Neste momento, estarei criticando mais uma vez a cultura de que leis criminais mais severas são as panacéias para todos os problemas que geram a violência no Brasil.
Ao contrário de buscarmos soluções sérias para a caótica situação brasileira, optamos por oferecer ao povo brasileiro o circo, caracterizado pelas prisões realizadas em operações policiais que violentam a dignidade da pessoa humana e insistimos em andar na contramão da história do Direito Criminal.
Logo que foi criada a Lei n. 11.829, de 25.11.2008, publiquei artigo intitulado "A liberdade sexual do adolescente e a Lei n. 11.829/2008", ocasião em que fiz duras críticas à incoerência resultante da violação ao princípio da racionalidade, da razoabilidade ou da proibição de excesso. [01]
A edição da Lei n. 12.015, de 7.8.2009, me levou a estudar o assunto, postando um pequeno ensaio sobre ela, intitulado "Breves Comentários à Lei n. 12.015, de 7.8.2009 ". [02] Tal texto servirá de base para a análise de hoje. Também, será enfocado o assunto constante de outro artigo da minha autoria, até porque este é decorrente daquele, fruto da exigência de alguns colegas que exigiram a abordagem acerca da violação ao princípio da proporcionalidade. [03]
Devo aqui chamar a atenção para algo que gosto de dizer. Nós juristas temos o hábito de hipervalorizar a vaidade acadêmica. Afirmamos que as normas emergem de princípios. Estes seriam, portanto, de onde a lei provém, a origem da lei. Ocorre que são tantos os princípios que um único artigo de lei passa a ter vários, como é o caso do art. 1º do Código Penal, em que falamos em legalidade, reserva legal, irretroatividade, anterioridade etc. O pior é que, às vezes, damos nomes diferentes ao mesmo princípio, surgindo a vaidade acadêmica que busca imprimir sentidos diversos a ele, apenas porque alterada a denominação doutrinária. O princípio da proporcionalidade, por exemplo, também é denominado de princípio da razoabilidade, princípio da racionalidade e de princípio da proibição de excesso.
Eu não poderia deixar de citar a ponderada análise de Guilherme de Souza Nucci. Ele publicou um pequeno livro sobre a matéria. [04] Não se preocupem em procurar conhecer o título do livro porque o seu conteúdo já foi inserido no seu Manual de Direito Penal [05].
Feita a contextualização inicial, passo a dizer quais serão os pontos principais da nossa abordagem:
- processo legislativo – aqui explicarei a motivação da Lei n. 12.015/2009 e a falta de especialização jurídico-criminal do legislador, o que gera imbróglios quase insuperáveis na legislação pátria;
- estudo de cada um dos crimes dos Capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do Código Penal – a análise será sucinta, tendo em vista o tempo, até porque sábado à tarde não é momento para palestras longas e cansativas;
- análise do capítulo IV do Título VI da Parte Especial do Código Penal – enfocarei a significativa alteração que afetou os crimes hediondos em geral e a iniciativa da ação criminal;
- alterações havidas nos Cap. V e VI do Título VI da Parte Especial do Código Penal – o enfoque será crítico, visando a demonstrar o que há de novo nesses dois capítulos;
- Cap. VII do Título VI da Parte Especial do Código Penal – aqui serão feitas críticas, positivas – ressalte-se -, a esse novo capítulo do Código Penal e algumas considerações finais.
Sobre o processo legislativo, devo esclarecer que a provocação da nova lei decorreu da triste constatação de que há grande prostituição no país envolvendo crianças e adolescentes. A lei representa mais uma equivocada tentativa de resolver o problema da criminalidade por meio do rigor legislativo como se essa fosse uma solução efetiva para os graves problemas que enfrentamos.
Em 2003, foi instaurada Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), mediante requerimento da Deputada Federal Maria do Rosário (PT-RS), a qual foi designada relatora da CPMI, que teve como Presidente a Senadora Patrícia Saboya Gomes (PPS-CE). [06] O relatório da comissão resultou em um livro de 63 páginas, [07] dando notoriedade à "heroína do Ceará", a ex-mulher do notável político Ciro Gomes.
Um parlamentar que esteve magistrado por alguns anos, Flávio Dino, eleito no Estado do Maranhão, foi designado para consolidar várias emendas ao Projeto de Lei n. 253, de 13.9.2004, decorrente da CPMI presidida pela Senadora Patrícia Saboya. Ocorre que o Deputado Federal Flávio Dino não é especializado em matéria criminal. [08] Daí a Lei n. 12.015/2009, publicada no Diário Oficial da União, Seção 1, de 10.8.2009, merecer críticas negativas.
É necessário lembrar que no período em que o Brasil era colônia de Portugal, vigoraram leis portuguesas entre nós (as denominadas Ordenações do Reino), sendo que a declaração da independência levou à publicação do Código Criminal do Império, em 1830. Depois sobreveio a Proclamação da República, surgindo uma nova lei criminal, agora denominada Código Penal. Porém, emergiram várias leis criminais esparsas que deram ensejo a uma consolidação, em 1932. Esta cedeu lugar ao Código Penal de 1940, o qual previa pena de 3 a 8 anos para o estupro e de 2 a 8 anos para o atentado violento ao pudor.
Quase ingressando na última década do século 20, a então Deputada Federal Rita Camata concluiu uma CPI que resultou na Lei n. 8.069, de 13.7.1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Este estatuto criou parágrafo único para cada um dos artigos que se referem aos crimes mencionados (arts. 213 e 214 do CP). Os agentes de tais crimes passaram a estarem sujeitos às penas de 3 a 10 anos, isso se a vítima fosse menor de 14 anos. [09] A lei ainda estava em vacatio legis quando foi publicada a lei hedinda (Lei n. 8.072, de 25.7.1990). [10] Esta não revogou os mencionados parágrafos únicos e estabeleceu penas de 6 a 10 anos para os caput’s do art. 213 e 214 do CP, o que criou grande embate doutrinário. Estuprar mediante grave ameaça uma prostituta de 50 anos de idade geraria pena mínima de 6 anos e estuprar uma menina de 12 anos de idade, virgem, levaria à pena mínima de 4 anos.
Embora a Lei n. 8.930, de 6.9.1994, tenha alterado a lei hedionda, a revogação dos mencionados dispositivos, parágrafo único de cada artigo, só se deu por meio da Lei n. 9.281, de 4.6.1996. Outras leis alteraram a lei hedionda, mas a solução do problema da hediondez do estupro só adveio mesmo com a Lei n. 12.015/2009.
Devo chamar a atenção para a Lei n. 11.106, de 28.3.2005, que fez significativa alteração do mesmo título da Parte Especial do CP que ora analiso. Boadyr Veloso (ex-Prefeito da Cidade de Goiás) inspirou aquela lei e foi indiciado pela CPMI presidida pela Senadora Patrícia Saboya. Embora Boady Veloso tenha sido morto a tiros no dia 28.5.2008, inspirou a lei de 2009.
Analisando os crimes dos Capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do Código Penal, devo esclarecer que a Lei n. 11.106/2005 revogou o Capítulo III do Título VI do CP. Hoje, em face da Lei n. 12.015/2009, não se fala mais "crimes contras os costumes", passando a dispor: "TÍTULO VI: DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL".
O conceito de dignidade é amplo, não afastando valores decorrentes dos costumes. Ademais, a lei será apenas um indício da ocorrência de crime, tendo em vista que a ela deve ser acrescentado um elemento normativo, que é a adequação social. Aqui devo dizer que, ao contrário do que afirma Guilherme de Souza Nucci, [11] não houve grande avanço na modificação do título, até porque os crimes em tela tem forte conotação social.
Sou Procurador Federal junto à Fundação Universidade de Brasília (FUB). Atuo como Professor Voluntário perante a UnB, onde vejo a propagação da idéia de que o Direito pode ser achado na rua. Em sentido contrário, produzi artigo afirmando que o fatualismo constitui reducionismo grosseiro da experiência jurídica. [12] Com isso, não nego a existência de normas jurídicas não escritas, mas Direito é ciência e assim deve ser tratado. Ele não é direito de prostitutas, de ébrios, de presos etc. As ciências sociais aplicadas se dirigem a todas as pessoas, não apenas às elites. Também, não se pode falar em Direito descomplicado ou simplificado, visto que a ciência é complexa. Ela é encontrada na academia, por meio de profundos estudos que levam em consideração complexos sistemas. No nosso caso tais sistemas decorrem da praxis social.
A fragmentariedade do conhecimento científico nos leva a buscar subsídios em outras ciências. Isso não transforma cada uma dessas ciências em jurídicas, devendo haver apenas uma comunicação entre os diversos subsistemas da sociedade complexa, a fim de evitar que o Direito constitua ciência estéril e inaplicável. Porém, é necessário ter o cuidado de observar os limites da ciência jurídico-criminal.
A breve análise dos Cap. I-III do Título VI do Código Penal exige referência à redação anterior do Código Penal, até porque o novo art. 213 do CP uniu os arts. 213 e 214, constantes da redação original de 1.940, passando a dispor:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos..
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O tipo permite classificar o estupro como crime comum porque pode ser praticado por qualquer pessoa. É delito unissubjetivo porque não exige o concurso de pessoas. É, também, comissivo, visto que exige ação do sujeito ativo, nada impedindo que o crime seja perpetrado, em concurso de pessoas, mediante conduta omissiva do garante, quando será comissiva por omissão.
O estupro é crime material (ou de dano) haja vista que exige a ofensa ao objeto jurídico para se consumar, por isso, também denominado delito de dano. Pretender dizer que o crime de estupro será formal, ou seja, de consumação precipitada (antecipada), bastando a realização de conduta potencialmente capaz de ofender a liberdade sexual para que ocorra consumação, será equivocado, visto que o dissenso deverá ser demonstrado.
Não se pode exigir ato heróico da vítima. Guilherme de Souza Nucci fala de um caso em que o tribunal absolveu um homem porque a vítima pediu a ele que usasse camisinha. Por isso, o tribunal entendeu não existir o dissenso. Concordo com ele no sentido de que a decisão foi equivocada. [13]
Nelson Hungria, fala de um caso em que uma mulher se aproxima de Sancho Pança e implora por justiça, dizendo que o homem que ela trazia arrastado pela gola, a teria estuprado. Ele, em sua sabedoria, viu que o homem portava uma bolsa e que ela estava com muito dinheiro, ordenou que entregasse a bolsa para a mulher como reparação pelo dano a honra, liberando a mulher. Então, disse ao homem que fosse até a mulher e tomasse a bolsa e trouxesse até ele. Depois de algum tempo, os dois retornaram, estando o homem ferido agatanhado e sangrando, confessando que não conseguira tomar a bolsa. Sancho Pança disse para a mulher devolver-lhe a bolsa porque se ela tivesse defendido a honra como defendeu o patrimônio, nem um mal lhe teria ocorrido. [14]
Na Itália, há cerca de 10 anos, um Juiz absolveu um homem acusado do estupro de uma mulher que estava de calça jeans sem que existissem vestígios de luta corporal. A imprensa criticou duramente a decisão judicial, mas verifiquei que o homem estava desarmado e aparentemente ela era fisicamente mais forte que ele. No caso, sua decisão estava certa, uma vez que não foi demonstrado o dissenso.
Guilherme de Souza Nucci diz que se a vítima apresenta dissenso inicial, mas depois aceita o ato, estará descaracterizado o estupro. Porém, caso a vítima aceite inicialmente e depois desista, sendo forçada a continuar, diz que haverá estupro. Neste último caso, entendo que poderá incidir, em algumas hipóteses, a inexigibilidade de conduta conforme o direito, em face do comportamento da vítima.
O estupro é crime instantâneo porque se consuma no momento em que o agente reúne em sua conduta todos elementos do tipo. Manter a vítima sob o poder do agente por tempo significativo a ponto de caracterizar sequestro para fins libidinosos permitirá a aplicação das penas dos dois crimes sob a regra do art. 69 do CP. No entanto, manter a vítima em seu poder, apenas pelo tempo necessário à pratica do ato libidinoso (poucos minutos ou até algumas horas) possibilitará a pena apenas por um crime, tão-somente pelo estupro.
Só haverá estupro doloso, visto o CP não prevê a modalidade negligente. [15] Exige o dolo específico [16] violação da liberdade sexual, visto que se o dolo for a simples violação da liberdade para que a pessoa pratique ou deixe com ela praticar outra conduta, haverá constrangimento ilegal (CP, art. 146). Caso a liberdade afetada seja a de ir e vir, será sequestro ou cárcere privado (art. 148) e se for para obtenção de trabalho com redução da vítima à condição análoga à de escravo, aplicar-se-á o crime do art. 149. Finalmente, se a liberdade for atingida para alcançar vantagem patrimonial, haverá extorsão mediante sequestro (art. 159).
A conduta típica é praticar, mediante violência ou grave ameaça, conjunção carnal (ato sexual entre homem e mulher que leve à cópula vaginal) ou qualquer outro ato libidinoso. Destarte, a vítima poderá ser homem ou mulher, tendo ocorrido o deslocamento do tipo do art. 214 de outrora para o art. 213 do CP, daí a revogação expressa daquele. A inovação não é totalmente salutar.
No direito romano antigo, o estuprum era reservado às hipóteses de coito. Essa posição deveria ter sido mantida, considerando-se os outros atos libidinosos como atentado violento ao pudor. Com efeito, o CP prevê a desistência voluntária (art. 15, 1ª parte), instituto de política criminal que fica esvaziado porque se o agente praticar qualquer ato libidinoso e desistir de continuar a execução do crime, terá a mesma pena do coito.
No concurso de pessoas, adotamos a teoria do domínio do fato, pela qual a mulher que se vale de incapaz para a prática de conjunção carnal com outra mulher ou que sabendo ser o homem usuário prótese peniana, cuja ereção não dependa de desejo libidinoso, poderá mediante grave ameaça obrigá-lo à conjunção carnal, hipóteses em que ela será autora de estupro.
O estupro qualificado classifica-se, ao meu sentir, dentre os crimes qualificados pelo resultado, mas a doutrina, orientada por Nelson Hungria, tem entendido que se trata de crime preterdoloso. [17] Essa posição levava às conclusões mais absurdas no caso de pessoa que não tinha condições de ser vítima de estupro, visto que não estaria apta à conjunção carnal e havendo resultado morte preterdoloso, dever-se-ia, então entender apenas como crime de homicídio negligente, já que o estupro seria crime impossível. Dizer que o agente teria praticado ato libidinoso diverso da conjunção carnal e, portanto, deveria ser punido pelos crimes do art. 214 c/c com 223, inc. II, não era razoável porque o dolo era para o estupro e não atentado violento ao pudor.
Ante o novo texto legal, em que a pena do estupro com resultado morte foi equiparada à do homicídio qualificado, entendo que não mais existe razão para entender que o crime do art. 213, § 2º, do CP é preterdoloso. Aliás, um dos fundamentos para a interpretação anterior é que o estupro com resultado morte, na redação original do CP, tinha pena de 8 a 20 anos [18]. Assim, havendo dolo para matar a vítima do estupro, haverá crime complexo, merecendo a mesma interpretação do art. 157, § 3º, in fine, do CP (latrocínio).
O estupro qualificado pelo resultado em que o agente tenha dolo para a morte da vítima e ela resulte viva, caberá a tentativa, sendo que o crime-meio (estupro) se equivalerá à tortura, devendo a gravidade da conduta ser considerada na aplicação da pena, assim como no art. 121, § 2º, inc. III. Caso a doutrina e a jurisprudência continuem, equivocadamente, tratando o estupro qualificado como crime preterdoloso, a tentativa será impossível, uma vez que o resultado mais grave será negligente.
Caso o resultado mais grave advenha sem dolo ou negligência do agente, não se poderá vislumbrar a qualificadora, visto que o resultado que aumentará a pena deverá decorrer, no mínimo, de negligência (CP, art. 19). Imagine-se, por exemplo, que a vítima seja portadora de problema cardíaco de nascença e que a conduta agressiva do estuprar desencadeie a doença. Nessa hipótese, haverá relação de causalidade, mas o estupro será simples.
O § 1º tem erro de redação que precisa ser corrigido. Ele informa que a qualificará o crime "Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos". A parte final do parágrafo deve ser lida como "...menor de 18 anos e maior de 14 anos", isso porque o estupro de vulnerável na forma simples (art. 217-A, caput) é mais grave que a forma qualificada do art. 213, § 1º.
Os diferentes tipos de estupro são crimes hediondos, isso porque o rol do art. 1º da Lei n. 8.072/1990 faz referência aos crimes do Código Penal e legislação especial, mencionando aqueles considerados hediondos. O art. 4º da nova lei considera hediondos os crimes dos arts. 213 e 217-A perpetrados na forma simples e qualificada.
Como o art. 224 do CP foi expressamente revogado, a impossibilidade de defesa da vítima, no caso de surpresa, caracterizará o tipo do art. 215. De outro modo, o menor de 14 anos e a vítima doente mental são classificados como vulneráveis, com pena maior em razão da vulnerabilidade, o que impede a incidência do art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Destarte, com a incidência da nova lei, referido artigo foi esvaziado ocorrendo, ainda que tardiamente, revogação tácita da sua parte outrora aplicável.
Com o deslocamento do tipo do atentado violento ao pudor para o art. 213, transformando a conduta em estupro, não houve abolitio criminis. Entretanto, o art. 214 se transformou em inútil, razão da sua revogação expressa. Desse modo, passa-se imediatamente para o art. 215, o qual, por sua vez, absorveu o atentado ao pudor mediante fraude, in verbis:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Observe-se que o art. 215 absorveu a conduta do art. 216, revogado expressamente pela Lei n. 12.015/2009. Antes era crime de vítima qualificada, exigindo que fosse mulher e honesta. Com o advento da Lei n. 11.106/2005, o sujeito passivo passou a ser unicamente a mulher, não se exigindo a qualidade de ser honesta.
É crime comum de tipo de núcleo composto alternativo, assim como o art. 213 do CP. Composto porque há mais de um núcleo no tipo, mas basta a realização de qualquer deles para que o crime se realize e o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. É, também, delito unissubjetivo, ou seja, pode ser praticado por uma única pessoa.
O crime exige a violação ao objeto jurídico para sua consumação, o que o transforma em material (de dano). Outrossim, é doloso, inexistindo a modalidade negligente.
Há remessa do intérprete à analogia intra lege (dentro da lei), a qual, ao contrário de ampliar significativamente a conduta típica, a limita aos meios equiparados à fraude. A surpresa se equivale à fraude, reduzindo a capacidade de resistência, razão de ser imperiosa a mudança de postura. Com efeito, a impossibilidade de resistência da vítima era causa de presunção de violência (CP, art. 224, alínea "c"). A revogação do art. 224 e a alteração do tipo do art. 215 desautoriza interpretar a surpresa como causa de violência presumida, devendo adequar à especialidade e esta recomenda fazer a interpretação analógica prevista no art. 215 do CP.
No caso de atentado violento ao pudor decorrente de toque em parte pudenda da vítima, mediante surpresa, a pena era a mesma do estupro, o que era desproporcional, violando a regra da proibição de excesso (racionalidade ou razoabilidade).
Entender que a surpresa levará ao crime do art. 215 evitará a manutenção daquela velha cultura de que é possível aplicar a lei friamente, independentemente da sua incoerência e irracionalidade. Destarte, toda perfídia ou outro meio que impossibilite a defesa da vítima que puder ser equiparado à fraude, deve levar ao art. 215 do CP não ao art. 213.
O assédio sexual foi instituido no Código Penal pela Lei n. 10.224, de 15.5.2001, dispondo:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único.
§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
É um constrangimento ilegal especial, visto que o crime do art. 146 é comum e seu dolo é genérico, enquanto o assédio sexual é crime próprio (o sujeito ativo deve ser superior hierárquico ou ter ascendência em emprego, cargo ou função) e exige o dolo específico "intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual".
É crime formal, visto que o núcleo do tipo é "constranger", não exigindo a vantagem ou favorecimento sexual para consumação. Com isso, o simples constranger com a finalidade de obter vantagem ou favorecimento sexual é suficiente para consumar o delito.
A Lei n. 12.015/2009 acresceu o § 2º ao art. 216-A, que é uma causa de aumento de pena em razão da idade da vítima. A lei menciona o menor de 18 anos, mas deve-se entender que o crime deverá ser entendido existente somente no caso de vítima maior de 14 anos. Sendo a vítima empregada menor de 14 anos, como ocorre no mundo artístico em que crianças trabalham, ela será vulnerável, afastando a incidência do art. 216-A, devendo ser considerado crime contra vulnerável tentado ou consumado conforme o caso.
Devo esclarecer que concordo com Cezar Roberto Bitencourt, no sentido que o assédio sexual de professor(a) a(o) aluno(a) não constituirá conduta atípica, sendo que "pensar diferente, seria dar interpretação extensiva à norma penal incriminadora, inadmissível na seara penal". [19]
A lei considera vulnerável a pessoa menor de 14 anos, enferma ou por qualquer situação análoga não possa oferecer resistência. O problema é que eleva a pena quando há forte corrente doutrinária e jurisprudencial que vem considerando inadmissível estabelecer um critério puramente biológico para a presunção de inocência. De qualquer modo, é mister uma análise razoável do preceito que simplesmente eleva a pena, sem observar os avanços sociais que permeiam o assunto.
O estupro mediante violência presumida ganhou novo nomen iuris, ou seja,"estupro de vulnerável". É o crime perpetrado contra vítima que não possa oferecer resistência, em face do estado físico ou mental da vítima. Em decorrência da idade tenra, a presunção da insuficiência de discernimento ou inaptidão física é absoluta, cujo critério é puramente biológico. Assim, a pessoa menor de 14 anos de idade é presumidamente incapaz de dispor da liberdade sexual. Nesse sentido, dispõe o CP:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º Vetado,
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O tipo remete a "qualquer outra causa" que impeça à vítima a resistência. Esta causa, decorrente da analogia dentro da lei, deve ser concebida como aquela análoga à "enfermidade ou doença mental" que retire o discernimento da vítima para o ato libidinoso.
É crime comissivo, material, instantâneo, doloso, cujas modalidades qualificadas não se classificam como preterdolosas, mas como qualificadas pelo resultado (vide meus comentários ao art. 213). É crime comum, mas de vítima qualificada (enferma, incapaz etc.).
A redução da vítima a tal qualidade por meio da embriaguez alcoólica, ou qualquer outro meio, a tornará vulnerável, podendo caracterizar o delito? A resposta deverá ser negativa. Estuprar, causando lesão grave na vítima, resultará em pena de 8 a 12 anos, Porém, o estupro de vulnerável poderá resultar em pena de até 15 anos. Obviamente, haverá violação ao princípio da racionalidade, razão de entender que a hipótese de considerar a embriaguez como meio fraudulento, salvo em casos excepcionais, como o de coma alcoólico. Assim, deverá incidir o art. 215, não o art. 217.
O crime de estupro contra vulnerável é hediondo porque o art. 4º da nova lei alterou o art. 1º da Lei n. 8.072/1990, inserindo o estupro de vulnerável no inc. VI. Porém o art. 9º da lei hedionda não foi alterado. Consequentemente, não se aplica ao estupro contra vulnerável o art. 9º da Lei n. 8.072/1990.
A Mensagem n. 640, de 7.8.2009, informa as razões do veto ao § 2º do art. 217-A, in verbis:
§ 2º do art. 217-A e incisos I e II do art. 234-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, acrescidos pelo art. 3º do projeto de lei
§ 2 A pena é aumentada da metade se há concurso de quem tenha o dever de cuidado, proteção ou vigilância.
I - da quarta parte se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, tio, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador da vítima ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
Razões dos vetos
As hipóteses de aumento de pena previstas nos dispositivos que se busca acrescer ao diploma penal já figuram nas disposições gerais do Título VI. Dessa forma, o acréscimo dos novos dispositivos pouco contribuirá para a regulamentação da matéria e dará ensejo ao surgimento de controvérsias em torno da aplicabilidade do texto atualmente em vigor.
Incluiram-se no mesmo tópico as razões do veto ao § 2º do art. 217-A e incs. I e II do art. 234-A, inserido no CP por força da nova lei. Com isso, fica evidente a vontade do legislador de que as causas de aumento só incidam aos crimes dos Cap. I e II, conforme previsto no art. 226. Aos crimes dos Cap. V e VI, as causas de aumento serão específicas de cada artigo, salvo no caso que resultar gravidez da vítima, cujo aumento é aplicável a todos delitos.
O art. 226 é aplicável somente aos crimes dos Cap. I-IV do Tit. VI do CP. Essa é a vontade legislativa, tanto é que foi instituido o art. 232, a fim de declarar a incidência do art. 224 aos demais crimes do Tit. VI.
O TJSP está repleto de precedentes em que a prostituta infantil é considerada inapta para ser vítima do crime de estupro com violência presumida (em razão da idade), visto que não tem liberdade sexual a tutelar. É estranho dizer que adolescente, a partir de 12 anos é capaz de praticar ato infracional, ou seja, detém vontade válida para cometer ilícitos jurídicos e, ao mesmo tempo, estabelecer que adolescente menor de 14 anos é incapaz de ter vontade válida para praticar atos sexuais.
Imagine-se que um adolescente de 13 anos de idade, mediante violência, constranja criança de 10 anos a ato libidinoso diverso de conjunção carnal (coito anal). Ninguém duvidará que o agente terá incorrido em ato infracional porque sua vontade é válida. Todavia, caso o mesmo adolescente, logo após os fatos, durante a internação provisória decorrente do ato infracional, admita que outro adolescente infrator de 16 anos com ele pratique coito anal, será vítima de ato infracional porque sua vontade será inválida.
Menor de 18 anos pode dispor de sua vontade sexual. A adolescente pode casar, mas a violência sexual praticada contra ela qualifica o crime em razão da idade da vítima (CP, art. 213, § 1º). Quanto a isso até pode ser razoável porque a violência sexual pode deixar seqüelas psíquicas sérias, as quais serão potencialmente mais graves se a vítima não tiver maturidade para enfrentá-las.
Ocorre que, ao lado do Código Penal, o qual vem andando na contra-mão da evolução dos costumes sexuais dos brasileiros, há a péssima Lei n. 11.829/2008 (pedofilia). As pesquisas variam, mas é certo que a maioria das brasileiras deixa de ser virgem com menos de 18 anos de idade. Então, na maioria dos casos, não será crime o ato livre da adolescente, mas se o rapaz mantiver arquivada em seu computador fotografia da parceira nua, haverá grave crime de pedofilia.
Complicado é o tipo do art. 218 do Código Penal:
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Parágrafo único. Vetado.
O tipo esvazia a participação na pedofilia, que tem pena mais elevada (Lei n. 11.829/2008). O novo art. 218 não será aplicável no caso de concurso de pessoas, em que o induzimento caracterize participação em estupro de vulnerável, aplicando-se a pena segundo a culpabilidade de cada sujeito ativo (CP, art. 29, caput).
Observe-se que o crime do art. 218 admite tentativa, visto que a consumação, para a posição doutrinária que se pacificou (embora eu a entenda equivocada), dependerá da ocorrência do ato sexual, não bastando induzir (criar o animus) à satisfação da lascívia para que o delito se complete.
O núcleo do tipo é induzir, ocorrendo a precipitação (antecipação) do momento consumativo. Porém, prevalece posição em sentido contrário, manifestada por Nelson Hungria:
O crime consuma-se desde que a vítima efetivamente se preste ou seja submetida à lascívia do tertius. Não basta o emprego de meios para induzir, coagir ou fraudar a vítima a vítima: se, por um motivo qualquer, independente da vontade do agente, não vem a realizar-se a satisfação da lascívia alheia, o que pode ocorrer é a simples tentativa. [20]
Trata-se de crime material (entendo que é formal), comissivo, unissubjetivo e instantâneo. Embora comum, exige vítima qualificada. Com efeito, o crime do art. 218 deverá ser perpetrado contra menor de 14 anos, sendo mais brando que o decorrente da Lei n. 11.829/2008. Por inexistir coerência, violando a proibição de excesso, a nova lei merece análise séria e aplicação comedida.
A falta de especialização do legislador levou a prever duas penas, repetindo o tipo com sanções diversas no projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. O parágrafo único do art. 218 cedeu lugar ao art. 218-B, § 1º do CP, embora os dois dispositivos constassem do mesmo projeto de lei.
A nova lei passou a prever novos tipos e deslocou alguns de outrora, passando a dispor:
Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente
Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
O art. 218-A surgiu para dar resposta a uma velha crítica doutrinária, visto que a corrupção de menor de 14 anos pelo ato de levá-lo a assistir ato libidinoso não era crime, eis que havia lacuna no art. 218 do CP. Agora, em face do referido artigo, a conduta constitui crime formal, comissivo, instantâneo, comum e doloso. Caso o menor pratique ato libidinoso com o agente, haverá estupro contra vulnerável (art. 217-A).
Os crimes de mediação para servir à lascívia de outrem e de favorecimento à prostituição contra menor de 18 anos não mais caracterizará a forma qualificada do § 1º do art. 227 do CP.
O favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável está previsto no art. 218-B, in verbis:
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
§ 2º Incorre nas mesmas penas:
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.
§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
É crime que se consuma no momento em que a vítima é exposta à prostituição, ainda que não tenha praticado qualquer ato libidinoso. Outrossim, admite a tentativa porque a vítima pode não aceitar o convite, desistir do convite aceito etc.
Quem concorre para o crime, favorecendo-se da prostituição de pessoa maior de 14 e menor de 18 anos, bem como o responsável pelo local em que ocorrer o crime do art. 218-B respondem pelo referido crime, em face do concurso de pessoas e, para que não haja dúvida, há previsão expressa no § 2º.
Acerca das disposições comuns, devo dizer que a ação, enquanto direito autônomo e abstrato ao exercício da jurisdição ou poder de invocar a tutela jurisdicional, será iniciada pelo Estado, o qual se valerá de um representante, Membro do Ministério Público. No caso, ela será pública condicionada à representação. Com o advento da Lei n. 12.015/2009, o CP passou a dispor:
Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
A regra geral é que os crimes sejam de iniciativa pública incondicionada, mas o CP condicionou a iniciativa dos crimes do Cap. I à representação. Esta é uma condição de procedibilidade (condição para que se proceda), uma manifestação de vontade que deve atender às formalidades mínimas do art. 39 do Código de Processo Penal. Todavia, no tocante ao crime contra vulnerável ou menor de 18 anos, a iniciativa será pública incondicionada.
Paulo Queiroz se posiciona no sentido de que o estupro qualificado será de ação de iniciativa pública incondicionada. No entanto, refuto a sua posição dizendo que a literalidade do art. 225, caput, não lhe socorre. Aliás, a ADI n. 4.301/2009 evidencia que a posição do Ministério Público é a mesma que tenho. Somente se houver declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto do art. 225, caput, será possível considerar o estupro qualificado como de ação de iniciativa pública incondicionada. [21]
A redação do art. 226 do CP decorre da alteração inserida pela Lei n. 11.106/2005. Dispõe o CP:
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada:
I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;
Devo dizer que a causa de aumento incide na terceira fase da dosimetria da pena (CP, art. 68, caput), enquanto a qualificadora, por criar novos limites (mínimo e máximo), estará presente no primeiro momento da dosimetria da pena, ou seja, na fase de fixação da pena base. Tal perspectiva é fundamental, visto que gera efeitos práticos.
O crime do art. 217-A na forma simples terá pena base de 8 a 15 anos, enquanto a forma qualificada do § 3º terá pena de 10 a 20 anos. Fixadas as penas bases dos crimes e analisadas as circunstâncias legais (agravantes e atenuantes genéricas), na terceira fase, sobre a pena de cada um deles poderá incidir a causa de aumento de pena decorrente do concurso de pessoas, isso na terceira fase.
A jurisprudência entende que nas hipóteses em que a aplicação do art. 9º da Lei n. 8.072/1990 gerar pena única, serão inconstitucionais. Esse é o caso dos arts. 157, § 3º, in fine (latrocínio), art. 158, § 2º (extorsão com resultado morte) e art. 157, § 3º do CP (extorsão mediante sequestro com resultado morte), cuja pena mínima somada de metade, conforme previsão do art. 9º da Lei n. 8.072/1990, totalizará o máximo permitido pelo mesmo artigo (30 anos).
A inconstitucionalidade do artigo, além das razões que expus alhures, [22] relativas à individualização da pena, envolve a racionalidade (razoabilidade ou proporcionalidade), visto que o genocídio (crime que ofende mais profundamente os valores fundamentais) não está sujeito ao rigor do art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Este não teve sua redação alterada pela nova lei, mas está tacitamente revogado.
As qualificadoras relativas aos crimes praticados contra maiores de 18 anos só se justificarão se presentes os resultados dos §§ 1º e 2º do art. 213. Obviamente, o inconstitucional art. 9º da Lei n. 8.072/1990 não se aplica ao crime de estupro, haja vista que entendimento contrário levará ao bis in idem, pois o art. 224 do CP foi dissolvido nos arts. 213 e 217-A, gerando pena mais grave no caso de vítima menor de 14 anos.
Acerca dos Cap. V e VI do Título VI da Parte Especial do CP, devo dizer que a aparente lacuna por não ter tratado do Cap. III do mesmo título se deu porque este foi revogado pela Lei n. 11.106/2005. Esta alterou o título do Cap. V. Agora ele foi novamente modificando, passando a dispor o CP: "CAPÍTULO V: DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL".
Já disse que os arts. 214, 216, 223 e 224 do CP foram revogados pela Lei n. 12.015/2009. De outro modo, a Lei n. 11.106/2005 já tinha se encarregado de revogar os arts. 217, 219, 220, 221 e 222 do codex.
O § 1º do art. 228 do CP não tinha mais razão de ser, uma vez que a conduta foi deslocada para o Cap. II. Desse modo, a Lei n. 12.015/2009 deu nova redação ao dispositivo, passando a dispor o CP:
Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 2º - Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
Os §§ 2º e 3º foram mantidos sem alteração, sendo que se deve destacar que a prostituição é ato pessoal, não podendo constituir crime. Todavia, participar da prostituição alheia é conduta anti-social e pode ser reprimida.
A casa de prostituição, largamente existente no território nacional, continua sendo considerada ilícita, mas o tipo foi modificado, passando a estabelecer:
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
Prova de que o art. 226 só é aplicável aos crimes dos Cap. I e II está no próprio sistema legislativo. O art. 230 foi alterado, mas para alterar a qualificadora decorrência da idade da vítima, in verbis:
Rufianismo
Art. 230. ............................................................................................................................
§ 1º Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2º Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.
Os art. 231 e 231-A, o primeiro foi substancialmente modificado pela Lei n. 11.106/2005 e o segundo criado por esta, foram objetos de nova modificação legislativa, sendo mais um exemplo de que o art. 226 não se estende aos crimes dos Cap. V e VI do Tít. VI do CP. Observe-se:
Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual
Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2º A pena é aumentada da metade se:
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Análise anterior permitiu vislumbrar o acréscimo dos arts. 217-A, 218-A e 218-B ao Cap. II. No entanto, foi inserido o ""CAPÍTULO VII: DISPOSIÇÕES GERAIS" e foram criados novos artigos para referido título, in verbis:
Aumento de pena
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:
I – (VETADO);
II – (VETADO);
III - de metade, se do crime resultar gravidez; e
IV - de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador."
Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.
Art. 234-C. (VETADO).
Imagine-se que o agente padrasto da vítima menor de 14 anos e a engravide. Nesse caso, duas causas de aumento concorrerão para o mesmo caso, hipótese em que o Juiz poderá aplicar as duas causas ou optar por uma delas (CP, art. 68, parágrafo único).
O veto ao art. 234-C é plenamente justificável, eis que a Mensagem n. 640 de 7.8.2009, expõe:
Art. 234-C do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, acrescido pelo art. 3º do projeto de lei
Art. 234-C. Para os fins deste Título, ocorre exploração sexual sempre que alguém é vítima dos crimes nele tipificados.
Razões do veto
Ao prever que ocorrerá exploração sexual sempre que alguém for vítima dos crimes contra os costumes, o dispositivo confunde os conceitos de ‘violência sexual’ e de ‘exploração sexual’, uma vez que pode haver violência sem a exploração. Diante disso, o dispositivo estabelece modalidade de punição que se aplica independentemente de verificada a efetiva prática de atos de exploração sexual.
Espero ter deixado claro que devemos modificar a cultura instalada no sentido de que a intervenção criminal máxima é a solução para os problemas criminais. Cancio Meliá afirma que a Espanha ingressou neste punitivismo, exemplificando com a pena do tráfico, cuja pena foi elevada (de 1 a 4 anos) para o mínimo de 3 e o máximo de 9 anos de prisão. [23] Aqui a pena do tráfico já era maior e aumentamos um pouco mais (Lei n. 11.343/2006, art. 33). O mesmo se deu relação aos crimes contra a dignidade social.
O crime decorre de muitas causas e as soluções devem ser mais sérias. A Alemanha, por exemplo, tem um programa de prevenção criminal que se concretiza nos três primeiros anos de vida da pessoa, por meio da educação familiar. É em outras áreas que se deve buscar a solução, não por meio da incriminação de novas condutas ou elevação das penas já cominadas.