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A caracterização do teletrabalho perante a ordem jurídica brasileira

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Agenda 19/02/2010 às 00:00

7 DA FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL PARA O JULGAMENTO DE LITÍGIOS ENVOLVENDO TELETRABALHADORES

No processo do trabalho, o critério básico para a determinação da competência é o da localidade da prestação dos serviços, o que diferencia do direito processual civil, cuja competência toma como base o domicílio do réu (CORDEIRO, 2005, p.89).

A competência, em razão do lugar (ratione loci), também chamada de territorial, é determinada com base na circunscrição geográfica sobre a qual atua o órgão jurisdicional (LEITE, 2008, p. 279).

De acordo com a CLT (2009, p.108), art. 651, caput, a competência da justiça trabalhista é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou estrangeiro.

Ao fixar a competência trabalhista ao local onde o empregado prestava o serviço, o legislador ampliou o acesso do trabalhador à justiça laboral, facilitando a produção de provas. É o que se depreende do seguinte julgado:

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. ART. 651, CAPUT, DA CLT. Levando-se em consideração que o empregado prestou serviços para a empresa Multibrás, no Município de São Bernardo do Campo - SP, e que as pretensões jurídicas de declaração da unicidade contratual e de pagamento do adicional de transferência e das diferenças salariais estão relacionadas a esse período, somente o juízo desta comarca tem competência para apreciar a demanda, razão pela qual declaro que a competência para apreciar e julgar a presente reclamação trabalhista é da 1ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo - SP. Exegese do disposto no art. 651, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho. Conflito de competência acolhido para declarar a competência da 1ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo - SP". (BRASIL, TST, 2005).

Existem algumas exceções à regra geral, dispostas no artigo supracitado quando for parte no dissídio: empregado agente ou viajante comercial, empregado brasileiro que presta serviços no exterior, e empregador que promova atividades fora do lugar da celebração do contrato.

Em relação ao empregador que promova atividades fora do lugar da celebração do contrato, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação do serviço, em consonância com a CLT (BRASIL, 2009, p.108), art. 651, §3º. Conforme Carrion (2009, p.515), a opção concedida só é devida para as raras hipóteses em que o empregador desenvolve seu trabalho em locais incertos, eventuais e transitórios.

Nesse sentido, colhe-se o seguinte julgado:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TERRITORIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 651, § 3º, DA CLT. Como o empregado prestou serviços em diversos municípios da Bahia, inclusive no local do ajuizamento da ação e de seu domicílio, Itabuna/BA, mas foi contratado no escritório da reclamada, situado na cidade de São Paulo/SP, os Juízos de ambas as comarcas possuem competência para a apreciação da demanda. Precedentes desta Corte. Logo, a competência para examinar e julgar a presente reclamação trabalhista é da Vara do Trabalho de Itabuna/BA. Exegese do disposto no art. 651, § 3º, da CLT. Conflito negativo de competência acolhido". (BRASIL, TST, 2008, p. 77).

Segundo Cordeiro (2005, p.93), não são incluídas nessa regra acima citada as hipóteses de prestação de serviços em outra localidade de maneira transitória ou por força das particularidades do labor.

A competência territorial prevista no § 2º do art. 651 da CLT (BRASIL, 2009, p.108) diz que os dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário. Esta opção é concedida exclusivamente para empregado brasileiro, independente de este ter sido contratado ou prestado seu serviço no exterior, a competência para julgar a sua lide será da Justiça Trabalhista Brasileira.

A jurisprudência trabalhista tem adotado, nos conflitos de leis trabalhistas no espaço, o princípio da lex loci executionis, que é a aplicação da norma do direito do trabalho (direito material), como esclarece o TST, com a edição da súmula 207, com redação dada in verbis: a relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.

É o que depreende-se do seguinte julgado:

" [...] COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPREGADO ESTRANGEIRO QUE PRESTOU SERVIÇOS CONCOMITANTEMENTE NO BRASIL E NO EXTERIOR. POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO FORO DE PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. INCIDÊNCIA DO ART. 651, -CAPUT-, DA CLT. 2.1. Cuida-se de situação em que o reclamante prestou serviços no Brasil, embora também o fizesse, concomitantemente, na Argentina. Ainda que o caso envolva pretensões que se prendem ao direito interno argentino, não se coloca em questão o ordenamento material a ser aplicado, mas, antes, a possibilidade de exercício da jurisdição pela Justiça do Trabalho brasileira. 2.2. O art. 651 da CLT estatui que -a competência das Varas do Trabalho é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro-. Na lição de Cristóvão Piragibe Tostes Malta, -conquanto a Consolidação das Leis do Trabalho fale apenas em competência, seu art. 651 também firma inequívoca regra de jurisdição pois, atribuindo às varas do trabalho competência para dirimir litígios versando sobre obrigações contraídas ou cumpridas no estrangeiro, antes de tudo determina a própria jurisdição nacional.- 2.3. O preceito, ao aludir ao contato do pacto laboral com ambiente estrangeiro, lança sua influência para a competência interna e internacional, consagrando o critério definidor do lugar da prestação de serviços (-lex loci executionis-). 2.4. Relembre-se, ainda, o teor do art. 12 da Lei de Introdução ao Código Civil, ao afirmar -competente a autoridade judiciária brasileira quando ... aqui tiver de ser cumprida a obrigação-. 2.5. Evidenciando-se que também em território brasileiro houve prestação de serviços, não há porque negar-se a jurisdição nacional, cuja eleição pelo empregado encontra sustentação no que preceitua a norma consolidada que antes se destacou. Recurso de revista conhecido e provido". (BRASIL, TST, 2009, p.1224).

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Assim, em relação ao empregado brasileiro que presta serviço no estrangeiro, dois são os critérios para o teletrabalhador ajuizar a ação trabalhista: aplicação da norma de direito material (norma de direito do trabalho) que se refere ao local da prestação do serviço; ou a aplicação do direito processual do trabalho (competência), sendo facultado a esse o ajuizamento da ação, no foro da celebração do contrato de trabalho ou no da prestação do serviço, em se tratando de empregador que realize suas atividades fora do local da contratação.

Dessa forma, a Justiça Laboral Brasileira é competente, para dirimir os litígios decorrentes da prestação de serviço de brasileiro no exterior, porém a regra de direito processual a ser aplicada é a norma brasileira; enquanto o direito material a que fará jus o teletrabalhador será a do país em que efetivamente houve a prestação do serviço, prevalecendo, assim, as leis vigentes no país da prestação do serviço.

Conforme Cordeiro (2005, pp.91-92), há dois impedimentos de ordem material para a concretização dessa regra: a dificuldade de aplicação do direito estrangeiro e a demora de uma execução além das fronteiras brasileiras.

Com o advento da Lei n º 11.962, de 3 julho de 2009, que alterou o art. 1º da Lei nº 7.064/1982, e estendeu as regras desse diploma legal a todas as empresas que venham a contratar ou transferir trabalhadores para prestar serviço no exterior, até então, as regras valiam apenas para as empresas prestadoras de serviços de engenharia, consultoria, projetos e obras, montagens, gerenciamento e congêneres para prestar serviços no exterior.

É interessante notar que a contratação de trabalhador, realizada por empresa sediada no Brasil, para prestação de serviço técnico no exterior, atrai a incidência da Lei 7.064/82, que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. O art. 3º, inciso II, do referido diploma legal assegura ao empregado a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, sempre que for demonstrado ser esta mais favorável que a legislação do local da execução dos serviços.

Dessa forma, a Lei n º 11.962/2009 afastou o princípio da lex loci executionis adotado pela súmula 207 do TST, para permitir a aplicação da legislação trabalhista mais favorável ao trabalhador, seja a do país da prestação do serviço, seja a da celebração do contrato.

Colhe-se, neste passo, o seguinte julgado:

"CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO. A contratação de trabalhador realizada por empresa sediada no Brasil para prestação de serviço técnico no exterior atrai a incidência da Lei 7.064/82, que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. O art. 3º, inciso II, do referido diploma legal assegura ao empregado a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, sempre que for demonstrado ser esta mais favorável que a legislação territorial. Cuidando-se de legislação especial, afasta o princípio da lex loci executionis, consagrado na Súmula 207 do TST, que trata, genericamente, do tema. Recurso não conhecido". (BRASIL, TST, 2006, p. 1030).

Na hipótese de o teletrabalhador transfronteiriço ser contratado, pela internet, por empresa sediada no exterior, terá a Justiça do Trabalho jurisdição extraterritorial?

Sim. Com o advento da Lei n º 11.962/2009, o princípio da lex loci executionis foi abandonado. Este novo dispositivo passou a facultar ao trabalhador a escolha da legislação que lhe for mais favorável, facilitando, assim, o seu acesso à jurisdição brasileira.


8 CONCLUSÃO

A sociedade da informação é caracterizada pelo emprego maciço de novas TICs, o que tem levado a reestruturação do processo produtivo, e das relações laborais, surgindo, assim, uma nova forma de emprego denominada de teletrabalho. Frente a essas mudanças, um novo desafio do direito do trabalho é manter inviolável a proteção constitucional dos direitos dos trabalhadores, principalmente para aqueles que são afetados pelo uso dessas novas tecnologias, no seu ambiente laboral.

Na falta de regulamentação dessa nova forma de trabalho no Brasil, a competência para dirimir os conflitos trabalhistas é determinada, de acordo com o art. 651 da CLT. Na hipótese do teletrabalho móvel, aplica-se, analogicamente, o critério do art. 651, § 1º, da CLT.

O reconhecimento da competência internacional da Justiça Trabalhista Brasileira, para resolver os litígios do teletrabalhador, é dado pelo art. 651, § 2º, CLT. E atrai, portanto, a incidência da Lei n º 11.962/2009, que permite a aplicação da legislação trabalhista mais favorável ao trabalhador, seja a do país da prestação do serviço, seja a da celebração do contrato.

No caso de o teletrabalhador exercer suas atividades em local diverso da celebração do contrato tem a opção de apresentar a sua reclamação no foro deste ou na localidade mais próxima (art. 651, § 3º, CLT).

Dessa forma, o ambiente do ciberespaço abriu uma porta para a renovação laboral, com a destruição das barreiras geográficas, tornando-se um espaço propício para o crescimento do número de teletrabalhadores e de ciberempresas no Brasil. Neste contexto, com a potencialização da influência da tecnologia sobre diversos aspectos da atividade obreira brasileira, maiores discussões são necessárias na seara jurídica, para que os teletrabalhadores, nas suas distintas modalidades, possam ter seus litígios dirimidos, não sendo assim, excluídos da legislação e da jurisdição nacional.


9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. "Em 1973, o teletrabalho foi definido pela primeira vez por Jack Nilles como sendo uma ‘forma de enviar o trabalho ao trabalhador, em vez de enviar o trabalhador ao trabalho’ ". Tradução livre da autora
  2. É uma forma de trabalho em que este é realizado em um local remoto da empresa ou de suas instalações de produção, assim, separando o trabalhador do contato pessoal com os colegas de trabalho, e (b) as novas tecnologias permitem esta separação, por facilitar a comunicação. Tradução livre da autora
  3. Existem três elementos básicos e comuns encontrados nas definições de teletrabalho que variam segundo a ótica estudada. São eles: A localização, isto é, o espaço físico em que se desenvolve a atividade encontra-se fora da empresa; a utilização de novas tecnologias de informação e comunicação; e por último, a necessidade de mudança na organização e realização do trabalho. Tradução livre da autora.
Sobre a autora
Carla da Silva Pontes

Advogada em João Pessoa (PB). Especialista em Direito Civil, Direito Negocial e Imobiliário; Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. E-mail carlapontes.adv@gmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Carla Silva. A caracterização do teletrabalho perante a ordem jurídica brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2424, 19 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14381. Acesso em: 22 dez. 2024.

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