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De quimeras e outras aberrações.

Um estudo sobre a constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias

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Agenda 03/03/2010 às 00:00

3. CAPÍTULO 2 – O CASO DAS PESQUISAS COM células-tronco EMBRIONÁRIAS

O caso em discussão é uma ação direta de inconstitucionalidade, e teve início por iniciativa do então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, que questionou a constitucionalidade do artigo 5º da Lei Federal nº 11.105 ("Lei da Biossegurança"), de 24 de março de 2005.

Segundo a inicial, o permissivo do artigo 5º contraria dispositivos constitucionais, entre eles a inviolabilidade do direito à vida e a dignidade da pessoa humana, por considerar que o embrião é pessoa, porque a vida começa na concepção e é um continuo desenvolver-se. Nesse sentido, o embrião teria protegido a inviolabilidade de seus direitos desde a fecundação. No mesmo sentido o Chefe do Ministério Público, que concluiu pela declaração de inconstitucionalidade, mediante aprovação de parecer também de autoria de Cláudio Lemos Fonteles.

Em contrapartida, a presidência da República defende a constitucionalidade do texto impugnado. Argumenta pela constitucionalidade com base no direito à saúde (direito de todos e responsabilidade do Estado), e na livre expressão da atividade científica. Nesse sentido, afirma que as pesquisas permitidas são amparadas pela Constituição. Contanto com o apoio do então Advogado Geral da União, e do Congresso Nacional.

Participaram como amici curiae as seguintes associações:

a) CONECTAS DIREITOS HUMANOS;

b) CENTRO DE DIREITOS HUMANOS – CDH;

c) MOVIMENTO EM PROL DA VIDA – MOVITAE;

d) INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO – ANIS,

e) CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB.

Além disso, o Ministro Relator Ayres Britto determinou a realização de audiência pública, motivado pela relevância social do tema. Nessa audiência pública puderam opinar 22 (vinte e duas) autoridades científicas sobre as diversas questões levantadas no desenvolvimento da ação.

Também entre os amici curiae, e entre os cientistas ouvidos na audiência pública, delinearam-se duas correntes bastante nítidas. Uma conservadora pedindo pela declaração da inconstitucionalidade e consequente proibição das pesquisas com células-tronco embrionárias e uma liberal, que, sustentando a improcedência do pedido inicial, defendia a liberdade para a realização das mesmas pesquisas.

3.2. Voto do Ministro Ayres Britto

O Ministro Ayres Britto inicia seu voto identificando no dispositivo legal cuja constitucionalidade é questionada quatro núcleos deônticos que configuram a norma com as seguintes características: i) A parte inicial do caput do artigo 5º que autoriza a utilização das células-tronco embrionárias humanas para fins de pesquisa e terapia; ii) a parte final do caput do mesmo artigo 5º, em conjunto com os incisos I e II e o § 1º que dispõem as condições cumulativas para que o uso das células-tronco autorizado pela parte inicial do artigo seja possível; iii) A obrigatoriedade do encaminhamento de todos os projetos do gênero para exame de mérito dos comitês de ética e pesquisa competentes, em atendimento ao § 2º; e, iv) A proibição de qualquer espécie de comercialização do material coletado, equiparando tal ato ao crime de "Comprar ou vender, órgãos ou partes do corpo humano", previsto pelo art. 15 da Lei Federal 9.434 de 4 de fevereiro de 1997, em atendimento ao disposto no § 3º.

As condições cumulativas para a possibilidade do uso das células-tronco para fins de pesquisa e terapia são: a) o não aproveitamento para fins reprodutivos dos embriões humanos produzidos por fertilização in-vitro; b) A necessidade de que sejam os embriões inviáveis para reprodução; ou, c) que se sejam os embriões congelados há 3 (três) anos ou mais – marco em que se tem finda tanto a disposição do casal quanto a obrigação de armazenamento por parte das clínicas de fertilização artificial; e, d) O consentimento do casal-doador para que o material seja destinado para a investigação científica.

A partir dessa leitura do dispositivo legal, o Ministro conclui que o conjunto normativo por ela estabelecido tem como pressuposto a intrínseca dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha potencialidade para tanto, mesmo fora do corpo feminino.

Feitas essas considerações, o Ministro Ayres Britto delimita o conceito de "pessoa física, ou natural" àquelas que sobrevivem ao parto humano, como dispõe o código civil ao afirmar que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida. Entendendo que o a personalidade tem uma dimensão biográfica, além de uma dimensão biológica.

Assim, ele conceitua essa dimensão biográfica como o indivíduo numérica ou empiricamente agregado à sociedade, como sujeito que não precisa mais do que a própria faticidade como razão para ser centro de imputação jurídica. Nesse sentido, vida humana revestida do atributo da personalidade se dá entre o nascimento com vida e a morte.

Segundo o Ministro, essa atribuição da personalidade apenas aos indivíduos que nasceram vivos não se contrapõe à Constituição, já que a Constituição não define quando começa a vida humana.

Com isso, o Ministro Ayres Britto se torna capaz de formular a questão que segundo seu entendimento, está presente na ADI 3510, qual seja:

A questão não reside em se determinar o início da vida mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente protegidos pelo direito infraconstitucional e em que medida(§ 24 do Voto).

Começa então a análise dessa questão admitindo como pressuposto para analisar a adequabilidade da Lei o respeito à dignidade da pessoa humana, que, aduz, "é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento" (§ 26 do Voto), no sentido de que protege mesmo no plano infraconstitucional a tudo que se revele como início e continuidade de um processo que deságue no indivíduo pessoa e cita alguns exemplos como à proibição da doação de órgãos e tecidos do feto, por parte da gestante, a não ser quando essa doação não represente perigo à saúde do feto, e a criminalização do aborto.

No entanto, ressalta o Ministro, não se pode deduzir da proibição do aborto o reconhecimento da existência de duas pessoas durante a gravidez humana. O que ocorre é que, embora nenhuma forma de vida pré-natal seja uma pessoa, essa forma de vida é portadora de uma dignidade [por transbordamento] que é importante reconhecer e proteger. Corroborando tal entendimento, refere-se à tentativa de inclusão na constituição a proteção da vida desde à sua concepção, feita pelo então parlamentar Carlos Virgílio, que, porém, não foi considerada convincente o bastante para ser incluída no texto final aprovado.

Entende o Ministro, que ''feto'', ''embrião'' e ''pessoa'' são três realidades distintas que não se confundem. A pessoa humana é o produto final da metamorfose, dos outros dois organismos, mas que a eles não se antecipa:

Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana (§ 29 do Voto).

Com isso estabelecido, ele retoma a dissecação do texto legal, com o intuito de deixar explícito, que os embriões por ela referidos são aqueles que são derivados de uma fertilização sem o acasalamento humano, e portanto, do lado externo do corpo da mulher, em provetas ou tubos de ensaio. Situação em que não mais coincidem concepção e nascituro até à eventual introdução do ovócito no colo do útero de uma mulher. Permanecendo in-vitro, o embrião é insuscetível de progressão reprodutiva, não há continuo desenvolver, contrariamente à alegação feita na petição inicial.

Deixando claro que Lei de Biossegurança não autoriza a retirada de embriões do corpo feminino, mas um procedimento externo, que tem como finalidade o aproveitamento dos embriões para a pesquisa, ao invés do "descarte puro e simples como dejeto clínico ou hospitalar" (§ 37 do Voto), o Ministro se pergunta se haveria uma base constitucional para que um casal possa recorrer a técnicas de reprodução assistidas que incluam a fertilização in-vitro.

Com base no art. 226, § 7º da Constituição da República, entende Ayres Britto que é um direito do casal o livre planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Com isso, resta claro que a decisão sobre o tamanho de sua família, bem como sobre a possibilidade de sustentá-la materialmente e amorosamente é uma decisão a ser tomada pelo casal. O mesmo dispositivo Constitucional dispõe ainda, que é "vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas", donde se conclui que o poder público é proibido de se contrapor à autonomia do casal.

Elabora, então o Ministro, uma outra questão, que entende imprescindível para a solução jurídico-constitucional da ação analisada:

O recurso a processos de fertilização artificial implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher produtora dos óvulos afinal fecundados? Todos eles? Mesmo que sejam 5, 6, 10? (§ 42 do Voto)

Respondendo que não existe tal dever, tanto por inexistir tal imposição em nenhuma lei brasileira, bem como por ser tal exigência incompatível com o próprio instituto do planejamento familiar anteriormente mencionado. Tal imposição representaria uma obrigação à mulher de ter que gerar filhos para seus maridos.

E nesse sentido, é que o Ministro Ayres Britto entende que mais do que a natureza da concepção ou início biológico do homem, mais do que a conceituação jurídica de pessoa humana, o que está em questão no presente caso é a natureza da maternidade. Com isso, considera a argumentação suficiente para entender que o planejamento familiar é uma decisão autônoma do casal, e que a utilização de um processo de fertilização in-vitro é seu direito e que não lhes é exigível a nidação compulsória.

Dessa forma, restariam três alternativas em relação à situação regulada pela Lei de Biossegurança, quais sejam: o armazenamento perpétuo dos embriões congelados, o descarte do material não utilizado, ou a solução apresentada pela Lei de Biossegurança em seu artigo 5º, qual seja a utilização para fins de pesquisa científica e terapia.

Retorna então o Ministro para a associação da Lei de Biossegurança com a Lei Federal nº 9.434/97, por entender que ambos os dispositivos têm como fundamento a mesma fonte Constitucional, qual seja o § 4º do art. 199:

A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, vedado todo tipo de comercialização.

Assim, a regra Constitucional possibilita à legislação infraconstitucional sair em socorro da preservação da saúde. E a Lei, nesse sentido, atribuiu à morte encefálica a condição de marco da cessação da vida humana. O funcionamento do cérebro é, nesse sentido, entendido como o divisor de águas da condição de pessoa natural.

Tem-se assim, um paralelo perfeito entre as duas legislações, já que ao embrião referido faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, que seriam o cérebro humano em gestação. Sendo assim, é algo que jamais será alguém.

Com isso, o Ministro Ayres Britto já conclui que o artigo 5º da Lei de Biossegurança em questão não é inconstitucional (§ 61 do Voto). No entanto, ele não se dá por satisfeito, e continua sua argumentação para demonstrar que o oposto, a proibição da utilização das células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia é que seria inconstitucional.

Tendo como base a inclusão do artigo 199 § 4º [fonte constitucional do art. 5º da Lei de Biossegurança no capítulo da saúde, que, por disposição do art. 6º é direito fundamental, que é direito de todos e dever do Estado, de acordo com o caput do art 196 da Constituição. Em consonância com o artigo 5º, IX, que dispõe:

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Art. 5º.

[…]

IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

De tal maneira que o termo "ciência", enquanto atividade individual, em qualquer de suas modalidades faz parte do catálogo de direitos fundamentais da pessoa humana.

Considerando também que o art. 218 da Constituição afirma que "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica", e que "A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências".

E por fim, considerando o preceito desenvolvido por sua argumentação elaborada até aqui, que a utilização dos embriões inviáveis para a pesquisa científica e terapia não é desrespeito aos embriões [desrespeito seria descartá-los como lixo hospitalar, ou armazená-los congelados perpetuamente], mas sim reverência aos que deles precisam para se curar.

Não resta outra conclusão senão a da inconstitucionalidade da proibição da utilização dos embriões inviáveis para a pesquisa científica e terapia, que representaria, nos dizeres do Ministro, uma verdadeira "desumana omissão de socorro" (§ 69 do Voto).

Por essas razões cumuladas, o Ministro Ayres Britto julga totalmente improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade.

3.3. Voto da Ministra Carmen Lúcia

A Ministra Carmen Lúcia inicia seu voto respondendo a um questionamento sobre a legitimidade do poder judiciário para julgar a causa, já que a lei era desejada pelo povo, apoiada pela comunidade científica e votada pelo legislativo. Explica Carmen Lúcia que o juiz é escravo da Constituição, e que, por esse motivo, tem não só legitimidade, mas o dever de julgar inconstitucionais todas as normas que a contrariarem.

O autor da ação afirma que como a vida se inicia na fecundação, o art. 5º da Lei de Biossegurança afrontaria o direito à vida e a dignidade da pessoa humana. No entanto, a Ministra entende que o Supremo Tribunal Federal não precisa dizer quando começa a vida para julgar a ação.

Para isso, a Ministra passa a analisar o conteúdo do artigo, cujo caput permite a utilização dos embriões para pesquisa e terapia. Entende ela pela impossibilidade de utilização de espécie humana para fins comerciais, eugênicos ou experimentais, pois isso ofenderia a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, ela ressalta a preocupação do legislador em atender à liberdade de pesquisa estabelecendo limites que a compatibilizam com os princípios constitucionais.

A Ministra realiza ainda uma distinção entre terapia e tratamento, para dizer que existem terapias experimentais, e que essas, com o uso do ser humano seriam inconstitucionais, mas não pelos embriões, e sim pelas pessoas que seriam cobaias. Nesse sentido, explica ela que as terapias com células-tronco embrionárias seriam ainda apenas experimentais, e que, por isso, a permissão para o uso terapêutico das células-tronco seria permitido apenas após o desenvolvimento de terapias não experimentais.

Ressalta a Ministra a potencialidade das células-tronco embrionárias em face das células-tronco adultas, por serem as células-tronco embrionárias capazes de produzir qualquer tecido adulto enquanto as outras não se diferenciariam em neurônios, por exemplo. Ademais, a lei não exclui a pesquisa com células-tronco adultas.

Explica também que violar implica em infringir com violência, e que o direito à vida não pode ser entendido a partir da ideia de um direito absoluto. Ou seja, como as células não se dão a viver, porque não implantadas no útero, ou porque são inviáveis não há que se falar em vida nem em direito violado.

Segundo a Ministra, a norma questionada não só é compatível com a Constituição, como ainda tem o propósito de cuidar de um fator humano que não poderia mais ser utilizado para os fins a que inicialmente se destinou. Pelo princípio da solidariedade é importante ressaltar que as pesquisas devem se pautar pelos parâmetros da necessidade, só se podendo utilizar material genético humano quando necessário para o conhecimento, a saúde e a qualidade de vida humanas.

De acordo com a inicial, a dignidade da pessoa humana teria sido ofendida porque o uso das células-tronco embrionárias violaria o direito à vida que nelas já se continha, mas o que a lei faz é na verdade promover uma forma de dignificação da vida, ao possibilitar, para além do exercício do direito de livre expressão científica, descobertas que podem trazer inúmeros benefícios aos homens. Isso tudo em detrimento da alternativa, que seria o lixo.

É importante, por fim, ressaltar que como se trata de material humano, já portador de alguma dignidade, as células-tronco não podem ser objeto de comercialização, como determina o art. 5º da Lei de Biossegurança, que visa ainda a assegurar o controle e a fiscalização, respeitando ao princípio da responsabilidade. A lei questionada não só atende à Constituição, como também às normas internacionais muitas vezes mais rigorosas.

Não se pode também impedir o andar das pesquisas por causa da incerteza de resultados, cada passo dado é um passo em direção à melhoria e à dignificação da pessoa humana. A decisão, no entender da Ministra é sobre a liberdade com responsabilidade ética da pesquisa científica, e é importante, porque sem ela o ser humano poderia ter seu desenvolvimento impedido.

Nesses termos, a Ministra Carmen Lúcia julga improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, por considerar válidos os dispositivos questionados.

3.4. Voto do Ministro Ricardo Lewandowski

O Ministro Lewandowski inicia seu voto tecendo explicações técnicas sobre o tema em debate na ADI, quanto às especificidades das células-tronco embrionárias e sua pluripotência. Explica ainda, que as pesquisas com esse tipo de células têm gerado polêmica por envolver a destruição de um organismo humano vivo. Tais possibilidades ensejam questões sobre a natureza, o início e o fim da vida humana, além dos limites da manipulação do patrimônio genético.

Entende o Ministro que o início da vida pode variar em função da perspectiva gnoseológica; levando a conclusões distintas dependendo da ótica adotada, e que no plano jurídico-positivo, há razões para adotar-se a tese de que a vida tem início à concepção. Afirma ele, que a vida é protegida desde a concepção, e que a negação do estado de pessoa ao embrião não significa que não exista a obrigação de respeito e tutela.

Assim, defende que o debate deve centrar-se no direito à vida como um bem coletivo, e que compreende o direito à saúde. Devemos ser precavidos ante as imprevisibilidades provocadas pelo desenvolvimento técnico-industrial. O direito à vida não pode ser encarado sob uma perspectiva meramente individual, mas um direito comum a todos.

Além disso, o Ministro acredita que a Dignidade da pessoa humana também não pode entendida como um mero direito individual pessoal, mas que se trata verdadeiramente de uma metanorma, a ser observada como parâmetro também em relação aos direitos sociais.

A partir disso, o Ministro ressalta que o art. 5º da lei de Biossegurança não veda a geração de embriões exclusivamente para a pesquisa nem impõe limite numérico à sua produção, e faz um estudo de direito comparado sobre as precauções tomadas por outros sistemas jurídicos. Alerta ainda que o único texto normativo a regular a reprodução assistida no Brasil é a Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina que veda a produção de embriões para qualquer finalidade diversa da reprodução humana.

Protesta ainda que o conceito de inviabilidade do embrião é um conceito indeterminado, e critica a arbitrariedade da Lei ao determinar o prazo de para declarar a inviabilidade. E afirma que a Eugenia é contraria ao Estado Democrático de Direito.

Defende, por fim, que a destruição de embriões congelados é contrária aos valores fundantes da ordem constitucional. Entende que não podemos adotar uma ética fundada em critérios de utilidade e que o valor moral reside num bem supremo e incondicionado, como afirmou Kant. E que, a simples concordância dos genitores não é suficiente para a adequação das pesquisas com a dignidade humana.

Conclui, assim, o Ministro que não é nem conveniente nem jurídico que sejam permitidos projetos de pesquisa com células-tronco embrionárias humanas aprovados exclusivamente pelos comitês de ética das próprias instituições que os realizarão.

Assim, o Ministro Lewandowski julga Ação Direta de Inconstitucionalidade parcialmente procedente, sem no entanto reduzir o texto da Lei questionada, mas lhe conferindo interpretação específica.

3.5. Voto do Ministro Eros Grau

O Ministro Eros Grau inicia seu voto com um esclarecimento. Segundo seu entendimento, a polêmica em torno do disposto pela Lei n. 11.105 não se trata de uma oposição entre ciência e religião, mas de uma oposição entre religião e religião, por considerar que a postura de alguns que dizem falar em nome da Ciência são portadores de mais certezas do que os líderes religiosos. Nesse sentido, ele se coloca a questão sobre quais interesses se manifestam nessa situação, e responde:

Não nos iludamos: levantado o véu, o que há por sob ele – não obstante, é verdade, as melhores intenções de grande número dos que acompanham este julgamento – é o mercado.(§ 6º do Voto)

No entanto, afirma o Ministro, que à Corte cabe apenas controlar a constitucionalidade do artigo 5º e §§ da Lei de Biossegurança. Não obstante à decisão ser conformada pelas pré-compreensões de cada um de seus membros. Mas a decisão será fundamentada de forma estritamente jurídica.

Contrariando o entendimento do relator, com base em algumas possibilidades legais: "o nascituro pode receber doações, figurar em disposições testamentárias e até mesmo ser adotado", o Ministro Eros Grau afirma-se certo de que o nascituro é pessoa. Citando Teixeira de Freitas, afirma ainda que: "todos os entes suscetíveis de aquisição de direitos são pessoas" (§ 14 do Voto). Nesse sentido, é a capacidade do exercício de direitos, que está sujeita à condição suspensiva do nascimento.

Considera ainda o Ministro, que o embrião fazendo parte do gênero humano já é uma parcela da humanidade, e tem sua proteção garantida pela Constituição que lhe assegura o direito à vida. Segundo o Ministro, no aborto, há destruição da vida.

Assim, com base nas razões que até aqui apresentou, ao Ministro não restam dúvidas:

A utilização das células-tronco obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in-vitro e não utilizados no respectivo procedimento afronta o direito à vida e a dignidade da pessoa humana.(§ 16 do Voto)

No entanto, o próprio Ministro afirma que essas razões não conduzem à declaração de inconstitucionalidade do dispositivo ora questionado.

Isso porque, embrião no contexto nesse contexto conota um ser em processo de desenvolvimento vital. Mas o embrião é ser humano durante as primeiras semanas de desenvolvimento intra-uterino. E no contexto da Lei n. 11.105/05, o embrião é o óvulo fecundado fora de útero. No contexto da Lei de Biossegurança, embrião não corresponde a um ser em processo de desenvolvimento vital. É na verdade um ser paralisado à margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo.

Ou seja, uma vez que não há vida humana no óvulo fecundado fora de um útero que o artigo 5º da Lei chama de embrião, não há que cogitar vida humana a ser protegida ou dignidade atribuível a alguma pessoa humana.

Dessa forma, conclui o Ministro que sua linha de raciocínio conduz à conclusão pela constitucionalidade do dispositivo questionado (§ 25 do Voto). Entretanto, afirma ainda o Ministro, que devem ser feitas outras considerações. A pesquisa e terapia permitidas pelo artigo 5º não podem, em coerência com a Constituição ser praticadas de modo irrestrito.

Isso porque, embora ao Supremo Tribunal Federal não caiba mais do que o controle da constitucionalidade; o caráter aberto da ADI os autorizaria a declarar inconstitucionalidade por agressão ao bloco de constitucionalidade. O temor da reificação da vida poderia conduzir à declaração dessa inconstitucionalidade.

No entanto, considera o Ministro, que esse mal deve ser combatido pela prolação de decisão aditiva visando a superar a incompletude do dispositivo legal.

A decisão aditiva acrescenta novo sentido normativo à lei, a fim de que determinado preceito legal seja depurado, adequado aos padrões de constitucionalidade.(§ 31 do Voto)

Com essas ressalvas, declara constitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.105/05, estabelecendo em termos aditivos requisitos a serem atendidos na aplicação dos preceitos.

3.6. Voto da Ministra Ellen Gracie

A Ministra Ellen Gracie inicia seu Voto esclarecendo que não é o propósito do Supremo Tribunal Federal declarar a vitória de qualquer corrente científica, filosófica, moral ou ética. E que não existe uma definição constitucional do momento em que se inicia a vida humana, e que tal definição não é o papel da Corte Constitucional. A tarefa do Supremo Tribunal Federal é, em seu entendimento, averiguar a harmonia do artigo 5º da Lei 11.105/05 com o disposto no texto constitucional.

Assim, ela sintetiza em uma lista os fundamentos apontados para proceder à averiguação proposta:

Para tal intento foram apontados na presente ação, como parâmetros de verificação mais evidentes, o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a garantia da inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput), o direito à livre expressão da atividade científica (art. 5º, IX) o direito à saúde (art. 6º), o dever do Estado de propiciar, de maneira igualitária, ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196) e de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica (art. 218, caput). (§ 6º do Voto)

Considera ainda à Ministra que o dispositivo questionado representa inegavelmente uma resposta a uma inquietante realidade que não mereceu maiores considerações na petição inicial da Ação em discussão.

A técnica da fertilização in-vitro tem, desde o nascimento de Louise Brown, na Inglaterra, possibilitado a milhares de casais com dificuldade ou impossibilidade de conceber filhos pelo método natural a realização seu sonho de maternidade/paternidade.

No entanto, o procedimento de fertilização in-vitro gera o surgimento de embriões excedentes, muitos inviáveis, que serão descartados ou congelados por tempo indefinido, sem perspectiva de implante e consequente formação de pessoa humana. A aceitação desse excedente de óvulos fertilizados é um custo necessário à superação da infertilidade, e sua aceitação deveria ser um debate prévio ao debate acerca das pesquisas com células-tronco.

Porém, prossegue a Ministra, até a elaboração da Lei de Biossegurança, a única regulamentação sobre a matéria existente era uma Resolução do Conselho Federal de Medicina, de 1992, levando-se em consideração que a primeira brasileira fruto de uma fertilização in-vitro nasceu em 7 de outubro de 1984. Tal era o cenário lacunoso com que se deparou o legislador em 2005.

Na legislação estrangeira, para efeito de comparação, o Reino Unido elaborou em 1990, após amplo debate, iniciado em 1982, o Human Fertilisation and Embriology Act, que regulamenta os procedimentos de reprodução assistida e das pesquisas embriológica e genética. Essa legislação permite a manipulação científica de embriões oriundos da fertilização in-vitro, desde que não transcorridos 14 dias contados do momento da fecundação. O que significa, que apenas após o estágio pré-embrionário é que o embrião surge como uma estrutura propriamente individual.

Com essa caracterização da categoria pré-embrião, foi possível a remoção do objeto da experimentação científica do escopo do discurso moral para inseri-lo num universo técnico.

Na Legislação brasileira, por sua vez, o art. 5º da Lei 11.105/05 autoriza o manejo das células-tronco embrionária de uma maneira restrita.

Primeiramente, a legislação permite o uso exclusivamente nas atividades de terapia e pesquisa. Além disso, delimita qual o universo de embriões que poderá ser utilizado – apenas os produzidos in-vitro e não aproveitados no tratamento. Além disso, os embriões utilizados deverão ser inviáveis, sendo necessário também que os embriões sejam regularmente destinados à pesquisadas com o expresso consentimento dos genitores e que as instituições às quais eles sejam destinados sejam anteriormente aprovadas pelos respectivos comitês de ética em pesquisa.

Além disso, a legislação afasta a possibilidade de fertilização com o objetivo imediato de produção de material biológico para pesquisas, e reconhece a dignidade do material por ela tratado, ao criminalizar a comercialização do embrião, bem como sua utilização indevida.

Considera, assim, dadas essas restrições, um significativo grau de razoabilidade e cautela, bem como a aplicabilidade do princípio utilitarista ao caso:

O aproveitamento, nas pesquisas científicas com células-tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos.(§ 27 do Voto)

Motivos pelos quais a Ministra Ellen Gracie não vislumbra ofensa à dignidade da pessoa humana. Com o afastamento da alegação de violação ao direito à vida, em razão da improbabilidade da utilização dos pré-embriões na geração de novos seres, a Ministra julga improcedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade.

3.7. Voto do Ministro Joaquim Barbosa

O Ministro Joaquim Barbosa inicia seu voto assentando que a discussão no presente caso é sobre a constitucionalidade da permissão do uso de células-tronco embrionárias para a pesquisa científica. De tal maneira, entende o Ministro, que não se trata de uma eventual decisão sobre o momento do início da vida. Questão que nem a ciência está apta a determinar.

Nesse sentido, entende que o cerne da questão é verificar se a exceção à tutela conferida ao direito à vida é legítima, frente à Constituição da República. Explica o Ministro, que, como já havia afirmado em outro julgamento, que a tutela da vida humana apresenta graus diferenciados em relação às diversas fases do ciclo vital, é por essa razão que a lei distinge, por exemplo, os crimes de aborto, de infanticídio e de homicídio, imputando inclusive penas diferentes para essas condutas. Cumpre verificar, nesse sentido, não quando tem início a vida, mas se à exceção proposta pelo art. 5º da Lei de Biossegurança atende aos princípios estabelecidos na Constituição.

Então afirma o Ministro que em sua opinião a resposta sobre se há compatibilidade é positiva. A finalidade da lei foi regulamentar e permitir o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. Dessa forma, trata-se de uma decisão legislativa entre dois valores:

Temos, de um lado, a tutela dos direitos do embrião, fruto de técnicas de fertilização in-vitro, inviáveis ou congelados por desinteresse dos genitores em implantá-los no útero, e, de outro, o direito à vida de milhares de crianças, adultos e idosos portadores das mais variadas doenças ainda sem tratamento e sem cura. Nessa ponderação de valores referentes ao mesmo princípio – inviolabilidade da vida. (§10º do Voto)

Ressalta o Ministro a importância das limitações e requisitos impostos pela lei, que outorga a faculdade da utilização das células-tronco embrionárias condicionada a três fatores: a inviabilidade do embrião; a permissão expressa dos genitores e a vedação da comercialização dos embriões.

Entende assim o Ministro, que estão respeitados três primados fundamentais da República, quais sejam, a laicidade do Estado e a liberdade de crença e religião; o respeito à liberdade privada; e o respeito à liberdade de expressão da atividade intelectual e científica.

Entende que a questão sobre a destinação dos embriões excedentes é uma responsabilidade dos pais, de tal maneira que:

Ninguém poderá obrigá-los a agir de forma contrária aos seus interesses, aos seus sentimentos, às suas idéias, aos seus valores, à sua religião, e à sua própria convicção acerca do momento em que a vida começa. Preservam-se, portanto, a esfera íntima reservada à crença das pessoas e o seu sagrado direito à liberdade. (§ 18 do Voto)

Elabora ainda o Ministro um estudo sobre o Direito comparado, sintetizando que as legislações estrangeiras que tratam sobre o tema têm ao menos três pontos em comum, e que tais pontos são também respeitados pela legislação brasileira. Conclui então, que a legislação brasileira é adequada e razoável, em relação à legislação estrangeira.

Por fim, ressalta o Ministro o desafio histórico que se coloca a humanidade frente ao desenvolvimento tecnológico, que faz com, que a ética antiga já não seja mais adequada, sendo necessário e positivo que discussões nesse sentido ocorram. E que por isso mesmo, o melhor caminho para a proteção à vida é a existência de uma legislação consciente e de órgãos com competência técnica para implementá-la.

E conclui que a permissão para a pesquisa científica como disposta pela lei em questão não padece de inconstitucionalidade, julgando dessa maneira totalmente improcedente o pedido, acompanhando o voto do Ministro Relator.

3.8. Voto do Ministro Cezar Peluso

O Ministro Cezar Peluso inicia seu voto ressaltando a gravidade do tema, tanto em relação à questão jurídico-constitucional quanto à polêmica gerada pelo tema e pelos temores sobre as possibilidades do desenvolvimento tecnológico, como os rumos a que levaram os estudos sobre a fissão nuclear.

A seguir, se dedica a refutar argumentos apresentados, mas que seriam irrelevantes para o caso. Afirma o Ministro que a analogia entre a morte encefálica e o início da vida não é aplicável, já que a morte encefálica é ficção jurídica; que a potencialidade das pesquisas com as células-tronco adultas não interfere em nada no caso; que as normas infraconstitucionais não apresentam um parâmetro adequado para analisar o grau de importância do embrião; que a equiparação ao aborto é improcedente, já que o aborto pressupõe a existência de vida intra-uterina; o argumento ad terrorem sobre a possível comercialização dos embriões representa verdadeiro contrassenso, já que a Lei de Biossegurança veda expressamente essa prática; e que as referências à paternidade responsável servem unicamente para justificar os procedimentos de fertilização in-vitro.

Isso posto, o Ministro coloca a questão central a ser respondida pelo Supremo Tribunal Federal que é se a tutela constitucional da vida se aplica à classe dos embriões e, mais especificamente, à dos embriões inviáveis e congelados.

Nesse sentido, entende que para receber a total proteção outorgada pela Constituição é necessário que exista vida de pessoa humana, e que a falta dessa condição invalida o fundamento da inicial. Porém, o atributo de humanidade já está presente tanto no embrião quanto nas demais fases do desenvolvimento. De tal maneira que lhe é garantido um tratamento digno.

Não parece, também aos olhos do Ministro, relevante a discussão sobre o início da vida uma vez que, muito embora revestidas de aparente autoridade científica, qualquer posição nesse sentido é necessariamente arbitrária. No entanto, considerar que a vida e sua proteção são desde a fecundação, ainda que fora do útero, levaria à inconstitucionalidade da produção de múltiplos embriões para a fertilização in-vitro, o que praticamente não é contestado por ninguém.

Assim, avaliando se a Lei de Biossegurança oferece tratamento digno ao embrião, só se pode concluir que mantê-lo congelado, ou descartá-lo é claramente menos digno do que a destinação para as pesquisas científicas.

Não se pode entender o embrião como agente do seu próprio desenvolvimento, já que essa postura desconsideraria a função biológica e o papel jurídico-normativo correspondente do útero, que seria, nesse caso, reduzido a mero meio adequado. Entende o Ministro que a mulher não é apenas o local da procriação, a introdução do embrião no útero é condição necessária para o desenvolvimento do embrião. Como os embriões excedentes do processo de fertilização in-vitro não são sujeitos de direito a vida, não resta nenhum óbice legal para que os pais possam destiná-los à pesquisa, ao invés do congelamento perpétuo ou do descarte sem proveitos.

Ressalta o Ministro ainda, que não se admite nenhum tipo de experiência eugênica pelo permissivo legal analisado. O entendimento dos opositores das pesquisas, por uma questão de coerência, deveriam ser também contrários ao procedimento de fertilização in-vitro, já que o desenvolvimento do embrião é interrompido ou suspenso pelo congelamento, de modo tão artificial quanto o modo como começou.

Assim, é que os embriões devem ser tratados com certa dignidade, e são a eles garantida certa proteção, embora não se possa atribuir-lhes a condição de pessoa.

Por esses fundamentos, julga improcedente a ADI, ressaltando, que dá interpretação conforme à Constituição aos artigos relativos aos embriões na legislação impugnada.

3.9. Voto do Ministro Gilmar Mendes

O Ministro Gilmar Mendes inicia seu voto argumentando pelo papel do Supremo Tribunal Federal em julgar questões polêmicas, como a que ora se analisa. Segundo ele, o Tribunal possui legitimidade democrática para exercer a função. E é, a exemplo do parlamento, a casa do povo.

A questão a ser analisada é a constitucionalidade da utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa científica. Entretanto, alerta o Ministro que questões sobre o que é a vida não possuem resposta racionalmente aceitável de forma universal. Mas que independente do termo inicial da vida, sabe-se que há elemento vital digno de proteção jurídica, citando Habermas: "ainda que não receba status de sujeito de direito, pode ser considerado indisponível."

Nesse sentido, a questão que se coloca não é decidir quando ou de que forma a vida humana teria início ou fim, mas decidir qual o papel do Estado na proteção desse organismo pré-natal, em relação às tecnologias cujos resultados são imprevisíveis para o próprio homem.

Segundo o Ministro, com base no pensamento de Hans Jonas, e na distinção entre Homo Faber e Homo Sapiens, o Estado deve reger sua atuação com base no princípio da responsabilidade. Esse princípio significa um conselho, de que deve-se conservar para o homem que nenhuma das circunstâncias poderá suprimir seu mundo e sua essência contra os abusos de seu poder.

Não se trata, nesse sentido, de criar obstáculos, mas da exigência de responsabilidade. Pergunta-se então, se a Lei de Biossegurança regulamenta as pesquisas com a prudência exigida por um tema tão complexo.

Considera o Ministro que a lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização. Nesse sentido, a lei foi cuidadosa, mas o Ministro se diz perplexo diante da existência de apenas um artigo a regular um tema tão importante. Segundo ele, ao deixar a regulamentação à competência do poder Executivo, a lei é deficiente, e por isso, poderia violar o princípio da proporcionalidade.

O Estado, entende o Ministro, tem o dever não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção dos direitos, mas também é seu dever proteger tais direitos contra agressão por atos de terceiros. Não observar o dever de proteção a esses direitos corresponde à lesão do direito ensejado por atos de terceiros.

Para efeito de comparação, o Ministro Gilmar Mendes elenca diversas normas no Direito estrangeiro, que ao tratar do mesmo tema, segundo sua observação, são significativamente mais cuidadosas. Cita entre outros, a legislação alemã, a legislação australiana, a legislação francesa e a mexicana, que adotam, segundo ele, restrições imprescindíveis, como a adoção da Cláusula de subsidiariedade, que determina que as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas só podem ser realizadas após terem sido esgotadas todas as experimentações com células de animais e as células-tronco embrionárias humanas seriam a única opção.

Além disso, essas legislações, extremamente restritivas, segundo o entendimento do Ministro estabelecem a criação de um Comitê de Ética Central para as pesquisas com células-tronco embrionárias, e que, com essas medidas, impede a possibilidade de abusos e transgressões.

No entanto, a legislação brasileira deixa de abordar aspectos considerados essenciais, de tal maneira que é impossível negar a deficiência da lei brasileira. Insiste o Ministro na crítica à exiguidade de artigos regulamentando a matéria na lei brasileira – apenas um – entendendo que a lei é lacunosa por não instituir um comitê central de ética devidamente regulamentado e por não conter cláusula de subsidiariedade.

No entanto, entende o Ministro que a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal questionado geraria um vácuo normativo ainda mais danoso, e propõe como alternativa viável, a interpretação do dispositivo conforme a constituição.

Assim, finaliza o Ministro declarando a constitucionalidade do art. 5º da Lei Federal nº 11.105/2005 e seus incisos e parágrafos, mas condicionado à interpretação segundo a qual a permissibilidade das pesquisas deve ser condicionada à prévia autorização e aprovação por Órgão Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde. Atendendo assim o princípio da proporcionalidade.

3.10. Voto do Ministro Marco Aurélio

O Ministro Marco Aurélio inicia seu voto com uma crítica ao voto do Ministro Gilmar Mendes, por ter feito recomendações legislativas. Segundo ele, tal atitude extrapolaria as competências do Supremo Tribunal Federal, que estaria assumindo um papel de legislador positivo. Caberia ao Supremo Tribunal Federal, portanto, analisar apenas a constitucionalidade da lei em promulgada, e não qual lei deveria ter sido promulgada.

A partir disso, ele levanta os requisitos legais para a permissão das pesquisas com células-tronco dispostos pelo art. 5º da Lei de Biossegurança, e afirma que para se julgar o caso, seria necessário apenas questionar onde reside a ofensa à Constituição que justifique a declaração de inconstitucionalidade do citado art 5º à CRFB.

No entanto, em respeito às opiniões contrárias, analisa a questão, afirmando que devem ser colocadas em 2º plano paixões de toda ordem, e que o exame a ser feito deve ser estritamente técnico-jurídico. Afirma que somente em casos extremos, o Tribunal deve realizar a interpretação adentrando no subjetivismo. Porém, segundo o Ministro, a aprovação "acachapante da lei, que foi aprovada por 96% dos senadores e 85% dos Deputados atestaria a razoabilidade da mesma".

Prossegue o Ministro, afirmando que quanto à questão do início da vida, não exibe balizamento que não seja só opinativo, podendo-se adotar vários enfoques, enfoques inclusive que se sucederam ao longo da história como opiniões majoritárias. Cita Santo Agostinho, para dizer que o homem não tem a capacidade de determinar o ponto durante o desenvolvimento do feto em que ele adquire alma.

No caso presente, entretanto, não está envolvida a viabilidade, pois o art. 5º da Lei de Biossegurança fala apenas no aproveitamento de embriões gerados in-vitro e inviáveis ou congelados há 3 anos, entre diversas outras restrições.

Assim, como os embriões em questão jamais virão a se desenvolver, jamais serão fetos. E por isso, levando em consideração que a interpretação da Constituição como protegendo a vida de forma geral, inclusive a uterina em qualquer fase, já é controvertido, o que se dirá a respeito dos embriões gerados por fertilização in-vitro, já sabidamente inviáveis.

Nesse sentido, como não se pode obrigar a mulher a gerar todos os embriões fecundados in-vitro, pois tal obrigatoriedade contrariaria o direito ao livre planejamento familiar assegurado pela Constituição, as alternativas seriam a possibilidade de descarte dos embriões ou o seu possível aproveitamento em pesquisas científicas e uso terapêutico. Devendo prevalecer o entendimento pela possibilidade aproveitamento com base no ideal de solidariedade.

Assim, entre obrigar ao descarte dos embriões, ou permitir a pesquisa, a opção mais digna, posto que as células-tronco possuem características insubstituíveis, tem-se que a óptica dos contrários às pesquisas não merece prosperar.

O Ministro relata, por fim, uma pesquisa de opinião realizada sobre o tema no Brasil, em que 95% das pessoas que opinaram se mostraram favoráveis à liberação das pesquisas, entendendo que esse apoio da população à lei deve ser levado em consideração no caso.

Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio acompanha o voto do Ministro Relator Ayres Britto para julgar improcedente o pedido formulado na inicial, assentando a harmonia do artigo questionado com a Constituição.

Sobre o autor
Mateus Morais Araújo

Bacharel em Direito pela UFMG. Advogado inscrito na OAB/MG. Mestrando em Ciência Política na UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Mateus Morais. De quimeras e outras aberrações.: Um estudo sobre a constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2436, 3 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14444. Acesso em: 25 nov. 2024.

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