SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Sistemas: Common Law e Civil Law. 2.1 O contraste entre esses sistemas. 2.2 Common Law. 2.2.1 Considerações iniciais. 2.2.2 Qualidades e críticas. 2.3 Comparações entre a Civil Law e a Common Law. 3 Contratos. 3.1 Aspectos gerais. 3.2 Direito brasileiro. 3.3 Direito comparado. 4 Uniform Commercial Code – UCC. 4.1 Artigos do UCC. 4.2 Cases. 5 Conclusão. 6 Referências.
1 Introdução
Quando se analisam as negociações de bens e serviços, percebe-se que muitas variáveis devem ser avaliadas a fim de decidir se haverá um contrato ou não. E já com o contrato estabelecido, importante ressaltar que ainda ocorrerão situações em que será necessário avaliar a continuidade ou não dessa relação contratual.
As ponderações que se fazem antes e depois da celebração de um contrato normalmente referem-se a uma análise do ambiente legal e/ou a uma análise econômica.
No exame do ambiente legal, verificam-se as normas e instituições existentes para aquele determinado objeto do contrato e também no ordenamento jurídico do país, até mesmo se este se enquadra no sistema da Civil Law ou da Common Law.
Já a análise econômica envolve aspectos como o custo de se estabelecer determinada relação contratual, bem como decidir se o acordado será cumprido ou não num momento futuro.
Pode ocorrer, por exemplo, que o custo de cumprir o contrato seja superior ao custo de descumpri-lo, gerando uma probabilidade maior de que a parte opte por não cumprir o acordado.
Diante desse panorama, de dificuldades decorrentes das quebras contratuais, a busca de meios para que se evite o oportunismo pós-contratual, bem como os mecanismos para que se possam resolver os problemas de inadimplemento, total ou parcial, dos contratos, tem destaque não apenas na área do direito, mas também na da economia.
Assim, não pode haver restrição dos operadores do direito em valer-se de uma análise econômica das situações que lhes forem apresentadas, bem como é importante visar a um aperfeiçoamento na formulação das normas jurídicas utilizando a perspectiva econômica. Juntos, a economia e o direito vão buscar a eficácia e a eficiência, ou seja, aptidão para que as normas jurídicas e as relações contratuais produzam efeitos, bem como que essas normas e relações atinjam o melhor resultado, considerado esse como o que obtém perdas e erros mínimos ou inexistentes.
Interessantes notar que diante de uma análise do ambiente legal, é possível verificar que o grau de desenvolvimento, capacidade e solidez das instituições de determinado país podem afetar diretamente no custo de uma relação contratual. Isso porque, se as leis não são cumpridas, as pessoas tendem a fazer menos negócios tendo em vista a insegurança jurídica. Além disso, as decisões do juiz podem causar impacto na economia, ainda que indiretamente.
Cientes da relevância que o ambiente legal e a economia têm para o mercado, incluindo, portanto, as relações contratuais, importante o estudo dos sistemas jurídicos do Common Law e da Civil Law, existentes na maioria dos países da atualmente.
2 Sistemas – Common Law e Civil Law
O estudo tanto do sistema do Common Law quanto o da Civil Law, cada um com suas peculiaridades, não pode ser visto como algo sem relevância, sob o argumento de que são muito diferentes e, portanto, não há como obter grandes benefícios.
É necessário desvincular-se desse pré-julgamento. Isso porque, embora diferente da Civil Law, o sistema Common Law proporciona inúmeros institutos aplicáveis naquele sistema, e vice-versa.
Para um país da Civil Law, atualmente, realizar um estudo apenas do que está sendo utilizado em outros países desse mesmo sistema já não se mostra mais suficiente, tendo em vista o surgimento, cada vez mais rápido, de novas demandas e complicações.
É que países de um mesmo sistema terão semelhanças no modo de ver a questão. Se forem da Civil Law, por exemplo, sempre tenderão a examinar o fato sob uma ótica mais formalista e legalista (seja em menor ou maior grau), mas não conseguirão vislumbrar outras possibilidades.
Por isso, a verificação de outro sistema gera um aprofundamento, a fim de melhor entender e buscar novas soluções para os desafios enfrentados.
Para os países da Civil Law, portanto, interessante o estudo do Common Law, sendo este um direito casuístico e infinitamente menos codificado.
Diferentemente, para os países do Common Law, importante o estudo da Civil Law, para que se identifiquem institutos já definidos em lei que podem trazer novas perspectivas para as demandas que nesses países possam existir.
2.2 Common Law
2.2.1 Considerações iniciais
Num primeiro momento, é importante trazer alguns conceitos presentes no sistema da Common Law.
Quando se menciona Common Law, está se referindo ao sistema em que o direito é criado pelo juiz. É o que também se chama de judge-made law. Assim, o juiz, ao dar a sentença, cria o direito.
Ao utilizar o termo Statute Law, busca-se trazer o direito que é originado pelo legislador. Como exemplos, podem ser citados os tratados internacionais, a Constituição Federal, leis estaduais, regulamentos administrativos, dentre muitos outros.
Diferentemente dos termos anteriores, o Case Law já teve uma solução judicial e, portanto, será utilizado quando outras situações iguais forem objeto de questionamento perante a justiça. Então, esse caso será considerado como um precedente judiciário.
Embora seja o Case Law a principal fonte do direito, nesse sistema do Common Law, ele pode ser alterado por uma lei escrita. Nesse caso, haverá o que se denomina reversed by statute.
Nos direitos pertencentes à família da Common Law, o ponto principal é o que se chama de doctrine of stare decisis, também denominada doctrine of precedents. Ressalte-se que doctrine significa regra e, desse modo, pode-se falar em "regra do precedente".
Precedent, portanto, existe quanto há uma única ou várias decisões de um órgão coletivo de segundo grau (que é um tribunal de apelação), fazendo com que o mesmo tribunal ou os juízes que lhe são subordinados decidam no mesmo sentido, quando houver um caso idêntico.
Percebe-se que, dessa forma, o que os órgãos de primeiro grau julgam não constituem precedents.
Nesse ponto, vale uma breve comparação: para que uma decisão seja considerada jurisprudência firme e ser seguida pelo tribunal ou juízes subordinados, no sistema da Civil Law, é necessário que existam várias outras sentenças no mesmo sentido, e não apenas um único julgado.
O acórdão, na Common Law apresenta duas finalidades: a primeira é obter a coisa julgada, ou seja, criar o direito a ser aplicado em relação a uma demanda. Esse direito fica limitado às questões em controvérsia e às partes; a segunda finalidade é gerar um efeito para além das partes ou da questão.
Desse modo, cria-se um precedente a ser utilizado, obrigatoriamente, em casos futuros, mas apenas se os fatos do novo caso tiverem relação com os fatos que deram origem ao precedente no caso anterior. Não se pode, portanto, valer-se de um precedente em matéria civil e aplicá-lo em um novo caso ligado a questão criminal.
Outros termos importantes para a análise do sistema da Common Law são o holding e o dictum. O primeiro é a parte do precedent que foi decisivo para se alcançar a solução do litígio. Já o dictum é todo o restante da decisão, que, embora não tenha sido determinante para resolver a questão, tem grande valor. E sua relevância está no sentido de que serve de base para os advogados orientarem os clientes e para os tribunais subordinados.
Destaque-se que, ao decidir um caso novo, se for encontrada uma lacuna de case law, ao juiz caberá a possibilidade reler as holdings anteriores fazendo uma interpretação, que pode ser restritiva, extensiva ou meramente declarativa.
Termo de grande importância é o overruling, que é a desconsideração de um precedent, ou seja, o tribunal decidiu diferentemente um novo caso, ainda que já existisse uma decisão a ser seguida.
Pode se dar por meio de uma ab-rogação, ou seja, quando há uma revogação total do que fora antes decidido; ou de uma derrogação, na hipótese de se revogar apenas parcialmente. Nesta última possibilidade, pode-se dizer que ocorreu uma transformação da holding num dictum.
2.2.2 Qualidades e críticas
Verificam-se inúmeras vantagens desse sistema da Common Law, sendo que muitas delas também são encontradas no sistema da Civil Law.
Como primeira qualidade, pode-se citar a equality, ou seja, a igualdade. Isso porque, quando existem casos futuros iguais ou mesmo semelhantes, a sentença tende a ser a mesma.
Uma segunda característica positiva desse sistema é a previsibilidade, denominada predictability. Muito parecida com a mencionada anteriormente, esta indica que os advogados conseguem aconselhar melhor seus clientes quando há uma previsão de que casos cujos fatos sejam semelhantes a outros já decididos judicialmente têm uma probabilidade maior de obter o mesmo julgamento.
Outra vantagem do Common Law é a economia processual (economy), pois, tendo em vista que já há decisões anteriores, sobre fatos parecidos, a matéria será julgada de modo mais célere.
Como última qualidade, tem-se o respeito por essas soluções proferidas, já que possuem força obrigatória para o tribunal e para os juízes subordinados. Existe, portanto, uma responsabilidade (respect) do próprio Poder Judiciário quanto a isso.
Embora proporcione essas e, certamente, outras vantagens, nenhum sistema possui apenas o lado positivo. Assim, apresenta-se como uma crítica, o fato de que esse sistema pode ser, também, imprevisível. Isso porque, não obstante a previsibilidade em torno das decisões, o juiz pode determinar uma solução diversa e, com isso, ocorrer um overrulled. Um precedente será, desse modo, substituído por outro.
Pode-se condenar, também, a obscuridade literal, tendo em vista que muitos julgamentos são incompreensíveis para o leigo. Além disso, ainda se verifica a não-existência de transparência política ou moral nessas apreciações judiciais. Por não estarem apegados a normas já previamente estabelecidas por legisladores, por exemplo, fica difícil identificar qual(is) o(s) critério(s) utilizado(s) pelo juiz para proferir sua decisão.
Por fim, conforme evidenciado, muitas dessas vantagens ou mesmo críticas são aplicáveis aos países que adotam o sistema do Civil Law. Nesse aspecto, cumpre citar a obscuridade como uma dessas falhas encontradas em ambos os sistemas.
2.3 Comparações entre a Common Law e a Civil Law
Relevante analisar algumas comparações entre esses dois sistemas antes de adentrarmos no estudo do contrato tanto na Common Law quando na Civil Law.
Num primeiro momento, mencionam-se apenas alguns países que adotam cada um dos sistemas.
A Civil Law predomina na região central e sul da América, no oeste da Europa, em países como a França, a Alemanha, Portugal e Brasil. Já a Common Law prevalece na Grã-Bretanha, na Irlanda, nos Estados Unidos da América, no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, dentre outros.
Procedendo à análise dos aspectos gerais, tem-se que a Civil Law é um sistema fechado, tendo em vista que o direito se apresenta como um conjunto de preceitos agrupados em um ordenamento jurídico, ou seja, sob a forma de um direito legislativo.
Essa conjugação de normas traz uma certeza com relação ao direito a ser aplicado pelo juiz, o que faz com que a jurisprudência seja, de certo modo, afastada ou, pelo menos, passa a ficar em segundo plano.
Ademais, esse sistema apresenta poucas lacunas, uma vez que existem inúmeras normas direcionando incontáveis situações que podem acontecer. Por isso, os códigos, as leis e a Constituição costumam ser extensos.
Com relação ao Common Law, as regras são constantemente novas, fundamentadas na razão. É, portanto, um sistema aberto, considerando o direito não de modo lógico e sistemático, mas de maneira que se possa resolver cada uma das situações concretas.
Nesse sentido, o papel secundário na Common Law fica para a doutrina e para as normas pré-editadas. Raramente se verifica que algum estudo doutrinário foi determinante para mudar algum precedent.
Por esse sistema, percebe-se que as lacunas são muitas, o que acaba gerando, por exemplo, contratos civis ou comerciais extensos e detalhistas, tendo em vista que precisam prever várias situações e quais serão os efeitos para as partes.
Enfim, a fonte primária da Civil Law é a legislação e, portanto, advogados e juizes a analisam num primeiro momento para somente depois, se necessário, observar a jurisprudência.
Diferentemente, as fontes primárias da Common Law são os cases, que devem ser inicialmente analisados por advogados e juízes.
No que concerne às normas legais, pode-se afirmar que existem comandos gerais e abstratos na Civil Law que surgem pelo processo legislativo e serão aplicados pelos juízes. A lei terá vigência enquanto não for elaborada outra lei que a substitua, exceto nos casos em que na própria lei houver um tempo de duração preestabelecido
Na Common Law, diferentemente, a norma é feita pelo próprio juiz, que possui, dessa maneira, menos abstração, sendo apoiada em precedentes e nos usos e costumes. Para esse direito que nasce não há como determinar o tempo de sua duração, tampouco o modo como será extinto.
Quando se analisa o procedimento praticado no tribunal, verifica-se que na Civil Law o procedimento é inquisitorial. Nesse sistema, o juiz tem um interesse direto em alcançar a verdade com relação à disputa levada ao Judiciário.
Portanto, o juiz tem um papel ativo e forte de direcionar os questionamentos levantados, enquanto os advogados simplesmente direcionam-se ao juiz e devem a ele responder.
Já no Common Law, o processo utilizado no tribunal é o acusatório. O juiz tem papel passivo, agindo muito mais como um árbitro neutro do que, de fato, conduzindo a demanda.
Por isso, o papel principal é das partes e seus advogados, que apresentam seus argumentos, numa disputa que tem como finalidade fazer surgir a verdade do caso em análise. Essa confrontação é regulada pelas próprias partes.
Por mais que se faça a análise de outros aspectos dessas duas grandes doutrinas, nunca se conseguirá definir qual é a mais perfeita. Nem devemos, já que cada uma é decorrente de uma cultura e civilização.
Não há que se falar, por exemplo, que ao longo da história o direito consuetudinário presente no Common Law seja superior ao existente na Civil Law. Encontram-se, facilmente, aspectos de eficiência e imperfeições em ambos os sistemas. O que se verifica, atualmente, é um processo de influências recíprocas entre essas doutrinas, seja pela globalização, seja pela real necessidade de que elas estabeleçam vínculos.
Desse modo, ao mesmo tempo em que as normas legais têm ganhado mais importância no sistema do Common Law, os precedentes judiciais têm sido cada vez mais ressaltados na doutrina da Civil Law.
Destaque-se que, recentemente, o Brasil, país que segue a Civil Law, adotou a súmula vinculante por intermédio da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, que determina que os tribunais inferiores ficam obrigados a seguir a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Evidente exemplo de influência de outra doutrina.
Importante mencionar, por fim, a diferença entre esses dois sistemas com relação às argumentações judiciárias, no sentido de demonstrar qual o método científico utilizado para se chegar à decisão do caso.
De acordo com Juarez Rizzieri (In: PINHO; VASCONCELOS, 2005, p. 4), esses métodos podem ser definidos da seguinte maneira.
Indutivo: método que parte dos fatos específicos para chegar a conclusões gerais. Apreende-se com a experiência do dia-a-dia. Exemplo: o aumento de tributos reduz a renda disponível e, logo, a demanda, o que por sua vez ajuda a frear a inflação.
Dedutivo: método que parte das conclusões gerais para explicar o particular. Exemplo; empresa capitalista maximiza lucro, e como a Ford é uma empresa capitalista, maximiza lucro. Tal conclusão pode ser válida, mas não necessariamente verdadeira..
A dedução é a argumentação utilizada no sistema da Civil Law. Busca-se a realização de silogismo, por meio de duas premissas, sendo uma universal (a lei) e a outra particular (o fato), ensejando, consequentemente, a conclusão.
O problema encontrado nesse tipo de argumentação é a extrema racionalidade utilizada, existindo um grande apego à lógica formal. Com isso, a preocupação com a atuação da norma fica prejudicada, tendo em vista que não se verificam os efeitos que a decisão terá na realidade do dia-a-dia.
A indução é a argumentação aplicada no Common Law e define-se como aquela que conclui pelo particular. Desse modo, inicia-se já com o caso concreto, e não de uma lei, como ocorre na dedução.
3 Contratos
A palavra contractus significa unir, contrair. Disso depreende-se que, ao realizarem um contrato, as partes objetivam um interesse individual, que pode estar em concordância ou em sentido oposto ao de outra pessoa.
Quando se faz uma associação entre os princípios liberdade e igualdade com a realização de contratos, obtém-se a liberdade que cada um tem de optar se quer ou não contratar e com quem irá fazer isso. Já a igualdade está ligada à necessidade de as partes estarem em equilíbrio.
Percebe-se, no entanto, que o ideal um contrato que proporcione total igualdade entre os contratantes é praticamente impossível de alcançar.
Os contratos paritários, portanto, são raros, pois buscam a discussão por ambas as partes de todas as cláusulas, detalhadamente, até se chegar à assinatura do contrato.
Hoje, as contratações são feitas, na maioria das vezes, com uma pessoa jurídica ou com o Estado, que fornecem bens e serviços para o consumidor final, por isso os contratos são considerados negócios de massa.
As cláusulas não podem ser discutidas nem alteradas, pois são as mesmas para todas as pessoas que queiram contratar com determinada empresa, por exemplo.
Isso acontece, tendo em vista que, se os contratos paritários existissem em grande número, a sociedade se tornaria inviável. As vendas seriam menores, já que haveria um tempo muito grande para concluir cada um dos contratos.
Saliente-se que os contratos precisam ser garantidos não apenas pelas partes signatárias, mas, sobretudo, pelo ambiente legal de uma sociedade que engloba tanto as normas quanto as decisões dos tribunais.
Os contratos são realizados quando há uma motivação econômica de ambas as partes. Para que se evitem ao máximo problemas em torno do acordado, a garantia de um ambiente legal é de grande relevância.
De fato, controvérsias poderão existir ao longo da execução do contrato, mas, quando for preciso recorrer ao Judiciário, esse tem de proporcionar o mais correto e justo aparato. E tudo isso a fim de se chegar à melhor decisão para os contratantes, até mesmo com a aplicação de sanção quando previsto e necessário.
Por isso, o direito contratual traz, em sua estruturação, alguns princípios para serem aplicados quando da realização ou da análise de um descumprimento de contrato:
• o princípio da autonomia da vontade, que visa proporcionar a liberdade para que as partes possam estabelecer o que desejarem. Contudo, limites, tanto os de ordem pública quanto os relativos aos bons costumes, devem ser observados;
• o princípio da boa-fé, que determina que os contratantes devem agir com lealdade, a fim de que haja confiança recíproca entre eles;
• o princípio da obrigatoriedade da convenção, que indica que as partes devem cumprir plenamente o que foi acordado. Contudo, esse é um princípio não aceito, atualmente, em seu sentido absoluto.
Ao longo dos anos, foram verificados inúmeros casos em que, na vigência do contrato, algumas situações acarretavam onerosidade excessiva para uma das partes e, consequentemente, gerava um acréscimo patrimonial não justo para o outro contratante.
A respeito dessa incerteza que as relações contratuais podem gerar, interessante destacar o que dispõe Anuatti Neto (In: PINHO; VASCONCELOS, 2005, p. 227):
O ambiente de incerteza em que se realizam as transações é facilmente constatado, pois fazemos negócios que nos comprometem com circunstâncias futuras que não temos nem como antecipar nem como controlar. Também não é preciso recorrer a exemplos para demonstrar que existem pessoas oportunistas, dispostas a renunciar a um contrato quando a oportunidade lhes aparecer.
Mais adiante esse mesmo autor trata do sistema econômico e do cumprimento dos contratos:
Num sistema econômico em que todos os agentes dispõem das informações necessárias e não tem razões para esperar que os outros não cumpram o contratado, todos os recursos de valor econômico poderiam ser delineados e a titularidade dos direitos de propriedade atribuídas. Uma vez estabelecidos os direitos exclusivos de propriedade, pode-se garantir que todos os recursos sejam empregados em atividades em que o rendimento econômico (custo de oportunidade) seja máximo, não sendo necessária a interferência do Estado. [...]
Já nas condições da sociedade em que vivemos, as transações envolvendo bens de consumo, serviços e ativos produtivos, sejam temporários ou permanentes, são realizadas por meio de contratos que estipulam os seus termos. [...]
Porém, sempre cabe ao Estado determinar o conjunto dos arranjos contratuais que são considerados legítimos, definindo ou limitando as regras do jogo de mercado. (ANUATTI NETO. In: PINHO; VASCONCELOS, 2005, p. 229).
Após vários estudos, chegou-se à teoria da imprevisão, que tornou relativo o princípio da obrigatoriedade dos contratos. O pacta sunt servanda, portanto, passou a não ser mais aplicado sem restrições.
A teoria da imprevisão está centrada em alguns pontos. É necessária a existência de um acontecimento futuro, ou seja, posterior à realização do contrato, e que as partes não poderiam prever. Além disso, esse fato deve ter sido relevante para a modificação do estado inicial do que foi acordado.
É preciso, ademais, que fique comprovado que uma das partes sofreu prejuízos, de fato, com grande sacrifício econômico, decorrentes desse evento futuro e não de qualquer outra situação. Isso porque a onerosidade, em si, não afasta o princípio da força obrigatória dos contratos, pois decorrente de acontecimentos razoavelmente previsíveis pelas partes. Portanto, o vínculo contratual, mediante análise judicial, poderá ser resolvido ou alterado a fim de que o equilíbrio existente entre as partes, quando da celebração do contrato, seja restaurado.
3.2 Direito brasileiro
O contrato tem sido o instrumento fundamental do mundo comercial e, por isso, deve sempre buscar uma função social, de acordo com certos limites legais. Além disso, os contratantes devem agir de boa-fé, sendo que a responsabilidade precisa existir antes da celebração do contrato, durante a execução, bem como posteriormente ao término dele.
No que concerne à função social, o art. 421 do Código Civil estabelece que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato".
Desse modo, o cumprimento do contrato deve ser visto como algo além do que o benefício gerado para o credor, pois deve também ser concluído para o bem da sociedade. Isso porque, muitas vezes, o descumprimento de um contrato por uma das partes gera prejuízos para outras pessoas que não aquelas envolvidas diretamente com o pactuado.
Hoje, não se entende mais como melhor essa autonomia da vontade, tendo em vista que a existência de limitações e a função social do contrato trouxeram inúmeras vantagens. Se o individualismo ainda continuasse existindo sem limites, a sociedade, sobretudo o comércio, se tornaria inviável.
Como se afirmou, a economia de massa exige contratos que possuam todas as cláusulas já preestabelecidas por quem está fornecendo um bem a ser adquirido ou um serviço a ser prestado. Por isso, não há que se falar, no momento em que vivemos, de autonomia da vontade.
Mas sempre é necessário que, nessas contratações de massa, as cláusulas não sejam injustas para nenhuma das partes, principalmente daquela que teve de aderir ao que já estava predeterminado.
Sobre o sistema de atribuição de direitos, o Estado tem papel muito importante. Existem várias leis que buscam a implementação de normas para que a parte considerada mais fraca numa relação contratual, o consumidor, possa se resguardar de seus direitos.
Essa preocupação com a parte mais fraca da relação contratual é nítida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), lei especial que regula as relações de consumo, porquanto visa compensar a inferioridade econômica do consumido, o qual teve de assinar um contrato pronto e, por isso, precisa de normas que lhe deem mais segurança em sua negociação.
O art. 6º do CDC, por exemplo, dispõe sobre direitos básicos do consumidor, como o direito à informação adequada e o direito à proteção contra métodos e práticas comerciais e contratuais desleais e abusivas.
Importante mencionar o que dispõe Anuatti Neto (In: PINHO; VASCONCELOS, 2005, p. 238) a respeito desse art. 6º do CDC: "Esse conjunto de direitos reconhece a existência de assimetrias de informações e de poder econômico entre fornecedores e consumidores".
Evidente, portanto, que várias circunstâncias podem gerar certo desequilíbrio entre os contratantes, e, sobretudo, na relação entre consumidor e fornecedor esse fato pode ser tão prejudicial que se torna necessária uma regulamentação específica.
Diante de alguma cláusula contratual que não seja cumprida ou se for detectada alguma irregularidade ou abuso em algum item acordado entre as partes, pode-se requerer que o Judiciário se manifeste sobre isso. E, ao se fazer tal análise, deve-se verificar o negócio jurídico como um todo, inclusive se este cumpriu a função social, não tendo, portanto, sido individualista.
Nesse panorama, percebe-se que o pacta sunt servanda, que significa que o contrato faz lei entre as partes, de fato, já não é totalmente aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro. Isso não significa que o contrato não tenha mais a obrigatoriedade de ser cumprido, mas que a intenção desses contratantes deve ser levada em consideração, ou seja, não pode ser totalmente prejudicada, quando da análise sobre a existência da função social no que foi acordado.
Disso se depreende que uma das partes não pode, de modo unilateral, alterar o conteúdo assinado e, portanto, combinado entre ambos os contratantes. É o que estabelece o princípio da intangibilidade do contrato.
Como limitação a esse princípio, tem-se a possibilidade de, judicialmente, alguma cláusula ser modificada. Isso pode ocorrer porque houve algum descumprimento ou abuso por parte de alguma das partes ao estabelecer determinada cláusula.
Acresce-se, ainda, que a boa-fé entre os contratantes mostra-se indispensável para melhor se estabelecerem relações entre as partes e ambas ficarem satisfeitas com o acordado e com o cumprimento de todas as cláusulas.
Esse princípio da boa-fé deve ser analisado sob prisma de que os contratantes devem buscar agir sempre de forma correta em todos os momentos, ou seja, antes, durante e depois do contrato.
É o que dispõe o art. 422 do Código Civil: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé".
Ressalte-se que a avaliação pelo juiz da existência ou não da boa-fé pelos contratantes deve levar em consideração inúmeros aspectos, como o nível sociocultural dos envolvidos, o momento econômico, bem como a vontade real de cada um dos contratantes em cumprir ou não o contrato, mesmo antes de sua elaboração.
Importante distinguir a boa-fé subjetiva da objetiva. A primeira leva em consideração o aspecto psicológico dos pactuantes. Já a boa-fé objetiva é a que está presente no art. 422 do Código Civil (CC), acima mencionado, e indica que será analisada a conduta existente com o padrão de um homem médio, sempre verificando os aspectos sociais envolvidos.
É significante a observação de que a boa-fé se aplica tanto às relações de consumo, utilizando-se as normas previstas no CDC, quanto em outras relações, em que se aplica o art. 422 do CC.
Outra importante análise a ser realizada em um contrato é a possibilidade de este ser revisto judicialmente, em decorrência de um motivo superveniente.
A teoria do revisionismo foi, no direito brasileiro, aplicada quando o juiz Nélson Hungria, admitiu a cessação de um contrato em razão de um fator que surgiu após a celebração deste.
Conforme transcreve Carlos Alberto Bittar, a sentença foi a seguinte:
É certo que quem assume uma obrigação a ser cumprida em tempo futuro se sujeita à alta de valores, que podem variar em seu proveito ou prejuízo; mas, no caso de uma profunda mutação, subversiva do equilíbrio econômico das partes, a razão jurídica não pode ater-se ao rigor literal do contrato, e o juiz deve pronunciar a rescisão deste. A aplicação da cláusula rebus sic stantibus tem sido mesmo admitida como uma conseqüência da teoria do erro contratual.
Considera-se como já viciada, ao tempo em que o vínculo se contrair, a representação mental que só um evento posterior vem a demonstrar-se falsa. Se o evento, não previsto e imprevisível, modificativo da situação de fato na qual ocorreu a convergência das vontades no contrato, é de molde a quebrar inteiramente a equivalência entre as prestações recíprocas, não padece dúvida que se a parte prejudicada tivesse o dom da pré-ciência, não se teria obrigado, ou ter-se-ia obrigado sob condições diferentes. (BITTAR, 1993, p. 110)
Logo em seguida, o próprio Supremo Tribunal Federal também já permitia essa revisão judicial, conforme transcreve o mesmo autor:
[...] o tribunal que a acolhe (a cláusula) não viola expressa disposição de lei. A construção de doutrinas jurídicas não reguladas na lei positiva jamais poderá ferir a letra da lei, para dar lugar ao recurso extraordinário. A admissão daquele recurso, por diversidade da interpretação da lei, pressupõe espécies que se ajustem perfeitamente. A regra rebus sic stantibus não é contrária ao texto expressivo. (BITTAR, 193, p. 111)
Além de essa teoria já ter sido aplicada em decisões nos tribunais, registra-se que várias leis e códigos estabelecem, de diferentes maneiras, possibilidades de um contrato ser revisto judicialmente, conforme já apontado neste trabalho.
Ademais a própria Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em seu art. 4º, permite a aplicação dessa teoria pelo julgador: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito".
Diante disso, verifica-se maior aplicação da tese revisionista, o que só traz benefícios, tendo em vista que busca decisões mais justas e de acordo com as novas necessidades não apenas individuais, mas, também, sociais.
3.3 Direito comparado
A fim de melhor verificar a situação do revisionismo em diferentes países, fez-se uma breve análise dessa teoria nos sistemas jurídicos.
Nesse sentido, há países que não acolhem o revisionismo, como a França, a Bélgica, a Holanda, o Japão etc., mas, também, existem os países que o aplicam .
Alguns países que o admitem, preveem em lei, como a Polônia, a Itália, Portugal, dentre outros. Contudo, outros o admitem por interpretação jurisprudencial, como é o caso, por exemplo, da Alemanha, da Espanha e da Suíça.
O sistema francês, que faz parte da Civil Law, não admite a utilização da teoria revisionista. O contrato é considerado simplesmente como um meio de se chegar à propriedade, um meio de circulação de riquezas.
Estando a propriedade intimamente ligada à liberdade, o contrato tem grande valor e é obrigatório para as partes, pois elas mesmas assim estabeleceram. Somente questões ligadas ao interesse público podem limitar o disposto entre os contratantes.
No Código Napoleônico, de grande importância para a história do direito, o contrato é estabelecido no livro referente aos modos de aquisição da propriedade, não constando nada que permitisse limitação contratual.
Na verdade, a jurisprudência jamais admitiu a teoria da imprevisão. Porém, algumas leis esparsas possibilitaram essa aplicação, como a lei sobre revisão dos preços de aluguel (1925) e a lei sobre revisão salarial (1938). A ressalva que pode ser feita é a de que essas leis foram editadas em ocasiões de emergência, em decorrência de situações transitórias.
Portugal e Itália são dois países que, de fato, acolhem a teoria da revisão. O Código Civil de Portugal, de 1966, trouxe, explicitamente, em seu art. 437 a possibilidade de aplicação dessa teoria, ao dispor:
Art. 437. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de eqüidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
Já o regime italiano, fazendo parte da Civil Law, também admite a teoria da revisão mediante disposição legal. Estabelece o Código Civil de 1942, da Itália, em seu art. 1.467:
Art. 1467. Nos contratos de execução continuada ou periódica, ou de execução futura, se a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, em conseqüência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve tal prestação pode demandar a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos no art. 1.458.
Diferentemente é o sistema da Alemanha (também da Civil Law), que admite a teoria revisionista, mas apenas por meio da jurisprudência. Isso porque o Código Civil alemão de 1896 não traz de modo expresso nada acerca dessa teoria.
Mediante a interpretação de alguns artigos desse código, a jurisprudência alemã tem aceitado esse princípio revisionista. É o caso, por exemplo, dos seguintes dispositivos.
§ 315: se a prestação tiver de ser determinada por um dos contratantes, admitir-se-á, na dúvida, que a determinação deve ter lugar de conformidade com um critério eqüitativo, cuja determinação será efetuada por sentença, abrindo brecha para a revisão pelo juiz.
§ 343: prevê a redução de multa exorbitante, por meio de sentença.