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Estado de bem-estar social e trabalho: evolução, crise, perspectivas.

Reflexões acerca do mundo do trabalho frente à atual conjuntura capitalista

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6. Posicionamento crítico da esquerda quanto à eficiência do EBES

Para se compreender as atuais críticas da esquerda com relação ao Estado de Bem-Estar Social, é necessária a compreensão do conceito da ideologia da social-democracia ou revisionismo e as críticas elaboradas pelos comunistas e socialistas à respeito do tema.

A social-democracia ou revisionismo [23] é uma ideologia que surgiu no fim do século XIX e início do século XX por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer sem uma revolução, mas por meio de uma evolução democrática. A ideologia social-democrata prega uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente tendo em meta uma sociedade socialista.

Eduard Bernstein, antigo secretário e executor literário de Engels, e Karl Kautsky foram os dois principais representantes do revisionismo, pois ambos previam uma evolução do capitalismo que, gradualmente e através de reformas sociais, iria implantar o socialismo. O revisionismo também buscava alterar alguns pontos teóricos básicos do marxismo, principalmente devido à influência do darwinismo, com seu evolucionismo, e do filósofo Immanuel Kant.

Incorporando a tese revisionista, a Internacional Socialista enfatizou os seguintes princípios para construir um Estado de Bem-Estar Social: primeiro, a liberdade inclui não somente as liberdades individuais, entendendo-se por "liberdade" também o direito a não ser discriminado e de não ser submisso aos proprietários dos meios de produção e detentores de poder político abusivo. Segundo, deve haver igualdade e justiça social, não somente perante a lei mas também em termos econômicos e socioculturais, o que permite oportunidades iguais para todos [24], incluindo aqueles desfavorecidos física, social ou mentalmente. Finalmente, defende-se ser fundamental que haja solidariedade e que seja desenvolvido um senso de compaixão pelas vítimas da injustiça e desigualdade.

Para o bolchevique Lenin, um dos líderes da Revolução Russa de 1917, o revisionismo era uma das manifestações de um capitalismo burguês e reacionário, pois negava a revolução e a democracia proletária em troco de uma democracia burguesa que apenas mascara a luta de classes e, portanto, as ideias socialistas e igualitárias de Marx e Engels.

A filósofa marxista Rosa Luxemburgo Stiftung foi pioneira tanto na crítica da social-democracia alemã quanto do bolchevismo russo, defendendo uma posição voltada para a defesa da espontaneidade revolucionária do proletariado, que se manifestava, segundo ela, por meio das greves de massas e dos conselhos operários.

De acordo com Rosa Luxemburgo, a teoria reviosionista, ao negar a dialética marxista [25], nega-se a luta de classes e a contradição entre estas. Outra crítica contundente à teoria revisionista se relaciona à teoria econômica desenvolvida por seus ideólogos. Segundo os revisionistas, o sistema econômico capitalista teria se adaptado e poderia se expandir sem problemas. Luxemburgo reafirmava a teoria marxista de que o sistema capitalista apresenta crises cíclicas e constantes. [26]

Luxemburgo também não aceitava formas jurídicas para compreender o capitalismo que os revisionistas adotavam. Conforme a filósofa, não se podia transportar o conceito do capitalismo do terreno das relações produtivas para o terreno das relações de propriedade, ou seja, nacionalização dos meios de produção, mantendo-se a estrutura capitalista de produção, não significa socialismo. Transportando tal conceito para os dias de hoje, implica a compreensão de que, a antiga União Soviética, de acordo com Rosa Luxemburgo, era uma economia capitalista estatal.

Luxemburgo criticava ainda a negação dos revisionistas com relação a existência de classes na sociedade.

O terceiro grupo de argumentos dizia respeito ao Estado. Bernstein via uma tendência liberalizante na qual a democracia garantiria uma transição pacífica para o socialismo por meio de uma maioria no parlamento.

Em contraste, Luxemburgo via o Estado atuando cada vez mais diretamente nos interesses da classe dominante. Se um Estado capitalista empregava ou não formas democráticas, isso era determinado pelas necessidades da classe dominante em um dado momento. A democracia burguesa pode não ser uma tendência fundamental da história, ela não pode ser usada para levar ao socialismo. Contudo os trabalhadores devem lutar por ela porque, antes da revolução, ela cria as formas políticas (administração autônoma, direitos eleitorais, etc.) que servirão ao proletariado como fulcros em sua tarefa de transformar a sociedade burguesa.

Em suma, a crítica de Luxemburgo aos revisionistas e ao Estado de Bem-Estar Social pode ser exprimida na seguinte conclusão da filósofa acerca deste modelo de Estado que estava surgindo "Ele assume funções que favorecem o desenvolvimento social especificamente porque, e na medidas em que, esses interesses e o desenvolvimento social (...) coincidem, de modo geral, com os interesses da classe dominante" (LUXEMBURGO, 2007).

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As teorias desenvolvidas por Rosa Luxemburgo são adotadas por diversos ideólogos e partidos da esquerda até os dias de hoje e são a base teórica adotada para as críticas ao modelo de Estado de Bem-Estar Social [27].

Contudo, mister se faz esclarecer que as críticas entabuladas pela esquerda não se referem à eficiência ou suposta ineficiência do EBES. Elas se relacionam com a metodologia para se alcançar um modelo socialista de Estado. Para os adeptos de tais teorias, o EBES representa a contra-revolução.

Por todo exposto, a linha de pensamento adotada por Luxembrugo postula que o capitalismo nunca evoluirá para o socialismo, uma vez que o sistema capitalista de produção se constrói através das diferenças entre as classes sociais e da exploração do trabalho humano. Assim sendo, ao mascarar, por meio de políticas sociais, tais lógicas inerentes ao sistema capitalista, impossibilita-se uma revolução que supostamente levaria ao socialismo.


7. Conclusão

A crise econômica financeira, desencadeada nos países capitalistas centrais em 2007, assolou toda a economia mundial a partir de outubro de 2008, demonstrando, de forma inequívoca, que a desregulamentação financeira e das proteções sociais pode levar o mundo globalizado à ruína.

O EBES representou e representa a maior experiência democrática do sistema capitalista, sendo, inclusive, necessário, ao próprio sistema, motivo pelo qual devem ser defendidas normas que contenham barreiras ao avanço do capital sobre a subjetividade humana.

O sistema capitalista de produção se baseia em dois pilares básicos para gerar lucros, quais sejam, a exploração do trabalho juridicamente livre (ou assalariado) e o escoamento da produção por meio do consumo.

Os indivíduos que vivem do trabalho são os maiores consumidores. Assim sendo, a defesa do EBES e a regulação social do trabalho representam medidas elementares para possibilitar a continuidade do próprio sistema, preservando-se a democracia e a dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SOUZA, Nilson Araújo de. Teoria Marxista das crises. 1ª ed. São Paulo: Global Editora e Distribuidora Ltda., 1992.


Notas

  1. BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p. 63.
  2. As reflexões do presente artigo foram elaboradas coletivamente, inclusive pautadas na análise do painel "Direito do Trabalho, Globalização e Desregulamentação", ocorrido no XXXI CONAT - Congresso Nacional de Advogados Trabalhistas - realizado em Belo Horizonte/MG, nos dias 03 a 05 de setembro de 2009, para debate da disciplina Estado de Bem-Estar Social e Trabalho: evolução, crise e perspectivas, ministrada pelo Ministro do TST, Maurício Godinho Delgado, no Mestrado em Direito do Trabalho da PUC/MG.
  3. Designação adotada pelo sociólogo Giovanni Alves que será oportunamente esclarecida.
  4. Palestra proferida, em 04/04/2009, pelo sociólogo Giovanni Alves, no painel "Direito do Trabalho, Globalização e Desregulamentação", realizado no XXXI CONAT sobre o tema "A Crise Econômica, o novo contexto político latinoamericano e os direitos trabalhistas no Mercosul".
  5. Palestra proferida, em 04/04/2009, pelo filósofo e economista José Dari Krein, no painel "Direito do Trabalho, Globalização e Desregulamentação", realizado no XXXI CONAT sobre o tema "A crise econômica pós neoliberalismo e impactos nas relações de trabalho".
  6. Designação adotada pelo Ministro Maurício Godinho Delgado. Para aprofundamento, sugere-se o estudo de DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTR, 2009.
  7. Designação adotada pelo Ministro Maurício Godinho Delgado. Para aprofundamento, sugere-se o estudo de DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTR, 2009.
  8. Para aprofundamento do estudo, sugerimos a leitura de IANINI, Octávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
  9. Para estudo, sugerimos a leitura de ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva – ensaios de sociologia do trabalho. 2ª ed. Londrina: Editora Práxis, 2007.
  10. Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego.
  11. Ao inserir metas de produção, tais como, escoamento de produção, metas de investimento, índice de inadimplemento, dentre outros muito comuns em Acordos Coletivos de Trabalho, como condições para pagamento de PLR, o empregador e o sindicato transferem os riscos do empreendimento para o trabalhador, mitigando princípio basilar do Direito do Trabalho.
  12. O governo dos Estados Unidos liberou 34 bilhões de dólares para as "Big Tree", como são conhecidas as três montadoras de automóveis de Detroit (Ford, General Motors e Crysler), no início de 2009, para salvá-las da crise econômica financeira. O movimento sindical norte-americano apoiou a medida, embora não tenha sido concedida nenhuma garantia de manutenção dos postos de trabalho. O Congresso norte-americano aprovou um plano de resgate financeiro no total de 700 bilhões de dólares para as empresas ainda em outubro de 2008.
  13. Fonte: Folha de São Paulo in http://www.noticiasautomotivas.com.br/governo-e-congresso-americano-chegam-a-acordo-para-ajudar-as-montadoras/ e http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u495579.shtml. Acesso em 21/09/2009.

  14. Expressão cunhada por Eric Hobsbawm. Para melhor compreensão, sugerimos a leitura de HOBSBAWM, Eric J., Era dos extremos: o breve século XX : 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,1995.
  15. Expressão do Professor Ricardo Antunes.
  16. Expressão de Magda Biavaschi.
  17. Expressão de Adam Smith, constante da obra Investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações, que o caracteriza por agir comercialmente por interesse próprio, egoísmo e cobiça (self- interest)
  18. Expressão do Ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2008.
  19. Revista Veja. O mundo pós-crise como usar. Edição 2130, ano 42, n.37, de 16 de setembro de 2009, p. 124.
  20. Expressão utilizada pelo economista Márcio Ponchamann, em entrevista no dia 16/09/09, disponível em: http://www.contee.org.br/noticias/msoc/nmsoc777.asp
  21. Revista Veja. O mundo pós-crise como usar. Edição 2130, ano 42, n.37, de 16 de setembro de 2009, p. 124.
  22. Pochmann, ao ser entrevistado pelo CONTEE, discorre sobre as três crises mais importantes que o Brasil enfrentou, desde 1980, quais sejam: a da dívida externa, a da recessão do Governo Collor e a da a crise financeira na passagem do primeiro para o segundo mandato do presidente (FHC), uma crise onde se fez acordo com o FMI. Em todas, assevera que o Brasil manteve o mesmo padrão de políticas públicas, "o de acreditar que a saída da crise se dava pelo mercado externo e não interno, ou seja, aumentava nossa subordinação às decisões internacionais. Nas três crises há uma repetição. O governo aumentou impostos, reduziu os gastos públicos, arrochou salários e não ampliou as políticas que atendem a base da pirâmide social". Todavia, observa que a partir de outubro/2008, o governo do presidente Lula não repetiu essas medidas, pelo contrário, e ressalta:"O governo tem mantido o gasto público e até ampliado, ou seja, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não foi reduzido por conta da crise, e começou uma política habitacional ampla, onde pela primeira vez teremos 400 mil moradias sendo construídas para atender as pessoas muito pobres. O governo não aumentou impostos, pelo contrário, reduziu impostos. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é um exemplo. Mas teve medidas de redução do Imposto de Renda (IR). Tivemos a ampliação do salário mínimo que subiu em fevereiro em 12% e o aumento do número de famílias atendidas pelo Bolsa Família. É importante dizer que pela primeira vez desde 80 os pobres não estão pagando os custos da crise como no passado. Os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) provam que de outubro do ano passado a março deste ano cerca de 315 mil pessoas saíram da condição de pobreza nas regiões metropolitanas. Isso mesmo na crise. De 80 para cá, em todas as crises houve aumento do desemprego e da pobreza. Nesta, até agora isso não ocorreu. Então, é uma forma diferente de enfrentar a crise". Disponível em: http://www.contee.org.br/noticias/msoc/nmsoc777.asp. (acesso em 17/09/2009).
  23. Palestra proferida pelo Professor Maurício Godinho Delgado, no TRT 3ª Região, em 24/04/2009, sobre Liberalismo Econômico, Estado Social, Constituição e Poder Judiciário: Reflexões sobre Economia e Poder Judiciário em tempos de crise econômica.
  24. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Social-democracia.
  25. A respeito do conceito de igualdade de oportunidades, sugere-se a leitura de BOBBIO, Norberto. (trad. Carlos Nelson Coutinho). Igualdade e Liberdade. 5ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
  26. Para maior compreensão da dialética marxista, sugerimos a leitura de MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. (trad. Victor Hugo Klagsbrunn). in O Manifesto Comunista 150 anos depois. Coord. SADER, Emir; GENRO, Tarso, et al. p. 7/41. 1ª ed., 4ª reimpressão. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo e Contraponto Editora Ltda.
  27. Para aprofundamento, sugerimos o estudo de SOUZA, Nilson Araújo de. Teoria Marxista das crises. 1ª ed. São Paulo: Global Editora e Distribuidora Ltda., 1992.
  28. No Brasil, cita-se como exemplo PSTU, P-SOL, PCO como partidos políticos que adotam a tese de Rosa Luxemburgo para criticar o atual governo federal e as políticas sociais por este adotadas.
Sobre os autores
Maíra Neiva Gomes

Advogada trabalhista. Assessora jurídica do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte e Contagem. Assessora jurídica da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos de Minas Gerais – FEM-CUT-MG. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Aluna em DI do Mestrado em Direito do Trabalho da PUC/MG.

Amanda Helena Guedes Azeredo

Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Especialista em Direito Civil. Assistente judiciária - Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Maria Isabel Franco Rios

Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Especialização Direito e Processo Trabalho e Previdência Social. Especialização em Direito Processual Civil. Especialização em Direito Público. Especialização em Direito Civil. Especialização em Direito Material e Processual do Trabalho. Aperfeiçoamento e atualização em Direito e Processo do Trabalho. Aperfeiçoamento em Extensão em Direito do Trabalho.

Isabella Vieira Botelho

Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Especialista em Direito Civil. Assistente judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Flávio Carvalho Monteiro de Andrade

Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Assistente Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Roberta Dantas de Mello

Aluna (D.I.) da Pós-Graduação strictu sensu em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Especialista em Direito Processual Constitucional. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Maíra Neiva; AZEREDO, Amanda Helena Guedes et al. Estado de bem-estar social e trabalho: evolução, crise, perspectivas.: Reflexões acerca do mundo do trabalho frente à atual conjuntura capitalista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2397, 23 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14234. Acesso em: 22 nov. 2024.

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