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O Projeto de Lei nº 5.941 e a capitalização da Petrobras

Agenda 12/03/2010 às 00:00

1. INTRODUÇÃO

As recentes descobertas da PETROBRAS e de outras empresas na província do Pré-Sal, localizada na plataforma continental brasileira, podem representar a agregação de reservas superiores a 50 bilhões de barris de petróleo, volume quatro vezes maior que as atuais reservas nacionais. Nessa província devem existir grandes reservatórios de petróleo e gás natural localizados abaixo de camadas salinas que se estendem, com certeza, do litoral do Espírito Santo até o litoral de Santa Catarina. São 800 quilômetros de comprimento e até 200 quilômetros de largura. Estima-se que a área total do Pré-Sal seja de 149 mil quilômetros quadrados. Desse total, 42 mil quilômetros quadrados já foram objeto de concessão e 107 mil quilômetros quadrados ainda não foram licitados.

Em razão da recente descoberta, no dia 31 de agosto, o Poder Executivo Federal lançou sua proposta de um novo marco legal para exploração de áreas estratégicas como o Pré-Sal, que foi resultado de um trabalho elaborado no âmbito de uma Comissão Interministerial criada em 18 de julho de 2008.

Essa proposta é composta de 4 projetos de lei que tratam, respectivamente, da introdução do regime de partilha de produção, da criação de uma nova empresa pública, da criação de um fundo social, da cessão de direitos de exploração da União e da capitalização da PETROBRAS.

O principal objetivo deste trabalho é a análise dessa quarta proposição, o Projeto de Lei nº 5.941/2009 (PL 5.941).


2. O PROJETO DE LEI Nº 5.941

O PL 5.941 autoriza a União a ceder onerosamente à PETROBRAS, dispensada a licitação, o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177. da Constituição Federal, em áreas não concedidas localizadas no Pré-Sal.

O Projeto limita a cessão ao volume máximo de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo e prevê que o pagamento pela PETROBRAS poderá ser efetivado em títulos da dívida pública mobiliária federal. Também está previsto que os volumes de barris equivalentes de petróleo, assim como os seus respectivos valores econômicos, serão determinados a partir de laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras.

Estabelece ainda que caberá à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) subsidiar a União nas negociações a serem realizadas com a PETROBRAS para a determinação dos volumes disponíveis de hidrocarbonetos e de seus valores econômicos correspondentes.

Além disso, o PL 5.941 estipula que serão devidos royalties sobre o produto da lavra, nos termos da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Por fim, o PL 5.941 autoriza a União a subscrever ações do capital social da PETROBRAS e a integralizá-las com títulos da dívida pública mobiliária federal, que poderão ser emitidos a critério do Ministro de Estado da Fazenda, precificados a valor de mercado e sob a forma de colocação direta.

Os diagramas mostrados a seguir apresentam, de forma muito simplificada, os registros contábeis que poderão ser feitos no balanço patrimonial da PETROBRAS, caso o PL 5.941 seja aprovado.

De acordo com o art. 1º, a União fica autorizada a ceder à PETROBRAS, dispensada a licitação, o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o inciso I do art. 177. da Constituição Federal, em áreas não concedidas localizadas no Pré-Sal.

Essa autorização poderá produzir o seguinte registro no balanço patrimonial da PETROBRAS:

PETROBRAS

ATIVO

PASSIVO

Direito de exploração

Dívida com a União

Títulos públicos

Capital social integralizado

O parágrafo 2º do art. 1º dispõe que a PETROBRAS poderá efetivar o pagamento devido pela cessão de que trata o caput do art. 1º em títulos da dívida pública mobiliária federal. Assim, a integralização do capital social da PETROBRAS feita pela União com títulos da dívida pública mobiliária federal fará com que a obrigação registrada no passivo (dívida com a União) seja "liquidada", tendo como contrapartida a perda de um direito no ativo (títulos públicos).

Cumpre ressaltar que o Projeto de Lei não estipula limites ao valor da subscrição e da integralização do capital da PETROBRAS. Também não são estabelecidos limites à emissão de títulos da dívida pública mobiliária. Dessa forma, não haverá, necessariamente, equivalência entre o valor dos títulos públicos a serem emitidos e o valor da dívida com a União. Pode-se inferir, no entanto, que esses valores devem ser iguais.

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No que concerne ao valor da cessão onerosa dos 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo, o projeto de lei não estabelece parâmetros, deixando sua quantificação a critério de "laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras, observadas as melhores práticas da indústria".

Os valores estimados para o barril de petróleo sob a camada Pré-Sal variam significativamente. A maioria dos analistas indicam valores abaixo de US$ 5,00 por barril. O analista da UBS Pactual, Gustavo Gattas, calcula que o valor do petróleo sob a camada Pré-Sal seja de US$ 2,50 por barril. Emerson Leite, do Credit Suisse, estima que o valor seja de US$ 4,30 3.

O líder do governo no Senado Federal teria afirmado 4 que o governo pretende promover uma capitalização de cerca de US$ 50 bilhões por meio de barris de petróleo, levando-se em consideração uma cotação para o óleo em estoque de US$ 10,00 por barril.

Com o objetivo de averiguar a adequação desses valores, cumpre analisar os custos incorridos para a exploração do petróleo no Pré-Sal. A Tabela 2.1 apresenta o custo de extração (lifting cost) do barril de petróleo pela PETROBRAS 5, por trimestre, durante o período compreendido entre 2007 e 2009.

Tabela 2.1 – Custo de extração do 2º trimestre de 2009 ao 1º trimestre de 2007.

[IMAGEM NÃO DISPONÍVEL]

O PL 5.941 não prevê a cobrança de participação especial. Dessa forma, a participação governamental seria limitada à cobrança de royalties, que correspondente a até 10% do valor do petróleo produzido. Considerando que o custo de extração oscila pouco em razão de alterações do valor do petróleo, torna-se possível estimar o resultado da produção dos 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo.

Com o objetivo de não superestimar os lucros da operação, considerando um provável custo mais elevado de exploração no Pré-Sal, considera-se conveniente elevar o valor do custo de extração sem participação governamental em 100%. Desse modo, o custo de extração sem participação governamental seria de US$ 16,84 por barril. O custo de extração real seria de US$ 16,84 mais royalties de 10% do valor de venda do petróleo, que é a alíquota máxima.

A Tabela 2.2 apresenta a receita líquida decorrente da produção como função do preço médio do barril de petróleo durante todo o período de exploração dos 5 bilhões de barris cedidos à PETROBRAS.

Tabela 2.2 – Receita líquida da PETROBRAS

[IMAGEM NÃO DISPONÍVEL]

O PL 5.941/2009 prevê a cessão onerosa de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo à PETROBRAS sem estabelecer parâmetros mínimos para assegurar a remuneração da União pela cessão do seu direito de exploração desse recurso natural.

Ao longo do período de produção desses barris, a PETROBRAS poderá ter receitas líquidas de cerca de US$ 230 bilhões, caso o preço médio do barril seja de US$ 70,00. Valor muito maior que os US$ 50 bilhões que estão sendo citados como o valor que a União poderia receber pela cessão do seu direito exploratório.

Considerando que a PETROBRAS não pagará participação especial, a cessão pode ser até mesmo sem ônus, se houver grande produção e elevados preços do petróleo. A PETROBRAS poderia, até mesmo, receber o direito de explorar 5 bilhões de barris com bônus em vez de ônus.

Com relação à capitalização da PETROBRAS, existem três cenários: os acionistas minoritários exercem integralmente seus direitos de preferência, exercem parcialmente ou não exercem nenhum direito de preferência.

Caso os acionistas minoritários exerçam integralmente o direito de preferência para a subscrição do aumento de capital social da PETROBRAS, a participação da União nesse capital permaneceria inalterada em 32,2%.

Nesse caso, sem computar a perda de arrecadação da participação especial, a diferença entre o valor recebido pela cessão e a receita obtida pela cessão seria de US$ 180 bilhões. Como os acionistas privados continuariam, nesse cenário, com 60% do capital social da PETROBRAS, haveria uma transferência de US$ 108 bilhões do setor público para o setor privado.

Caso os acionistas minoritários não exerçam integralmente seus direitos de preferência, a participação da União no capital social da PETROBRAS aumentaria e a transferência de patrimônio do setor público para o privado seria menor. Entretanto, no cenário atual, seria prematuro avaliar esse aumento.


NOTAS

1 https://economia.uol.com.br/cotacoes/ultnot/2009/08/29/ult29u69530.jhtm. Acesso em 07 de setembro de 2009.

2 https://www.valoronline.com.br/?impresso/valor_digital/-1/5784909/1/uniao-pode-por-ate-r-100-bi-na-petrobras. Acesso em 07 de setembro de 2009.

3 https://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2009/09/04/uniao+pode+obter+ganho+extra+sem+participacoes+especiais+8268920.html. Acesso em 06 de setembro de 2009.

4 https://br.noticias.yahoo.com/s/31082009/25/economia-barbassa-diz-nao-ha-da.html&printer=1. Acesso em 08 de setembro de 2009.

5 https://www.petrobras.com.br. Acesso em 06 de setembro de 2009.

6 https://www.eia.doe.gov/oiaf/forecasting.html. Acesso em 06 de setembro de 2009.

7 O valor da participação especial foi estimado considerando a relação média entre o seu valor e o valor dos royalties, durante o período compreendido entre 2003 a 2008, conforme dados obtidos no sítio da Agência Nacional do Petróleo – ANP, sendo em média 8% superior ao dos royalties.

Sobre o autor
Paulo César Ribeiro Lima

Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. Mestre e PhD.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Paulo César Ribeiro. O Projeto de Lei nº 5.941 e a capitalização da Petrobras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2445, 12 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14495. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado para a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, sob inteira responsabilidade de seu autor, não representando necessariamente a opinião da Câmara dos Deputados.

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