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Empréstimos compulsórios:

natureza jurídica no vigente sistema constitucional

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Agenda 01/11/2000 às 00:00

4 - PRESSUPOSTOS PARA INSTITUIÇÃO DOS EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 148, alinha critérios formais e materiais para a instituição dos empréstimos compulsórios, adstringindo-se os segundos a dois pressupostos indeclináveis que autorizam o uso da supracitada faculdade impositiva, quais sejam, despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência (inciso I), bem como investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (inciso II). Em vista disso, forçoso reconhecer a inovação trazida pela nova Lei Maior, haja vista que a anterior deixava ao arbítrio do legislador complementar a identificação dos seus pressupostos autorizativos, o que fora cumprido a teor do artigo 15, incisos I, II e III, do CTN, dos quais, conforme vimos, o item III restou não recepcionado.

É de se destacar, antes de partirmos para a análise dos pressupostos citados, um necessário esclarecimento quanto ao critério formal para a instituição de empréstimos compulsórios. A lei complementar exigida para a veiculação da espécie impositiva não se confunde com aquela prevista no art. 146, III, voltada ao estabelecimento de normas gerais em direito tributário, ou seja, a instituição de cada empréstimo compulsório pressupõe a utilização do veículo normativo caracterizado pelo quorum da maioria absoluta, não sendo lídimo albergar a tese da utilização de lei ordinária para a sua criação por conta da existência de lei complementar estabelecendo normas gerais a regrar a espécie.

Partindo para análise do tema proposto no frontispício capitular, inicialmente cabe atentar para as insistentes lucubrações doutrinárias dando-nos ciência da impropriedade de se encarar os aludidos pressupostos como hipóteses de incidência de empréstimos compulsórios, razão pela qual as despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, e os investimentos de caráter urgente e de relevante interesse nacional, não podem definir fatos jurígenos tributários da citada exação.

A teor do disposto no inciso I, do artigo 148, necessário se faz trazer à lume uma delimitação do conceito implícito contido nas expressões despesas extraordinárias e calamidade pública, haja vista a ínfima equivocidade acerca da configuração de guerra externa e sua iminência.

"Despesas extraordinárias", conforme preceitua Sacha Calmon Navarro Coêlho, são "aquelas absolutamente necessárias, após esgotados os fundos públicos inclusive o de contingência. Vale dizer, a inanição do Tesouro há de ser comprovada. E tais despesas não são quaisquer, senão as que decorrerem da premente necessidade de acudir as vítimas das calamidade públicas sérias, tais como terremotos, maremotos, incêndios e enchentes catastróficas, secas transanuais, tufões, ciclones etc. Nem basta decretar o estado de calamidade pública, cujos pressupostos são lenientes. De verdade, a hecatombe deve ser avassaladora, caso contrário se banalizaria a licença constitucional, ante "acts of God" que sempre ocorrem, sistematicamente, ao longo das estações do ano.(14)"

O conceito de "calamidade pública", para Paulo de Barros Carvalho, vai além do especificado no excerto acima destacado, uma vez que abrange outros eventos, de caráter sócio-econômico, que ponham em perigo o equilíbrio do organismo social, considerado na sua totalidade.(15)"

Do exposto, salta aos olhos a imprevisibilidade das despesas em foco, o que rendeu ensejo à ultima observação do consagrado autor mineiro, bem como a completa exauriência dos cofres estatais, cuja necessária vinculação à defesa e sobrevivência do convívio social, adstrito ao alcance do bem comum, ultima a indispensável obtenção de recursos a tornar possível a recomposição do alterado equilíbrio, daí a não subordinação do gravame previsto no dispositivo ora em análise ao princípio da anterioridade.

No que pertine à expressão investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, urge destacar inicialmente o alcance da totalidade do espaço físico estatal de tal investimento, vez que não se justificaria a criação da exação especificada para se cobrir gastos cujo emprego seriam de importância apenas para uma determinada região do território pátrio.

A urgência e a relevância abrigam-se sob critérios discricionários do legislador, cabendo ao Poder Judiciário a solução de controvérsia cujo deslinde esteja vinculado à identificação ou não da sua configuração.

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Por último, é de se salientar a subordinação da hipótese em referência ao princípio da anterioridade, inexistindo qualquer contradição nesta exigência, pois, conforme brilhante escólio de Hugo de Brito Machado, a referida imposição tributária funcionaria como uma espécie de antecipação de arrecadação(16), a qual, combinada com o seu caráter não-emergencial, justificaria a aplicação do princípio de contenção do poder de tributar acima aludido.


5 – MANIFESTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS.

À guisa de uma abordagem pragmática da matéria sub examen, é de se ressaltar o tratamento a ela expendido pelos nossos egrégios tribunais, os quais, quase que unanimemente, vêm reconhecendo a natureza jurídica tributária dos empréstimos compulsórios, adstringindo o regramento da figura impositiva ao regime jurídico dos tributos, conforme podemos inferir pelas seguintes ementas, verbis:

EMENTA:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO EM FAVOR DAS CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS. LEI Nº 4.156/62. INCOMPATIBILIDADE DO TRIBUTO COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL INTRODUZIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. INEXISTÊNCIA. ART. 34, PAR. 12, ADCT-CF/88. RECEPÇÃO E MANUTENÇÃO DO IMPOSTO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA.

Integrando o Sistema Tributário Nacional, o empréstimo compulsório disciplinado no art. 148 da Constituição Federal entrou em vigor, desde logo, com a promulgação da Constituição de 1988, e não só a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte a sua promulgação. A regra constitucional transitória inserta no art. 34, par. 12, preservou a exigibilidade do empréstimo compulsório instituído pela Lei n. 4.156/1962, como previsto no art. 1º da Lei 7.181/83. Recurso extraordinário não conhecido. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1ª TURMA, RE-146615/PE, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. MAURÍCIO CORREIA, ABR/1997)(17).

EMENTA:

EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS – AQUISIÇÃO DE VEÍCULO – LEGALIDADE E ANTERIORIDADE.

A instituição e exigência do empréstimo compulsório estão sujeitas aos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade.

O empréstimo compulsório sobre a compra de carros (Decreto-lei n. 2.288/86) é uma prestação pecuniária compulsória, com toda característica de tributo.

Recurso provido. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO ESPECIAL – NÚMERO 13822 – UF: ES – DATA: 16/10/1991 – RELATOR: MIN. GARCIA VIEIRA).

EMENTA:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. NATUREZA JURÍDICA. CONSTITUCIONALIDADE. ADCT, ART. 34, PARÁG. 12.

O empréstimo compulsório, sendo uma prestação pecuniária, de caráter compulsório, instituída por lei, sem a natureza de sanção por ato ilícito, consubstancia uma espécie de tributo, na visão conceitual do art. 3 do CTN.

Inobstante a vedação contida no art. 155, parág. 3, da Carta Magna, que afasta a incidência de qualquer tributo sobre as operações relativas à energia elétrica, o art. 34, parág. 12, do ADCT, excepcionou o princípio ao permitir a cobrança do empréstimo compulsório sobre energia elétrica em favor da eletrobrás, instituído pela Lei 4156/62, o que afasta a incidência do cânon inscrito no art. 148 da CF/88.

Apelação provida. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO – APELAÇÃO CÍVEL NUM. 0116608-3 ANO: 90 UF: MG – DECISÃO: 19/08/1992 – PUBL.: DJ 27/08/1992 PG.: 025870 – 3ª TURMA – RELATOR: JUIZ VICENTE LEAL).

EMENTA:

TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. DECRETO-LEI Nº 2288/86.

Declarada pelo Tribunal Pleno, em sessão de 05.04.90, por maioria absoluta, e na forma do art. 162, par. 2 do regimento interno, a inconstitucionalidade do art. 14, primeira parte, do Decreto-lei nº 2288/86, por infringir o art. 153, par. 29, da Emenda Constitucional nº 01/69, considera-se indevida a cobrança do referido encargo, no exercício de 1986, em vista de sua natureza tributária e, por conseguinte, em atendimento ao princípio da anualidade.

Relativamente ao exercício de 1987, o Pleno desta Egrégia Corte, em sessão de 25 de julho de 1992, por unanimidade, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 10 e parágrafo único, do referido Decreto-lei nº 2288/86.

Incabível a restituição em dobro, uma vez que a matéria em exame é disciplinada pelo Código Tributário Nacional.

Reduzida a verba honorária para 5% (cinco por cento) do valor da causa.

Remessa ex officio parcialmente provida. (TRIBUNAL REGIONAL DA 2ª REGIÃO – REMESSA EX OFFICIO NUM. 0207579-2 ANO: 91 UF: RJ – DECISÃO: 13/04/1993 – PUBL.: DJ 020/09/1993 – 2ª TURMA – RELATOR: JUIZ SILVÉRIO CABRAL).

EMENTA:

PROCESSO CIVIL, TRIBUTÁRIO, EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA, REPETIÇÃO DE INDÉBITO, UNIÃO FEDERAL, ILEGITIMIDADE PASSIVA, LEI 4156/62 E 7181/83, REGIME JURÍDICO, ADCT, ART. 34, PAR. 12 RECEPÇÃO EXPRESSA.

1 – O empréstimo compulsório sobre tarifa de energia elétrica foi instituído em favor da eletrobrás em função de plano de aplicação de recursos por ela elaborado, sem que o dinheiro passasse pelos cofres da União Federal (Parágrafo único, do artigo 1., da Lei 7181/83). União Federal afastada da lide.

2 – Embora tenha o artigo 4., par. 3, da Lei n. 4156/62 atribuído responsabilidade solidária à União Federal, nas ações de repetição de indébito é de ser reconhecida sua ilegitimidade passiva, preliminar rejeitada.

3 – Deve figurar no pólo passivo a ELETROBRÁS, pois compete-lhe a verificação das contas dos consumidores para atribuição dos títulos correspondentes (pars. 1 e 2 do art. 4, da Lei n. 4156/62).

4 – O regime jurídico do empréstimo compulsório é o tributário.

5 – O empréstimo compulsório sobre energia elétrica foi expressamente recepcionado pelo par. 12, do art. 34 do ADCT até sua extinção (1993), vigência sujeita a termo final.

6 – Remessa oficial provida. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO – REMESSA EX-OFFICIO NUM. 03031615-2 ANO: 94 UF: SP – DECISÃO: 30/11/1994 – PUBL.: DJ 01/08/1995 PG.: 047295 – 4ª TURMA – RELATOR: JUÍZA LÚCIA FIGUEIREDO).

EMENTA:

TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO FEDERAL. CONSTITUCIONALIDADE.

1.Evidenciada a legitimidade passiva ad causam da União Federal, eis que se trata de tributo instituído dentro de sua competência tributária e para atender a atividade de interesse público, através da ELETROBRÁS, que atua com função delegada.

2.Constitucionalidade da exigência, já que a sua reconhecida natureza tributária não a incompatibiliza com o disposto no art. 21, VII, da EC n. 1/69.

3.Recepção do aludido tributo pelo parágrafo 12 do art. 34 do ADCT.

4.Apelação improvida. (TRIBUNAL REGIONAL DA 4ª REGIÃO – APELAÇÃO CÍVEL NUM: 0405334-1 ANO: 94 UF: RS – DECISÃO: 26/04/1994 – PUBL.: DJ 20/07/1994 PG.: 038594 – 3ª TURMA – RELATOR: JUIZ RONALDO PONZI).

EMENTA:

TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO – MOEDA ESTRANGEIRA E PASSAGEM AÉREA INTERNACIONAL. RESOLUÇÃO 1154/86 – BACEN. INCONSTITUCIONALIDADE.

O empréstimo compulsório criado através da Resolução 1154/86 – BACEN configura-se, na realidade, em tributo, e, sendo instituído através de ato administrativo, fere o princípio da reserva legal.

Ocorrência do "bis in idem" em relação ao imposto sobre operações de câmbio, estabelecido pelo Decreto-lei 1783/80.

Inconstitucionalidade declarada pelo pleno do Egrégio Tribunal Federal de Recursos, no julgamento da MAS 126803-BA.

Redução da verba honorária.

Remessa oficial parcialmente provida e improvimento da apelação. (TRIBUNAL REGIONAL DA 5ª REGIÃO – APELAÇÃO CIVEL NUM.: 00510795-6 ANO: 91 UF: CE – DECISÃO: 03/12/1991 – PUBL.: DJ 30/12/1991 PG.: 033389 – 2ª TURMA – RELATOR: JUIZ ARAKEN MARIZ).


6 – INFERÊNCIAS.

Alfim, entendemos ser possível extrair daquilo que foi exposto, em síntese, as seguintes apreciações conclusivas:

a)O empréstimo compulsório possui natureza jurídica tributária, o que indica o regime jurídico a ser aplicado à espécie;

b)A adequação do conceito de tributo ínsito na Constituição à figura impositiva aqui analisada, a localização de seu tratamento normativo topologicamente fincado no capítulo I, do Título VI, do vigente Cânon Supremo, que trata do Sistema Tributário Nacional e a sua regulação no Código Tributário Nacional, bem como, finalmente, a definição em separado da competência privativa da União para a sua instituição, justificam o entendimento aqui esposado acerca da natureza jurídica tributária dos empréstimos compulsórios;

c)Dentro da tributarística, apresenta-se a aludida figura impositiva como espécie autônoma cuja diferença específica está vincada à sua restituibilidade;

d)No vigente Sistema Constitucional ouve por bem o legislador delinear os pressupostos autorizativos para a instituição do gravame objeto do presente estudo;

e)As despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, e os investimentos de caráter urgente e de relevante interesse nacional, não podem definir fatos jurígenos tributários da exação.

f)A imprevisibilidade das despesas previstas no inciso I, do art. 148, da CR/88, bem como a completa exauriência dos cofres estatais, ultimam a indispensável obtenção de recursos a tornar possível a recomposição do equilíbrio afetado, daí emergindo a não subordinação dos empréstimos compulsórios ao princípio insculpido no art. 150, inciso III, alínea "b", da Superlei; e

g)Tendo em conta tratar-se unicamente de espécie de antecipação de receita, além de estar envolto num caráter não-emergencial, os empréstimos compulsórios instituídos com espeque no art. 148, inciso II, estão adstritos ao cumprimento do princípio da anterioridade.

Sobre o autor
Aílson Francisco Rolim

técnico judiciário na Justiça Federal de Pernambuco, pós-graduando em Direito Tributário pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROLIM, Aílson Francisco. Empréstimos compulsórios:: natureza jurídica no vigente sistema constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1419. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Este trabalho foi apresentado ao Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Tributário da Universidade Federal de Pernambuco – Faculdade de Direito do Recife, na disciplina Sistema Constitucional Tributário.

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