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Dano moral, STJ e desestímulo às avessas

Agenda 10/03/2010 às 00:00

Palavras-chave: responsabilidade civil, dano moral, arbitramento, tabelamento, natureza da indenização, quantificação do valor indenizatório, casuística e jurisprudência do STJ, inversão da função de desestímulo.

Para determinar o valor do montante indenizatório no dano moral, o legislador conferiu ampla liberdade ao magistrado, como não poderia deixar de ser, pois esse deve examinar os fatos em sua concretitude para arbitrar uma justa indenização [01].

A par do subjetivismo inerente a esse escaninho da responsabilidade civil, com escopo de evitar a discricionariedade, alguns critérios devem ser observados pelo prudente arbítrio do magistrado, como a extensão do prejuízo, as particularidades do caso sub judice, a condição econômica das partes, o grau de culpa do ofensor e a função de desestímulo da indenização.


A função de desestímulo da indenização por dano moral

A priori, é fundamental esclarecer que justa é a indenização capaz de compensar a vítima pelos danos experimentados e, na mesma medida, punir o ofensor pela prática ofensiva, a fim de desestimular novos atos lesivos. É dessa maneira que a moderna e atualizada jurisprudência[02], assim como a doutrina[03], concebem a indenização por dano extrapatrimonial. Não é por outra razão que o Projeto de Lei 276/2007 pretende acrescentar ao art. 944 do Código Civil um §2º, alterando a redação do atual parágrafo único para a seguinte:

"A reparação por dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante".

O Código de Defesa do Consumidor, o mais moderno diploma legislativo de nosso ordenamento, em sintonia com os novos anseios sociais, já garante ao consumidor o direito de prevenir novas lesões, a teor de seu artigo 6º, inciso VI, o que só é possível quando considerada a natureza punitiva da indenização.

Nessa seara se agiganta o papel do magistrado, pois somente ele, analisando o conjunto fático-probatório sob a ótica do razoável e atento às condições subjetivas das partes, é capaz de arbitrar um montante indenizatório suficiente a compensar a vítima pelos prejuízos experimentados e constranger o ofensor a não reincidir na prática lesiva.


O tabelamento e sua inviabilidade

Em oposição à tese por nós advogada, existem aqueles que defendem a tarifação do quantum debeatur nas indenizações pelo agravo imaterial. Há em nosso ordenamento alguns dispositivos que tabelam o valor dessas reparações e não são poucos os projetos de lei que tramitam ou tramitaram a fim de estabelecer a tarifação, em substituição ao arbitramento vigente[04].

Esses atos legislativos e projetos de lei nos parecem eivados de manifesta inconstitucionalidade, visto que a Lei Maior adotou o sistema aberto, em oposição a toda e qualquer espécie de limitação. Se o constituinte não limitou o valor indenizatório, impossível o legislador infraconstitucional o fazer.

Os tribunais superiores não acolhem tese diversa. Acertadamente, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF 130 julgou que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 [05], enquanto o Superior Tribunal de Justiça afastou a aplicação dos limites estabelecidos na mesma lei para a indenização por dano moral [06], tendo sumulado o mesmo entendimento[07].

O sistema de tabelamento mostra-se inviável, porque ainda que o legislador se empenhasse em tarifar todas as situações alcançadas por seu conhecimento e imaginação, o poder criativo da realidade social é sempre surpreendente ao olhar do jurista, capaz de criar situações antes inimagináveis.

Além disso, esse modo de quantificar a lesão extrapatrimonial é despersonalizado e desumanizado[08]. Suponhamos que "José" compra um veículo da empresa A e efetua o pagamento no ato da compra, mas, por um equívoco, a empresa A o inscreve no rol dos maus pagadores. Contudo, ao tomar ciência do engano, providencia de imediato a sua retirada, apesar disso, José ajuíza ação de indenização por dano moral.

De outro lado, "João" compra um veículo da empresa B e também realiza o pagamento no ato da compra, porém, a empresa B envia-lhe uma série de cobranças, sendo informada várias vezes que a quantia cobrada já foi quitada. Mesmo assim, a empresa B permanece com as cobranças durante 6 meses, quando então providencia a inscrição de João junto aos órgãos de restrição ao crédito e, depois de informada pelo consumidor do engano, não realiza a devida retirada. Em razão disso João demanda a empresa B para ter seus prejuízos compensados.

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Em relação à condição das partes, anote-se, hipoteticamente, que José já possuía inscrições anteriores ao tempo da inserção indevida e a empresa A é uma pequena loja de venda de veículos. Por seu turno, João nunca experimentara tamanho constrangimento e a empresa B é uma das maiores do ramo automobilístico brasileiro e uma nas quais inscrições indevidas são mais freqüentes.

Pelo tabelamento as indenizações arbitradas nos dois exemplos seriam iguais, malferindo os princípios constitucionais norteadores de nosso ordenamento jurídico: a dignidade da pessoa humana e a isonomia.

Por fim, é certo que o magistrado, após equacionar os fatos, a condição das partes e peculiaridades do caso concreto, está muito mais próximo de estabelecer o quantum ideal do que o legislador que deve trabalhar com uma fórmula geral e abstrata.


O STJ e o desestímulo às avessas

Em teoria, o STJ adota a tese, já consagrada entre os juristas, da dupla função da indenização por dano extrapatriomonial [09]. Entretanto, a prática forense tem demonstrado uma enorme contradição nesse tribunal, visto que a maioria dos recursos especiais em ações indenizatórias são parcialmente providos, com a redução dos valores arbitrados em primeiro e segundo grau, sob o falho argumento de que se evita o enriquecimento sem causa da vítima.

As atuais decisões do Superior Tribunal de Justiça revelam um tabelamento implícito [10] e inconstitucional. Para inscrição indevida, por exemplo, o STJ tabelou indiretamente o preço de compensação de R$ 10.000,00 – STJ: 4ª Turma: REsp nº 590.342 – RJ, REsp nº 908.480 – PI, REsp 706.126 – SC; 3ª Turma, REsp nº 1.105.974 – BA. Com isso a corte pôs à venda o dano moral e inverteu a sua função coadjuvante que, agora, passa a ser estimular o ato ofensivo.

Com muita propriedade, CARLOS ROBERTO GONÇALVES ensina que a noção prévia do valor a ser indenizado permite ao agressor comparar o montante indenizatório com as possíveis vantagens decorrente da prática do ato ilícito, optando, em alguns casos, pela prática ofensiva[11].

Se o propósito inicial era aplicar uma indenização que respondesse aos anseios sociais, com a diminuição das práticas lesivas, o atual posicionamento da Corte Especial desvirtua o instituto. Em rigor, ocorre um desestímulo às avessas, a vítima é desestimulada a enfrentar todos os dissabores trazidos por uma contenda judicial para receber, ao final, um valor irrisório.

De outro vértice, o ofensor é estimulado a práticas lesivas, porque sabe que, não obstante o arbitramento de uma indenização justa pelo magistrado de primeiro grau, em última instância, o valor será revisto. Ademais, poucos serão os que perseguirão a reparação de seus direitos na esfera judicial com valores reparatórios que não compensam nem os aborrecimentos de uma contenda judicial, tampouco o prejuízo experimentado.

Sob outra ótica, indaga-se: o que representa R$ 10.000,00 para uma empresa com o faturamento trimestral de R$ 3,79 bilhões de reais como a VIVO S.A., uma das recordistas em demandas[12]? Ou ainda para empresas como a TAM LINHAS AÉREAS, de faturamento trimestral de R$ 2,3 bilhões[13]? Como pode o STJ acreditar que esses valores realmente desestimulam as práticas lesivas?

Prova inconteste da ineficácia dos atuais valores indenizatórios é a enorme reincidência dos atos ofensivos. Consequentemente há o abarrotamento do Judiciário com ações que poderiam ser evitadas se o "Tribunal da Cidadania" defendesse efetivamente os interesses do cidadão.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, é bom questionar ainda a possibilidade de revisão do montante indenizatório pelo STJ em virtude de sua Súmula 7. Para essa corte, afastada da razão, só é possível a revisão do valor quando esse se mostrar desproporcional, de sorte que haveria uma questão de direito e não mais uma quaestio facti.

Entretanto, na autorizada voz de SÉRGIO CAVALIERI FILHO, no agravo moral, não se prova o dano, mas o fato ofensivo:

"Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum."[14]

Como o STJ pode julgar a proporcionalidade do valor compensatório de olhos vendados, sem adentrar o plano fático e violar sua súmula 7? No dano moral, fato e direito estão intimamente ligados, não podem ser decantados como fantasia o tribunal em apreço.


Conclusão

É lamentável a atual posição do Superior Tribunal de Justiça que, com receio do enriquecimento ilícito, pôs à venda o dano moral, autorizou as ofensas extrapatriominais àqueles capazes de pagar o seu preço, rasgando o princípio da dignidade da pessoa humana. Já alertara IHERING de que pior do que cometer injustiças, é tolerá-las. Os ilustres ministros, no entanto, parecem esquecer essa tão antiga, porém atual lição.

Novamente, a história se repete no país tropical, instituições e institutos, jurídicos e políticos, são desvirtuados em favor de uma minoria, que, desta vez, é representada pelas grandes empresas, e a justiça, para o "Tribunal da Cidadania", não ganha contornos diversos da que lhe dera Transímaco.


Notas

Sobre o autor
Mozart Vilela Andrade Junior

Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, monitor da matéria de "Introdução ao Estudo do Direito"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE JUNIOR, Mozart Vilela. Dano moral, STJ e desestímulo às avessas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2443, 10 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14480. Acesso em: 23 dez. 2024.

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