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Crítica à Rcl 383: as inconveniências da tese da autonomia das normas repetidas da Constituição estadual para o controle de constitucionalidade

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Agenda 26/11/2009 às 00:00

Quais as conseqüências decorrentes da adoção da tese da ociosidade ou da autonomia das normas da Constituição estadual que repetem normas da CF para o controle de constitucionalidade estadual?

1.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Com a autorização conferida pela Constituição federal de 1988 para que os Estados-membros [01] instituíssem controle objetivo de constitucionalidade de leis ou ato normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual, há possibilidade de que a mesma controvérsia sobre a constitucionalidade [02] ou inconstitucionalidade de determinada lei seja submetida ao controle dos Tribunais de Justiça locais e do Supremo Tribunal Federal.

No entanto, a possibilidade de duplo exame da mesma controvérsia constitucional só existe caso se considere relevantes (autônomas) as normas da Constituição estadual que repetem normas da Constituição federal de observância obrigatória aos Estados-membros. É que admitir a autonomia dessas normas copiadas é o mesmo que considerá-las normas da Constituição Estadual. Nesse caso, os Tribunais de Justiça locais poderiam considerar essas normas como parâmetro para decretar a (in) constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais (art. 125, parágrafo 2º, da CF). A possibilidade de duplo controle objetivo de constitucionalidade sobre a mesma matéria existiria por conta das leis estaduais e municipais [03], as quais podem ser submetidas, em processo objetivo, ao controle de constitucionalidade em ambos os tribunais.

Já a adoção da tese da ociosidade (irrelevância) das normas-cópia da Constituição estadual de normas obrigatórias da Constituição Federal aos Estados-membros implicaria retirar dos Tribunais de Justiça a competência para exercer o controle de constitucionalidade, em abstrato, das leis ou atos normativos estaduais ou municipais com parâmetros nessas normas-cópia. Nessa hipótese, caso os Tribunais de Justiça locais utilizassem essas normas-cópia como parâmetro para declarar, em abstrato, a inconstitucionalidade, haveria ofensa à competência do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, a, da CF). É que só aparentemente haveria utilização de normas da Constituição estadual como parâmetro de controle, pois, conforme afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence, na Reclamação 370, essas normas copiadas são meros textos, pois se limitam a "simples explicitação da absorção compulsória do preceito federal, essa, a norma verdadeira, que extrai a força de sua recepção pelo ordenamento local, exclusivamente, da supremacia da Constituição Federal, em que se insere". [04]

A adoção de cada uma dessas teorias acarreta problemas para o exercício do controle de constitucionalidade. Segundo Moreira Alves, a adoção da tese da ociosidade acarretaria não só a possibilidade de interferência entre instâncias, mas a inviabilidade do próprio processamento da ação direta de inconstitucionalidade estadual. Pois, nesse caso:

"Qualquer ação direta de inconstitucionalidade de ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição estadual daria margem a um julgamento preliminar do Supremo Tribunal Federal, por via de reclamação, para verificar-se a natureza das normas da Constituição estadual [...] a fim de se decidir se a ação cabível seria contra a Constituição estadual, ou se verdadeiramente contra a Constituição." [05]

A adoção da tese da autonomia, embora tenha sido consagrada pelo STF a partir da Reclamação 383 [06], também não é livre de problemas. Basta considerar a hipótese de determinado Tribunal de Justiça local adiantar-se, decretando a inconstitucionalidade, em abstrato, com parâmetro nessas normas-cópia da Constituição estadual antes de o Supremo Tribunal Federal analisar a mesma controvérsia com base na norma original da Constituição federal. No caso de decretação de inconstitucionalidade pelo Tribunal local, a análise do Supremo Tribunal Federal sobre o acerto da interpretação estaria condicionada à interposição de recurso extraordinário pelos envolvidos no processo objetivo estadual. Caso não interposto recurso extraordinário da decisão do Tribunal local, essa estaria acobertada pelo manto da coisa julgada, possibilitando aos Tribunais de Justiça dos Estados-membros darem a última palavra sobre a interpretação da Constituição federal [07].

Vê-se que a adoção da tese da autonomia ou da ociosidade das normas repetidas da Constituição estadual de normas obrigatórias da Constituição federal acarreta reflexos para o controle de constitucionalidade. A tese da autonomia acarreta atribuir aos Tribunais de Justiça o poder de controlar em abstrato a constitucionalidade das leis ou atos normativos estaduais e municipais com parâmetro em quaisquer normas da Constituição estadual, inclusive com base nas normas repetidas da CF já obrigatórias aos Estados-membros. Nesse caso, conforme estabelecido na Reclamação 383, após o controle objetivo de constitucionalidade estadual, haveria possibilidade de interposição de recurso extraordinário para que o Supremo Tribunal Federal avaliasse se a interpretação das normas repetidas da Constituição estadual pelos Tribunais de Justiça não afrontou a norma da CF copiada (art. 102, III, a, da CF) [08]. Por outro lado, caso se adote a tese da ociosidade, não seria permitido aos Tribunais de Justiça utilizar como parâmetro para o controle em abstrato de constitucionalidade as "normas" repetidas da Constituição estadual de normas obrigatórias da CF. Em caso de utilização, haveria ofensa à competência do STF de exercer com exclusividade o controle em abstrato de constitucionalidade com parâmetro na Constituição Federal, sanável com o uso da Reclamação.

Desse modo, o objetivo do presente estudo é comparar as conseqüências decorrentes da adoção da tese da ociosidade ou da autonomia das normas da Constituição estadual que repetem normas da CF para o controle de constitucionalidade estadual. Demonstrando a razão por que a tese da ociosidade é mais conveniente para a praxis do controle de constitucionalidade.


2-A TESE DA OCIOSIDADE

A tese de que as normas-cópia das Constituições estaduais de normas da Constituição federal obrigatórias no Estado-membro são ociosas, imprestáveis para servir de parâmetro ao controle de constitucionalidade estadual das leis e atos normativos estaduais e municipais, foi consagrada na Reclamação 370. Nessa oportunidade, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Reclamação para sustar o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do Mato Grosso em que se alegava ofensa de lei estadual à norma da Constituição estadual que fazia remissão às normas da Constituição federal. Considerou o STF que houve usurpação de sua competência, já que a norma da Constituição estadual, apesar de formalmente contida nessa carta, não era autônoma norma constitucional estadual, já que se limitava, segundo a tese vencedora, capitaneada por Sepúlveda Pertence, a "simples explicitação da absorção compulsória do preceito federal, essa, a norma verdadeira, que extrai a força de sua recepção pelo ordenamento local, exclusivamente, da supremacia da Constituição federal, em que se insere". [09]

O fundamento para o provimento do pedido foi a constatação de que o Tribunal de Justiça estava realizando efetivamente controle de constitucionalidade com base em norma da Constituição federal. Por conta disso, por ofensa do Tribunal de Justiça a competência exclusiva do STF de exercer o controle em abstrato de constitucionalidade de leis com parâmetro na Constituição Federal, esse Tribunal avocou o julgamento da causa.

2.1 - A CRÍTICA DE MOREIRA ALVES

Para Moreira Alves a adoção da tese da ociosidade acarretaria não só a possibilidade de interferência entre instâncias, mas a inviabilidade do próprio processamento da ação direta de inconstitucionalidade estadual, pois:

Qualquer ação direta de inconstitucionalidade de ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição estadual daria margem a um julgamento preliminar do Supremo Tribunal Federal, por via de reclamação, para verificar-se a natureza das normas da Constituição estadual [...] a fim de se decidir se a ação cabível seria contra a Constituição estadual, ou se verdadeiramente contra a Constituição. [10]

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Além disso, o Supremo Tribunal Federal não estaria limitado, no julgamento da Reclamação, à norma afirmada como ociosa da Constituição estadual, mas a quaisquer normas da Constituição Estadual. Nesse caso, com a procedência da Reclamação, "estar-se-ia reconhecendo que a lei municipal ou estadual impugnada não feriria nenhum preceito constitucional estritamente estadual, o que impossibilitaria nova arguição de inconstitucionalidade em face de qualquer desses preceitos". [11]

O Ministro ainda desfere outra crítica, tornando extreme de dúvidas a inviabilidade da adoção da tese da ociosidade para o controle constitucional estadual:

"[...] se, na conversão feita por meio da reclamação, a ação direta estadual em face da Constituição Federal fosse julgada improcedente, por não violação de qualquer preceito constitucional federal que não apenas os invocados na inicial. E como, com essa transformação, o Supremo Tribunal Federal não estaria sujeito ao exame da inconstitucionalidade da lei estadual em face dos preceitos constitucionais estaduais [...] mudar-se-ia a ‘causa petendi’ da ação: de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual para inconstitucionalidade em face da Constituição Federal." [12]

2.2 - A SOLUÇÃO PROPOSTA POR NÉRI DA SILVEIRA

Vê-se que todos os inconvenientes da adoção da tese da ociosidade apontados pelo Ministro Moreira Alves decorrem da possibilidade de uso da reclamação ainda durante o processamento da ação direta de inconstitucionalidade nos Tribunais de Justiça locais. Afinal, a possibilidade de um julgamento preliminar a cada ação direta de inconstitucionalidade estadual em que o legitimado apontasse a violação de uma norma ociosa da Constituição estadual acarretaria não só a inviabilidade ao controle de constitucionalidade estadual, mas também as outras conseqüências apontadas por Moreira Alves, quais sejam: (1) a impossibilidade de novo controle estadual da norma apontada como inconstitucional pelo legitimado, pois o STF, ao julgar procedente a Reclamação, reconheceria que a norma violada não violou nenhuma outra norma autônoma da Constituição estadual; (2) a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a usurpação de sua competência, avocar o julgamento da causa, exercendo controle de constitucionalidade em abstrato com parâmetro na Constituição Federal. O absurdo, no caso, seria admitir a possibilidade de instaurar controle de constitucionalidade em abstrato com parâmetro na Constituição Federal por um legitimado ao controle de constitucionalidade estadual. Além do que, como afirmado por Moreira Alves, isso implicaria a mudança da causa de pedir da ação: de ofensa à Constituição estadual à Constituição Federal. Apesar dos muitos inconvenientes levantados, pode-se reduzi-los a um só, pois todos os demais decorrem da possibilidade de uso da Reclamação ainda durante o processamento da ação direta estadual.

É contra esse inconveniente, que inviabiliza a tese da ociosidade, a proposta de Néri da Silveira. O Ministro considera que a Reclamação contra o uso, pelos Tribunais de Justiça, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, de normas ociosas só poderia ocorrer ao término da ação. Só nesse momento ocorreria ofensa ao Supremo Tribunal Federal, quando efetivamente fosse utilizada norma da Constituição Federal como parâmetro para o controle de constitucionalidade estadual.

Na Reclamação 425 [13], em que se pugnou pelo trancamento de processo objetivo estadual em que o legitimado apontara como violada norma copiada da Constituição estadual de norma da CF obrigatória aos Estados-membros, o Ministro Néri da Silveira julgou o pedido improcedente. Embora vencido no julgamento, o Ministro considerou que, como a ação direta de inconstitucionalidade ainda tramitava no Tribunal de Justiça Local, a ofensa à competência do Supremo Tribunal Federal só poderia ocorrer ao término da ação, apenas quando o Tribunal local efetivamente utilizasse a norma-cópia da Constituição estadual de norma já obrigatória aos Estados-membros da Constituição Federal para decretar em abstrato a inconstitucionalidade. [14]

De fato, parece ter razão o Ministro Néri da Silveira. A tese de que a competência no controle de constitucionalidade é fixada pela causa de pedir é insustentável, tendo em vista o caráter objetivo do processo de controle abstrato de normas. Se a representação do legitimado ao controle de constitucionalidade não alega a existência de direitos, próprios ou alheios [15], sendo apenas um simples impulso externo [16] ao controle abstrato de constitucionalidade, é porque a vontade do legitimado, no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade seja pronunciada com parâmetro no dispositivo apontado na inicial, não vincula os Tribunais de Justiça, que verificarão a adequação da norma infraconstitucional afirmada como violada em relação a quaisquer normas da Constituição estadual.

Desse modo, apenas ao término da ação direta de inconstitucionalidade estadual poderá ocorrer ofensa à competência do Supremo Tribunal Federal de exercer, com exclusividade, o controle de constitucionalidade em abstrato com parâmetro na Constituição federal. Se o legitimado ao controle de constitucionalidade estadual aponta a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal com parâmetro em norma-cópia da Constituição Estadual de norma já obrigatória da Constituição Federal – ou até mesmo com fundamento na própria norma da Constituição Federal –, isso não implica usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, já que o Tribunal de Justiça estadual poderá aferir a constitucionalidade da norma impugnada com parâmetro em normas autônomas (originais ou imitadas) da Constituição Estadual [17]. A mera possibilidade de afronta à competência do Supremo Tribunal Federal não é suficiente para o uso da reclamação, que requer a existência de um ato que se ponha contra a competência do Supremo Tribunal Federal. Daí ter afirmado Néri da Silveira que: "[...]Disso resulta que não cabe interceptar, previamente, o julgamento do Tribunal de Justiça, afirmando que não há fundamento a declarar a invalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal impugnado, se a ação é fundada em ofensa à Constituição estadual [18].


3- A TESE DA AUTONOMIA

A tese da autonomia foi consagrada a partir do julgamento da Reclamação 383 [19], em que o Supremo Tribunal Federal julgou-a improcedente, determinando que o Tribunal de Justiça de São Paulo prosseguisse com o processo abstrato de controle de constitucionalidade, cujo objeto era Lei Municipal que estabelecia alíquotas progressivas para o Imposto Territorial Urbano.

Embora, nesse caso, o legitimado apontasse como parâmetro para o controle de constitucionalidade estadual norma autônoma da Constituição de São Paulo (artigo 111), que estabelece os postulados de finalidade e de interesse público, com a justificativa de que teria ocorrido desvio de finalidade na fixação de alíquotas do IPTU, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o desvio de finalidade só poderia ser analisado com parâmetro em normas da Constituição Federal que estabelecem as possibilidades de progressão do IPTU (artigo 156, inciso I e parágrafo 2º, artigo 182, da CF).

Vê-se que, no caso apontado como paradigma à consagração da tese da autonomia, a causa de pedir utilizada pelo legitimado, para instaurar o controle abstrato de constitucionalidade estadual, não foi ofensa à norma constitucional estadual que repetia norma da Constituição Federal obrigatória aos Estados-membros, e sim norma autônoma da Constituição Estadual – princípios da finalidade e do interesse público, os quais não estão inseridos como princípios da Administração Pública dispostos na Constituição Federal, artigo 37, caput, da CF.

No entanto, o fundamento determinante para o julgamento da Reclamação 383 [20] – a ratio decidendi subjacente ao julgado [21] –, permite a conclusão de que a competência dos Tribunais de Justiça, no controle abstrato de constitucionalidade, estende-se às normas-cópia da Constituição Estadual de normas obrigatórias da Constituição Federal. Pois foi estabelecido, nessa oportunidade, como fundamento da decisão, que os Tribunais de Justiça podem exercer o controle de constitucionalidade com parâmetro em quaisquer normas da Constituição estadual, o que inclui, por obviedade, os princípios originais da Constituição estadual que só podem ser concretizados a partir das normas obrigatórias estabelecidas na Constituição Federal – o caso efetivamente julgado na Reclamação 383.

3.1- CRÍTICA À TESE DA AUTONOMIA

O Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, sempre admitiu a utilização do recurso extraordinário contra decisões dos Tribunais de Justiça locais provenientes de controle abstrato de constitucionalidade. Isso ocorria porque várias Constituições estaduais previam a possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade pelos Tribunais locais, sem que houvesse previsão na Constituição federal de 1967 para esse controle [22]. O Supremo Tribunal Federal, sempre que provocado a resolver a questão, provia os recursos extraordinários, com o fundamento de que o controle abstrato de constitucionalidade é excepcional, e que só poderia ser exercido caso houvesse autorização expressa da Constituição Federal [23]. Nesses casos julgava, por conseqüência, o legitimado ao controle de constitucionalidade estadual carecedor de ação [24], o que determinava a extinção do julgamento no Tribunal local sem julgamento de mérito ou a cassação do acórdão recorrido, a depender, respectivamente, do trâmite do processo objetivo no Tribunal local.

Vê-se que o Supremo Tribunal Federal, antes da Constituição de 1988, não exercia novo controle em abstrato de constitucionalidade após cassar o acórdão estadual. A impossibilidade de o STF exercer novo controle abstrato de constitucionalidade no próprio Recurso Extraordinário interposto não advinha dos limites do recurso, já que, desde 1964, consta o enunciado de súmula n. 456, aprovado pelo STF, no sentido de que "O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie", e sim da incompetência do Supremo Tribunal Federal para exercer o controle abstrato de constitucionalidade, em abstrato, das leis municipais.

A partir da Constituição de 1988 – com a atribuição conferida pela Constituição Federal para que os Estados-membros controlem em abstrato a constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais com base na Constituição estadual –, o STF, ao apreciar o Recurso Extraordinário, em caso de discordar da interpretação dada pelos Tribunais de Justiça à Constituição federal, acabará exercendo novo controle abstrato de constitucionalidade, aplicando o direito à espécie.

Se não há empecilho, pelo menos no que se refere à competência, para que o Supremo Tribunal Federal exerça o controle abstrato de constitucionalidade com base em leis estaduais, o mesmo não ocorre com as leis municipais. Embora tenha sido atribuída ao Supremo Tribunal Federal a competência para exercer o controle, em abstrato, das leis municipais (artigo 9882/99, artigo 1, inciso I), a melhor doutrina considera que, nesse caso, o Supremo Tribunal Federal está limitado a aferir a compatibilidade das leis municipais em face das normas da Constituição Federal com conteúdo de preceito fundamental [25]. A impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal exercer o controle abstrato de constitucionalidade, em sede de recurso extraordinário, no qual se impugna a interpretação de lei municipal por tribunal local, decorre da omissão da própria Constituição Federal, que não atribuiu a quem quer que seja a competência de exercer o controle de constitucionalidade, em abstrato, das leis municipais com parâmetro em normas da Constituição Federal.

Mesmo o reexame da interpretação dada pelos Tribunais de Justiça às leis estaduais, em processo objetivo, é controverso. Alega Regina Neri [26] que a possibilidade de o STF instaurar novo processo objetivo, por meio de recurso extraordinário, geraria a ocorrência de fraude aos legitimados da ação direta de inconstitucionalidade da Constituição federal, pois seria atribuído ao Supremo Tribunal Federal o poder de iniciar processo objetivo de controle de constitucionalidade com a provocação de legitimado restrito a provocar o controle em abstrato da Constituição estadual. [27]

3.2 - A TESE DA AUTONOMIA E O USO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA INTERPTRETAÇÃO EQUIVOCADA DA CF NA ADI ESTADUAL

A adoção da tese da autonomia das normas da Constituição estadual que são cópias de normas da Constituição Federal obrigatórias aos Estados-membros impossibilita o uso da reclamação ao Supremo Tribunal Federal contra a interpretação dos Tribunais de Justiça que utilizarem essas normas-cópia como parâmetro para o controle em abstrato de constitucionalidade. Ao atribuir a essas normas a condição de autênticas normas constitucionais estaduais, a única possibilidade de o Supremo Tribunal Federal alterar o julgamento local seria com a interposição de recurso extraordinário. Caso em que, cassando o acórdão local, exerceria novo controle abstrato de constitucionalidade, agora com base na Constituição federal, dado ser a "causa de pedir aberta" no recurso extraordinário. [28]

Não bastassem os problemas apontados no tópico anterior quanto à possibilidade de o Supremo Tribunal Federal exercer o controle de constitucionalidade em abstrato das leis municipais e à possível fraude aos legitimados a instaurar o controle de constitucionalidade federal, é discutível inclusive a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal "conhecer de" recursos extraordinários interpostos com o objetivo de rediscutir a interpretação dada pelos Tribunais de Justiça em processo objetivo estadual.

A possibilidade de interposição de recurso extraordinário contra acórdãos dos Tribunais de Justiça locais que utilizassem as normas repetidas da Constituição estadual de normas obrigatórias da Constituição Federal como parâmetro para o controle de constitucionalidade em abstrato ocorreria, segundo o professor Leoncy [29], para que o Supremo Tribunal Federal avaliasse a correção da interpretação conferida aos Tribunais de Justiça a essas normas. Nesse caso, contudo, ou o não conhecimento do recurso extraordinário ocorreria pelo fato de a ofensa ser meramente reflexa, pois o Tribunal de Justiça teria analisado, no acórdão do controle abstrato de constitucionalidade, embora com o mesmo conteúdo de norma da Constituição Federal, norma autônoma da Constituição estadual, ou, como alerta o professor, o não conhecimento ocorreria por ausência de prequestionamento, por ausência de referência expressa a dispositivo da Constituição Federal na decisão impugnada. [30]

Vê-se que, por meio de recurso extraordinário, seria impossível rediscutir a interpretação dos Tribunais de Justiça dada às normas-cópia da Constituição estadual de normas obrigatórias da Constituição Federal de observância obrigatória. O que acarretaria tornar os Tribunais de Justiça os intérpretes máximos da Constituição Federal. Tudo a depender da conveniência do Constituinte estadual de copiar as normas da Constituição Federal de observância obrigatória.

3.3 - ALTERNATIVA AO PROBLEMA DA REDISCUSSÃO DA INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA DA CF NA ADI ESTADUAL

Caso se adote a tese da ociosidade, a provocação do Supremo Tribunal Federal ocorreria por meio de Reclamação, e não por meio de recurso extraordinário.

A vantagem de usar a Reclamação, no caso, é que o uso desse remédio não está condicionado ao pré - questionamento, pois tem, segundo a doutrina majoritária, a natureza jurídica de ação [31].

Além disso, haveria maior prazo para cassar acórdão local que tivesse dado, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, interpretação equivocada à norma da Constituição Federal. Enquanto, com adoção da tese da autonomia, haveria 15 dias após a publicação do acórdão recorrido (artigo 26, da lei 8038/90) para a interposição de recurso extraordinário; com a adoção da tese da ociosidade, a ação de reclamação poderia ser exercida a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado da ação direta estadual [32].

Não se trata, contudo, de superar o enunciado 734 da súmula do STF, que veda a utilização da reclamação após o trânsito em julgado. A possibilidade de reclamar-se ao STF, mesmo após o trânsito em julgado do acórdão estadual que utilizou norma ociosa como parâmetro para o controle em abstrato de constitucionalidade, existe pela impossibilidade de utilizar ação rescisória contra acórdão proveniente de controle abstrato de constitucionalidade, como reconhece o STF [33]. Como a razão do enunciado 734 é impedir que a reclamação rescisória seja utilizada como sucedâneo de ação rescisória [34], é inteiramente aplicável ao caso.

Embora o Supremo Tribunal Federal relute em aceitar a diferença em todos os termos entre a reclamação e o instituto que lhe deu origem, a correição parcial – esse sim com a possibilidade de ser utilizado como sucedâneo recursal [35] e com a característica de ser subsidiário [36], a norma que se extrai do enunciado de súmula referido já é o suficiente para permitir o uso da reclamação, única e exclusivamente nesse caso, após o trânsito em julgado. Esse entendimento, sem dúvida, conferiria maior efetividade à reclamação e à própria Constituição Federal, já que o desrespeito às suas normas poderia ser sanado a qualquer tempo.

Há ainda outra vantagem no uso da reclamação contra a utilização pelos Tribunais de Justiça de normas ociosas da Constituição estadual: o aumento do número de legitimados aptos a questionar decisão afrontosa dos Tribunais locais à competência do Supremo Tribunal. Enquanto a legitimidade de interposição do recurso extraordinário para atacar a interpretação dada pelo Tribunal local à norma-cópia de observância obrigatória da Constituição Federal está restrita aos envolvidos no processo objetivo de controle de constitucionalidade estadual, a possibilidade de uso da reclamação estaria franqueada a todos os interessados que se julgassem prejudicados com o controle de constitucionalidade, em abstrato, exercido pelos Tribunais de Justiça com fundamento em norma ociosa da Constituição estadual [37]. Embora seja discutível a possibilidade de atribuir legitimidade a todos os cidadãos para o uso da reclamação, pelo menos ao Ministério Público, no uso de sua atribuição de defensor da ordem jurídica e dos interesses sociais (artigo 127, da CF), não se poderia negar a legitimidade de reclamar ao Supremo Tribunal Federal no caso referido.

O argumento de que afrontaria o "princípio" da segurança jurídica eternizar a possibilidade de questionamento à interpretação conferida pelos Tribunais de Justiça às normas da Constituição federal é rebatível. Esse problema é facilmente solucionado com atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal, pela lei 9868/99, artigo 27, para que module os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Se o STF já admite modelar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade em processos subjetivos, desde que em casos extraordinários [38], quem dirá no caso referido, em que sua decisão trará reflexos a processo objetivo de constitucionalidade.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, João Paulo Rodrigues. Crítica à Rcl 383: as inconveniências da tese da autonomia das normas repetidas da Constituição estadual para o controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2339, 26 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13912. Acesso em: 27 dez. 2024.

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