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Direito comparado: a desapropriação nos ordenamentos jurídicos argentino e brasileiro

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Agenda 05/04/2010 às 00:00

RESUMO

A expropriação constitui um dos institutos jurídicos que interferem no domínio. A propriedade deve ser exercida com plenitude por quem a detenha, mas deve também se sujeitar ao interesse social e à necessidade pública em favor do bem comum, devendo, para tanto, o Estado agir com seu império, ma sempre com pleno respeito à ordem legal estabelecida. O exercício da expropriação pode encontrar diferenças na sua aplicação, dependendo das normas que a regem, com particularidades próprias de cada Estado de Direito.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO . 2. O DOMÍNIO PRIVADO NO DIREITO ARGENTINO E NO DIREITO BRASILEIRO . 2.1 A expropriação como relativização do direito à propriedade: natu reza jurídica . 2.2 O momento em que se transfere o domínio na expropriação . 2.3 O ato normativo para declaração de utilidade pública . 2.4 – A retrocessão: previsão legal . 2.5 – A expropriação indireta, irregular ou inversa . 3- CONCLUSÃO . BIBLIOGRAFIA


1- INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo, inicialmente, conceituar o instituto do domínio no Direito Civil argentino e brasileiro, partindo das definições legais e doutrinárias que envolvem o tema.

Em seguida faremos o estudo sobre um dos instrumentos de interferência do Estado na propriedade privada, a expropriação, que recebe tratamento diferenciado na Argentina e no Brasil em termos constitucionais e legais. Evidenciaremos as semelhanças e as distinções que envolvem a expropriação por interesse social ou por utilidade pública.

Alguns requisitos da expropriação serão especialmente abordados, como o momento em que o domínio se transfere ao expropriante.

Será dado o devido destaque também aos instrumentos legais utilizados pelos Estados, Argentino e Brasileiro, na declaração de utilidade pública, assim como as implicações decorrentes das diferentes formas de intervenção no domínio privado.

Por fim, o instituto da retrocessão e da chamada expropriação irregular ou inversa também serão objetos do presente trabalho.

Pretendemos, portanto, em linhas gerais, elucidar o instituto da expropriação com um estudo comparado envolvendo os ordenamentos normativos de da Argentina e do Brasil, detentores de uma mesma matriz jurídica, mas com peculiaridades que interferem na garantia e preservação do domínio diante da atuação do poder público.


2 – O DOMÍNIO PRIVADO NO DIREITO ARGENTINO E NO DIREITO BRASILEIRO

O reconhecimento do direito à propriedade recebeu tratamento semelhante nos ordenamentos jurídicos da Argentina e do Brasil, integrando, nas respectivas Constituições, o Capítulo referente aos Direitos e Garantias.

A Lei Maior Argentina dispensou o seguinte tratamento ao direito de propriedade e a possibilidade de expropriação:

Art. 17.- La propiedad es inviolable, y ningún habitante de la Nación puede ser privado de ella, sino en virtud de sentencia fundada en ley. La expropiación por causa de utilidad pública, debe ser calificada por ley y previamente indemnizada. Sólo el Congreso impone las contribuciones que se expresan en el artículo 4º. Ningún servicio personal es exigible, sino en virtud de ley o de sentencia fundada en ley. Todo autor o inventor es propietario exclusivo de su obra, invento o descubrimiento, por el término que le acuerde la ley. La confiscación de bienes queda borrada para siempre del Código Penal argentino. Ningún cuerpo armado puede hacer requisiciones, ni exigir auxilios de ninguna especie.

A Constituição da República Federativa do Brasil, por sua vez, dispôs em seu art. 5º, incisos XXII, XXIII e XXIV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei [01] estabelecerá o procedimento para desapropriação [02] por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

(...)

Percebemos nos textos constitucionais que o direito à propriedade não possui caráter absoluto, podendo sofrer a interferência do Estado em situações excepcionais como, por exemplo, de utilidade pública ou de interesse social.

As legislações infraconstitucionais, por evidente, acompanharam os ditames expressos nas Constituições dos dois Estados. Nos diplomas legais que regem o Direito Privado, tanto na Argentina quanto no Brasil, também nos deparamos com tratamentos semelhantes ao direito de propriedade ou domínio

O Código Cilvil Argentino, instituído pela Lei nº. 340, promulgada em 29 de setembro de 1869, dispôs no Título V do Livro Terceiro, Dos Direitos Reais, em seu art. 2511 que:

Art. 2511. – Nadie puede ser privado de su propiedad sino por causa de utilidad pública, previa la desposesión y uma justa indenización. Se entiende por justa indemnización em este caso, no solo el pago del valor real de la cosa, sino también Del perjuicio directo que le venga de la privación de su propiedad.

No Brasil, a Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, determina no Título III do Livro III, Do Direito das Coisas, em seu art. 1.228, § 3º:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

(...)

§ 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

(...)

Deixando algumas diferenças de lado, os conceitos desenvolvidos pelos doutrinadores quanto ao domínio são similares na Argentina e Brasil. Assim, Marina Mariani de Vidal conceitua e define o domínio expresso no Código Civil Argentino nos seguintes termos:

Es el más amplio derecho de señorío que puede tenerse sobre una cosa, el que constituye la plena in re potestas, el derecho real que confiere la mayor cantidad de facultades que es posible tener sobre su objeto. (2004, p. 277)

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No mesmo sentido o doutrinador brasileiro R. Limongi França expõe sua percepção de domínio ou propriedade estabelecido no Código Civil Brasileiro:

"propriedade é o direito, excludente de outrem, que, dentro dos limites do interesse público e social, submete juridicamente a coisa corpórea, em todas as suas relações (substância, acidentes e acessórios), ao poder da vontade do sujeito, mesmo quando, injustamente, esteja sob detenção física de outrem" (1988, p. 436)

Diante desta breve conceituação do tratamento legal dispensado pelos diplomas normativos da Argentina e do Brasil, evidencia-se que não vigora nos dois Estados o caráter absoluto do domínio privado, mesmo diante do reconhecimento expresso que a propriedade privada é um direito reconhecido nas Constituições e nas legislações infraconstitucionais.

2.1 – A expropriação como relativização do direito à propriedade: natureza jurídica

Importante destacarmos qual o conceito de expropriação na visão dos doutrinadores argentinos, em especial de Roberto Dromi:

Es el instituto de Derecho público mediante el cual el Estado, para el cumplimiento de un fin de utilidad pública, priva coactivamente de la propiedad de un bien a su titular, siguiendo un determinado procedimiento y pagando una indemnización previa, en dinero, integralmente justa y única.( 2006, p. 951)

No direito brasileiro o termo "expropriação" é aceito quando o Estado intervêm no domínio privado, mas os doutrinadores utilizam, de forma mais usual, o termo "desapropriação", como nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho:

Desapropriação

é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante pagamento de indenização. (2003, p. 638)

Note-se que no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da expropriação estabelece, além da "utilidade pública" como razão para interferência do Estado na propriedade, também o "interesse social". A distinção não é apenas de palavras ou termos, mas de conteúdo, pois ocorre a "utilidade pública" quando a transferência do bem se mostra conveniente para a Administração, enquanto que a "necessidade pública" decorre de situações de emergência, em que a solução é a expropriação do bem. (MEIRELLES apud CARVALHO FILHO, 2003, p.639)

A "necessidade pública" prevista no Direito Brasileiro não se confunde com a "ocupação temporária" [03] que se ocupa o direito argentino, nos artigos 57 a 70 da Lei nº. 21.499. A ocupação temporária prevista nestes artigos também tem tratamento próprio no direito brasileiro, recebendo o nome de "requisição" [04].

Outro detalhe a considerar na expropriação do direito brasileiro reside na possibilidade do Estado tomar para si a propriedade na defesa da função social que esta deve desempenhar, como na expropriação dos imóveis rurais [05] sem utilização ou subutilizados, assim como em relação aos imóveis urbanos [06], em que os proprietários recebem títulos da dívida pública como indenização, ou nos casos de confisco da propriedade que esteja sendo utilizada para o plantio de drogas. Neste caso, o proprietário, evidentemente, não será indenizado.

No direito argentino, como no brasileiro, a expropriação tem natureza de instituto de direito público, após vencidas as dúvidas quanto à possibilidade de se tratar de um instituto com natureza mista:

Pero desde el caso "Esquivillon de Igon" sostiene que la expropriación es un instituto de derecho público, porque la indemnización que paga el expropiante no es "precio" que esté regido por la ley civil. (CSJN, 5/8/57, Fallos, 238:235 apud CAUSSE, DILLON, KIPER e PAPAÑO, 2004, p.269)

2.2– O momento em que se transfere o domínio na expropriação

Questão relevante quanto ao instituto da expropriação, que se configura em procedimento, consiste em identificar o momento que ocorre a transferência do domínio do particular para o poder público.

No direito argentino, a perda definitiva da propriedade pelo particular ocorre, segundo a jurisprudência da Corte Suprema de Justicia de la Nación:

"…El proceso expropiatorio, que se inicia con la declaración legislativa de la utilidad pública y finaliza con el pago de la indemnización justa y con la consiguiente transferencia del dominio al sujeto expropiante es, en su integridad, un instituto de derecho público, regido por las leyes sobre la materia dictadas por cada provincia ­em ejercicio de sus poderes no delegados (art. 121 de la Constitución Nacional)­ en el ámbito de su respectiva competencia territorial. ­Del dictamen de la Procuración General, al que remitió la Corte Suprema…"

Portanto, no momento em que ocorre o pagamento da indenização devida ao expropriado ocorrerá a transferência do domínio para a titularidade do poder público expropriante.

No mesmo sentido caminha o entendimento da doutrina brasileira. Resta hoje a posição aceita de que o momento consumativo da desapropriação também é o pagamento da indenização. Há, portanto, a consumação da desapropriação com o pagamento ou o depósito judicial da indenização, fixada pela sentença ou estabelecida em acordo.

A indenização assume tamanha relevância, segundo o disposto na Constituição, que esta determina à lei estabelecer o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos no próprio texto Constitucional (art. 5.º, XXIV). Não há, portanto, desapropriação sem o pagamento prévio da justa indenização ao expropriado.

2.3 – O ato normativo para declaração de utilidade pública

Importante destacar a diferença substancial nos ordenamentos jurídicos brasileiro e argentino quanto à forma de se declarar a utilidade pública da propriedade a ser expropriada.

Como já demonstrado, a propriedade não se constitui em um valor absoluto, as interferências que sobre ela incidem, por força do império do poder público, se constitui no mecanismo de relativização do patrimônio dos particulares.

Por evidente, não há interferência na propriedade privada que se coloque nos Estados democráticos de direito sem a devida fundamentação legal.

Na República Argentina a Constituição é clara quanto ao expresso no já mencionado art. 17 que determina "La expropiación por causa de utilidad pública, debe ser calificada por ley y previamente indemnizada".

Recorrendo à doutrina de Guillermo A. Borda não resta dúvida quanto à força da lei para que se proceda à declaração de utilidade pública:

La calificación de la utilidad pública debe ser hecha por ley del Congresso, o de las legislaturas locales. (2001, p. 215)

A força da lei que qualifica a propriedade como sendo de utilidade pública também fica demonstrada segundo o entendimento da Corte Suprema de la Nación sobre o assunto:

... la Corte suprema de la Nación há resuelto, con rázon, que el juicio referente a la utilidad pública es privativo del legislador y que sólo puede ser revisado por los jueces en caso de una extrema arbitrariedad. (BORDA, 2001, p.215)

Importante destacar que, por ser o instituto da expropriação um forte instrumento de interferência do Estado na propriedade privada, a participação do Legislativo, por meio da lei que declara a utilidade pública do bem, constitui-se em um importante mecanismo de controle sobre as eventuais arbitrariedades que possam ser cometidas pelo Executivo.

Mesmo que tais arbitrariedades, caso ocorram, venham a ser devidamente corrigidas pelo Judiciário, com a exigência de lei para declaração da utilidade pública do bem se permite uma fiscalização preventiva e a confirmação do necessário equilíbrio que deve reger as relações das funções do Estado.

No ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário, a qualificação de uma propriedade privada como sendo de utilidade pública deve ser feita por meio de "decreto" do Executivo. Assim determina o Decreto-Lei nº. 3.365, de 21 de junho de 1941:

Art. 6º. A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, governador, interventor ou prefeito.

O referido Decreto-lei, espécie normativa que caracterizou os períodos antidemocráticos da história brasileira, marcaram a força do Executivo nos episódios de exceção por que passou o Brasil.

A hipótese descrita no Decreto-lei que permite o Legislativo ter a iniciativa de deflagrar o processo expropriatório, assim como na ordem jurídica Argentina, encontra-se no art. 8º:

Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo praticar os atos necessários à sua efetivação.

A doutrina brasileira discute esta possível exceção, qual seja, a garantia dada ao Legislativo de iniciar o processo expropriatório, ou seja, declarar a utilidade pública do bem.

Muitos autores entendem que a participação do Legislativo nestas circunstâncias deve se dar por meio da promulgação de uma lei (SALLES, PIETRO, GASPARINI apud CARVALHO FILHO, 2003, p. 655)

Com entendimento diverso, alguns autores entendem que o ato declaratório deve ser de caráter administrativo praticado pelo Legislativo, como o caso de "decreto legislativo", próprio para produzirem efeitos externos (CARVALHO FILHO, CRETELLA JÚNIOR apud CARVALHO FILHO, 2003, p.655)

A alegação dos que defendem a iniciativa do legislativo deflagrar o processo expropriatório está baseada na necessidade de se fazer por meio do "decreto legislativo" , ato exclusivo do Legislativo que não se submeteria à apreciação do Executivo. (CARVALHO FILHO, 2003, p.655)

Por fim, independente da forma como o Legislativo declare a "utilidade pública", seja por "decreto-legislativo" ou lei, propriamente dita, o fato é que a regra que garante a declaração de utilidade pública por meio de decreto do Executivo exclui a possibilidade da fiscalização prévia exercida pelo Poder Legislativo, forma adotada pelo ordenamento argentino e, com certeza, a mais acertada.

2.4 – A retrocessão: previsão legal

Apesar do comprovado caráter relativo do direito de propriedade nos ordenamentos jurídicos argentino e brasileiro, o Poder Público expropriador possui o poder-dever de destinar o bem expropriado aos fins que lhe permitiram suprimir o domínio do particular.

Denomina-se retrocessão, segundo a Lei Argentina nº. 21.499/77, a ação que se concede ao proprietário quando ao bem expropriado se deu destino diverso do previsto na lei expropriatória ou quando não se deu destino algum em um lapso de dois anos, contados da conclusão da expropriação. (CAUSSE, DILLON, KIPER e PAPAÑO, 2004, p.271)

Importante salientar que no Direito Argentino a previsão legal da retrocessão veio com a sanção da já mencionada Lei nº. 21.499/77:

Es necesario agregar que hasta la sanción de la ley 21.499, la lagislación no preveía esta acción, no obstante lo cual la jurisprudência de los tribunais fue unámine en admitirla. (BORDA, 2001, p. 229)

Para o Direito Brasileiro a retrocessão em seu sentido técnico próprio constitui um direito real do ex-proprietário de ter de volta o bem que lhe foi expropriado, por não ter recebido a finalidade pública a que se propunha. (MELLO, 2001, p. 736)

Na doutrina brasileira divergem os autores quanto à natureza da retrocessão, se esta teria natureza de direito real, como o já citado Celso Antônio Bandeira de Mello defende, ou natureza de direito pessoal. Com esta última posição encontra-se José dos Santos Carvalho Filho:

A nosso ver, o direito é pessoal, conclusão a que temos que curvar-nos em virtude da legislação vigorante. (CARVALHO FILHO, 2003, p. 697)

A legislação mencionada por Carvalho Filho refere-se ao Decreto-Lei nº. 3.365/ 41, que em seu art. 35 estabelece que o ex-proprietário perde seu direito de reivindicar o bem, considerando-se o bem incorporado ao domínio público de forma definitiva, mesmo que nulo o processo de expropriação. (CARVALHO FILHO, 2003, p. 697)

No mesmo sentido, reforçando a natureza de direito pessoal, o novo Código Civil, Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em seu art. 519, dispositivo situado no capítulo relativo à preferência, portanto ligado ao direito das obrigações, demonstra a inserção da matéria no espaço destinado a disciplinar matérias de direito pessoal. (CARVALHO FILHO, 2003, p. 697):

Art. 519 Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Importante frisar que tal tratamento legal já era dado à matéria pelo Código Civil de 1916, no primitivo art. 1.150.

Para uma terceira corrente de estudiosos do tema a retrocessão, na ordem jurídica brasileira, configura-se como um direito de natureza mista, pessoal e real:

"... cabendo ao expropriado a ação de preempção ou preferência (de natureza real) ou, se preferir, perdas e danos." (DI PIETRO apud CARVALHO FILHO, 2003, p. 698)

Independente da natureza que se reveste a retrocessão, o curioso é destacar que, ao contrário da legislação Argentina, o Direito Brasileiro trata este instituto no Código Civil e também no Decreto-Lei 3.365/41 e não apenas em leis esparsas, como faz o ordenamento argentino, por meio da Lei nº. 21.499/77.

2.5 – A expropriação indireta, irregular ou inversa

O ato de expropriar pode provocar situações que levam o ex-proprietário a requerer do Estado expropriador, por meio de ação judicial, a devida indenização por possíveis prejuízos causados pela expropriação.

O Direito Argentino reconhece a chamada expropriação irregular ou inversa que consiste na iniciativa processual que tem o proprietário do bem declarado de utilidade pública com objetivo do expropriante pagar a indenização correspondente e tome posse do bem se ainda não o houver feito. (CAUSSE, DILLON, KIPER e PAPAÑO, 2004, p. 272)

A previsão legal da expropriação indireta ou inversa encontra-se nos artigos 51 a 56 da Lei 21.499/77.

Nos termos do art. 51, a ação de expropriação procede nos casos em que o Estado declara o bem como de utilidade pública e não paga a devida indenização, quando pela declaração de utilidade pública a coisa móvel ou imóvel resulte indisponível por dificuldade ou impedimento dela dispor em condições normais ou, ainda, quando o Estado imponha ao direito do titular de um bem ou coisa uma restrição ou limitação que importe em lesão ao direito de propriedade. Neste último caso, não há necessidade da lei que declare a utilidade pública do bem, basta que ocorra a lesão ao direito de propriedade. Dispensada também a declaração de utilidade pública nos casos em que o Estado tenha se apossado do bem, incorporando-o ao domínio público, assim tem decidido a jurisprudência, uma vez que ao apoderar-se do bem o Estado praticou a lesão máxima ao direito de propriedade. (BORDA, 2001, p. 225)

No Direito brasileiro existe um instituto similar denominado de desapropriação indireta que consiste no fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de um bem particular sem observar os requisitos da declaração de utilidade pública e da indenização prévia (CARVALHO FILHO, 2003, p. 683)

Muitos doutrinadores no Brasil já definem a desapropriação indireta como sendo um verdadeiro ato abusivo e irregular apossamento de um bem particular para ingresso no patrimônio público (MELLO, 2000, p.385)

O Decreto-Lei nº. 3.365/41 fundamenta a desapropriação indireta no seu art. 35:

Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos

Importante destacar que o bem privado uma vez incorporado ao patrimônio público não poderá ser objeto de qualquer ação judicial para retornar ao patrimônio do particular expropriado. Caberá ao particular somente a ação de indenização pelos prejuízos que lhe causou a perda da propriedade.

Sobre o autor
Sérgio Lopes Loures

Advogado, assessor legislativo, consultor, Especialista em Direito Público, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURES, Sérgio Lopes. Direito comparado: a desapropriação nos ordenamentos jurídicos argentino e brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2469, 5 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14623. Acesso em: 22 nov. 2024.

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