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O cabimento da sentença parcial de mérito após a Lei nº 11.232/05

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Agenda 28/12/2009 às 00:00

4 SENTENÇAS PARCIAIS E DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS DE MÉRITO

Passadas as considerações sobre os atos do juiz, analisa-se neste capítulo algumas peculiaridades sobre dois destes atos, quais sejam a sentença e a decisão interlocutória.

4.1 Breves Considerações

Quanto à sentença, mostrar-se-á que, mesmo com a redação antiga do parágrafo 1° do artigo 162 do Código de Processo Civil antes da alteração introduzida pela Lei 11.232/05, a sentença, em alguns casos, não era o ato pelo qual o juiz punha termo ao processo, tendo este conceito legal recebido muitas críticas por parte da doutrina, como será demonstrado mais adiante.

Já em relação à decisão interlocutória, será abordada apenas a tutela antecipada, onde se demonstrará que, após a adição, pela Lei 10.444/02, do parágrafo 6° ao artigo 273 da Lei Instrumental Civil, abriu-se uma nova possibilidade de concessão de tutela que independe de prova inequívoca e de verossimilhança, ou do abuso do direito de defesa do réu, sem que esteja condicionada à possibilidade de sua reversão. A tutela antecipada, prevista no mencionado parágrafo 6°, será concedida quando um dos pedidos, ou parcela deles, se mostrar incontroverso, por meio de cognição exauriente. [87]

Por fim, discorrer-se-á sobre a possibilidade de operar coisa julgada nessas decisões interlocutórias de mérito, abordando o entendimento de que esta decisão seria, na verdade, uma sentença parcial. [88] Em relação à coisa julgada, examinar-se-ão os argumentos sobre a possibilidade de produzi-la [89], bem como a impossibilidade [90], e, ainda, sobre o entendimento de que deveria produzir-se coisa julgada, mas não produz por uma questão de política legislativa. [91]

4.2 Sentenças parciais

O conceito de sentença, anterior à Lei 11.232/05, foi objeto de diversas críticas por parte da doutrina, eis que a sentença era definida como o ato pelo qual o juiz punha termo ao processo. Entretanto, a relação processual podia ser alongada com a impugnação da sentença mediante recurso, levando a matéria para o segundo grau de jurisdição para que este se posicionasse pela ratificação do ato judicial ou pela sua reforma. [92]

Barbosa Moreira, ao analisar a antiga definição de sentença, salienta que o conceito de sentença não era baseado de acordo com o seu conteúdo, mas tão somente de acordo com a posição do artigo no Livro I, que trata do processo de conhecimento, olvidando-se dos demais livros sobre os procedimentos especiais, do processo de execução e do processo cautelar. Desta forma, o doutrinador conclui que seria mais exato "dizer que a extinção do processo de conhecimento se dava com o trânsito em julgado da sentença. [93]

Ainda nesta esteira, Fux atestava que o que se encerrava com a sentença era o procedimento de primeiro grau, pois os recursos faziam da decisão apenas uma "possibilidade de sentença". [94]

Assim, é possível perceber que, tecnicamente, o processo não terminava com a prolação da sentença, mas tão somente encerrava a fase de primeiro grau. O que encerrava o processo, na verdade, era o esgotamento das vias impugnativas e o advento da coisa julgada formal. [95]

Ademais, a própria lei se contradizia ao prever em seu artigo 915 o procedimento especial de prestação de contas. Tal procedimento é composto por duas fases, sendo a primeira a de verificar se existe ou não o direito de exigir a prestação de contas afirmado pelo demandante; e a segunda que só se instaura se ficar acertada a existência da obrigação do demandado de prestar contas, destinando-se à verificação destas e do saldo eventualmente existente em favor de qualquer dos sujeitos da relação jurídica de direito material. [96] Assim, são proferidas sentenças sucessivas que não acarretam o termo do processo. Como bem salienta Alexandre Câmara:

É certo que o Código de Processo Civil, em seu artigo 915, §§ 1° e 2°, denomina tal provimento de sentença. Não é menos certo, porém, que este provimento não põe termo ao ofício de julgar do magistrado (ou, para usar a linguagem do Código, não põe termo ao processo). Assim, à luz da definição de sentença contida no artigo 162, § 1°, do CPC, não se poderia considerar este ato como sentença.

(...)

O exame do mérito da causa, neste feito, foi dividido em duas fases, correspondendo, a cada uma delas, uma fase do procedimento. Assim, sendo, o pronunciamento judicial que encerra a primeira fase contém a decisão da primeira questão de mérito e funciona como chave de abertura da segunda fase do procedimento. Tem-se, pois, uma cisão do julgamento do mérito.

(...)

O que se tem, repita-se, é uma cisão do julgamento do mérito, o que nos leva a considerar que, em verdade, o que se tem na hipótese é provimento que deve ser considerado como ‘sentença parcial’. [97]

Para Ovídio Baptista, a fase destinada a declarar se o autor tem o direito de exigir contas é objeto de uma sentença incidental de mérito, de natureza declaratório-condenatória. [98] Assim, o mérito é fracionado para ser tratado por meio de duas sentenças condenatórias. [99] O processualista atenta para o fato de que, ainda que sejam sucessivas as sentenças, as fases da ação de prestação de contas não podem ser consideradas como ações autônomas, pois como define o doutrinador:

A circunstância de ser condição para que se inicie o procedimento da segunda fase, a ocorrência do trânsito em julgado da sentença proferida a respeito da questão prévia, não permite afirmar que a fase preliminar – destinada a decidir se o demandado está ou não obrigado a prestar contas – seja uma ação autônoma. Se ela o fosse, certamente não seria uma ação de prestação de contas, mas apenas uma ação de pura declaração sobre o dever de prestá-las. [100]

Outrossim, o artigo 285-A, acrescentado pela Lei 11.277/06, mitigou mais ainda o conceito de sentença como ato que encerra o processo. Este artigo prevê o julgamento antecipado nas demandas de massa, quando a matéria se tratar exclusivamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência. Assim, tal hipótese de julgamento superantecipado da lide [101] também excepciona o princípio da inalterabilidade da sentença previsto no artigo 463 da lei de ritos [102], haja vista ser prevista, no parágrafo 1° do artigo 285-A, a faculdade do juiz, em caso de apelação, de não manter sentença e determinar o prosseguimento da ação nos casos do caput do mesmo dispositivo.

Por fim, no direito alemão, Luiz Rodrigues Wambier, aponta, ao estudar a liquidação de sentença, uma sentença similar à parcial de mérito ora comentada, definindo-a como uma "sentença interlocutória", haja vista o procedimento de liquidação se dividir em dois momentos, determinando-se, no primeiro, o fundamento do pedido e, no segundo, fixando-se o seu aspecto quantitativo. O jurista, ao discorrer sobre o código alemão com base na doutrina de Leo Rosenberg, assim discorreu:

... o provimento definitivo só acontecerá depois que já se tiver fixado o quantum da obrigação.

(...)

O que pode ocorrer, com base no permissivo legal constante do § 340 da ZPO, é que o procedimento se desdobre em dois momentos consecutivos, um relativo à determinação do fundamento do pedido e outro concernente à fixação do seu aspecto quantitativo. Segundo esse dispositivo, sempre que a ação contenha discussão quanto ao fundamento e o valor do pedido, o juiz poderá se pronunciar primeiramente a respeito do fundamento.

Nessa hipótese, há uma primeira decisão, que se pode denominar sentença incidental, ou sentença interlocutória, e que se torna definitiva quanto ao fundamento do pedido.

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Regra geral, tais sentenças interlocutórias se limitam a resolver questões incidentais de natureza processual, de modo que, no dizer de Leo Rosenberg, preparam e facilitam a sentença definitiva. Nesses casos do § 304, todavia, as sentenças interlocutórias como que assumem características diferenciadas e especiais, pois efetivamente decidem o fundamento do pedido. [103]

Tal definição de sentença interlocutória também encontra guarida na doutrina italiana de Alfredo Rocco, defendendo o processualista que "quando o magistrado decide um único ponto do mérito, que está maduro para decisão, tem-se uma sentença interlocutória de mérito; esta sentença no direito comum se chamava interlocutiones vim definitivam habentes". [104]

4.3 Decisões interlocutórias de mérito

As chamadas decisões interlocutórias de mérito são proferidas por meio de tutela antecipada concedida quando um ou mais pedidos cumulados, ou parcela deles, se mostrar incontroverso, conforme disciplinado no parágrafo 6° do artigo 273 do Código de Processo Civil.

Esta modalidade de antecipação de tutela foi acrescentada pela Lei 10.444/02 com fundamentos na doutrina de Marinoni. O processualista já apontava a necessidade de uma tutela antecipada fundada na incontrovérsia parcial da demanda, além das que eram fundadas na situação de urgência (antecipação assecuratória), com base no inciso I do artigo 273, e no abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (antecipação punitiva), com base no inciso II do referido dispositivo. [105]

Com efeito, segundo o jurista paranaense, não haveria razão para prolongar a efetivação da parte incontroversa do direito até o fim da instrução da parte controversa, visto que, sendo assim, haveria a imposição irracional do ônus do tempo processual ao autor que tem razão, agravando o dano marginal causado pelo processo. [106]

Entretanto, deve-se atentar para o fato de que não precisa haver a cumulação de pedidos para que seja concedida a tutela antecipada com base no referido dispositivo. Diversamente do que já fora defendido por Tucci [107], não só apenas a simultaneidade ou multiplicidade de pretensões daria azo à antecipação da parte incontroversa, mas também o pedido único que, por sua natureza, pode ser decomponível. [108]

Zavascki salienta que tal interpretação literal reduziria indevidamente a virtualidade do que fora pretendido pelo legislador com a reforma, sendo perfeitamente possível a concessão da tutela do parágrafo 6° do artigo 273 sobre parcela de um pedido único que seja jurídica e materialmente suscetível de divisão. [109]

A leitura do parágrafo 6°, segundo Dinamarco, deve ser de modo a garantir a sua máxima efetividade, estando coerente com "os pilares sistemáticos do processo civil de resultados" [110], pois a "existência de pedidos cumulados pelo autor é apenas uma das hipóteses em que, a teor do que está na lei, se admite parcial antecipação de tutela". [111]

Pois bem. Visto que a tutela antecipada concedida em relação à parte incontroversa da demanda pode ser deferida não somente no caso de pedidos cumulados como também no caso de pedido único, que seja em sua natureza divisível ou decomponível, resta determinar o campo de incidência desta tutela discorrendo sobre o que se entende por incontrovérsia.

Como exposto no capítulo anterior, o Estado exerce a sua função jurisdicional de dizer o direito a partir do momento em que tirou do indivíduo o poder de autotutela na defesa de seus interesses. Entretanto, como se extrai dos argumentos de Rogéria Dotti Doria, o Estado por ter chamado para si o poder decisório, deve, por isso, refletir, investigar e examinar as provas para proferir o julgamento. [112]

Desta forma, a análise dos fundamentos jurídicos deduzidos pelas partes do processo, bem como das provas que porventura vierem a ser produzidas, acarreta em uma maior duração do processo para a decisão da controvérsia posta em juízo.

Sobre o momento da instauração da controvérsia, Dinamarco, com arrimo na doutrina de Carnelutti, discorreu desta maneira:

Ponto é fundamento. Cada afirmação contida na petição inicial é um ponto. Quando um ponto das alegações de uma parte é contrariado pelo adversário, esse ponto deixa de ser pacífico, tornando-se controvertido e assim erigindo-se em questão – donde se vê que a questão é sempre gerada pela controvérsia lançada por uma das partes ao negar o que a outra afirmara. [113]

Com base nesses esclarecimentos, o doutrinador paulista conclui que quando o fato afirmado pelo autor for negado pelo réu a controvérsia gera uma questão de fato. Por outro lado, caso não haja tal negação, não haverá também questão alguma a respeito e o ponto, por ser pacífico, será presumido verdadeiro, sendo, por esta razão, incontroverso. [114]

Sob um outro giro, Teori Albino Zavascki [115], cujo entendimento foi seguido por Athos de Gusmão Carneiro [116], acrescenta que para haver incontrovérsia não basta que o réu não impugne os pontos levantados pelo autor, mas que o juiz se convença de que o alegado é verossímil, eis que o magistrado é o terceiro figurante da relação processual.

O jurista exemplifica citando o caso de não haver controvérsia sobre um determinado pedido, mas mesmo assim o juiz entender que tal pedido é manifestamente descabido. [117]

Zavascki ressalva também que o pedido pode ser incontroverso ainda que haja contestação, mas quando os fundamentos desta sejam evidentemente descabidos ou improcedentes. Tal avaliação deve ser feita pelo juiz sob o pálio de critérios estipulados no próprio ordenamento jurídico, não devendo ser consideradas como sérias, por exemplo, as contestações contra um fato notório ou que goze de presunção legal, e, podendo de igual maneira ser consideradas, quando contrárias ao entendimento dominante das decisões proferidas por tribunais superiores. [118]

Marinoni e Doria também concordam que a concessão da tutela antecipada pode ser pautada quando a incontrovérsia advier de uma ausência de ataque do réu às teses formuladas pelo autor, mas que esta não é a única hipótese.

Com efeito, Marinoni defende que se o réu se limitar a alegar um fato extintivo, modificativo ou impeditivo reconhecerá, em regra, a existência dos fatos constitutivos, não sendo a sua exceção substancial indireta capaz de gerar uma questão controvertida. [119] Tal exceção será provavelmente infundada, indicando a probabilidade do direito do autor (fumus boni iuris) e a probabilidade de insucesso do réu [120]. Para tanto, há de se considerar a contestação em seu aspecto global verificando-se se o fato foi aceito como verdadeiro, e, por isso, deve ser entendido como incontroverso.. [121]

Doria, por sua vez, lembra que o artigo 302 do Código de Processo Civil determina a manifestação precisa do réu sobre os fatos narrados na inicial, sob pena de presumirem-se verdadeiros. [122] Com base neste dispositivo é que o juiz fixa os pontos controvertidos para a posterior apreciação no julgamento, e, não havendo discussão entre as partes a respeito de um fato ou de uma parte do pedido, deve ser concedida a tutela antecipada da parte que afigura-se como incontroversa.

Estes dois últimos juristas aventam, ainda, que, assim como os casos de não impugnação precisa dos fatos alegados na inicial, o reconhecimento parcial do pedido pelo réu também ensejaria a concessão da tutela prevista no parágrafo 6° do artigo 273, haja vista não existir controvérsia quanto à parte reconhecida. [123]

Outro ponto a ser explorado, em relação ao tema, é o próprio cabimento da tutela prevista no dispositivo antes mencionado, de forma tal a tentar responder seguinte pergunta: qual foi a ratio do legislador ao acrescentar mais uma hipótese de concessão de tutela antecipada através da alteração do Código de Processo Civil pela Lei 10.444/02?

A resposta, ao contrário do que possa parecer inicialmente, é bem simples. Em poucas palavras, o objetivo foi aproximar o direito processual do direito material [124], eis aquele é o instrumento de realização da justiça tendente à pacificação dos conflitos sociais por meio da efetivação prática deste. [125] Assim, antes da aludida reforma, havia a situação absurda de o réu reconhecer ou deixar de contestar um dos pedidos ou parcela deles e o autor ser obrigado a esperar até o final da instrução de todo o processo para poder gozar de uma posição jurídica de vantagem que não era controvertida desde o começo da demanda. Como bem salientou Doria, neste caso, faltava aos processualistas a objetividade e a simplicidade dos leigos, os quais jamais perdem de vista o campo do direito material. [126]

Entretanto, as críticas não se limitam à questão prática. Dinamarco aponta que o juiz já estava autorizado a antecipar o próprio julgamento da causa, com base no inciso I do artigo 330, se a incontrovérsia abrangesse todos os fatos relevantes. [127] Ora, com mais razão poderia antecipar a parte não controvertida, pelo adágio de quem pode mais, pode menos. No primeiro caso, o processo seria encerrado com a prolação da sentença; enquanto que, no segundo, conceder-se-ia a tutela antecipada do parágrafo 6° do artigo 273, prosseguindo a instrução da parte controvertida.

Como bem salienta Marinoni, a tutela antecipada, em geral, é utilizada para melhor distribuir o tempo do processo entre autor e réu, sendo ele suportado pela parte que necessita da instrução da causa. [128] Assim, estando provados os fatos constitutivos como determina o artigo 333, cabe ao réu suportar o ônus do processo com a concessão de tutela antecipada em favor do autor. Com base nesses argumentos, conclui o processualista que, com mais razão, deve a demora do processo correr contra réu nos casos de uma parte incontroversa da demanda, pois:

... se o processo admite a cumulação de pedidos, mas não aceita a fragmentação do seu julgamento, ele está agravando a situação do autor que tem razão, uma vez que a definição do pedido que não requer mais instrução dilatória poderia ser feita de forma tempestiva apenas quando não houvesse cumulação. Em outras palavras: a cumulação de pedidos seria um atentado contra a tempestividade da tutela jurisdicional!

(...)

Portanto, e nesta linha, a tutela antecipatória do art. 273, § 6°, é o único remédio capaz de evitar que o autor seja prejudicado, além da média usual, pelo tempo de demora do processo. [129]

A discussão sobre o cabimento desta tutela importa também a abordagem sobre a cognição em que ela é deferida. Inicialmente, vale lembrar a lição de Kazuo Watanabe sobre a possibilidade de se analisar a cognição em dois planos distintos: o vertical e o horizontal. No primeiro a cognição será sumária ou exauriente, variando de acordo com a profundidade da análise da questão pelo juiz; enquanto que no segundo a cognição será plena ou parcial, dependendo de sua extensão. [130]

A cognição no plano horizontal, segundo o processualista paulista, é medida de acordo com as questões levantadas no processo. Assim, estabelecendo-se sobre todas as questões, a cognição será horizontalmente ilimitada; ao passo que, a contrario sensu, se eliminada a cognição de toda uma área de questões, será horizontalmente limitada. [131] Exemplo de cognição limitada seria as limitações das matérias de defesa na contestação do divórcio. [132]

Já no plano vertical a cognição será medida de acordo com a limitação do conhecimento do juiz. Assim, sendo a cognição superficial ela será sumária; enquanto que se não houver limitação à perquirição do juiz, a cognição será exauriente. [133] Exemplo de cognição sumária ou superficial se dá nos casos de medidas liminares e da tutela antecipada. [134]

Desta forma, de posse destes ensinamentos, Marinoni destaca que a tutela que antecipa a parte incontroversa da demanda é concedida em cognição exauriente, eis que "garante a realização plena do contraditório de forma antecipada, não permitindo a postecipação da busca da verdade e da certeza". A cognição sumária, em contra partida, realizada como regra nas demais tutelas antecipadas, é menos aprofundada em sentido vertical, não permitindo, com isso, ao magistrado declarar a existência ou a inexistência do direito. [135]

Por estas razões, defende o processualista de vanguarda que a tutela com base no parágrafo 6° do artigo 273 tem aptidão para produzir coisa julgada material, pois não faltam provas para a elucidação da matéria fática, havendo um juízo capaz de permitir a declaração da existência do direito, e não de mera probabilidade. Entretanto, não pode gerar coisa julgada por uma questão de política legislativa. [136]

Doria também entende a tutela da parte incontroversa da demanda como peculiar em relação às demais previstas no artigo 273. A autora sustenta que a tutela antecipada, que foi concebida inicialmente no processo civil pátrio, visou atender às medidas urgentes a serem tomadas por meio de uma cognição sumária fundada em juízo de probabilidade e que se limitasse a analisar a fumaça do bom direito, e não o próprio direito. [137]

Desta forma, por ser a tutela antecipada concedida, em regra, por cognição sumária, é também regra que ela possa ser revogada a qualquer tempo e não seja apta a produzir coisa julgada material, como disposto no parágrafo 4° do artigo 273.

Porém, a tutela concedida com base no parágrafo 6° é a exceção a essas regras, pois, como já visto, há a realização plena do contraditório e não é necessária a produção de mais nenhuma prova, sendo a tutela concedida com base no desaparecimento da controvérsia em uma cognição exauriente. Como bem ressalta Doria, a cognição será exauriente pois não há mais provas a serem produzidas e a lide, nesta parte, foi examinada em toda a sua profundidade. [138]

Dinamarco também defende que são dispensados o periculum in mora ou o fundado receio de dano irreparável o de difícil reparação, assim como não são proibidos os efeitos irreversíveis, pois, neste último caso, na antecipação com fundamento na incontrovérsia, a probabilidade de acerto é superlativamente grande. O doutrinador paulista, ainda que não admita a possibilidade de produção de coisa julgada [139], lembra dos casos de julgamento antecipado da lide em que não há nenhuma outra parcela do pedido para ser decidida depois, sendo, desta forma, todo o julgamento antecipado sem nenhuma preocupação com os riscos da irreversibilidade. [140]

Já Fredie Didier Jr. é enfático ao defender a possibilidade de produção de coisa julgada material, concordando com Marinoni que a tutela é concedida com base em cognição exauriente, e vai além: denomina que a antecipação da parte incontroversa como um "julgamento antecipado parcial" ou, ainda melhor (como ele mesmo diz), como "resolução parcial do mérito", ainda que ocorra por meio de uma decisão interlocutória. [141]

O processualista baiano defende que a própria natureza jurídica do instituto é de resolução parcial do mérito e não de antecipação dos efeitos da tutela, apontando que sua topografia estaria errada no artigo 273, sendo, na verdade, a sua correta alocação entre os artigos 329 e 331 que tratam do julgamento antecipado da lide. [142]

O jurista entende que tal decisão, por ser definitiva, é apta a ficar imune com a coisa julgada material, haja vista desgarrar-se da parte da demanda que resta a ser julgada, ou seja, por ser uma decisão absolutamente autônoma. Para o autor, esta foi a melhor alteração legislativa operada pela reforma operada pela Lei 10.444/02, que somente atingirá os almejados resultados se for reconhecido o erro topográfico e se o instituto for aplicado com a finalidade de fracionar a resolução do mérito. [143]

Didier Jr., desta forma, mais a frente, conclui:

Se o art. 273 prevê uma tutela antecipada atípica, genérica, inominada, bastando o preenchimento de seus requisitos, qual seria a utilidade de o legislador dizer que, quando parte do pedido é incontroversa, seria possível a antecipação de tutela? Se apenas se tratasse de uma decisão provisória, essa menção seria ociosa, pois a situação em análise enquadrar-se-ia à perfeição na hipótese de abuso do direito de defesa (inc. II) – realmente, a permanência da defesa do réu, no caso, seria manifestamente abusiva em razão da incontrovérsia. [144]

Daniel Mitidiero, por sua vez, concorda com o posicionamento do processualista baiano sobre a capacidade de operação de coisa julgada das decisões consubstanciadas no parágrafo 6° do artigo 273, mas discorda que este ato do juiz seja uma decisão interlocutória, pois a classificação das decisões judiciais se dá pela definitividade do pronunciamento judicial, de modo que se admitam as sentenças completas e sentenças parciais. [145]

Por estas razões, o processualista gaúcho aloca a tutela antecipada concedida sobre a parte incontroversa da demanda na categoria das sentenças parciais de mérito, eis que resolve da maneira fracionada o mérito da causa. [146]

Por fim, Athos de Gusmão Carneiro discorda da possibilidade da produção de coisa julgada material nos casos da tutela em comento porque, neste caso, há um provimento judicial sobre apenas uma parte do mérito, mas sem a capacidade de pôr termo ao processo. [147] Assim, o processualista argumenta:

Melhor, portanto, a nosso sentir, manter o antigo e prestigiado princípio da unidade da sentença, cujo rompimento demandaria norma induvidosa.

(...)

... entendemos que a melhor solução (...) será manter sob o caráter de antecipação propriamente dita a antecipação de tutela das parcelas ou pedidos não contestados, portanto sem a formação de coisa julgada, subsistindo a possibilidade de sua alteração ou revogação na pendência da demanda. A decisão interlocutória será confirmada, ou não, na sentença a ser prolatada após o contraditório pleno. [148]

Diante de tantas posições sobre a possibilidade de se produzir coisa julgada ou não, é imperiosa uma breve análise sobre o assunto.

Como bem leciona Liebman, a autoridade da coisa julgada não é o efeito da sentença, mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se seus efeitos, quaisquer que sejam, vários e diversos, consoante as diferentes categorias de sentenças. [149] Desta forma, a função da coisa julgada – no caso, como define o doutrinador mais adiante, da coisa julgada substancial – seria impedir todo juízo diferente que contradiga ou contraste os efeitos produzidos por uma sentença precedente. [150]

Com base nestes ensinamentos, se demonstra mais acertada a posição de Marinoni, pois, em que pese ser concedida em cognição exauriente, a tutela sobre a parte incontroversa da demanda não pode produzir coisa julgada por uma questão de política legislativa.

Como leciona Leonardo Greco [151], recebendo o apoio de Barbosa Moreira [152], o pronunciamento conclusivo da fase cognitiva do processo é elemento comum às sentenças. Por esta razão, não caberia à tutela antecipada concluir o processo, haja vista ser ela provisória, como discorrido no capítulo anterior.

Sendo assim, a tutela do parágrafo 6° do artigo 273 não só não é capaz de produzir coisa julgada, como também não se trata de um julgamento parcial como defendido por Mitidiero.

A tese de Didier Jr. sobre o erro topográfico do referido ato do juiz está correta, pois realmente tal hipótese deveria ser incluída nos casos de julgamento antecipado da lide, onde se poderia ter a coisa julgada. Mas daí concluir que, apesar do aludido erro do legislador, teria o efeito desta tutela a mesma qualidade do efeito de uma sentença vai uma distância muito grande.

Por questão de política legislativa ou de erro topográfico – não importa – a tutela acrescentada pela Lei 10.444/02 não é suscetível de imunidade pela coisa julgada. Pense-se, por exemplo, no caso de ser ela concedida e o processo, ao final, ser extinto sem resolução de mérito. Admitir-se que sobrevirá a coisa julgada da parte incontroversa nestes casos é subverter em muito o disposto no artigo 162.

Por fim, não se pode olvidar a lição de Zavascki sobre o convencimento do juiz para a concessão de tal tutela, como já mencionado antes. Sendo o magistrado um terceiro figurante da relação processual, ele não só deve ser convencido sobre a verossimilidade da parte incontroversa da demanda – como exposto claramente pelo processualista –, como também pode ser convencido do contrário posteriormente.

Sobre o autor
Rodrigo Lessa Vieira

advogado, sócio do escritório Wanderley & Lessa Advogados, formado pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, com Pós-Graduação em Direito Público pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Rodrigo Lessa. O cabimento da sentença parcial de mérito após a Lei nº 11.232/05. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2371, 28 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14092. Acesso em: 25 nov. 2024.

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