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Colher, armazenar e ou transportar pinhão, crime ou fato atípico?

1- INTRODUÇÃO

É comum nas regiões de serra, com destaque para as Serras da Mantiqueira e do Mar, uma semente conhecida como pinhão, proveniente do fruto chamado pinha, originário da árvore denominada pinheiro brasileiro, pinheiro do Paraná, que tem como nome científico Araucaria angustifolia [01]. Essa semente é muito conhecida e apreciada pelo seu bom paladar, tendo importante valor nutricional, e também pelo seu valor econômico, já que é um complemento salarial para os moradores das regiões serranas, locais esses propícios ao desenvolvimento dessa árvore. O pinhão apresenta uma grande incidência em vários locais, inclusive na região do Vale do Paraíba, especialmente em Campos do Jordão e Cunha, além também de várias cidades do sul de Minas Gerais. Ele é uma semente proveniente da pinha que se origina do pinheiro (Araucaria angustifolia) assim consideradas várias espécies de Pinaceaes e Araucariaceaes, que são gimnospérmicas (cuja semente não se encerra num fruto). O pinhão se forma dentro de uma pinha, sendo que cada pinha pode conter aproximadamente entre 80(ointenta) e 120 (cento e vinte) sementes (pinhões). Após seu amadurecimento, a partir do mês de abril, as pinhas começam a cair, momento em que os moradores e donos de propriedades que possuam essa árvore passam a colher a semente que se desprende do fruto que cai e se abre, espalhando-a pelo chão.

Sabe-se da necessidade da preservação dessa árvore, pois suas sementes são fonte de alimento para vários animais silvestres. E como toda e qualquer árvore nativa deve ser preservada e somente cortada com a devida autorização.

Neste trabalho, pretende-se apresentar uma panorâmica da legislação e regulamentos protetivos correlatos, delineando seu devido alcance criminal de acordo com o Princípio da Legalidade, especialmente tendo em conta a natureza do objeto material "pinhão".


2 – A LEGISLAÇÃO E REGULAMENTOS PROTETIVOS

Há em nosso ordenamento jurídico a Portaria Normativa DC-20 de 27/09/76, do já extinto IBDF, que tem 4 artigos. Veja-se:

Art. 1º - Fica terminantemente proibido o abate de pinheiros adultos (Araucaria angustifolia), portadores de pinhas na época da queda de sementes, ou seja, nos meses de abril, maio e junho.

Art. 2º - Fica igualmente proibida a colheita de pinhão por derrubada de pinhas imaturas, antes do dia 15 de abril, data em que tem início o desprendimento das sementes.

Art. 3º - Fixar a data de 15 de abril para o início da colheita, transporte e comercialização do pinhão, quer para uso em sementeiras, quer para uso como alimento.

Art. 4º - A presente Portaria Normativa entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Dessa maneira verifica-se ser essa a única regulamentação que discorre sobre a colheita, armazenamento e/ou transporte do pinhão. Tal regramento não traz nenhuma sanção penal, tendo portanto o cunho administrativo, ou seja, qualquer providência com relação ao descumprimento da data fixada trará uma sanção administrativa, desde que prevista em outro diploma legal que discorra sobre o assunto.

Com o advento da Lei dos Crimes Ambientais, Lei 9.605/98, que teve a função de compilar as várias legislações esparsas existentes em nosso ordenamento jurídico, não se encontra dispositivo apto a coibir ou a regular as condutas já descritas com o pinhão. Mas verifica-se que existe a aplicação por parte dos Órgãos Policiais, Ministério Público e Poder Judiciário do artigo 46 da aludida Lei, para as condutas citadas com o pinhão:

Art. 46 - Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até o final beneficiamento:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único - Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.

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Passa-se agora à análise do referido artigo.

Constata-se que em seu caput, vem descrito receber ou adquirir para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença ou municir-se dessa até o final beneficiamento. Da mesma maneira verifica-se o descrito no parágrafo único, incorre na mesma pena quem vende, expõe a venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viajem ou armazenamento.

O tipo legal traz alguns dos produtos especificados que necessitam de licença e apresenta em seguida a expressão "outros produtos" de uma forma genérica onde poderá ser enquadrada qualquer coisa que seja considerada produto. Com isso o legislador possibilita ao intérprete e aplicador da lei uma operação de "interpretação analógica", que difere da simples "analogia", proscrita em sede de Direito Penal ao menos quando "in malam partem". Portanto faz parte das elementares do tipo o termo produto. Note-se que como já foi descrito no breve histórico o pinhão é uma semente, oriunda de um fruto que vem da árvore pinheiro (Araucaria angustifolia).

Faz-se mister, portanto a busca do sentido jurídico do termo produto a fim de delimitar devidamente o alcance to tipo penal de acordo com o Princípio da Legalidade Estrita, conferindo-lhe um sentido semântico seguro e determinado.

A seara ambiental é extremamente propícia à interdisciplinariedade, espraiando-se sobremaneira por vários ramos do Direito, tais como o Direivo Civil, Administrativo, Penal, Tributário etc., isso sem falar de sua necessária aproximação e complementação por ciências naturais, tais como a Ecologia, a Etologia, a Agronomia, a Botânica, a Zoologia etc.

A definição do que seja um produto na ordem jurídica pode ser encontrada no Direito Civil. Gonçalves [02] nos ensina, que produto são as utilidades que retiramos da coisa e que diminuem sua quantidade, pois não se reproduzem periodicamente, sendo distintos dos frutos, porque esses quando colhidos não diminuem nem a substância e nem o valor da fonte, já com os produtos isso ocorre. Como produtos cita-se, por exemplo, as pedras retiradas de uma pedreira, o ouro retirado de um mina. De acordo com essa orientação, o pinhão, que conforme a ciência natural é uma semente agrupada dentro de um fruto (a pinha), identifica-se com a definição civilista de fruto, pois que frutos são utilidades que periodicamente a coisa produz, nascem e renascem da coisa e não lhe acarretam a destruição no todo ou em parte, como os frutos de uma árvore, leite, a cria de um animal.

Ainda faz parte das elementares do tipo o termo licença válida, configurando a infração o fato de não tê-la ou exibi-la para todo tempo. Neste ponto cabe esclarecer que a INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA Nº 112, DE 21 DE AGOSTO DE 2006 assim regula o tema:

Considerando a necessidade de aperfeiçoar e informatizar os procedimentos relativos ao controle da exploração, comercialização, exportação e uso dos produtos e subprodutos florestais nativos em todo território nacional, resolve:

CAPÍTULO I

DO DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL - DOF

Art. 1° O Documento de Origem Florestal - DOF, instituído pela Portaria/MMA/ n° 253, de 18 de agosto de 2006 constitui-se licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo, contendo as informações sobre a procedência desses produtos e subprodutos, gerado pelo sistema eletrônico denominado Sistema DOF, na forma do Anexo I desta Instrução Normativa.

Parágrafo único: O controle do DOF dar-se-á por meio do Sistema DOF disponibilizado no endereço eletrônico do Ibama, na Rede Mundial de Computadores - Internet.

- Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa entende-se por:

I - produto florestal: aquele que se encontra no seu estado bruto ou in natura, na forma abaixo:

a) - madeira em toras;

b) - toretes;

c) - postes não imunizados;

d) - escoramentos;

e) - palanques roliços;

f) - dormentes nas fases de extração/fornecimento;

g) - estacas e moirões;

h) - achas e lascas;

i) - pranchões desdobrados com motosserra;

j) - bloco ou filé, tora em formato poligonal, obtida a partir da retirada de costaneiras;

k) - lenha;

l) - palmito;

m) - xaxim; e

n) - óleos essenciais.

Parágrafo único. Considera-se, ainda, produto florestal, referido neste artigo, as plantas ornamentais, medicinais e aromáticas, mudas, raízes, bulbos, cipós e folhas de origem nativa ou plantada das espécies constantes da lista oficial de flora brasileira ameaçada de extinção e dos anexos da CITES, para efeito de transporte com DOF.

II - subproduto florestal: aquele que passou por processo de beneficiamento na forma relacionada:

a) - madeira serrada sob qualquer forma, laminada e faqueada;

b)- resíduos da indústria madeireira (aparas, costaneiras, cavacos e demais restos de beneficiamento e de industrialização de madeira) quando destinados para fabricação de carvão;

c) - dormentes e postes na fase de saída da indústria;

d) - carvão de resíduos da indústria madeireira;

e) - carvão vegetal nativo empacotado, na fase posterior à exploração e produção.

f) - xaxim e seus artefatos na fase de saída da indústria.

Dessa maneira verifica-se que foram discriminados num rol taxativo os produtos e subprodutos que exigem a devida autorização (licença) e não existe a obrigatoriedade da licença válida para colher, armazenar ou transportar pinhão. Dessa maneira não constituem crimes as condutas elencadas no tipo penal quando envolverem o pinhão em razão de sua absoluta atipicidade e não proibição ou sequer regulamentação legal mais pormenorizada.

Assim se forem tais condutas tratadas como crime, estar – se – á fulminando o Princípio da Legalidade. Segundo Greco [03], o Estado de Direito e o Princípio da Legalidade estão intimamente ligados, pois o Estado de Direito foi criado com a intenção de retirar das mãos do soberano o poder absoluto, subordinando a todos, inclusive as autoridades constituídas. Vale transcrever a lição de Lênio Luiz streck e José Luis Bolzan de Morais [04]:

O Estado de Direito surge desde logo como o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submete a um regime de direito, quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumental regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como os indivíduos – cidadãos – têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado.

Também no mesmo diapasão é o ensinamento de Paulo Bonavides [05]:

O Princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranqüilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal.

Greco ainda divide o princípio da legalidade em quatro funções fundamentais, sendo elas [06]:

a)Proibir a retroatividade da Lei penal ("nullum crimen nulla poena sine lege praevia");

b)Proibir a criação de crimes e penas pelos costumes ("nullum crimen nulla poena sine lege scripta");

c)Proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas ("nullum crimen nulla poena sine lege stricta");

d)Proibir incriminações vagas e indeterminadas ("nullum crimen nulla poena sine lege certa").

Torna-se comezinho que dentro desse quadro de um Estado Democrático Constitucional não se poderia admitir a incriminação de uma conduta que não encontra previsão certa e induvidosa na legislação penal. A tipificação das condutas envolvendo o pinhão como crimes tipificados no artigo 46 da Lei Ambiental fere claramente o "Princípio da Legalidade Estrita" porque confere uma interpretação ampliativa da norma penal, a qual não encontra sustentação na dicção legal, que deve ser restritivamente interpretada.


3 – CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi a resposta à indagação quanto à tipicidade penal ou não da conduta de colher, armanzenar ou transportar pinhão. Iniciou-se perquirindo, de acordo com a ciência natural, a natureza do pinhão e da pinha. Nesse percurso apurou-se que se trata a pinha de um fruto que contém as sementes do pinhão. No seguimento, em nova incursão pela interdisciplinariedade do tema, buscou-se a definição de produtos na seara do Direito Civil, eis que o tipo penal apresenta exemplos de produtos e finaliza com a expressão genérica "outros produtos". Como o pinhão não está diretamente elencado no rol exemplificativo, restava verificar se poderia ser enquadrado na referida expressão genérica. A resposta foi negativa, pois que o conteúdo jurídico da palavra produto não coincide com a natureza do pinhão e da pinha, que são frutos e sementes, os quais são excluídos da definição de produto. Finalmente em outra pesquisa interdisciplinar analisou-se a possibilidade de infração ao tipo penal pela falta de licença válida para as condutas elencadas na infração penal. A tipicidade já estaria afastada, mesmo havendo a necessidade de tal licença para o pinhão, vez que já estabelecido não se tratar de produto e nem estar arrolado diretamente no tipo criminal. No entanto, restaria a possibilidade de eventual infração administrativa, o que se verificou não ocorrer também, considerando que a norma regulamentar respectiva não faz menção ao pinhão, à pinha, a frutos ou sementes, mas tão somente a produtos e subprodutos florestais, cujo conceito certamente não abrange os objetos de estudo deste trabalho, além do que são arrolados taxativamente na norma respectiva sem qualquer menção direta à pinha ou ao pinhão. Resta apenas infração à Portaria Normativa DC-20 de 27/09/76, do já extinto IBDF, que proibe a exploração do pinhão em determinadas épocas. No entanto, tal diploma legal carece de uma regulamentação quanto a eventual sanção administrativa imponível quando de sua desobediência.

De acordo com o acima relatado conclui-se que colher, armazenar ou transportar pinhão fora da época permitida não é uma infração penal prevista pelo artigo 46 da lei 9.605/98, tratando-se de um falto atípico. Configura-se meramente uma infração administrativa prevista na Portaria Normativa DC-20 de 27/09/76, do já extinto IBDF, que deverá ter previsão legal de penalidade respectiva em algum diploma próprio, considerando que tal normativa regulamentar não é dotada de sanção.


4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARUCARIA ANGUSTIFOLIA. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Araucaria_angustifolia, acesso em 26 de agosto de 2009.

BONVIDES, Paulo. Ciência Política. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. Volume 1. 9. ed. Niterói: Impetus, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro Parte Geral. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.


NOTAS

  1. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Araucaria_angustifolia, acesso em 26 de agosto de 2009.
  2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro Parte Geral. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 263 - 264.
  3. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. Volume 1. 9. ed. Niterói: Impetus, 2007, p. 93.
  4. Apud, GRECO, Rogério. Op. Cit.,, p. 93.
  5. Apud. GRECO, Rogério. Op. Cit.,, p. 93.
  6. Op. Cit., p. 96.
Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Nilson Manoel da Silva

Segundo-Sargento da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo. Bacharelando em Direito na Unisal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos; SILVA, Nilson Manoel. Colher, armazenar e ou transportar pinhão, crime ou fato atípico?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2351, 8 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13980. Acesso em: 23 dez. 2024.

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