Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Os fundamentos e os limites da participação popular no gerenciamento de recursos hídricos no Brasil

Exibindo página 2 de 2
Agenda 30/12/2009 às 00:00

4. Conclusões

1. O Plano Nacional de Recursos Hídricos é o elemento caracterizador da nova mudança de paradigmas no gerenciamento hídrico no Brasil, anteriormente tratado assistematicamente e de forma irresponsável, sendo hoje abordada, por imposição legal, através de planejamento integrado, desde as Bacias, passando pelos Estados até o Plano Nacional, que deverá integrar os demais.

2. A Lei 9.433 de 8 de janeiro de 1997 consiste o marco jurídico dos recursos hídricos do Brasil, norteando todo e qualquer ato administrativo ou legislativo que venha a tratar sobre o tema. Assim, a Política Nacional de Recursos Hídricos – o conjunto sistêmico de normas regulando o setor hídrico pátrio – deverá perseguir os objetivos elencados no art. 2º do referido dispositivo legal. Os objetivos estratégicos representam a intenção do PNRH, orientando a definição de suas estratégias de ação.

3. De nada adiantaria traçar objetivos e diretrizes do PNRH se este não tivesse meios para sua realização. Os instrumentos, elencados no art. 5º da Lei 9.433/97, constituem formas de serem colocadas em prática as diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos bem como de se alcançar os objetivos.

4. A participação popular no setor hídrico brasileiro é ampla, passando desde os Comitês de Bacias até a Agência Reguladora setorial, sendo, ainda, assegurada uma gama de informações por intermédio do Sistema de Informações, suprindo uma das grandes deficiências apontadas que é a educação e a assimetria de informações entre cidadão e Poder Público.

5. As bacias hidrográficas constituem no menor centro de gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil, com competências normativas, deliberativas e consultivas, devendo existir um Comitê para cada bacia, seja ela Federal ou de âmbito Estadual. Têm como área de atuação a totalidade de uma bacia hidrográfica, sub-bacia de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário deste tributário ou grupo de bacias ou sub-bacias contíguas (art. 37).

6. As grandes críticas realizadas à intensa participação popular na gestão da coisa pública – os recursos hídricos, segundo redação legal, são bens de domínio público (art. 1º, I, Lei 9.433/97) – é o prejuízo da eficiência, quer em virtude do pouco conhecimento que a população possui, ao contrário dos técnicos estatais (visão tecnocrata), bem como em virtude do amplo processo decisório que impõe a oitiva de várias pessoas, com interesses e visões muitas vezes contrapostas, o que ocasionará acaloradas e demoradas discussões que podem prejudicar algum assunto que demande uma resposta urgente.

7. No órgão superior de administração dos recursos hídricos brasileiros, notamos uma inversão do que ocorre nos Comitês de Bacia; enquanto nestes, prevalece pessoas de fora do Poder Público, naquele, mais da metade é composto de representantes diretos do Governo Federal, sendo ainda que os dez representantes dos Conselhos Estaduais podem, também, ser provenientes dos respectivos Governos Estaduais ou Municipais, de acordo com a indicação moldada pelo art. 4º §5º do Regimento Interno do Conselho.

8. O marco regulatório dos recursos hídricos brasileiros é permeado por institutos que primam pela eficiência. Um dos fundamentos da PNRH, qual seja, a dotação de valor econômico à água impõe que o Estado adote medidas eficientes em sua administração. O mesmo se diga para o art. 2º, II, prevendo a utilização racional dos recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável. Assim, a lei 9.433/97 prevê que os recursos hídricos sejam gerenciados por planos – nacionais e estaduais – mostrando a preferência desta norma à adoção do planejamento como a forma mais racional e eficiente de gerir um determinado bem. O art. 7º da lei, que aborda especificamente o conteúdo mínimo dos Planos de Recursos Hídricos, nada mais afirma do que o fato de os recursos hídricos devem ser administrados de forma eficiente; os incisos III, IV, V, VIII, X são apenas exemplos do que fora dito.

9. Não há que se falar em uma extinção da participação popular ou mesmo da eficiência; ambos são princípios positivados na Constituição Federal e devem ser cumpridos. Cabe, tão somente, ao legislador ou ao intérprete conciliá-los em cada caso concreto, aplicando em harmonia tais normas.

10. A lei como limite à participação popular vem a ser não apenas uma resolução do conflito principiológico entre eficiência (através do tecnicismo das agências), de um lado, e participação popular, do outro, bem como vem a impedir que a vontade de alguns sobreponha-se à vontade geral (lei), de tal modo que o papel da participação popular na Administração Pública é subalterna à lei (lato sensu), fonte maior de legitimidade e de atuação do Poder Público.


REFERÊNCIAS

BAPTISTA, Patrícia Ferreira. Transformações do Direito Administrativo: Constitucionalização e Participação na Construção de uma Dogmática Administrativa Legitimadora. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Estadual do Rio de

Janeiro sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Braga Galvão. Rio de Janeiro. 2001.

BARBOSA, Francisco. (org). Ângulos da Água: Desafios da Integração. Belo Horizonte: EDITORA UFMG, 2008.

CAUBET, Christian Guy. A Água, a Lei, a Política... e o Meio Ambiente? Curitiba: Juruá, 2006.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

FIGUEIREDO, Marcelo. As Agências Reguladoras: O Estado Democrático de Direito no Brasil e sua atividade normativo. São Paulo: Malheiros, 2005

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação Judicial da Discricionariedade Administrativa no Regime Jurídico-Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

MAGALHÃES JUNIOR, Antônio Pereira. Indicadores Ambientais e Recursos Hídricos: Realidade e perspectivas para o Brasil a partir da experiência francesa. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro Paradigmas do Direito Administrativo Pós-Moderno: Legitimidade – Finalidade – Eficiência – Resultados. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

MUÑOZ, Hector Raúl. Org. Interfaces da Gestão de Recursos Hídricos: Desafios da Lei de Águas de 1997. 2 ed. Brasília: Secretaria de Recursos Hídricos, 2000.

OLIVEIRA, Celmar Corrêa. Gestão das Águas no Estado Federal. Porto Alegre: SAFE, 2006.

POMPEU, Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SILVA, Américo Luís Martins. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. Vol 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. 2 ed. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2005.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 2ª ed. São Paulo: Ed. RT, 1993.

VIEGAS, Eduardo Coral. Gestão da Água e Princípios Ambientais. Caxias do Sul: Educs, 2008.

XAVIER, Yanko Marcius de Alencar, IRUJO, Antonio Embid, SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. orgs. O Direito de Águas no Brasil e na Espanha: Um Estudo Comparado. Fortaleza: Konrad Adenauer Stiftung, 2008.

Artigos

ABERS, Rebecca, JORGE, Karina Dino. Descentralização da Gestão da Água: Por que os Comitês de Bacias estão sendo criados? In Ambiente & Sociedade. Jul-dez. Vol. III. Campinas: Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2005.

COMMETTI, Felipe Domingos, VENDRAMINI, Sylvia Maria Machado, GUERRA, Roberta Freitas. O Desenvolvimento do Direito das Águas como um Ramo Autônomo da Ciência Jurídica Brasileira. In Revista de Direito Ambiental. Vol 51. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

DAL BELLO, Érika Aletéia, VALENCIO, Norma Felicidade Lopes da Silva. Impactos da Política de Cobrança dos Recursos Hídricos sobre as Indústrias dos Municípios de São Carlos e Campinas. In MARTINS, Rodrigo Constante, VALENCIO, Norma Felicidade Lopes da Silva. Orgs. Uso e Gestão dos Recursos Hídricos no Brasil: Desafios Teóricos e Político-Institucionais. Vol. II. São Carlos: RIMA, 2003.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. A Estrutura do Estado e a Administração dos Recursos Hídricos no Brasil. In XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. et al. (coord). O Direito de Águas no Brasil e na Espanha: Um Estado Comparado. Fortaleza: Konrad Adenauer Stiftung, 2008.

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Disponível em:< http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-10-JUNHO-2007-VLADIMIR%20FRAN%C7A.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2009.

GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar, XAVIER, Yanko Marcius Alencar. A regulação do uso da água no Brasil: participação popular, subsidiariedade e equilíbrio ambiental na proteção dos direitos humanos in MENDONÇA, Fabiano André de Souza, FRANÇA, Vladimir da Rocha, XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. orgs. Regulação Econômica e Proteção dos Direitos Humanos: Um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Konrad Adenauer, 2008.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. A Substituição das Agências de Água. Disponível em:< http://midia.pgr.mpf.gov.br/4ccr/sitegtaguas/pdf/artigo_03.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2009

SIQUEIRA, Mariana. O Planejamento Hidrológico no Brasil. In Xavier, Yanko Marcius de Alencar, IRUJO, Antonio Embid, SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. O Direito de Águas no Brasil e na Espanha: Um Estudo Comparado. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer Stiftung, 2008.

XAVIER, Yanko Marcius de Alencar e LEMOS, Rafael Diogo Diógenes. Da Evolução do Serviço Público de Saneamento Básico: a Importância da Consensualidade do Novo Marco Regulatório Sanitário. Apresentação oral no XVIII Conpedi. Maringá: Julho, 2009.

Sites de internet

Http://www.mma.gov.br

http://www.ana.gov.br/pnrh/DOCUMENTOS/5Textos/6-6Transporte.pdf

http://www.cnrh.gov.br

http://www.planalto.gov.br

Sobre o autor
Rafael Diogo Diógenes Lemos

Advogado. Professor da Universidade Potiguar. Mestrando em Direito Constitucional (UFRN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Rafael Diogo Diógenes. Os fundamentos e os limites da participação popular no gerenciamento de recursos hídricos no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2373, 30 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14097. Acesso em: 24 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!