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Corrupção política e atividade tributária

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Agenda 08/02/2010 às 00:00

6 CONCLUSÕES

O fenômeno da corrupção tem despertado interesse mundial. A novidade é o foco deste interesse, que se encontra menos direcionados aqueles atos infracionais cometidos por agentes públicos mal remunerados. Atualmente o que mais aflige os Estados, governos e sociedades são os comportamentos que colocam em risco a própria existência do Estado e, consequentemente, a convivência em sociedade, ou seja, aquelas condutas que vão além dos tipos legais previstos na legislação penal.

É que determinados atos do poder público, que albergam interesses privados ilegítimos, estão sob o manto da irresponsabilidade, tal como ocorre com o agente político quando direciona a legislação tributária para determinado fim ofensivo ao interesse coletivo. Ressalte-se que esses comportamentos possuem uma maior potencialidade ofensiva. Assim, o problema da corrupção não se situa apenas na mera subtração de recursos públicos, mas atinge principalmente a coletividade que deixa de ser destinatária direta da promoção social através da aplicação de recursos públicos na sua manutenção, no seu desenvolvimento e no seu bem-estar.

É improvável que recursos públicos elevados sejam subtraídos sem qualquer participação de esferas mais graduadas do poder. Dentro deste contexto, é possível afirmar que os comportamentos relacionados à corrupção encontram guarida na discricionariedade ou do acúmulo de poder ou, até mesmo, do livre convencimento dos agentes políticos e públicos.

Evidentemente que a relação entre poder político-econômico e administração pública tem indicado a insuficiência dos tipos penais. Aliás, a confluência de interesses entre grupos políticos e econômicos é um problema que a democracia, através do sistema representativo, ainda não apresentou solução plausível.

Por outro lado, há determinados comportamentos sutis que não se amoldam ao tipo penal, já que as vantagens individuais são, muitas vezes, custeadas pelo próprio Estado através do pagamento de gratificações, da distribuição de cargos comissionados e da projeção profissional para aqueles que transitam entre os espaços público e privado.

Deve ser ressaltada que a confluência de interesses públicos e privados, a princípio, não representa nenhum comportamento ilícito. Pelo contrário, o Estado, como ente de maior capacidade econômica, despende volumosos recursos na prestação de serviços públicos, tais como prestação jurisdicional, segurança pública, educação, saúde e saneamento; e na execução de outras atividades inerentes ao Estado, tais como segurança nacional, representação diplomática, obras públicas e distribuição de renda. Portanto, parte considerável dos recursos públicos será, obrigatoriamente, destinada ao setor privado, seja porque o Estado exercita seu poder de consumo, seja porque o Estado atua como agente fomentador do desenvolvimento econômico e social.

O problema da corrupção surge quando no entorno da atividade financeira do Estado aparecem interesses privados escusos. Na sua atividade financeira, o Estado desenvolve atos de gestão e planejamento, de obtenção de ingressos públicos e de realização das despesas públicas.

Diante do crescente atendimento das necessidades públicas, não restou ao Estado outra opção a não ser a receitas tributárias, que respondem, hoje em dia, pela quase totalidade das receitas públicas. Então, não é difícil relacionar interesses políticos e econômicos à atividade tributária.

É patente que a administração tributária encontra-se, atualmente, vulnerável a interferências políticas e econômicas, posto que se amolda a vontade do chefe do Poder Executivo. Como atividade de Estado, a tributação necessita de mecanismos de proteção específicos, que resultem na devida autonomia e imparcialidade. As receitas tributárias não atendem a apenas às necessidades do Executivo, mas de toda a estrutura de poder do Estado. Daí a imperiosa necessidade da autonomia político-financeiro-administrativa. Contudo, deve ser sempre ressaltado que a conduta de loteamento político dos cargos e empregos públicos (comissionados), que sempre coloca o subordinado em situação de vulnerabilidade perante o superior hierárquico, ainda é bastante aceita por parte considerável da sociedade brasileira, apesar do evidente déficit democrático e de seu caráter anti-republicano.

É evidente que o dirigismo administrativo, que afasta a fiscalização tributária de determinados sujeitos passivos, em nada coincide com a supremacia do interesse público. Pelo contrário, neste caso há supremacia do interesse privado, já que diante da certeza de não ser atingido o sujeito passivo poderá reduzir de forma ilegal o montante do tributo devido.

É importante, também, indicar que a prevenção da corrupção na administração tributária passa necessariamente pelo fortalecimento dos órgãos fazendários, com investimentos em novas tecnologias da informação, valorização das carreiras fazendárias, capacitação profissional permanente, uso sistematizado da inteligência fiscal e simplificação da legislação tributária. Afora a necessidade de nivelamento de conhecimentos técnicos das autoridades fazendárias, a administração tributária precisa mostrar explicitamente suas intenções na prevenção da corrupção e da interferência política.

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Mas, não é só a interferência do Poder Executivo que afeta a administração tributária. A corrupção na seara tributária não se encontra adstrita unicamente aos intestinos da administração tributária. Em outras esferas dos Poderes Judiciário e Legislativo também há comportamentos danosos ao erário público.

Por exemplo, decisões judiciais sem qualquer fundamento ofendem o sistema normativo vigente e a sociedade ao dar guarida às ações fraudulentas na seara tributária. Não raro verifica-se a existência de liminares concedendo favores indevidos, fazendo lembrar a existência de uma verdadeira indústria de liminares.

É evidente que o Estado brasileiro se ressente de instrumentos legais de responsabilização financeira dos magistrados que, por ventura, provoquem danos irreparáveis às receitas públicas. Por isso, faz-se necessário aparelhar o Estado com regras processuais claras e precisas que garantam a satisfação do crédito tributário em momento futuro às decisões monocráticas e/ou cautelares. Neste ponto da evolução democrática, a própria sociedade terá de escolher, de forma amadurecida, se é preferível manter, diante de decisões judiciais que impossibilitem a obtenção de recursos públicos, as garantias dos magistrados ou a manutenção financeira do Estado, ou seja, se as garantias dos magistrados se sobrepõem aos interesses públicos.

Neste sentido, é salutar a criação de mecanismo legal que responsabilize objetivamente e impute ao magistrado, que imprudentemente exerce seu poder de cautela, trazendo danos à Fazenda Pública, o crime de responsabilidade e a responsabilidade tributária solidária, à semelhança do disposto no art. 100, § 6º, da Constituição Federal, e do art. 134 do CTN, respectivamente.

Por outro lado, a mera tipificação de novas condutas delituosas, por ato comissivo ou omissivo, a fim de responsabilizar penalmente os magistrados que causem danos à Fazenda Pública, não tem o condão de satisfazer a pretensão tributária do Estado. Neste sentido, a sociedade deve se socorrer de mecanismos de responsabilização financeira, juntamente com o devedor tributário, de todos aqueles que contribuíram para a subtração de recursos públicos, inclusive os magistrados.

Na mesma proporção, merece a devida atenção os privilégios ilegítimos veiculados através da legislação tributária, que vão desde benefícios fiscais extravagantes até a extinção da punibilidade daqueles que cometem crimes contra a ordem tributária.

Uma renuncia fiscal graciosa, onde o benefício fiscal não implica, por exemplo, em redução do preço da mercadoria, possibilita que a empresa reduza sua carga tributária e, conseqüentemente, obtenha um incremento na lucratividade sem qualquer esforço de gestão. Neste caso, inexistem mecanismos de responsabilização penal e financeira dos agentes políticos. Apenas o controle social poderá ser efetivado no sentido de prevenir e reprimir a edição de legislação tributária inconstitucional ou ilegal, controlar as renúncias fiscais e impedir o financiamento de campanha por empresas que detenham benefícios fiscais, dentre outros.

A supressão total da corrupção é algo improvável de acontecer, posto que diz respeito a elementos subjetivos da ética humana. Não há, então, outro caminho que projetar para o poder público mecanismos objetivos de controle de suas atividades, de tal forma que a sociedade, organizada ou não, possa dispor de meios de controle das atividades que lidam com recursos públicos. Contudo, apenas isto não é suficiente. Sem uma discussão exaustiva do problema será inócuo qualquer ação estatal visando prevenir a corrupção. A própria sociedade precisa agir em sentido contrário à corrupção, tornando-a moral e socialmente inaceitável. Cabe à sociedade refletir e decidir se o sistema representativo deve ser utilizado para conduzir a um modelo de tributação que favoreça privilégios econômicos privados em detrimento do interesse coletivo, em suma, se o modelo de poder baseado em interesses políticos e econômicos indevidos deve suplantar o interesse social.

Claro que o problema da corrupção na atividade tributária deixa transparecer ser mais amplo, já que culturalmente as questões tributárias não são privilegiadas socialmente. De fato, desde a colonização a tributação representou para a sociedade uma invasão indevida no patrimônio privado, representando mera subtração da riqueza. Uma sociedade cujo fundamento da existência é o individualismo privado terá, sem dúvida alguma, sérias dificuldades de absorver, na esfera pública, o princípio da solidariedade intrínseco à vida em sociedade [06].

Por fim, deve ser dito que prestam um desserviço à sociedade aquelas entidades não-governamentais que se propõe a enumerar um ranking de países mais ou menos corruptos, cuja finalidade aparente é reduzir o fenômeno da corrupção à esfera de governo. Além do problema de deturpação, tais "pesquisas" padecem de tratamento estatístico adequado que possam fundamentar qualquer conclusão científica. O modelo estatístico adotado nestas pesquisas de percepção, dirigidas exclusivamente a empresários e executivos de empresas, indica que as amostras não são representativas das populações e, portanto, as conclusões relativas a tais amostras não poderão ser estendida às sociedades locais. Em suma, a opinião de alguns agentes privados não tem o condão de representam, estatisticamente, a realidade sócio-econômico de um determinado país.

A realidade fática das pesquisas de opinião associadas à corrupção tem provocado algum receio em governos locais, uma vez que as entidades patrocinadoras dessas pesquisas, em geral, conseguem atrair a atenção de parte considerável da mídia. A exposição pública da corrupção, de seus agentes e das conseqüências financeiras e sociais, é extremamente importante na prevenção da mesma. Porém, não há qualquer sugestão de que a proposta das entidades não-governamentais seja esta. A exposição à mídia de seus dirigentes e a intenção deliberada de vincular à corrupção apenas ao ambiente público, descredenciam as entidades não-governamentais e as pesquisas de opinião realizadas por elas. Ao mirarem na esfera pública despistam a face mais cruel da corrupção: a aceitação social do fenômeno e a conseqüente participação da esfera privada.

Talvez a sociedade se ressinta de elementos mais concretos para a prevenção da corrupção. Por exemplo, até a presente data inexistem dados quantitativo oficiais que expressem a realidade sócio-econômica decorrente da corrupção. Com isso, a sociedade perde elementos histórico-comparativos do fenômeno da corrupção. A ausência de séries históricas de dados oficiais que expressem indicadores sócio-econômico e de opinião relacionados à corrupção fragiliza qualquer discurso oficial.

Por fim, é possível indicar mecanismos e, até mesmo, política pública de prevenção da corrupção na atividade tributária. Claro que toda e qualquer conduta estatal no sentido de prevenir a corrupção deverá ser objetivamente valorada de forma que os custos de planejamento, implantação e controle possam ser inferiores à subtração de recursos tributários. Neste sentido, é possível apontar as seguintes sugestões:

1. criação de indicadores sócio-econômicos relacionados à corrupção e de pesquisas de percepção sobre a corrupção, mensurados por instituto oficial de estatística, de forma a apreender a dimensão mensurável do fenômeno da corrupção.

2. incentivo estatal ao controle social da atividade tributária, a partir das concepções de educação e cidadania fiscais;

3. criação, em lei processual, de mecanismo de contra-cautela em medidas liminares que suspendem a exigibilidade do crédito tributário, possibilitando a satisfação da dívida tributária em instante processual posterior;

4. criação, pelo Ministério Público, de curadorias específicas para tutelar as receitas tributárias, com o fim de impedir, por exemplo, a concessão de benefícios fiscais indevidos pelo gestor público; e/ou controlar a constitucionalidade e legalidade da legislação tributária.


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Notas

  1. É importante salientar que os dados oficiais carregam, em si, uma preocupação ideológica que muitas vezes falseiam a realidade. A esse respeito, Demo (1995, p. 141) afirma que "[...] o dado é muito mais um produto do que um achado. Nos dados do IBGE não está pura e simplesmente a realidade brasileira, mas uma forma de interpretá-la, certamente mais "oficial" do que real. Isto explica por que do mesmo dado se pode fazer interpretações diferentes e mesmo contraditórias". Também é possível afirmar que dados não-oficiais padecem do mesmo mal: estão eivados de tendências ideológicas. Por isso, pesquisas empíricas devem optar, sempre, por indicar tendências estatísticas, nunca relações deterministas de causa e efeito.
  2. A uma redundância no presente dispositivo legal, posto que a discussão doutrinária acerca da natureza tributária das contribuições sociais há muito foi superada.
  3. Inexistem dados oficiais, isolados ou em séries históricas, que indiquem com precisão os montantes renunciados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
  4. Neste caso a extinção do crédito tributário ocorre através da mera conversão do depósito em renda pública, nos termos do art. 156, VI, do CTN.
  5. Neste caso, o benefício fiscal representa mecanismo estatal de transferência de recursos da sociedade para atividade econômica privada.
  6. Antes de representar uma obrigação, a contribuição individual na manutenção financeira do Estado representa um direito inerente aos agentes privados, pessoas físicas ou jurídicas, cuja contrapartida é a participação efetiva na vida política, econômica e social do país.
Sobre o autor
Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. Corrupção política e atividade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2413, 8 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14317. Acesso em: 29 dez. 2024.

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