação da Independência.

Em 1808, o imperador D. João VI chega ao Brasil, fato da História que deflagrou a fase monárquica.

Em 1815, o Brasil passa a figurar como "Reino Unido a Portugal", por determinação de D. João VI, o que faz cessar o monopólio da metrópole e, por conseguinte, o sistema colonial. Deixa no Brasil o filho, Dom Pedro de Alcântara.

Entrementes, os relatos da época registram que a extinção do controle do Brasil por parte de Portugal verificou-se apenas de forma fictícia.

Em 1822, Dom João VI exige a volta do filho para Portugal. Instado, o príncipe regente, Dom Pedro de Alcântara, negou-se a seguir tal determinação (fato esse ocorrido no dia 09 de janeiro daquele ano, conhecido como "Dia do Fico").

A vontade real de se tornar independente e, mais que isso, a de constituir um Estado, ocorreu somente com a Proclamação da Independência em 7 de setembro de 1822, sob a forma de monarquia, a qual perdurou até 15 de novembro de 1889.

José Afonso da Silva estatui que

Transferida a sede da Família Reinante para o Rio de Janeiro, era preciso instalar repartições, os tribunais e as comodidades necessárias à organização do governo; cumpria estabelecer a ordem, com a polícia, a justiça superior, os órgãos administrativos, que tinham até aí faltado à colônia. [10]

A referida forma de organização político-administrativa do governo imperial ficou adstrita somente às imediações do Rio de Janeiro, sendo certo que "pouca influência exerceu no interior do país, onde a fragmentação e diferenciação do poder real e efetivo perduravam, sedimentadas nos três séculos da vida colonial" [11], esclarece o autor acima indicado.

Assim, estabeleceram-se a nobreza brasileira e a aristocracia intelectual, na época, influenciada por ideias liberalistas que agitavam toda a Europa. Referimo-nos, é certo, às teorias do Liberalismo e ao Constitucionalismo. [12]

Preleciona o supracitado autor que

Tudo isso justifica o aparecimento do movimento constitucional, no Brasil, ainda quando D. João VI mantinha sua corte no Rio de Janeiro. Cogitou-se até de aplicar aqui, salvo as modificações que as circunstâncias locais tornassem necessárias, a própria constituição elaborada pelas cortes portuguesas, chamada Constituição do Porto. [13]

Como podemos verificar, faltava mesmo ao Brasil uma unidade nacional. Era imperativa a existência de uma organização central de caráter nacional, a fim de romper com os governículos regionais.

A conjuntura política brasileira foi propícia para que aqui se instalassem as ideias inovadoras e universais embandeiradas pela Revolução Francesa. Afinal, segundo proclamado no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, "não tem constituição a sociedade onde não é assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes."

Diversas manifestações eclodiram. De certa forma, lograram êxito os revolucionários brasileiros, pois, como afirma o José Afonso da Silva, "conseguiram-no dentro dos limites permitidos pela realidade vigente, montando, através da Constituição de 1824, um mecanismo centralizador capaz de propiciar a obtenção dos objetivos pretendidos, como provou a história do Império." [14]

Foi assim que a Carta de 25 de Março de 1824 foi imposta, ou melhor, "oferecida e jurada por sua Majestade o Imperador", conforme disposição dela constante. [15]

Da análise do artigo 1º da Constituição do Império do Brasil de 1824, podemos aferir que o Império Brasileiro era uma nação livre e independente que constituía uma associação política de todos os cidadãos brasileiros, conforme previsão do artigo 1º:

O Império do Brasil é a associação Política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma Nação livre, e independente, que não admite com qualquer outra laço algum de união ou federação, que se oponha à sua Independência. [16]

As capitanias existentes foram transformadas em províncias, sendo essa a forma de divisão do território nacional ("na forma como se acha"), conforme dispôs o artigo 2o daquela Carta Política. [17]

O governo era monárquico do tipo hereditário, constitucional e representativo, por determinação constante do artigo 3o daquele documento constitucional. [18]

Aos moldes da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, o preceito da separação dos poderes fora introjetado na Constituição do Império, contudo, na fórmula quadripartida de Benjamin Constant que, além do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, concebia o Poder Moderador.

Octaciano Nogueira revela:

Inspirados nos princípios do constitucionalismo inglês, segundo o qual é constitucional apenas aquilo que diz respeito aos poderes do Estado e aos direitos e garantias individuais, os autores do texto outorgado por Dom Pedro I transplantaram para o art. 178 o que seguramente constitui a chave do êxito e da duração da Carta Imperial. [19]

Com efeito, o indigitado artigo 178 da Constituição do Império estabelecia que:

É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem formalidades referidas, pelas legislaturas ordinárias. [20]

Tal previsão é suficiente para classificar a Constituição de 1824 como semirrígida.

Conforme preleciona José Afonso da Silva, o Poder Moderador, "considerado a chave de toda a organização política, era exercido privativamente pelo Imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente velasse sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos." [21]

É o que consta dos artigos 9º, 10º e 98 daquela Carta Política. [22]

O supracitado autor ressalta:

No aparelho político do poder central, dois órgãos concorriam para reforçar a ação do poder soberano: o Senado e o Conselho de Estado. Aquele, essencialmente conservador, funcionava como órgão de reação contra movimentos liberais da Câmara dos Deputados. O Conselho de Estado era órgão consultivo, que tinha enormes atribuições: aconselhava o Imperador nas medidas administrativas e políticas e era o supremo intérprete da Constituição. [23]

O exercício do Poder Legislativo era conferido à Assembleia-Geral, composta da Câmara dos Deputados, com a nota da eletividade e transitoriedade, e a dos Senadores, composta por membros vitalícios nomeados pelo Imperador (artigos 13, 35, 40 e 43 da Constituição do Império [24]). As eleições ocorriam na forma direta e o voto era censitário.

O Chefe do Poder Executivo era o Imperador, que o exercia com o auxílio dos ministros de Estado (artigo 102 daquela Carta Política). O Poder Judiciário era independente dos demais poderes e composto de juízes e jurados (artigo 102) [25].

A Constituição do Império carregava em seu bojo um rol de garantias individuais "que, nos seus fundamentos, permaneceu nas constituições posteriores" [26], observa José Afonso da Silva.

Octaciano Nogueira revela:

A Constituição brasileira de 1824 foi a de maior duração das sete que tivemos. Ao ser revogada pelo governo republicano, em 1889, depois de 65 anos, era a segunda Constituição escrita mais antiga do mundo, superada apenas pela dos Estados Unidos. [27]

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O autor supracitado assevera que a única alteração àquele texto constitucional foi o Ato Adicional de 1834 que "serviu tanto às monarquias de D. Pedro I e de seu filho e sucessor D. Pedro II quanto à chamada ‘experiência republicana’, representada pelo período regencial que se estende ao Sete de Abril, em 1831, à Maioridade do Imperador, em 1840." [28]

Acrescenta Octaciano Nogueira que

[...] Foi sob esse mesmo texto, emendado apenas uma vez, que se processou, sem riscos de graves rupturas, a evolução histórica de toda a Monarquia. Essa evolução inclui fatos de enorme relevância e significação tanto política quanto econômica e social. As intervenções no Prata e a Guerra do Paraguai; o fim da tarifa preferencial da Inglaterra e o início do protecionismo econômico, com a tarifa Alves Branco, de 1844; a supressão do tráfico de escravos, o início da industrialização e a própria Abolição, em 1888, são alguns desses exemplos. [29]

Nesse momento da história brasileira, houve imensa centralização monárquica, o que foi possível por meio da organização do território e dos núcleos de poder, que eram as províncias. Elas ficaram mediatamente subordinadas ao Imperador ao mesmo tempo em que eram imediatamente subordinadas a duas figuras por ele escolhidas e nomeadas: o presidente da província e o chefe de polícia. [30]

Outrossim, era o poder central que nomeava o "juiz de direito", o "juiz municipal" e o "promotor público." [31]

A "Guarda Nacional" constituiu-se pela união das milícias locais e passou a ficar subordinada ao poder central. [32]

Importante mencionar o que comenta José Afonso da Silva em nota alusiva a Oliveira Vianna:

Este poder não se limita a agir através destes órgãos locais: opulenta-se com atribuições, que lhe dão meios de influir sobre os próprios órgãos da autonomia local. Ele pode anular as eleições de vereadores municipais e juízes de paz. Ele pode reintegrar o funcionário municipal demitido pela Câmara. Ele pode suspender mesmo as resoluções das Assembléias provinciais. [33]

A despeito da imposição de subordinação ao poder central, "a realidade dos poderes locais, sedimentadas durante a colônia, ainda permanecia regurgitante sob o peso da monarquia centralizante" [34], afirma José Afonso da Silva.

José Afonso da Silva, ao analisar a difusão do liberalismo nesse momento da história brasileira, conclui:

A idéia descentralizadora como a republicana despontara desde cedo na história político-constitucional do Império. Os federalistas surgem no âmago da Constituinte de 1823, e permanecem durante todo o Império, provocando rebeliões como as Balaiadas, as Cabanadas, as Sabinadas, a República de Piratini. Tenta-se implantar, por várias vezes, a monarquia federalista do Brasil, mediante processo constitucional (1823, 1831), e chega-se a razoável descentralização com o Ato Adicional de 1834, esvaziado pela lei de interpretação de 1840. O republicanismo irrompe com a Inconfidência Mineira e com a revolução pernambucana de 1817; em 1823, reaparece na constituinte, despontando outra vez em 1831, e brilha com a República de Piratini, para ressurgir com mais ímpeto em 1870 e desenvolver-se até 1889. [35]

Em 15 de novembro de 1889, caiu um Império imensamente desgastado e vencido pela ideologia liberal, instaurando-se um governo provisório, presidido pelo Marechal Deodoro da Fonseca, como resultado do combate iniciado no dia anterior.

Cedeu, pois, lugar à República Federativa, influenciada pelo "federalismo, como princípio constitucional de estruturação do Estado" [36] e pela "democracia, como regime político que melhor assegura os direitos fundamentais." [37]

Não tardou para que o governo provisório tratasse de organizar o novo Estado que se formara, anunciando as liberdades democráticas. Octaviano Nogueira menciona que

Rui Barbosa, no cair da noite de 15 de novembro, sentou-se, de caneta em punho, defronte duma resma de papel almaço, institucionalizando os fatos da manhã. E assim, antes que voltasse ao solo toda a poeira da cavalgada de Deodoro, começou este a assinar o Decreto orgânico que instituía o Governo provisório da nova República. [38]

Presidida por Prudente de Moraes, foi eleita a Assembleia-Geral Constituinte, em 15 de setembro de 1890. Como produto de sua elaboração, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil terminou promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891.

A Constituição de 1891 foi considerada uma das mais lacônicas de todas as Constituições brasileiras. A respeito dela, Aliomar Baleeiro observa:

O título I, o mais longo, tratava da ‘Organização Federal’, estruturando a forma de governo, isto é, sob regime representativo e presidencial, a República Federativa, integrada pelas antigas Províncias erigidas em Estados e pelo Distrito Federal (...). Reservava-se logo uma zona de 14.ooo km² no planalto central para a futura capital. Não se fala em Territórios nacionais. O art. 69, dos mais discutidos do regime dessa Constituição, permitia a intervenção federal no Estados e estabelecia os princípios constitucionais que estes deveriam respeitar para não sofrerem aquela medida extrema [...] [39]

Assim, sem oferecer resistência, as províncias prontamente aderiram ao regime que nascia. Reunidas que estavam "pelo laço da federação, constituíram os Estados Unidos do Brasil, e cada um desses Estados, no exercício de sua legítima ‘soberania’ – disse o decreto – decretara oportunamente a sua constituição definitiva e elegeram seus corpos deliberantes e os seus governos (arts. 1º, 2º, e 3º)" [40], conta José Afonso da Silva. O artigo 1º da Constituição da República de 1891 trazia as mudanças sofridas pela Nação brasileira e tinha a seguinte redação:

Art. 1º – A Nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa Proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil. [41]

Importante mencionar a permanência da figura do "município neutro", o qual figurou como capital da União, conforme consta do artigo 2º da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, só que com a denominação de "distrito federal." [42]

A nova República que se erguia desfez-se do Poder Moderador, traço pernicioso de inconfundível ingerência nos demais poderes.

Adotou-se, então, o critério tripartido de Montesquieu, no qual os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário eram, sim, harmônicos e independentes entre si, conforme redação expressa do artigo 15 daquela Carta Política. [43]

Outra inovação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi a atribuição de autonomia aos Estados-Membros e ao Município, o que se pode extrair da expressão constante do artigo 68 do mesmo documento: "Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse." [44]

Fato de importantíssima relevância foi a eleição do Presidente da República pela Assembleia-Geral Constituinte. [45]

A despeito da heterogeneidade da composição da Assembleia-Geral, "era unânime a Casa em relação ao objetivo principal, a consolidação da República federativa e federal" [46], assevera Aliomar Baleeiro.

Finda sua missão, desmembrou-se em Câmara dos Deputados e Senado Federal. Passou a constar daquela Carta Política que o Poder Executivo seria exercido pelo Presidente da República, na qualidade de "chefe eletivo da nação" (artigo 41 daquela Carta Política [47]). Como substituto, no caso de impedimento, o Vice-Presidente assumiria o poder, "eleito simultaneamente com ele" (parágrafo 1o do artigo 41 do mesmo diploma legal [48]). Foi eleito o Presidente Deodoro da Fonseca e figurou como Vice-presidente Floriano Peixoto. Eram de chapas opostas.

Ocorre que o conflito de interesses passou a permear as relações de poder, já antes das eleições para a Presidência da República.

Como a recém-proclamada Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil não estava sendo seguida pelo Presidente eleito, Deodoro da Fonseca, logo a oposição pretendeu derrubá-lo pelo impeachment, providenciando sua regulamentação por meio de um projeto de lei que definisse os crimes de responsabilidade do Presidente da República. O Poder Executivo o vetou. Este veto foi submetido ao Senado e à Câmara e, em ambas as casas, foi derrubado.

Deodoro da Fonseca, para manter-se no poder, em 3 de novembro de 1891 dissolveu todo o Parlamento. Houve instantânea reação das Forças Armadas, no comando do almirante José Custódio José Mello. Deodoro da Fonseca, sob fortíssima pressão, renunciou à Presidência da República. [49]

Em seu lugar, tomou o poder o Vice-Presidente, Floriano Peixoto. Preferiu desatar os nós estabelecidos entre seu antecessor e os governadores dos estados-membros, destituindo-os, o que se deu provocando a revolta de todos. Era o começo de mais uma guerra civil. Entretanto, Floriano Peixoto manteve-se firme no poder e, apesar das intempéries, entregou o mandato somente ao novo Presidente eleito: Prudente de Moraes.

Prudente de Moraes deu suporte aos governos dos Estados-Membros e com eles passou a brindar interesses oligárquicos.

Com isso, "o sistema constitucional implantado enfraquecera o poder central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo unitário e centralizador do Império" [50], assevera José Afonso da Silva.

Campos Salles foi o responsável pela firmeza da "política dos Governadores" [51], vilipendiando os partidos políticos. José Afonso da Silva esclarece:

O poder dos governadores, por sua vez, sustenta-se no coronelismo, fenômeno em que se transmudaram a fragmentação e a disseminação do poder durante a colônia, contido no Império pelo Poder Moderador. [52]

Acrescenta o autor referido que "o coronelismo fora o poder real e efetivo, a despeito das normas constitucionais traçarem esquemas formais de organização nacional com teoria da divisão de poderes e tudo. A relação de forças dos governadores impunham o Presidente da República. Nesse jogo, os deputados e senadores dependiam da liderança dos governadores". [53]

José Afonso da Silva conclui: "tudo isso forma uma constituição material em desconsonância com o esquema normativo da Constituição então vigente e tão bem estruturada formalmente." [54]

Em 1926, foi feita uma Emenda Constitucional que fracassou na tentativa de aniquilar o regime oligárquico.

Todavia, aos poucos, as bases do coronelismo foram se tornando vazias e enfraquecidas. Era tempo de nova aliança.

Assinala Aliomar Baleeiro que a "Política do ‘café-com-leite’ era a alcunha que davam, antes de 1930, ao pacto silencioso entre Minas e São Paulo, pelo qual os dois mais populosos e fortes Estados se revezavam por seus filhos na Presidência da República que [...] esteve nas mãos de estadistas do primeiro daqueles dois Estados, isto é, nos três quatriênios seguidos de Prudente, Campos Salles e Rodrigues Alves (1895-1906)." [55]

Veio a Revolução de 1930. Getúlio Vargas toma o poder e rompe com a "política de governadores", deixando para trás a primeira República, a "República Velha".

Nesse panorama, Aliomar Baleeiro diz acreditar que a "desmoralização das eleições, sabidamente fraudulentas, ao lado da ‘política de governadores’ foi, talvez, a causa principal do malogro da 1ª República e da sua condenação pela opinião pública." [56]

Nesse momento histórico, a economia brasileira despontava em vertiginosa ascensão. Até que os efeitos da crise da Bolsa de Nova Iorque se irradiaram para o Brasil. Aliomar Baleeiro aduz que "o fenômeno alarmante e duradouro estende-se à América do Sul, inclusive ao Brasil, onde o preço do café para exportação cai à metade." [57]

Diante desse terrível cenário, Getúlio passou a se preocupar sensivelmente com a questão social. Foi o grande mentor e criador do Ministério do Trabalho.

Outro feito importante de Getúlio foi a elaboração do Código Eleitoral, oportunidade na qual baixou o decreto de 3 de fevereiro de 1932.

Convocou eleições à Assembleia Constituinte, por decreto (em 3 de maio de 1932), mais uma vez, registre-se.

Logo após, exatamente dois meses depois, eclodiu a Revolução Constitucionalista em São Paulo. Venceu Getúlio e as eleições que haviam sido convocadas restaram mantidas para o ano seguinte, sendo concluída a Constituição de 1934.

Na Constituição de 1934, foram mantidos os mesmos princípios fundamentais, quais sejam, a república, a federação, a divisão de Poderes, o presidencialismo e o regime representativo. Mas é de se considerar que inovou em vários aspectos, inclusive no aumento de poderes atribuídos à União (artigos 5º e 6o do referido documento [58]); atribuiu alguns poderes aos Estados-Membros e entregou-lhes poderes remanescentes (artigos 7º e 8o daquela Constituição [59]); também tratou de competências concorrentes entre a União e os Estados-Membros (artigo 10 da indigitada Constituição [60]).

Outra inovação ocorreu no perímetro da autonomia dos entes federativos, sendo certo que "discriminou, com mais rigor, as rendas tributárias entre União, Estados e Municípios, outorgando a estes base econômica em que assentasse a autonomia que lhes assegurava" [61], ensina José Afonso da Silva.

Destaque-se que o exercício do Poder Legislativo foi conferido à Câmara dos Deputados que contava com a "colaboração" do Senado Federal (artigos, 22 e 88 e seguintes daquela Carta Política [62]).

A Constituição de 1934 consagrou os direitos políticos das mulheres e delineou a Justiça Eleitoral, vinculando-a ao Poder Judiciário (artigos, 109, 63 "d" e 82 e seguintes desse documento legal [63]).

Além disso, comenta José Afonso da Silva que "adotou, ao lado da representação política tradicional, a representação corporativa de influência fascista." [64]

Outrossim, o indigitado autor explica:

Ao lado da clássica declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título sobre a ordem econômica e social e outros sobre a família, a educação e a cultura, com normas quase todas programáticas, sob a influência da Constituição alemã de Weimar. [65]

Por fim, insta mencionar que a Constituição de 1934 cuidou da regulamentação da segurança nacional e estabeleceu princípios sobre o funcionalismo público (artigos 159 e 172 desse diploma legal [66]).

José Afonso da Silva entende que "fora, enfim, um documento de compromisso entre o liberalismo e intervencionismo." [67]

Na época, as ideologias do mundo pós-guerra já haviam se difundido amplamente no Brasil. Tanto que os partidos políticos posicionavam-se a favor ou contra aquelas ideologias. Organizou-se o Partido Comunista, liderado por Luís Carlos Prestes. De outra banda, Plínio Salgado liderou a Ação Integralista Brasileira.

Receoso, Getúlio, que havia sido eleito pela Assembleia Constituinte, tal como ocorrera anteriormente com Deodoro da Fonseca, também reproduziu com fidelidade o gesto deste, na tentativa de restabelecer o poder central. Desse modo, toma, a uma só penada, três atitudes de extrema relevância para o futuro político da nação brasileira: dissolveu a Câmara e o Senado, revogou a Constituição de 1934 e outorgou a Carta de 1937. [68]

Getúlio prometeu a convocação de futuro plebiscito. Nunca o fez. Nascia o Estado Novo [69], período esse denominado "hiato autoritário" pelos constitucionalistas.

José Afonso da Silva, ao debruçar-se sobre o exame da Carta de 1937, explica:

Teve a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, como principais preocupações: fortalecer o Poder Executivo, a exemplo do que ocorria em quase todos os outros países, julgando-se o chefe do governo em dificuldade para combater pronta e eficientemente as agitações internas; atribuir ao Poder Executivo uma intervenção mais direta e eficaz na elaboração das leis, cabendo-lhe, em princípio, a iniciativa e, em certos casos, podendo expedir decretos-leis; reduzir o papel do parlamento nacional, em sua função legislativa, não somente quanto a sua atividade e funcionamento, mas ainda quanto à própria elaboração da lei; eliminar as causas determinantes das lutas e dissídios de partidos, reformando o processo representativo, não somente na eleição do parlamento, como principalmente em matéria de sucessão presidencial; conferir ao Estado a função de orientador e coordenador da economia nacional, declarando, entretanto, ser predominante o papel da iniciativa individual e reconhecendo o poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo; reconhecer e assegurar os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade do indivíduo, acentuando, porém, que devem ser exercidos nos limites do bem público; a nacionalização de certas atividades e fontes de riqueza, proteção ao trabalho nacional, defesa dos interesses nacionais em face do elemento alienígena. [70]

Walter Costa Porto observa uma aparente incongruência: "um aspecto que diferencia a Carta de 1937 é que, sendo a segunda Constituição outorgada do Brasil, foi, no entanto, a que mais largo espaço abriu às práticas plebiscitárias." [71]

Todavia, a Constituição (que teve como parâmetro a experiência da Polônia, que logrou sucesso ao firmar um Estado Social) dava destaque à proeminência do Poder Executivo. Basta analisar o ponto de intersecção, na visão de Walter Costa Porto, entre o artigo 2o da Constituição Polonesa de 1935 e a do Brasil de 1937, em seu artigo 73:

O Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional, e superintende a administração do País. [72]

Como é possível perceber, o que de fato ocorreu, foi a imposição da mais execrável ditadura a qual, sob o pretexto de expugar da Nação facções antidemocráticas, acabou por aniquilar direitos e garantias fundamentais.

Após a Segunda Grande Guerra, iniciou-se a redemocratização do Brasil. Foi expedida a lei constitucional n. 9 de 28 de fevereiro de 1945 cuja finalidade principal foi convocar eleições diretas para o Chefe do Executivo e membros do Congresso Nacional. Esperou-se pela convocação de uma nova Assembleia Geral Constituinte, em vão. [73]

Desse modo, emergiram poderosos grupos de opositores, dentre os quais o liderado pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, representante da Força Aérea Brasileira e o General Eurico Gaspar Dutra, ex-Ministro de Guerra do próprio Getúlio. Venceu o segundo, o qual recebeu a faixa presidencial do então Ministro do Supremo Tribunal Federal, de vez que Getúlio Vargas havia sido deposto pouco antes, em 29 de outubro daquele mesmo ano. Era o fim do "hiato autoritário".

Estabeleceu-se nova Assembleia Constituinte, marcada pela diversidade de ideologia representada pelos mais diversos partidos políticos, o que certamente ficou estampado na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. José Afonso da Silva ensina que a nova Carta Política baseou-se nas Constituições anteriores "que nem sempre estiveram conformes à história real, o que constituiu o maior erro daquela Carta magna, que nasceu de costas para o futuro, fitando saudosamente os regimes anteriores." [74]

Complementa José Afonso da Silva, argumentando:

Talvez isso explique o fato de não ter conseguido realizar-se plenamente. Mas, assim mesmo, não deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização, propiciando condições para o desenvolvimento do país durante os vinte anos em que o regeu. [75]

Desencadearam-se inúmeras crises políticas. Importa registrar que Getúlio voltou ao poder, desta vez eleito pela via democrática.

Contudo, sua política social e econômica incomodava os conservadores, desenrolando-se uma conjuntura imensamente desfavorável ao governo de Getúlio Vargas. Pressionado, se suicidou. [76]

Com isso, o poder passou para o Vice-Presidente Café Filho. Debilitado, assumiu o Presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, destituído do cargo por militares liderados pelo General Teixeira Lott.

Posteriormente, assumiu o Presidente do Senado, o senador Nereu Ramos, que passou o poder para as mãos de Juscelino Kubitschek de Oliveira. [77]

Jânio Quadros sucedeu Juscelino e renunciou após sete meses. Houve resistência ao Vice-Presidente João Goulart. Votou-se uma emenda parlamentarista, a emenda constitucional n. 4 de 2 de setembro de 1961 (Ato Adicional), retirando sensivelmente os poderes de João Goulart. Por conseguinte, foi realizado um plebiscito, cujo resultado fez imperar a vontade do povo: retornou-se ao presidencialismo. [78]

O Ato Adicional foi revogado pela Emenda Constitucional n. 6 de 23 de janeiro de 1963. João Goulart conservou-se no poder por razoável período e terminou deposto pelo golpe militar no dia primeiro de abril de 1964. [79]

Com o Ato Institucional de 1964, a ordem jurídica foi "mantida" com a especialíssima ressalva de suspensão dos direitos civis políticos. Castello Branco foi eleito e orientou-se em todo o período de seu mandato pelo indigitado Ato Institucional e outros complementares. [80] Após, seguiram-se os AI 2, 3 e 4. O último serviu para estabelecer procedimento de votação da nova Constituição pelo Congresso Nacional.

Enfim, a Constituição de 1967 foi outorgada, em 24 de janeiro de 1967; espelhou-se totalmente na Carta de 1937 e passou a produzir efeitos somente em 15 de março de 1967, momento no qual o Presidente Marechal Arthur da Costa e Silva tomou posse.

O Poder Executivo foi novamente fortalecido. Themístocles Cavalcanti analisa criticamente a situação política do Brasil na época e aduz:

[...] Adotamos uma solução em que existe uma nítida separação entre poderes. Mas destaca-se dos demais, um Executivo forte, que se organiza por si mesmo, sem interferência do Legislativo e que se enquadra em uma estrutura administrativa poderosa, sob o comando direto do Presidente da República. [81]

Themístocles Cavalcanti, Luiz Navarro de Brito e Aliomar Baleeiro, em análise à Constituição de 1967, concluem ter havido os seguintes reforços ao Poder Executivo: " a) ampliação da iniciativa; b) limites no tempo da aprovação dos projetos do governo; c) delegação legislativa; d) restrição a emenda dos projetos governamentais; e) faculdade ao Executivo de expedir decretos-leis." [82]

Adiciona o autor supracitado que:

São instrumentos que importam o fortalecimento do Poder Executivo, no comando não só da política administrativa e financeira, mas também do mecanismo parlamentar, que fica condicionado, na maioria das suas atividades, à participação do Poder Executivo. [83]

Dentro dessa análise jurídica, ainda convém mencionar que na Constituição de 1967 houve fixação, com maior precisão, dos direitos trabalhistas. Outra inovação foi a autorização de desapropriação para fins de reforma agrária, mediante o pagamento de indenização por títulos da dívida pública.

Paralelamente, manifestações estudantis fervilhavam e eram duramente reprimidas pela Ditadura Militar. Numa invasão policial, em 1968, o estudante Edson Luís de Lima Souto foi morto pela polícia, iniquidade que compôs uma triste página da nossa História. [84]

Nessa esteira de acontecimentos, Costa e Silva decreta o AI de 13 de dezembro de 1968, o quinto Ato Institucional, numa série que se iniciou com o Golpe Militar de 1964. O recrudescimento do autoritarismo foi tal, que o Congresso Nacional foi fechado e os direitos e as garantias individuais foram suspensos.

Acometido de uma enfermidade, Costa e Silva foi impedido de exercer o poder pelo AI n. 12 de 31 de agosto de 1969, o qual conferiu o poder aos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. Por meio de uma "emenda" (a Emenda Constitucional n. 1 à Constituição de 1967), trataram de outorgar nova Constituição, a de 17 de outubro de 1969, cuja vigência foi postergada para o dia 30 daquele mesmo mês.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1969 foi alterada por 26 emendas, sendo a última de 27 de novembro de 1985, a qual se manifestou, em essência, como verdadeiro ato político ao transmitir a ordem de convocação da Assembleia Nacional Constituinte. É o que ensina José Afonso da Silva:

Se convocava a Constituinte para elaborar Constituição nova que substituiria a que estava em vigor, por certo não tem a natureza de emenda constitucional, pois esta tem precisamente sentido de manter a Constituição emendada. Se visava destruir esta, não pode ser tida como emenda, mas como ato político. [85]

Tânia Regina de Luca afirma: "a luta em prol da emenda constitucional que previa o restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República (1984), por sua vez, foi acompanhada de intensa participação popular. Apesar da proposta haver sido derrotada no Congresso, o clamor das ruas foi fundamental para tornar irreversível a saída dos militares do poder". [86]

Tancredo Neves, eleito Presidente, fez nascer uma República a ser materializada por meio de uma nova Constituição. Porém, enfermo, vem a óbito, sem ver a tão almejada obra. [87] A intranquilidade voltou a reinar absoluta. Assumiu seu Vice, José Sarney, fiel a ideologias autoritárias e anacrônicas. [88]

A Constituição em construção era objeto de esmerosos debates. Esclareça-se que, na verdade, não foi convocada uma genuína Assembleia Nacional Constituinte. Na ótica de José Afonso da Silva, convocou-se, sim, um "Congresso Constituinte." [89]

No dia 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, denominada "Constituição Cidadã" porque "teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania" [90], explica José Afonso da Silva.

Caio Tácito registra que "a Constituição brasileira de 1988, fiel às tradições nacionais, reafirma, como fundamento da ordem jurídica, o princípio da legalidade, fonte de direitos e deveres e limite ao poder do Estado e à autonomia da vontade." [91] Afirma o autor que

Lei é, por excelência, ato que incumbe ao Poder Legislativo. O Parlamento, investido da representação popular, emite, no âmbito traçado pela Constituição, os comandos que estruturam a ordem jurídica. O poder de legislar é atividade precípua do Parlamento que, até mesmo etimologicamente, ‘fala’ em nome do povo. [92]

O princípio democrático ficou cravado no texto constitucional de 1988 de tal modo que, logo no preâmbulo, o constituinte anunciou:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais [...] [93]

Da mesma forma, ficou gravado no artigo 1º o "republicanismo", doutrina política que prega a honestidade cívica. No parágrafo único do mesmo dispositivo, o constituinte estabeleceu que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." [94]

No que se refere aos objetivos da República Federativa do Brasil de 1988, o constituinte estabeleceu: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º da Constituição Federal) [95].

Na persecução do objetivo de erradicar a pobreza, nossos legisladores criaram por meio da Emenda Constitucional n. 31 de 2000 o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, adicionando ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias os artigos 79 a 83. O referido Fundo foi criado para vigorar até o ano de 2010, destinando-se os recursos percebidos em ações públicas de habitação, saúde e educação, com o intuito de proporcionar a todos os brasileiros um mínimo de dignidade.

Convém salientar que o princípio adotado pela Constituição Federal de 1988, no que tange à distribuição de competências, foi o postulado da predominância de interesses, segundo o qual "à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se às matérias de predominante interesse regional e aos municípios concernem os assuntos de interesse local", [96] assevera Alexandre de Moraes.

Para José Afonso da Silva, competência é:

Faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções. [97]

Sendo assim, o constituinte estabeleceu pontos específicos de competência administrativa e legislativa, fixando para a União poderes enumerados (artigos 21 e 22 da Constituição Federal [98]); para os Estados, poderes remanescentes (artigo 25, parágrafo 1º da Constituição Federal [99]); para o Município, poderes enumerados (art. 30 da Constituição Federal [100]) e, para o Distrito Federal, a competência dos Estados e dos Municípios (artigo 32, parágrafo 1º, Constituição Federal [101]).

A Constituição Federal de 1988, pelo modo como tratou das competências dos entes federativos, seguiu as linhas do federalismo cooperativo, posto considerar competências comuns estabelecidas entre os entes federativos no artigo 23 da Magna Carta.

Outrossim, o federalismo cooperativo também pode ser percebido no perímetro da legislação concorrente em que a União fica adstrita ao estabelecimento de normas gerais, sem retirar dos Estados e do Distrito Federal a competência suplementar, bem como a competência legislativa plena diante da inexistência de legislação federal sobre normas gerais.

A Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como uma Constituição promulgada, escrita, analítica, dogmática, rígida e dirigente.

Por fim, se concebermos regime político como "um complexo estrutural de princípios e forças políticas que configuram determinada concepção de Estado e da sociedade, e que inspiram seu ordenamento jurídico" [102] - palavras de José Afonso da Silva -, podemos aferir que, após turbulentos "hiatos autoritários", o atual regime político brasileiro fundou um Estado Democrático de Direito que, apesar de todas as adversidades, vem lutando para sedimentar seus valores e princípios.

Concluímos este artigo com o ensinamento do historiador Boris Fausto:

As questões da afirmação e ampliação da democracia e do acesso dos excluídos à plena cidadania estão interligadas. O regime democrático só terá condições de se transformar em nosso país em um "valor universal" quando estiver associado a um bem estar maior dos cidadãos e à perspectiva de um futuro melhor. [103]

Sobre a autora
Lília de Castro Monteiro Loffredo

Advogada Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOFFREDO, Lília Castro Monteiro. A evolução político-constitucional no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2335, 22 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13903. Acesso em: 26 dez. 2024.

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